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Desafios da consensualidade na administração em tempos de Covid

O avanço da pandemia do novo coronavírus tem aumentado os desafios para o administrador público. Respostas rápidas e eficientes são cada vez mais urgentes e estimulam a busca por soluções inovadoras, experimentais e compatíveis com a juridicidade.

Uma justificação para a busca por novos caminhos está em como a singularidade do evento tem evidenciado as limitações dos mecanismos tradicionais colocados à disposição do gestor público para tomar decisões no que já se chamou de Estado Administrativo de Emergência. A publicação da MP 961, que autoriza pagamentos antecipados, aumenta alguns limites de dispensa de licitação e amplia o uso do RDC durante o estado de calamidade pública, ao lado de críticas à aplicação da teoria da imprevisão aos contratos de concessão são apenas exemplos do reconhecimento de limites, respectivamente, legais e dogmáticos de ferramentas jurídicas rotineiramente invocadas até pouco tempo para lidar com excepcionalidades. Processos administrativos e ações judiciais mostram-se, na mesma linha, igualmente problemáticos por serem custosos, excessivamente rígidos e permeáveis a assimetrias de informações.

Um dos caminhos promissores para enfrentar os desafios impostos pela pandemia para a saúde pública e a economia tem sido o recurso a mecanismos consensuais de solução de problemas. A negociação administrativa e a criação de crisis dispute boards, como sugere Egon Bockmann Moreira, seriam exemplos nesse sentido. Se a consensualidade, na forma de acordos, já havia recebido impulso significativo com as alterações promovidas em 2018 pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, especialmente pela inclusão do seu artigo 26, o atual cenário só amplifica a sua importância.

Incentivar a busca pelo diálogo e a abertura à participação, no entanto, encontra desafios de pelo menos duas naturezas. O primeiro seria cultural. A opção pela via consensual nem sempre é priorizada – ou considerada possível – pelo administrador. Segundo Voronoff, (i) um ranço autoritário por parte da Administração, (ii) a insegurança sobre a validade e a definitividade dos acordos, (iii) o nível de capacitação da Administração, (iv) os impactos sobre o dever de motivação produzidos pela elevação dos ônus de argumentação para sustentação da preferência pela negociação e (v) a tradicional associação entre a imposição de soluções unilaterais e realização do interesse público seriam as principais causas dessas primeira dificuldade. Lidar com esses fatores exige repensar diversas premissas que moldam a compreensão e a atuação da Administração. A pandemia, ao que tudo indica, vem contribuindo para acelerar esse processo.

O segundo desafio seria de natureza propriamente operacional. Se o artigo 26 da LINDB é uma das principais bases no direito positivo para a celebração de compromisso entre a Administração e interessados, como aplicá-lo adequadamente? A pergunta se justifica tanto pelo recurso legislativo a termos e expressões vagas como pela necessidade de compatibilização do dispositivo com a segurança jurídica, indicada como central na aplicação de qualquer norma pelo artigo 30 da própria LINDB.

A busca pela operacionalização do dispositivo, que se predestina a “eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público”, pode se dar a partir do investimento em soluções procedimentais capazes de contribuir, incrementalmente, para a justificação da necessidade do acordo e da adequação dos seus termos. Nesse sentido, antes da estipulação (i) das obrigações das partes (que não poderão desonerar permanentemente dever legal), (ii) do prazo para cumprimento, (iii) das sanções (art. 26, §1º, III e IV) e (iv) da publicação do ato (art. 26, caput), há de se definir uma trajetória a ser percorrida, com propensão para a identificação, por exemplo, da relação entre o objeto do acordo e a pandemia, do nível de impacto, do nível de esforço a ser atribuído às partes e da possibilidade de replicação automática do resultado para agentes privados em situação paritária. A boa notícia é que parte do percurso já se encontra definido em lei.

É certo que há muita indeterminação a ser superada. O inciso I, do § 1º, do artigo 26 investe numa exigente justificação focada na otimização de transações específicas pelo aproveitamento máximo de informações e habilidades do gestor que, na prática, tem pouca propensão de ser cumprida. A aplicação de critérios como interesses gerais, solução equânime, proporcionalidade e eficiência recomenda que o órgão jurídico da autoridade administrativa intervenha não somente na qualidade de parecerista (art. 26, caput), mas, sempre que possível, como agente estruturante da vontade administrativa em formação, conjuntamente com a área técnica de competência (inc. III, § 4º, art. 10º, do Decreto Federal nº 9.830/2019). Pela associação das razões de ambas as áreas, inclusive, é que também poderá ser dirimida a necessidade (ou não) de audiência pública para a salvaguarda de eventuais interesses outros não vinculados imediatamente às vontades dos acordantes.

Outra peça de valor disponível no direito positivo para a construção de um acordo é a instituição de câmaras de mediação e conciliação no órgão competente para transigir, conforme art. 174 do CPC e art. 32, II, da Lei n. 13.140/2015. Embora facultativa, a criação dessas câmaras soa altamente recomendável, tanto para afastar eventual viés decorrente da combinação de persecução com a função de transigir, como para tentar elevar a qualidade do acordo e dificultar a captura. Neste esforço dogmático já fora dos lindes da LINDB, não poderia faltar, em complementação, a referência à Lei n. 9.784/99. Em específico, dela podem ser extraídos (i) os critérios de condução procedimental consignados em seus arts. 2º e 3º, dentre os quais se destacam a objetividade, a publicidade e a indicação de pressupostos de fato e de direito, assim como (ii) a imposição de especial ônus de argumentação ao administrado, na forma do seu art. 4º, com força para ensejar a necessidade de que o agente particular especifique de antemão a compatibilidade entre aquilo que propõe para o acordo e as determinações do art. 26 da LINDB.

Para além dessas diretrizes, ainda é possível vislumbrar outras medidas que poderão ser (re)modeláveis à luz das contingências de cada órgão ou mesmo de cada caso em que esses sejam chamado a decidir. São elas: (i) a indicação de manutenção do mundo “como está”, em casos de incerteza radical sobre os efeitos futuros do acordo (ou de custos excessivos para a sua superação); (ii) a obrigatoriedade de análise, pela Administração Pública, do histórico comportamental do(s) proponente(s), como forma de identificar a verdadeira excepcionalidade da medida; (iii) a criação de mecanismos de vinculação para a solução de casos futuros à luz dos precedentes criados; (iv) o estabelecimento de patamar limite de valor, sendo que, acima do limite fixado, a autorização para transacionar — por dever ser ainda mais excepcional — demandaria uma intervenção de agente público com competências que o coloquem em posição “superior” (e.g.: procurador geral); (v) a verificação da existência de um programa efetivo de compliance pelo agente privado; e (vi) a criação de sistemas de monitoramento de resultados dos acordos administrativos já celebrados.

A impressão é a de que, por meio da identificação e observância de parâmetros procedimentais, como os delineados ao longo deste texto ou outros que podem ser a eles agregados, há potencial para aumentar a racionalidade decisória da atuação administrativa (inclusive para fundamentar que a via negocial ou alguma forma de acordo não deve, em determinado caso, ser privilegiada) e facilitar o monitoramento das ações de todos os envolvidos em tempos tão difíceis. Pensando em como se concretiza um instrumento de consensualidade, acaba-se moldando o que será feito.

Esta coluna é produzida com a colaboração dos programas de pós-graduação em Direito do Brasil e destina-se a publicar materiais de divulgação de pesquisas ou estudos relacionados à pandemia do Coronavírus (Covid-19).


Para aprofundamento dos próximos argumentos v. MACHADO, Gabriel. Acordos Administrativos a partir do artigo 26 da LINDB: Consensualidade, Tensões, Sentidos e Processo. Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Direito da Regulação da FGV Direito Rio. Rio de Janeiro, 143f., 2020.

Gabriel Machado é mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio e advogado.

Fernando Leal é professor da FGV Direito Rio.

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Auxílio emergencial só pode ser sacado na Caixa, diz juiz

As medidas para conter aglomerações tomadas pela Caixa Econômica Federal, estado do Ceará e União estão se mostrando eficientes. Assim, não há omissão evidente por parte das entidades entidades. 

Para juiz, Caixa já está tomando medida para reduzir aglomerações
Andréa Rêgo Barros/PCR

O entendimento é do juiz Gustavo Henrique Teixeira de Oliveira, da 6ª Vara Cível do Ceará, ao indeferir pedido para que o auxílio emergencial de R$ 600 pudesse ser sacado em outros bancos em funcionamento no estado, para além da Caixa. A decisão, em caráter liminar, foi proferida nesta quarta-feira (13/5). 

A ação civil pública foi movida pelo Ministério Público Federal e Ministério Público do Ceará. As instituições solicitaram que a Caixa compartilhasse sua base de dados e rede de tecnologia com todas as instituições financeiras de varejo para facilitar o pagamento do auxílio e evitar a concentração de pessoas. 

Segundo a decisão, no entanto, “o fato gerador das aglomerações em frente às agências da Caixa é muito mais a falta de informação por parte da população, especialmente a população mais carente, quanto aos meios de recebimento e saque do auxílio emergencial, do que a forma em que vem sendo realizado o pagamento deste benefício”. 

Ainda segundo ele, “a Caixa tem ajustado os mecanismos tecnológicos e vem difundindo informações e esclarecimentos para a população em geral sobre o cadastramento e pagamento do auxílio emergencial, comprometendo-se, inclusive, a ampliar essa divulgação através de mídia não espontânea de abrangência local e nacional, carros de som, perfis oficiais nas redes sociais e canais mais populares”. 

Na petição, MPF e MPE também argumentaram que muitos brasileiros não possuem conta na Caixa ou em qualquer outra instituição financeira. Assim, restringir o saque a apenas uma instituição acaba por gerar mais filas, já que além de retirar o benefício, é necessário abrir uma conta. 

Com relação a isso, o juiz disse que, “conforme explicado pelos representantes dos réus, dentre as diversas formas para o recebimento do benefício foi viabilizada a criação sem custo de uma conta poupança digital por meio de aplicativo da Caixa na qual é possível ser depositado o valor”. 

Clique aqui para ler a decisão

0805781-40.2020.4.05.8100

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Ricardo Hiroshi Botelho Yoshino Advogados é parceiro da ConJur

Ricardo Hiroshi Botelho Yoshino Advogados é o novo parceiro da ConJur

O escritório Ricardo Hiroshi Botelho Yoshino Advogados, com sedes nas cidades de Assis e São Paulo, é o novo parceiro da ConJur.

Fundado em 2002, o escritório tem por objetivo prestar serviços jurídicos com alto padrão de qualidade e excelência em diversas áreas do Direito. A banca tem entre seus objetivos principais: oferecer sempre o melhor aos clientes e os ajudá-los a atingir suas metas corporativas. A equipe proporciona soluções imediatas e eficientes para atender as necessidades dos clientes, com um amplo espectro de serviços jurídicos.

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Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2020, 10h28