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Binenbojm e Dionisio: Subterfúgio a gestores mal-intencionados?

A recém-editada Medida Provisória nº 966/20 tem sofrido duras críticas por, supostamente, apresentar-se como um subterfúgio a gestores mal-intencionados ou que contrariam orientações científicas no combate ao novo coronavírus. Ao limitar a responsabilização pessoal de agentes públicos aos casos de dolo e erro grosseiro, para alguns a MP tornaria impunes gestores maliciosos ou que, diante do atual contexto da pandemia, ignorem as contribuições que a ciência tem a oferecer.

Gestores mal-intencionados, no entanto, não se encontram protegidos pela MP 966/20 e podem ser condenados a indenizar os cofres públicos em razão de eventuais danos causados ao erário por suas ações ou omissões. Sua participação dolosa ou dotada de grave negligência em fraudes licitatórias, superfaturamento de contratos, dispensas indevidas de licitação e outros mal feitos poderá resultar, a depender do caso, não apenas em sua responsabilização civil como também penal e administrativa.

Com efeito, a medida provisória em questão exclui a responsabilização pessoal de gestores que tenham incorrido em equívocos não culpáveis ou nos quais a culpa seja de natureza simples ou leve. A responsabilidade permanece, entretanto, nas hipóteses de dolo do agente público e nos casos de erros grosseiros, em que há elevado grau de negligência, segundo definido pelo artigo 2º da própria MP.

Para a adequada compreensão de seu alcance, é importante diferenciar os institutos do erro e do desvio de finalidade. De acordo com a Lei de Ação Popular, o desvio de finalidade ocorre nas hipóteses em que o agente público pratica determinado ato com a intenção de atingir fim diverso daquele, implícita ou explicitamente, previsto na norma respectiva. O dolo (ou intencionalidade) é elemento essencial do desvio.

O erro, de outro lado, consiste em uma desconformidade não intencional entre a percepção do agente público sobre os motivos que basearam sua atuação e a realidade fática ou jurídica existente. Ao contrário do que ocorre com o desvio de finalidade, portanto, é necessário para a configuração do erro administrativo que a má avaliação dos motivos ocorra de maneira não intencional. Logo, ao agirem com dolo, agentes públicos mal-intencionados estão, por definição, excluídos do alcance da MP.

Não encontram amparo na referida inovação legislativa, igualmente, agentes públicos que atuam de maneira contrária a consensos científicos mínimos, ainda que naturalmente provisórios [1], a respeito das medidas sanitárias mais eficientes para o combate à Covid-19.

Conforme argumentado em artigo anterior à edição da MP 966/20 [2], importante parâmetro para a configuração do erro grosseiro no enfrentamento da pandemia é o grau de aderência da escolha realizada pelo agente público em relação aos dados técnicos disponíveis no momento da decisão. Segundo o standard proposto, quanto menos coerente for a decisão do administrador em relação a orientações científicas, menor também deverá ser o espaço de tolerância ao cometimento de equívocos.

A obtenção de informações relevantes junto a pessoas e órgãos especializados serve justamente para orientar o agente público em suas decisões na direção mais adequada. Ao ignorar os dados técnicos que poderiam informar sua decisão, o administrador assume maior risco em cometer erros. A não aderência da decisão em relação às informações científicas a que tem acesso, dessa forma, tenderá a ampliar o seu grau de culpabilidade pelos equívocos que as contrariem [3].

A desconsideração de recomendações a respeito da eficácia de medidas de distanciamento social, emitidas pela quase totalidade da comunidade científica nacional e internacional e por entidades como a Organização Mundial da Saúde, o Conselho Federal de Medicina e o Ministério e as Secretarias de Saúde pode configurar erro grosseiro passível de responsabilização. É o que também ocorre com a promoção do uso indiscriminado de medicamentos cuja eficácia e segurança ainda não encontram respaldo científico mínimo.

Assim, a atuação maliciosa ou gravemente culposa e a inobservância de orientações partilhadas pela grande maioria da comunidade científica podem configurar erro grosseiro ou dolo do gestor. Nesses casos, o agente público será passível de responsabilização pessoal de acordo não apenas com o que dispõe a legislação anteriormente existente a respeito, mas também com a própria MP nº 966/20. A inovação legislativa, enfim, não tem o condão de tornar impunes agentes públicos corruptos ou que pregam o negacionismo científico.

Pedro de Hollanda Dionisio é procurador do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, membro fundador do UERJ Reg., doutorando e mestre em Direito Público pela UERJ.

 é professor titular da Faculdade de Direito da Uerj, doutor e mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Master of Laws por Yale (EUA).

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TJ-SP nega HC a acusado de vender álcool em gel adulterado

Conduta extremamente grave

TJ-SP nega habeas corpus a acusado de vender álcool em gel adulterado

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A conduta dolosa de adulterar produto considerado estratégico (álcool em gel) durante uma pandemia com alto grau de contágio pode ser considerada uma doença social que afeta pessoas gananciosas e inescrupulosas, com efeitos nefastos à economia e ao sistema de saúde pública.

ReproduçãoTJ-SP nega habeas corpus a acusado de vender álcool em gel adulterado

Com esse entendimento, a 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido de habeas corpus de um homem preso em flagrante em Ribeirão Preto por vender álcool em gel adulterado, além de não emitir notas fiscais. A esposa dele também foi presa, mas já está em liberdade por decisão de primeira instância.

Para o relator, desembargador Marcos Correa, mostra-se correto o posicionamento do juízo de origem no sentido de decidir pela segregação do paciente, “haja vista a existência de elementos aptos a demonstrar o fumus comissi delicti e o periculum libertatis“.

Ele disse que a materialidade delitiva e os indícios de autoria estão comprovados pelos depoimentos das testemunhas ouvidas na fase investigatória, bem como pelas fotos juntadas ao autos e estudos provisórios que apontam a venda de álcool em gel adulterado no estabelecimento do réu.

“Quanto ao periculum libertatis – e aqui bate o ponto, evidencia-se a necessidade da segregação cautelar do paciente para resguardo da ordem pública, pois ele e sua comparsa, durante uma gravíssima pandemia e vulnerabilidade da vida de milhares de pessoas, em tese, adulteraram produto essencial ao controle da disseminação do vírus, burlando a lei em benefício próprio”, disse.

O relator afirmou ainda que a conduta dos pacientes é “extremamente grave pelo absoluto descaso com a vida das pessoas, considerando os riscos de rápida propagação da Covid-19”. “Nesse ponto, insta salientar que não há óbice para manter a segregação preventiva consubstanciada”, completou.

2056179-22.2020.8.26.0000

 é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 11 de maio de 2020, 11h25