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Justiça ordena repasse ao Estado do Rio de 97 respiradores

Indícios de fraude

Justiça ordena repasse ao Estado do Rio de 97 respiradores apreendidos no Galeão

Por indícios de que os bens foram pagos pelo Estado do Rio de Janeiro mediante fraude, a 1ª Vara Criminal Especializada da capital determinou que 97 respiradores/ventiladores pulmonares que chegaram ao Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim (Galeão) nos dias 1º e 3 de junho sejam colocados imediatamente à disposição do Ministério Público, com posterior repasse à Secretaria Estadual de Saúde para utilização na rede hospitalar, segundo os critérios da administração pública.

Respiradores apreendidos no Galeão serão repassados ao Estado do Rio de Janeiro
Reprodução

Os 97 aparelhos custaram quase R$ 14 milhões e foram importados pelas empresas SKN do Brasil Importação e Exportação, SKN Indústria e Comércio do Brasil e Santa Fe Trading Importador e Exportação. O Ministério Público afirma que os equipamentos foram pagos com verbas desviadas dos cofres estaduais.

De acordo com o MP, há indícios da existência de uma organização criminosa com o objetivo de obter vantagens a partir de processos administrativos da secretaria para a compra emergencial, com dispensa de licitação, dos ventiladores/respiradores pulmonares.

Segundo o Ministério Público, os bens importados são de titularidade da MHS Produtos e Serviços ou de seu proprietário, Glauco Octaviano Guerra, e foram adquiridos com parte do valor de R$ 18,2 milhões, pagos antecipadamente à empresa pelo Estado do Rio.

Em sua decisão, o juiz Bruno Rulière afirmou que há “dados demonstrativos razoáveis e suficientes” de que os ventiladores/respiradores foram comprados com dinheiro do estado. Pelos indícios de fraude, ele ordenou a apreensão dos equipamentos. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RJ.

010303485.2020.819.0001

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Revista Consultor Jurídico, 9 de junho de 2020, 20h50

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Opinião: A Covid-19 e o perigo da corrupção

O avanço da pandemia da Covid-19 no Brasil fez com que o poder público fosse incumbido da difícil tarefa de planejar e adotar medidas visando à contenção e ao combate à doença. Entre estas, optou-se pela flexibilização temporária de normas aplicáveis às contratações da Administração Pública, quando destinadas ao enfrentamento da doença, e enquanto perdurar a situação de emergência. A referida medida está prevista na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro, sancionada pelo governo federal, que também inovou ao prever a possibilidade de contratação de empresas com a inidoneidade declarada ou com o direito de licitar ou contratar com a Administração Pública suspensos, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido.

O legislador, ao flexibilizar o dever constitucional de licitar, agiu com o objetivo de incentivar os ideais de desburocratização, agilidade e eficiência nas compras e serviços destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública. No entanto, a flexibilização das regras representa um sinal de alerta, na medida em que amplia os riscos de corrupção nestas contratações. Riscos, inclusive, já constatados na prática com a recente deflagração de diversas investigações para a apuração de fraudes, superfaturamentos e demais irregularidades. Nesse cenário, os atos corruptivos acabam por criar obstáculos ao fornecimento de equipamentos e insumos sanitários importantes, distanciando a gestão pública do seu objetivo inicial de conferir agilidade e eficiência às contratações emergenciais.

As limitações operacionais impostas pelo isolamento social e trabalho remoto criaram a percepção em alguns de que ações de fiscalização e controle poderiam ser adiadas ou sequer implementadas, ampliando os incentivos para a prática de ilícitos, dada a baixa probabilidade de resposta das autoridades. A realidade mostrou o contrário. Multiplicam-se notícias sobre operações do Ministério Público, da Controladoria Geral da União e da Polícia Federal para investigar irregularidades em contratos administrativos celebrados durante o enfrentamento do coronavírus. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a Secretaria de Saúde instituiu força-tarefa para analisar os contratos firmados durante a pandemia, tendo cancelado 44 dos 66 contratos celebrados até o dia 13 de maio.

Para além da flexibilização das regras de licitação, outros fatores podem ampliar os riscos de corrupção nas contratações públicas durante a pandemia. Um deles reside na edição da Medida Provisória nº 996, de 13 de maio, ao definir as hipóteses de responsabilização civil e administrativa de agentes públicos pela prática de atos durante a pandemia. O texto prevê que os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados “quando agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro”, porém não determina de forma clara e precisa o que se deve entender por dolo ou erro grosseiro. A constitucionalidade da medida já foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal, que decidiu, por maioria de votos, que os atos dos agentes públicos em relação à pandemia devem observar critérios técnicos e científicos de entidades médicas e sanitárias e o princípio da autocontenção no caso de dúvidas sobre a eficácia de eventuais medidas.

Os casos de corrupção decorrentes da pandemia não são de exclusividade brasileira. A OCDE, o Banco Mundial, a Transparência Internacional, entre outras autoridades, já se pronunciaram sobre a importância de uma cultura de integridade no contexto da pandemia. No Brasil, a Transparência Internacional e o Tribunal de Contas da União publicaram, em conjunto, um guia voltado para o poder público com recomendações para promover a transparência no contexto de contratações emergenciais. O guia se baseou nos elementos mínimos na América Latina para a redução de riscos de corrupção em contratações, incluindo a transparência sobre bens e serviços contratados, a correta administração e a prestação de contas dos recursos, o monitoramento dos gastos públicos por órgãos de fiscalização e controle e o incentivo à concorrência, evitando-se a concentração econômica.

A Controladoria Geral da União também publicou uma cartilha contendo recomendações de boas práticas de integridade em tempos de pandemia. O documento, dedicado à iniciativa privada, prevê como boas práticas a atuação proativa de lideranças para orientar colaboradores e parceiros de negócios sobre os valores das empresas e a importância da condução dos negócios de forma íntegra. A cartilha também recomenda às empresas que dediquem atenção aos procedimentos e controles de integridade preestabelecidos, mantenham registros das interações com agentes públicos, adotem medidas de transparência para divulgação de operações realizadas com a Administração Pública e utilizem e promovam os seus canais de denúncia, incluindo o canal específico criado pela CGU para recebimento de denúncias envolvendo a pandemia.

Em resumo, se por um lado o cenário de exceção criado pela pandemia tornou ainda mais sensível o risco de corrupção envolvendo as contratações públicas, por outro lado impulsionará uma nova onda de operações e investigações. Ações de fiscalização e controle têm se intensificado mesmo diante das limitações impostas pelo isolamento social e trabalho remoto. O estado de calamidade não pode resultar em um momentâneo descontrole ou falta de coordenação dos programas de compliance e ética corporativa. Para as empresas comprometidas com a promoção de um ambiente empresarial íntegro, a melhor saída é a adoção de medidas que as protejam de eventuais irregularidades nas contratações públicas, doações e nas contratações privadas.

 é sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados, doutor em Direito e ex-procurador do Estado de São Paulo.

Jaqueliny Guimarães é advogada do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados.

Luiza Cattley é advogada do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados.

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Jonas Lima: Pagamento antecipado em licitações e outras inovações

A instabilidade de condições comerciais e a dificuldade de obtenção de produtos de combate à epidemia da Covid, nos mercados nacional e internacional, além da oscilação cambial atípica e dos obstáculos logísticos, levaram à edição da Medida Provisória nº 961, de 06 de maio de 2020, que chegou quebrando paradigmas das licitações e contratações públicas.

1 – Elevação de valores para dispensa de licitação
Ante a necessidade de melhor suprir as demandas imediatas de menor porte, corrigindo a defasagem de limites de valores de dispensa de licitação da Lei nº 8.666/93, a medida provisória, em seu artigo 1º, inciso I, eleva, para a administração pública, em todos os entes federativos, de todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos, os valores de obras e serviços de engenharia, antes de R$ 33.000,00, para R$ 100.000,00, além dos valores das compras e outros serviços, antes de R$ 17.600,00, para R$ 50.000,00.

Com isso, ficam valores idênticos aos constantes da Lei nº 13.303/2016 (Estatuto das Estatais).

2 – Pagamento antecipado em licitações e contratos
Em meio à pandemia, quando um negócio era tratado, até que ocorressem as etapas formais de contratação e a importação de produtos médico-hospitalares, as condições já não ficaram mais viáveis para a concretização do contrato, que acabava com entrega de produtos não realizada, sendo detectado que um dos principais fatores era a exigência de fabricantes internacionais de que pagamentos fossem feitos de forma antecipada, diante de pressão de demandantes públicos ou privados de vários países.

Para superar a dificuldade em relação ao pagamento, que para estrangeiros e brasileiros tinha um fator de risco de recebimento, o que afastava muitos fornecedores, houve a necessidade de ceder e aceitar as condições do mercado atual, como se encontra não apenas no Brasil, mas no exterior, de onde a maioria dos produtos, como testes de diagnóstico e outros, além de insumos, ainda estão sendo trazidos.

Assim, o artigo 1º, inciso II, da medida provisória, autoriza o pagamento antecipado nas licitações e nos contratos pela Administração em duas hipóteses:

a) represente condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço (no mercado atual, diante da pandemia, muitos fornecedores, especialmente estrangeiros, somente trabalham dessa forma); OU

b) propicie significativa economia de recursos (o estado consegue ganho ao passo que incentiva o particular a fechar o negócio).

Mas para que o pagamento antecipado possa ser adotado foram estabelecidos requisitos a cargo da administração, como cautelas obrigatórias:

I – prever a antecipação de pagamento em edital ou em instrumento formal de adjudicação direta (para que se tenha vinculação e segurança jurídica desde início do processo de compra); e

II – exigir a devolução integral do valor antecipado na hipótese de inexecução do objeto (algo que espelha jurisprudência de anos do Tribunal de Contas da União, no sentido de que, para adiantar pagamentos, superando normas da Lei nº 4.320 e da Lei nº 8.666, se deveria exigir garantia do valor antecipado com recursos públicos).

Facultativamente, como se depreende do termo “poderá”, segundo o parágrafo segundo da norma, algumas medidas podem ser adotadas, para a segurança da contratação, que devem ser hábeis a reduzir o risco de inadimplemento contratual, tais como (rol exemplificativo):

I – a comprovação da execução de parte ou de etapa inicial do objeto pelo contratado, para a antecipação do valor remanescente (pagamento com sinal, o que flexibiliza a aceitação por parte dos fornecedores e vai além do que se tem de promessa firme de compra);

II – a prestação de garantia nas modalidades de que trata o art. 56 da Lei nº 8.666, de 1993, de até trinta por cento do valor do objeto (nesse ponto vai além da tradicional jurisprudência do Tribunal de Contas da União ao fixar um percentual específico de garantia, menor que aquele valor adiantado, mas medida justificável agora em face da realidade de mercado na pandemia);

III – a emissão de título de crédito pelo contratado (embora no Brasil isso possa ser factível, para o mercado exterior, nas importações diretas pelos entes públicos, isso pode não ser simples, pois alguns fabricantes e fornecedores não aceitam essa condição e a garantia de outro país vai precisar de segurança de um banco garantidor no Brasil, que possa conferir credibilidade para a execução daquela garantia);

IV – o acompanhamento da mercadoria, em qualquer momento do transporte, por representante da Administração (como enviar previamente técnicos ou autoridades sanitárias brasileiras ao local do embarque no exterior para aferir as características técnicas e as outras especificações e quantidades dos produtos embarcados em uma compra internacional, por exemplo, sendo medidas de mesma natureza muito mais simples para uma compra nacional, para verificação dos produtos, na logística local); e

V – a exigência de certificação do produto ou do fornecedor (esse ponto diz respeito, mais precisamente, a registros como os de ANVISA a agências internacionais congêneres, bem como, certificação de certificação de boas práticas de fabricação de cada unidade fabril).

3 – Ampliação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas
O artigo 1º inciso III, da medida provisória autoriza a aplicação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, de que trata a Lei nº 12.462/2011, para licitações e contratações de quaisquer obras, serviços, compras, alienações e locações, quando antes isso era delimitado aos projetos dos grandes eventos esportivos (Copa, Olimpíadas e outros), aeroportos, PAC, SUS, unidades prisionais, ações em segurança pública, mobilidade urbana, infraestrutura logística e contratos de locação de imóveis comprados, construídos ou com reforma substancial para aquela finalidade específica da demanda da Administração.

Agora, a ampliação do RDC para “quaisquer obras, serviços, compras, alienações e locações” leva a mais consequências inovadoras, como a possibilidade de inversão a fases das licitações e da expansão da idéia de projetosturn key” (“chave na mão”), nos quais o particular tem a liberdade de trabalho desde a concepção de projetos, mas também arca com o conjunto de etapas até a entrega completa de algo funcional, como um hospital por inteiro, com a entrega das chaves.

4 – Vigência limitada mas resultados que se prolongam adiante
Apesar de constar no artigo 2º da medida provisória que as medidas previstas em seu texto se aplicam aos atos realizados durante o estado de calamidade reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 (pandemia da Covid-19), é importante notar que, de acordo com o seu parágrafo único, o disposto na nova norma aplica-se aos contratos firmados no período de que trata o “caput”, do artigo, independentemente do seu prazo ou do prazo de suas prorrogações.

Isso significa fazer até o final do ano contratos em novo ambiente de regulação de contratações pública, mas deixar legados para o futuro, o que chama atenção.

5 – Conclusões
Em síntese, o direito das licitações e contratações públicas tem um novo momento, que deve deixar com pouca expressividade a maioria dos antigos conceitos e normas e até projetos de lei em andamento, porque resultados das inovações dessa medida provisória podem acabar motivando mudanças definitivas.

 é advogado, especialista em licitação pública internacional, sócio do escritório Lima & Curvello Rocha Advogados.