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TJ-GO suspende embargo de município para obra de condomínio

Considerando que há risco na demora e que o embargo de uma construção poderia causar danos irreversíveis, o desembargador Itamar de Lima, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, decidiu reformar decisão de primeiro grau e suspendeu a ordem de embargo dada pelo município de Bela Vista de Goiás para a obra de um condomínio de lotes.

Desembargador suspendeu embargo da prefeitura de Bela Vista de Goiás
123RF

No recurso, a empresa dona do empreendimento aponta que o município aprovou a execução de um condomínio de lotes exigindo, com fundamento no artigo 5º, §1º da Lei Municipal nº 1.863/19, a execução de obras correspondentes a 0,5% (meio por cento) da área destinada aos lotes.

A empresa alega que tal exigência é ilegal cita artigo precedente do Órgão Especial do TJ-GO, em situação análoga, de Ação Direta de Inconstitucionalidade que se questionava norma do município de Goiânia.

O advogado da empresa, Arthur Rios Júnior, afirma que “o embargo realizado pelo município atinge, desnecessariamente, a economia municipal, as contas públicas, os compradores do empreendimento, as empresas terceirizadas e os trabalhadores contratados para a execução das obras, importando ainda em violação à lei de liberdade econômica”.

Ao analisar o caso, o relator apontou que o embargo da obra é desproporcional em relação ao suposto descumprimento da obrigação por parte da agravante, já que há cláusula contratual dando ao município 28 terrenos do empreendimento, de forma que é razoável o deferimento da liminar para garantir a continuidade da obra.

“O perigo de demora no provimento final também está demonstrado, na medida em que o embargo da obra traz evidentes prejuízos ao agravante e às pessoas que dependem da concretização do empreendimento”, apontou.

O magistrado também determinou que o município se abstenha de impor embaraços à continuidade da obra, até julgamento final deste recurso, sob pena de medidas coercitivas a serem oportunamente fixadas.

Clique aqui para ler a decisão

5226422.19.2020.8.09.0000

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Lindoso e Lima: Assembleia virtual em condomínios edilícios

A discussão sobre a possibilidade jurídica e sobre os lineamentos da assembleia geral de condomínio feita em ambiente virtual não é uma novidade. Muito ao contrário, é um assunto recorrente e uma reclamação antiga dos envolvidos no cotidiano do condomínio edilícios. Muitos síndicos em um primeiro contato com os temas jurídicos se perguntam por qual motivo isso já não é uma realidade. O baixo nível de engajamento dos condôminos com os assuntos do condomínio é sempre um fator que provoca as discussões, reforçando os pleitos por algum meio legítimo e seguro de realização virtual de assembleias de condomínio.

O condomínio é uma situação jurídica complexa que tem relação muito estreita com o direito fundamental à propriedade, que por sua vez é uma garantia constitucional das mais densas. E quanto maior a densidade constitucional de um direito, maior é a preocupação com segurança jurídica enquanto valor a ser considerado em eventual ponderação de interesses.

Logo, apesar das inúmeras e indiscutíveis vantagens de se realizar por ambiente virtual uma assembleia de condomínio, vivemos sob a égide de um Estado Democrático de Direito e precisamos nos ater aos limites e possibilidades da lei, que não prevê essa modalidade. Esse silêncio normativo, que tem por si só já tem uma carga sentido interpretativo, permite também algumas interpretações.

Sumarizando as possíveis interpretações, temos: I) a impossibilidade, diante da exigência legal de ato presencial; II) a possibilidade, desde que haja previsão na convenção de condomínio; e II) a possibilidade, salvo vedação na convenção de condomínio.

O Código Civil é silente quanto à modalidade de assembleia de condôminos, não havendo disposição que permita e nem que vede realização de assembleia virtual. Trata-se, obviamente, de disposição consentânea com o contexto social em que foi discutido e promulgado o Código Civil de 2002.

Pode parecer uma realidade distante no mundo hiperconectado em que vivemos hoje, e mais distante ainda considerando a ampla gama de ferramentas que possibilitariam, agora, a realização do ato. Entretanto, no longínquo ano de 2002 as ferramentas para videoconferência ou não existiam ou bem não eram acessíveis ou seguras o suficiente para representar solução legal.

É razoável supor, portanto, que a possibilidade de assembleia virtual de condôminos nunca foi algo seriamente cogitado no âmbito legislativo, simplesmente porque as tecnologias necessárias para viabilizar o ato não forneciam os meios para tanto.

Independentemente dos motivos que animaram essa escolha legislativa, é um fato inarredável o de que sempre que a lei trata da assembleia geral de condôminos se refere ao ato como um ato presencial. Os artigos 1.352 e 1.353 fazem referência expressa ao vocábulo “presentes”, sendo razoável presumir daí que há a necessidade de presença física do condômino. Se há a necessidade de presença física dos condôminos para o ato, por interpretação sistemática, seria juridicamente impossível a realização do ato por ambiente virtual.

Essa é, portanto, a primeira possibilidade interpretativa: a mais literal e conservadora interpretação das normas aplicáveis ao caso. A realização de assembleia geral de condôminos pela modalidade virtual é juridicamente impossível, diante de expressa disposição legal determinando que o ato seja presencial.

Há outros dois caminhos possíveis que merecem destaque, cada qual com seu respectivo fundamento.

É possível supor a realização de assembleia virtual, desde que haja previsão para tanto na convenção de condomínio. Essa assertiva encontraria arrimo no artigo 1.350 do Código Civil, pois, alegadamente, o síndico poderia convocar assembleia geral de condôminos “na forma prevista na convenção”.

Esse posicionamento tem, de fato, alguns acertos. O primeiro deles é o de que determinadas matérias podem ter disposição livre em convenção de condomínio. A forma de convocação da assembleia é uma delas. Pode o condomínio, portanto, dispor em convenção como os condôminos serão informados da existência de uma assembleia. Se será por carta registrada, e-mail, afixação de edital em mural, pombo-correio, sinal de fumaça, aviso do porteiro e por aí vai.

Ocorre que essa liberdade prevista no artigo 1.350 se limita à forma de convocação, e não pode ser espraiada para as demais disposições cogentes, não derrogáveis pela convencionalidade. Essa é uma interpretação fruto de simples análise sistemática da norma, em cotejo com as demais disposições alusivas à assembleia. Parafraseando Eros Grau, o ordenamento jurídico não se interpreta em tiras.

Noutro giro, mesmo que se interprete que a norma no sentido de que há a liberdade para que a convenção de condomínio disponha sobre a forma de realização do ato em si, e não da convocação, ainda assim subsiste a limitação legada pela expressa previsão de ato presencial, o que retira do espaço de discricionariedade convencional, por assim dizer, da convenção de condomínio.

A convenção de condomínio pode dispor sobre matérias cuja disposição legal lhe seja franqueada, ou sobre aquelas matérias em que não há disposição legal. Não é juridicamente possível, entretanto, que a convenção disponha sobe matéria cogente, ou seja, sobre os temas dos quais já se ocupa a lei.

Essas são conclusões que encontram fundamento na interpretação mais franca do princípio da legalidade no âmbito das relações civis, em que é permitido ao particular fazer o que a lei não proíbe.

A segunda interpretação possível, portanto, é a que defende a possibilidade da realização de assembleia virtual, diante da interpretação do artigo 1.350, que alegadamente permite inferir que a convenção de condomínio pode dispor sobre o modo de realização da assembleia, inclusive podendo dispor que ela seja feita virtualmente.

O princípio da legalidade nas relações privadas é também um dos temais que toca ao terceiro posicionamento, no qual se sustenta que a realização de assembleia virtual é possível, salvo vedação na convenção de condomínio.

Essa assertiva não parece ser a mais acertada, uma vez que ignora disposições legais que fazem alusão expressa ao ato enquanto ato solene e presencial. Com efeito, a assertiva de que a assembleia virtual é possível, salvo disposição em contrário, seria válida caso a lei não dispusesse absolutamente nada a respeito. Nesse cenário hipotético, essa interpretação seria defensável, pois decorrente do princípio da legalidade nas relações privadas: ao particular é dado fazer tudo quanto a lei não lhe vedar.

Ocorre que não é esse o caso: existe disposição legal expressa que conduz à interpretação de que o legislador cunhou o ato como presencial. E infelizmente o particular deve interpretar a lei dentro de seus limites semânticos, sob pena de se descolar do Estado Democrático de Direito e empreender em verdadeira atividade legislativa.

A terceira interpretação, portanto, sustenta que a assembleia virtual é possível, desde que não haja vedação na convenção de condomínio.

Feitas as colocações sumárias sobre as possibilidades interpretativas que a lei dá, nos cabe esclarecer que há a impressão de que os posicionamentos pela possibilidade de realização de assembleia virtual não teriam fundamento legal adequado.

Primeiramente, quanto à interpretação do artigo 1.350, vale destacar que esta não se sustenta em uma análise sistemática do ordenamento, considerando que o Código Civil prevê uma séria de matérias que escapam à possibilidade de disposição na convenção. E certamente o faz com o fito de proporcionar ao proprietário de bem imóvel em condomínio maior grau de segurança jurídica.

Há aqui um clássico embate entre formalismo e efetividade. Não se trata de um debate novo, já tendo sido o tema estudado por ocasião das pesquisas de formalismo-valorativo no processo civil, com grande contribuição de Alvaro de Oliveira. Sempre que se busca mais efetividade nas relações jurídicas, o formalismo e, por via reflexa, a segurança jurídica sofrerão prejuízos.

Ocorre que o direito de propriedade é relevante demais para o ordenamento para que se permita que as convenções de condomínio disponham sobre a substância do ato, tendo a lei determinado um nível mínimo de formalidade na necessidade de realização presencial do ato. Essa lógica vale também para o posicionamento de que é viável a assembleia virtual, salvo disposição em contrário.

Essa assertiva inverte a polaridade dos atos civis, tornando regra o que é exceção. Trata-se de medida contraditória, posto que certamente os atos da vida civil que levaram à constituição do condomínio e à aquisição da propriedade foram realizados presencialmente. Seria, para dizer o mínimo, surpreender o condômino determinando a realização de assembleia no formato virtual apenas porque a convenção não prevê essa limitação. Essa interpretação, com as devidas vênias, nos parece bastante problemática.

Já em um viés mais pragmático, não há como deixar de reconhecer a utilidade e as vantagens de uma assembleia virtual. E nem há como negar que é um futuro inescapável, e já uma realidade alcançada por via oblíqua nos aplicativos de bate-papo em grupo, que acabam, de maneira indevida, se tornando o palco para os debates que deveriam ser realizados na reunião de condomínio. Tais soluções representam muito ruído e pouca efetividade, acabando por prejudicar os mecanismos institucionais do condomínio.

Há de se considerar, por outro lado, que nem todo condômino tem a obrigação de ter a disposição e a intimidade com a tecnologia que a assembleia virtual demandaria. Assim, colocar essa modalidade como a regra poderia ter o injusto efeito colateral de excluir determinados condôminos, seja porque não dispõem dos meios tecnológicos, seja porque simplesmente não possuem esta aptidão. Basta lembrar, nessa senda, de condomínios com alto número de idosos, muitos dos quais não possuem, de maneira absolutamente justificável, familiaridade com as ferramentas de virtualização.

Qual seria, então, a solução?

O problema, muito claramente, existe. Há um descompasso entre o fato social e a moldura legal aplicável ao cotidiano. É dizer, noutras palavras, que as relações condominiais já evoluíram para os meios de comunicação telemáticos, cabendo ao ordenamento jurídico regular da melhor forma possível estas relações jurídicas. Não nos cabe, enquanto aplicadores do Direito, apenas apontar os problemas e repousar sobre os defeitos das soluções que já existem. É oportuno que se aponte também um caminho.

Assim, diante dos limites do ordenamento posto, entendemos que a realização de assembleia virtual passa necessariamente por uma alteração legislativa, que deverá regulamentar minimamente a modalidade de assembleia virtual, antevendo alguns potenciais problemas.

Alguns elementos dessa regulamentação atenderiam às preocupações de se evitar a exclusão de condôminos, de criar quebras de isonomia, bem como à necessidade de se proporcionar sistemas auditáveis de deliberação, que evitem abuso de poder pelo síndico.

Enquanto uma alteração legislativa não acontece, o condomínio que desejar regulamentar a atuação de seus órgãos em ambientes virtuais poderá fazer uso de toda sorte de ferramentas virtuais para proporcionar amplo debate, amadurecendo questões e manifestações dos condôminos em ambiente virtual. Bons exemplos disso são enquetes, que fornecem ao síndico um bom termômetro para a prática de atos de gestão.

Nada obsta que a discussão dos temas tenha início no ambiente virtual, ganhando em amadurecimento e em engajamento dos condôminos. Com toda a publicidade e didática possível, e preferencialmente com arrimo em deliberações assembleares, o condomínio pode eleger meios virtuais para colher manifestações de vontade diversas dos condôminos, que podem dar sustento à atos de gestão, principalmente em questões mais triviais.

No entanto, apesar de todas as vantagens, com o esquadro legal que temos hoje, toda e qualquer deliberação, por mais que tenha os debates previamente amadurecidos pelo ambiente virtual, deve terminar em uma deliberação presencial, com especial destaque para os temas sensíveis, como prestação de contas e eleição de síndico. O PL 1.179/2020, o qual dispõe sobre o regime jurídico emergencial transitório por força das repercussões da Covid-19 nas relações privadas, possui previsão de assembleia virtual, em caráter temporário por causa da impossibilidade de realização de assembleias presenciais, considerando a necessidade de isolamento social para combate à Covid-19. O referido projeto de lei, ainda em trâmite no Congresso, prevê que a manifestação de vontade do condômino por ambiente virtual fica equiparada à assinatura presencial.

Muito embora o projeto de lei não trate de aspectos relevantes, como a exigência de utilização de sistemas auditáveis e a garantia de participação de condôminos pelos meios analógicos, se assim desejarem, trata-se de solução emergencial louvável, que coloca no caminho certo a discussão jurídica sobre o tema.

Por fim, espera-se que este tipo de debate oportunizado pelas circunstâncias absolutamente adversas da pandemia possa provocar, de maneira segura e responsável, a modernização nas relações condominiais, de maneira estável, previsível e segura.

 é advogado especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (Ciesa), e ex-presidente da Comissão de Arbitragem da OAB-AM.

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ConJur – Wanessa Magnusson: Ideologia e relações de consumo

Em tempos de pandemia, o crescimento do alinhamento ideológico nas relações de consumo ganha cores ainda mais fortes.

Há vinte ou trinta anos, pouco se discutia se determinado fornecedor de produtos ou serviços se alinhava ideologicamente com seu público alvo.

Os consumidores não procuravam saber se a filosofia de determinado fornecedor se alinhava com as suas ideias, com seu modo de ver o mundo e as relações sociais. A ideologia e a postura institucional da empresa não eram uma preocupação do empresário, pois o consumidor buscava apenas qualidade, preço e rapidez na entrega do que queria adquirir.

O advento das redes sociais proporcionou à sociedade terreno fértil para a propagação e defesa de ideias, conceitos, valores e filosofias. O indivíduo que, offline não via estímulo para expor suas ideias e valores, encontrou, online palanque e audiência para defender seus valores e propagar sua filosofia e sua ideologia.

De vida saudável a responsabilidade ambiental, passando por comunicação não violenta, diversidade, espiritualidade e igualdade de gênero, valores e ideias tomaram o centro de discussões nas redes sociais, que se tornaram grandes salas de debate sobre os temas mais variados.

Ao discutir ideologias, filosofias e valores, o consumidor passou a refletir mais, a ponto de fazer desses conceitos critérios na hora de ir às compras.

Esse fenômeno da transformação do ato de consumir em verdadeiro ato político, de defesa ideológica, vem se mostrando de forma ainda mais ostensiva em tempos de pandemia.

Uma grande rede de lanchonetes, por exemplo, vem experimentando boicotes nas redes sociais porque um de seus sócios fez pronunciamento público a favor do fim do isolamento social e da retomada das atividades de trabalho.

Apesar de todas as advertências da Organização Mundial de Saúde e dos exemplos dos países europeus severamente vitimados pela pandemia, o empresário afirmou que o país não poderia parar “por 5 ou 7 mil mortes”.

Na madrugada posterior ao pronunciamento, o nome da rede de lanchonetes ficou entre os assuntos mais falados (trend topics) no Twitter, dada a quantidade de críticas à fala. Os boicotes à rede de lanchonetes se multiplicaram nas redes sociais e no whatsapp e, apesar de não se ter notícias do impacto financeiro desses boicotes, já se pode dizer com segurança que a imagem da rede foi arranhada.

A perda de popularidade (e consequentemente de clientela) da rede por ato de seu sócio, que se concretizou em minutos nas redes sociais, ilustra com clareza o fenômeno crescente no mercado da busca, pelos consumidores, por alinhamento ideológico com seus fornecedores.

Essa busca por alinhamento ideológico pode ser verificada em diversos exemplos. Hoje o consumidor prefere comprar daquela empresa de cosméticos que não faz testes em animais, daquela marca de roupas que acolhe a diversidade sexual e que não explora trabalho infantil.

Em tempos de pandemia, a ordem é dar preferência aos pequenos fornecedores e às pequenas empresas, que são mais vulneráveis e têm mais dificuldades de sobreviver ao período de isolamento social do que as grandes corporações. O movimento, assim, é pela escolha de pequenos mercados de bairro, de pequenos restaurantes e prestadores de serviços, que hoje vêm sendo mais procurados pelos consumidores, em detrimento das grandes empresas.

Se antes o consumidor buscava apenas preço, prazo e qualidade, hoje ele se informa previamente sobre o perfil, os valores e a filosofia institucional dos fornecedores existentes no mercado e até mesmo de seus sócios e acionistas. Não raro,  o consumidor opta por consumir daquele fornecedor que se alinha ideologicamente com ele, ainda que seu produto não seja o mais barato ou que seu prazo de entrega não seja o melhor.

Não se pode dizer, naturalmente, que se está diante de um ambiente de autorregulação. O mercado — não só o brasileiro — ainda demanda regras cogentes que garantam o cumprimento, pelas empresas, das legislações aplicáveis às suas atividades e a observância do que se denomina senso comum ou bom senso. E é possível que essa demanda por regras nunca deixe de existir.

De todo modo, o recado vem sendo dado e de forma especialmente eloquente em tempos de pandemia: Estabelecer-se no mercado consumidor hoje é tarefa muito mais complexa do que era vinte ou trinta anos atrás. Não basta mais garantir a qualidade do produto e do serviço, o prazo de entrega e o preço competitivo.

Mais do que se atentar para esses aspectos objetivos (qualidade, prazo e preço), as empresas devem cuidar para que suas filosofias e ideologias institucionais se alinhem à filosofia e ideologia de seu consumidor alvo. Devem, ainda, garantir que estas filosofias e ideologias saiam dos sites institucionais e sejam efetivamente observadas no exercício de suas atividades, sob pena de perderem terreno, competitividade e receita.

Wanessa Magnusson de Sousa é advogada especialista em relações de consumo do Nascimento e Mourão Advogados.

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Opinião: Project finance e a infraestrutura na Covid-19

As medidas recomendadas pelas autoridades sanitárias para a contenção do novo coronavírus, vetor da Covid-19, tais como o isolamento social, trouxeram consigo um cenário de incertezas para os investidores nacionais e estrangeiros. No horizonte do mercado, um possível quadro de recessão econômica mostra que boa parte das expectativas para o ano de 2020 não serão cumpridas, o que faz com que soluções criativas e possíveis sejam buscadas pelos operadores do direito e especialistas em finanças para atravessar esse momento de turbulências.

O crescimento de uma economia demanda iniciativas do Poder Público e da iniciativa privada, não podendo prescindir de mecanismos jurídico-financeiros de grande complexidade técnica, os quais demandam a atuação multidisciplinar de profissionais das mais diversas áreas. Assim, levando-se em conta a necessidade de vultuosos investimentos em projetos não só de implantação, como também de recuperação e ampliação de obras de interesse público, cresce em importância a utilização de instrumentos financeiros como o project finance no segmento da infraestrutura.

Em especial para projetos de alta complexidade, caracterizados por grandes investimentos, dilatados prazos de execução e retorno gradual dos recursos envolvidos, a opção por operações coligadas e estruturadas se mostra como uma opção a ser considerada, no contexto da Covid-19.  

Inicialmente temos que os investimentos realizados em infraestrutura são essenciais para o exercício da atividade produtiva fundamental de uma sociedade, sem a qual o desenvolvimento econômico se mostra inviável. Portanto, quaisquer ações nos diversos segmentos que são naturalmente aceitos como integrantes de um conjunto de infraestruturas, sejam estas efetuadas de forma direta pelo Poder Público, ou incentivado e autorizado por este, devem ser encaradas como determinantes para a concretização de políticas públicas importantes para a sociedade.

Assim, como característica inata da infraestrutura na concretização de interesses econômicos de amplo espectro, tais realizações possuem elevada complexidade em seus projetos, implantação e execução, a demandar grandes somas de dinheiro. Os especialistas em finanças, desta forma, ao buscarem avaliar as mais adequadas maneiras de encarar a avaliação dos riscos envolvidos, as estimativas de custos, e as formas de financiamento logo perceberam a insuficiência do tradicional corporate finance, ou seja, alocação de recursos por meio de aportes de capital diretos, mediante subscrição e integralização de participações, e/ou de dívida, mediante empréstimo, tendo como base o patrimônio dos sócios para estes fins. Um novo e mais eficaz método se fazia necessário.

Temos, então, na década de 1960 o início da disseminação do project finance para o financiamento de grandes obras de infraestrutura. O caso clássico na literatura estrangeira é  a construção da Trans Alaska Pipeline, oleoduto de 1300 Km de extensão realizado por uma joint venture de 8 empresas petrolíferas para viabilizar o transporte de petróleo entre o norte do Alaska e o porto de Valdez, a um custo de US$ 8 bilhões à época, e o envolvimento de 28.000 técnicos.   

Temos no Brasil, também, casos emblemáticos de utilização do project finance para a realização de relevantes obras a partir da década de 1990, como por exemplo, o aumento da capacidade de geração de energia de Serra da Mesa Energia em 1993, com investimentos da ordem de US$ 800 milhões, a construção da Rodovia Via Lagos no Estado do Rio de Janeiro em 1997, e as melhorias da Ponte Rio-Niterói, com um financiamento de R$ 36 milhões pelo BNDES pelo prazo de 10 anos, com garantia sobre os  créditos decorrentes da cobrança do pedágio.  

Ora, o project finance, como técnica financeira por meio da qual a satisfação dos créditos dos credores não depende dos ativos dos sócios, ou dos devedores, mas sim do  fluxo de caixa do próprio projeto, o qual fica comprometido com o pagamento das dívidas e com o retorno do pagamento dos sponsors, mostra-se como a solução adequada para os complexos projetos de  infraestrutura. Neste sentido, o diferencial do project finance se encontra no valor econômico-financeiro do projeto financiado, que não se consubstancia nos ativos dos devedores, mas sim no fluxo de caixa do próprio empreendimento.    

O cenário econômico brasileiro atual é composto de diversos fatores inibidores de investimentos, tais como a baixa disponibilidade de recursos orçamentários públicos, e a crise financeira, política e institucional que vem assolando o país há alguns anos. Estes elementos vêm afastando a alocação de recursos nas grandes obras necessárias a retomada do desenvolvimento econômico, trazendo consigo a reboque a estagnação do setor produtivo, a queda na arrecadação bem como a redução drásticas dos indicadores de bem estar na população. 

Considerando esse tenebroso quadro de pandemia global, o project finance — ou financiamento de projetos, estrutura econômica e financeira que não se confunde com operações ordinárias de financiamento, apresenta-se como uma alternativa viável e eficiente, a fim de se executar projetos de grande cabedal e que possam gerar bons retornos, minimizando-se os fatores inibidores ao investimento mencionados.

O project finance em apertada síntese, consiste em um instrumento de cunho financeiro e jurídico de características singulares.

Sob a ótica econômica, caracteriza-se por ser um projeto de provisão de fundos a obras de infraestrutura, industriais e de prestação de serviços públicos de vulto de longo prazo, mediante investimento pelos sócios do empreendimento, por meio de aporte de capital em contrapartida a uma participação societária, o que usualmente representa uma pequena parte da inversão, e empréstimo realizado em favor de uma empresa que, na relação jurídica e negocial emanada da coligação contratual, caracterizará uma unidade econômica individualizada. A capacidade de geração de caixa, bem assim os lucros auferidos pela empresa investida e tomadora do empréstimo, constituirão a principal fonte de pagamento do mútuo, ao passo que os ativos e direitos pertencentes à empresa constituirão garantia exclusiva (ou colateral) da operação. É um modelo atrativo à iniciativa privada, pois permite que ela tome parte em grandes projetos sem comprometer as suas métricas econômicas e o seu balanço patrimonial, na medida em que ocorre a afetação econômica e jurídica de um patrimônio ao empreendimento.       

Por seu turno, sob o prisma jurídico, consiste em uma relação societária e contratual estruturada para uma finalidade específica, razão pela qual constitui-se uma sociedade de propósito específico, veículo através do qual o projeto será executado e a partir do qual forma-se a coligação contratual entre sponsors (financiadores), empreendedores, fornecedores, prestadores de serviços, colaboradores, por vezes o Estado e, ao final, os usuários e consumidores do benefício oriundo da obra ou dos serviços públicos. No que tange às garantias, via de regra elas são concedidas como non-recourse collateral, isto é, elas limitar-se-ão aos recebíveis, aos ativos e direitos diretamente relacionados ao empreendimento, não sendo possível o alcance do patrimônio dos sócios para além do montante integralizado na sociedade de propósito específico, elementos que constituem a afetação jurídica do patrimônio do veículo do empreendimento. Finalmente, ainda na seara jurídica, a coligação contratual formada entre os diversos stakeholders tem o propósito de segregar riscos e, portanto, diminuí-los aos envolvidos.

Uma operação de project finance objetiva limitar a responsabilidade dos acionistas e empreendedores, tecnicamente denominados patrocinadores, bem como maximizar o seu eventual retorno, segregar o risco da empreitada entre os acionistas patrocinadores, os financiadores externos, eventuais provedores de serviços terceirizados e fornecedores e, eventualmente, o Estado.

Afim de atingir tais objetivos, o project finance tem como uma de suas características básicas a segregação do empreendimento, ou seja, patrimônio (ativo, passivo e patrimônio líquido) especificamente destinado ao projeto, o qual não será imiscuído ao  das empresas acionistas patrocinadoras, o que é normalmente realizado por meio da constituição de uma sociedade de propósito específico — seja uma sociedade limitada ou por ações — de forma a limitar a responsabilidade dos patrocinadores. Geralmente, os patrocinadores integralizam capital correspondente a 20 e 30% do montante do investimento necessário à execução do empreendimento. Podemos citar ainda a alavancagem financeira, ou seja, contração de dívida por meio de mútuos ou outros instrumentos afins, provido por financiadores externos, o financiamento garantido pelo empreendimento, ou seja, as receitas, lucros e ativos do empreendimento e, eventualmente, outros instrumentos de garantia ou mesmo alguma garantia prestada pelos patrocinadores – esta última não permitirá que se satisfaça débitos ilimitadamente no patrimônio do patrocinador, e finalmente, uma rede de contratos coligados, os quais objetivam a alocação de riscos de uma forma muito precisa e definida.

Justamente por ser dotado destas características, o project finance tem relacionamento estreito com as Concessões de Parcerias Público-Privadas, as quais foram introduzidas no ordenamento jurídico pela Lei n. 11.079/2004 como uma reação ao esgotamento dos modelos tradicionais de delegação das atividades do Estado para o setor privado em seus modelos clássicos no regime de concessões, permissões e autorizações.  Em conjunto, são poderosos instrumentos viabilizadores de políticas públicas aptos a angariar os volumosos recursos necessários ao aprimoramento e desenvolvimento da infraestrutura no Brasil.

Assim, a PPP constitui uma forma viável de cooperação entre o Estado e a iniciativa privada quando embasada em uma sólida estrutura de financiamento alavancada em project finance, se prestando a captar recursos econômicos de forma eficiente. Sua composição, com limitação de responsabilidade dos investidores e alocação adequada de riscos entre os envolvidos na relação negocial, é um grande incentivo a participação dos investidores nestes empreendimentos de forte interesse público.

Esta estratégia financeira, portanto, tem relação direta com a retomada do desenvolvimento econômico no país após a fase mais aguda da pandemia de Covid-19, pois, caso seja usada de maneira adequada para as contratações de grandes obras de infraestrutura, ela potencializará a entrada de capital no segmento, fomentando a concretização do interesse público.

Considerando, portanto, que o Brasil, em geral, carece de infraestrutura, tal como saneamento, rodovias, portos, aeroportos, energia, hospitais e meios de transporte, dentre outros, o project finance, juntamente com as Concessões de Parcerias Público-Privadas, cuida-se de um instrumento poderoso e eficiente à disposição do Estado e da iniciativa privada para tal fim, sendo imprescindível para o restabelecimento do curso do desenvolvimento e do crescimento econômico do país neste momento único e delicado de nossa história.

Marcos Roberto de Moraes Manoel é advogado coordenador da área de Direito Empresarial e dos Negócios da Nelson Wilians & Advogados Associados.

 é advogado, sócio coordenador do Núcleo de Direito Administrativo, Regulatório e Infraestrutura do Nelson Wilians & Advogados Associados.

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Marco dos Anjos: O coronavírus e o respeito ao sossego

A pandemia causada pelo novo coronavírus, além do grande impacto na saúde pública, vem trazendo questões relevantes no âmbito jurídico e que merecem uma atenção especial. A necessidade de afastamento social exige que as pessoas se mantenham em suas casas, o que pode causar mais problemas de convivência familiar e entre vizinhos, principalmente no caso de moradores de prédios de apartamentos.

Esses edifícios residenciais, legalmente chamados de condomínios edilícios, são caracterizados por uma situação jurídica especial, pois, embora cada dono de apartamento exerça exclusivamente o direito de propriedade de sua unidade, todos eles são coproprietários das áreas comuns, como salão de festas e piscinas. Além disso, a proximidade entre os moradores é maior do que ocorre em casas, aumentando o potencial para divergências. Enquanto entre vizinhos de casas uma televisão com som alto dificilmente prejudicará os moradores de outros imóveis, essa mesma ocorrência pode ser muito incômoda em um prédio de apartamentos.

Procurando deixar claro o comportamento esperado nesses edifícios, o Código Civil, em seu artigo 1.336, inciso IV, dispõe que é dever dos condôminos “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, à salubridade e à segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”.  

São frequentes as controvérsias quanto ao descumprimento do silêncio nos condomínios edilícios. Exemplos não faltam, como as discussões geradas por barulhentas festas em repúblicas estudantis, o incômodo causado pelo sistemático bater de portas e uso de salto alto em horário noturno ou brincadeiras de crianças. São situações de difícil solução porque, enquanto cada proprietário teria o direito de usar seu apartamento da forma como quisesse, o dono do imóvel vizinho tem direito ao sossego.

Com o surgimento da Covid-19 e o necessário afastamento social, há condomínios em que moradores estão tomando a iniciativa de buscar alguma diversão para as pessoas que ali residem, levando grupos musicais para se apresentarem em frente ao prédio ou organizando reuniões para assistirem às lives de cantores famosos. Mesmo existindo um objetivo louvável, a questão que se coloca é: a pandemia justifica que se afaste a exigência de comportamento que preserve o sossego dos condôminos?

A resposta é negativa. Embora seja claro que aspectos econômicos de contratos devam ser revisados e relativizados em razão do atual momento imprevisível e de força maior, o mesmo não deve ser dito em relação às regras de convivência entre moradores de condomínios. Há motivos mais fortes para o respeito ao sossego e que não se afastam diante de shows noturnos e som alto.

A busca pela preservação da tranquilidade no lar existe principalmente para proteger quem eventualmente esteja em situação mais frágil, como pessoas doentes, trabalhadores que precisam descansar ou crianças recém-nascidas. O objetivo da legislação é atender às necessidades mais prementes. A exigência de boa convivência entre os moradores de apartamentos se impõe e, até mesmo, fica ainda mais importante em tempos de grave pandemia e muito sofrimento. 

Marco Antonio dos Anjos é professor universitário e doutor em Direito Civil pela USP.