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Cavaco e Lima: Prorrogação da MP 936 não basta

No último dia 28, o Congresso Nacional publicou o Ato nº 44 prorrogando a vigência da MP 936, que permite a redução de salários e a suspensão de contratos de trabalho durante a pandemia da Covid-19, por mais 60 dias.

Destacamos que a prorrogação se refere apenas ao prazo de validade da MP 936, ou seja, o prazo que inicialmente era de 60 dias foi prorrogado por mais 60.

Já os prazos previstos nos artigos 7º e 8º da MP 936, que previam suspensão de contratos por 60 dias e a redução de salários e jornadas por 90, permanecem os mesmos e somente poderão ser prorrogados mediante uma nova medida provisória.

Portanto, o empresário que já suspendeu o contrato dos seus empregados por 60 dias ou reduziu a jornada e os salários por 90 dias não pode fazer isso novamente. Porém, se o empregador somente suspendeu os contratos por 60 dias poderá, neste momento, reduzir os salários e as jornadas, e vice-versa.

Outra alternativa para o empregador que não conseguir retomar suas atividades neste momento, e que já tenha suspendido o contrato dos seus empregados por 60 dias e/ou reduzido jornada e salário por 90 dias, é a utilização da MP 927, ainda em vigor, em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020, e que prevê as seguintes possibilidades para o empregador:

I teletrabalho;

II antecipação de férias individuais;

III concessão de férias coletivas;

IV aproveitamento e a antecipação de feriados;

V banco de horas.

Porém, apesar dessas medidas, bem como da prorrogação da MP 936, empresários admitem que a perda de receita causada por esse momento de pandemia vai levar ao fechamento de inúmeros postos de trabalho e, consequentemente, muitos brasileiros ainda perderão seus empregos.

Setores como bares, restaurantes, shopping centers, turismo e indústria automobilística são os mais afetados e mesmo com a retomada das atividades gradativamente, como já ocorre em alguns Estados, levará um longo período para que os empresários possam retomar o faturamento, uma vez que a população está descapitalizada, logo o consumo não será no mesmo ritmo de antes.

Além do mais, os empresários perderam datas importantes, como o Dia das Mães, que movimenta todos os setores acima apontados e cujo faturamento é considerado um dos maiores do varejo, perdendo apenas para o Natal.

Com base nesSe cenário, apesar de todos os incentivos do governo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) prevê que “teremos a maior taxa de desemprego da história, porque, por mais que o governo tente ajudar e que haja uma expansão do crédito, nem todas as empresas conseguirão manter suas atividades nesse quadro de paralisia da economia. Há muitos custos fixos para as empresas”, conforme explica o pesquisador da área de Economia Aplicada do instituto, Daniel Duque.

Verifica-se que, apesar dos esforços do governo, as medidas se mostraram ineficientes, já que não garantem estabilidade no emprego após a implementação. Ou seja, a empresa pode demitir o trabalhador depois da suspensão ou redução de jornada e salário previstos na MP 936, por exemplo. Dessa forma, mesmo com a prorrogação da MP 936, bem como com as alternativas da MP 927, nos parece que não haverá outra saída para o empresário ao final da validade dessas medidas senão a demissão dos seus empregados, tendo em vista a lentidão na retomada da economia, bem como a falta de linhas de créditos para que o empresário possa ter um fôlego maior e com isso conseguir manter a folha de pagamento.

Portanto, se o governo não agir imediatamente e tomar medidas mais eficazes do que aquelas previstas nas MPs 936 e 927, o cenário mais provável que nos aguarda é uma crise prolongada, com recuperação lenta após pandemia, empresários fechando suas portas e demissões em massa.

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Marcelo Buhatem: Ministro Marco Aurélio, 30 Anos no STF

Tempos estranhos… É assim que começo este texto de homenagem ao nosso Ministro Marco Aurélio, que completou 30 anos no Supremo no último sábado, dia 13 de junho de 2020.

Essa frase, que já se tornou quase uma marca registrada do ministro, presente em várias de suas manifestações, é hoje talvez a que melhor retrate o grave momento de crise sanitária e de desarranjo político-institucional vivido em nosso país.

Não há espaço para retrocesso. Os ares são democráticos e assim continuarão. Visão totalitária merece a excomunhão maior”, afirmou Mello em entrevista a Rafael Moraes Moura, de O Estado de S. Paulo.

Polêmico, sábio, destemido, crítico, mas sempre elegante em suas manifestações e com os colegas, Marco Aurélio gosta de divergir e assim o faz não por capricho, mas por não ter compromisso com nada além de suas ideias. É da sua essência questionar o óbvio.

Tive o prazer de conhecer o Ministro Marco Aurélio por meio do saudoso desembargador Enéas Machado Cotta, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ainda nos primeiros anos de vigência da Constituição Cidadã de 1988.

De cada três ações que o Supremo Tribunal Federal julga, o Ministro Marco Aurélio fica vencido em uma, o que lhe rendeu o apelido, que tanto preza, por sinal, de “senhor voto vencido”.

Em voto memorável, em que ficou vencido, ele cita Hans Kelsen e explica uma vez mais por que ficar vencido não é uma derrota pessoal, mas uma vitória da democracia: “É bom sempre lembrarmos Hans Kelsen quando afirma que a democracia se constrói sobretudo quando se respeitam os direitos da minoria, mesmo porque esta poderá um dia influenciar a opinião da maioria. E venho adotando esse princípio diuturnamente, daí a razão pela qual, muitas vezes, deixo de atender ao pensamento da maioria, à inteligência dos colegas, por compreender, mantida a convicção, a importância do voto minoritário”. O recado foi dado no julgamento do HC 82.424/RS, do editor gaúcho Siegfried Ellwanger, contra condenação imposta pela Justiça gaúcha por ter ele publicado livros considerados antissemitas.

Marco Aurélio Mendes de Farias Mello nasceu em 12 de julho de 1946, natural do Rio de Janeiro, filho de Plínio Affonso de Farias Mello e Eunice Mendes de Farias Mello.

Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da UFRJ, em 1973. Membro junto à JT da 1ª região, no período de 1975 a 1978, tornou-se juiz togado, de 1978 a 1981, tendo sido presidente da 2ª turma do TRT da 1ª região. No TST, assumiu a cadeira de ministro em setembro de 1981, onde atuou até ser nomeado para o STF.

Marco Aurélio Mello também foi ministro no TSE, corte que presidiu durante duas eleições: a municipal de 1996 e a presidencial de 2006. Em sua primeira gestão, o ministro esteve à frente das primeiras eleições informatizadas do país, realizadas em outubro de 1996, quando 57 municípios brasileiros todas as capitais e as cidades com mais de 200 mil eleitores utilizaram urnas eletrônicas. Já em 2006, ele comandou as eleições presidenciais com o processo de totalização de votos, até então o mais rápido registrado pela Justiça Eleitoral.

No Supremo, foi presidente da corte no biênio 2001/2003, tendo inclusive exercido a presidência da República interinamente. Sob seu comando, foi aprovada a criação da TV Justiça, símbolo da transparência no Judiciário e da aproximação do Poder com a sociedade.

O Ministro Marco Aurélio foi o relator de um dos casos mais marcantes julgados pelo Supremo: a ADPF 54, na qual se discutiu a possibilidade de interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. Numa decisão emblemática, em 2004, concedeu liminar para autorizar a antecipação do parto de fetos anencéfalos por gestantes que assim decidissem, quando a deformidade fosse identificada por meio de laudo médico. Três meses depois, a liminar foi cassada, mas, no julgamento do mérito da ação, em 2012, por maioria de votos, o plenário decidiu pela possibilidade de interrupção da gestação nesses casos.

Ao completar 25 anos como integrante do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Marco Aurélio Mello disse que não se vê deixando o tribunal. “Não me vejo virando as costas para essa cadeira. O que mais quero na vida é manter o mesmo entusiasmo, examinando o processo como se fosse o primeiro de minha vida judicante”, afirmou o ministro, ao ser homenageado, na ocasião, pelos colegas.

Não há dúvidas de que quando deixar a honrosa cadeira que ocupa na Suprema Corte, uma luz certamente se apagará e a jurisdição constitucional sentirá saudade dos distintos pontos de vista do ministro, muitas vezes divergentes, mas que sempre engrandecem o debate.

Os votos vencidos proferidos pelo Ministro Marco Aurélio ao longo da sua carreira são emblemáticos de que o exercício do poder somente se legitima com o diálogo, com o respeito à diferença, com o acolhimento do pluralismo de ideias e com a coexistência harmoniosa entre as diversas correntes de ação e de pensamento.

Talvez o maior legado que o ministro deixará, com sua saída da Corte Suprema, prevista para julho de 2021, quando completará 75 primaveras, é que as dissensões fazem parte do jogo democrático. A lógica adversarial deve ceder lugar ao culto pelo respeito a visões diferentes, pois é da essência da democracia e de uma sociedade aberta o pluralismo de ideias.

Parafraseando o ministro Barroso, em recente e sábia manifestação, “quem pensa diferente de mim não é meu adversário, muito menos meu inimigo. É meu parceiro na construção de um mundo plural, de uma sociedade aberta”.

Em tempos estranhos, de democracias em vertigem, porém, na certeza de que as instituições fluem com normalidade, o respeito pela diferença, tão emblemático nos votos vencidos do Ministro Marco Aurélio, deve servir de bússola, indicando os caminhos que seguiremos na construção de uma sociedade mais justa, solidária e paciente na edificação de um Estado fundado em bases democráticas.

Marcelo Buhatem é desembargador do TJ-RJ e presidente da Andes (Associação Nacional dos Desembargadores).