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Opinião: A Covid-19 e o perigo da corrupção

O avanço da pandemia da Covid-19 no Brasil fez com que o poder público fosse incumbido da difícil tarefa de planejar e adotar medidas visando à contenção e ao combate à doença. Entre estas, optou-se pela flexibilização temporária de normas aplicáveis às contratações da Administração Pública, quando destinadas ao enfrentamento da doença, e enquanto perdurar a situação de emergência. A referida medida está prevista na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro, sancionada pelo governo federal, que também inovou ao prever a possibilidade de contratação de empresas com a inidoneidade declarada ou com o direito de licitar ou contratar com a Administração Pública suspensos, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido.

O legislador, ao flexibilizar o dever constitucional de licitar, agiu com o objetivo de incentivar os ideais de desburocratização, agilidade e eficiência nas compras e serviços destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública. No entanto, a flexibilização das regras representa um sinal de alerta, na medida em que amplia os riscos de corrupção nestas contratações. Riscos, inclusive, já constatados na prática com a recente deflagração de diversas investigações para a apuração de fraudes, superfaturamentos e demais irregularidades. Nesse cenário, os atos corruptivos acabam por criar obstáculos ao fornecimento de equipamentos e insumos sanitários importantes, distanciando a gestão pública do seu objetivo inicial de conferir agilidade e eficiência às contratações emergenciais.

As limitações operacionais impostas pelo isolamento social e trabalho remoto criaram a percepção em alguns de que ações de fiscalização e controle poderiam ser adiadas ou sequer implementadas, ampliando os incentivos para a prática de ilícitos, dada a baixa probabilidade de resposta das autoridades. A realidade mostrou o contrário. Multiplicam-se notícias sobre operações do Ministério Público, da Controladoria Geral da União e da Polícia Federal para investigar irregularidades em contratos administrativos celebrados durante o enfrentamento do coronavírus. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a Secretaria de Saúde instituiu força-tarefa para analisar os contratos firmados durante a pandemia, tendo cancelado 44 dos 66 contratos celebrados até o dia 13 de maio.

Para além da flexibilização das regras de licitação, outros fatores podem ampliar os riscos de corrupção nas contratações públicas durante a pandemia. Um deles reside na edição da Medida Provisória nº 996, de 13 de maio, ao definir as hipóteses de responsabilização civil e administrativa de agentes públicos pela prática de atos durante a pandemia. O texto prevê que os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados “quando agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro”, porém não determina de forma clara e precisa o que se deve entender por dolo ou erro grosseiro. A constitucionalidade da medida já foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal, que decidiu, por maioria de votos, que os atos dos agentes públicos em relação à pandemia devem observar critérios técnicos e científicos de entidades médicas e sanitárias e o princípio da autocontenção no caso de dúvidas sobre a eficácia de eventuais medidas.

Os casos de corrupção decorrentes da pandemia não são de exclusividade brasileira. A OCDE, o Banco Mundial, a Transparência Internacional, entre outras autoridades, já se pronunciaram sobre a importância de uma cultura de integridade no contexto da pandemia. No Brasil, a Transparência Internacional e o Tribunal de Contas da União publicaram, em conjunto, um guia voltado para o poder público com recomendações para promover a transparência no contexto de contratações emergenciais. O guia se baseou nos elementos mínimos na América Latina para a redução de riscos de corrupção em contratações, incluindo a transparência sobre bens e serviços contratados, a correta administração e a prestação de contas dos recursos, o monitoramento dos gastos públicos por órgãos de fiscalização e controle e o incentivo à concorrência, evitando-se a concentração econômica.

A Controladoria Geral da União também publicou uma cartilha contendo recomendações de boas práticas de integridade em tempos de pandemia. O documento, dedicado à iniciativa privada, prevê como boas práticas a atuação proativa de lideranças para orientar colaboradores e parceiros de negócios sobre os valores das empresas e a importância da condução dos negócios de forma íntegra. A cartilha também recomenda às empresas que dediquem atenção aos procedimentos e controles de integridade preestabelecidos, mantenham registros das interações com agentes públicos, adotem medidas de transparência para divulgação de operações realizadas com a Administração Pública e utilizem e promovam os seus canais de denúncia, incluindo o canal específico criado pela CGU para recebimento de denúncias envolvendo a pandemia.

Em resumo, se por um lado o cenário de exceção criado pela pandemia tornou ainda mais sensível o risco de corrupção envolvendo as contratações públicas, por outro lado impulsionará uma nova onda de operações e investigações. Ações de fiscalização e controle têm se intensificado mesmo diante das limitações impostas pelo isolamento social e trabalho remoto. O estado de calamidade não pode resultar em um momentâneo descontrole ou falta de coordenação dos programas de compliance e ética corporativa. Para as empresas comprometidas com a promoção de um ambiente empresarial íntegro, a melhor saída é a adoção de medidas que as protejam de eventuais irregularidades nas contratações públicas, doações e nas contratações privadas.

 é sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados, doutor em Direito e ex-procurador do Estado de São Paulo.

Jaqueliny Guimarães é advogada do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados.

Luiza Cattley é advogada do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados.

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Suspensa decisão que permitia Airbnb funcionar em Gramado

O ministro Luiz Fux, no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, suspendeu decisão da Justiça do Rio Grande do Sul que havia garantido o funcionamento da plataforma digital de aluguel por temporada Airbnb em Gramado (RS).

Igreja Matriz São Pedro em Gramado (RS)
Abtessari

Para o ministro, a cidade é um polo turístico na região, e a manutenção das atividades da plataforma revela risco à ordem e à saúde públicas, por interferir na política de combate ao novo coronavírus. A decisão foi proferida no pedido de Suspensão de Liminar 1.334, apresentado pelo Município de Gramado.

Decretos municipais

Os Decretos municipais 73/2020 e 103/202 de Gramado suspenderam por prazo indeterminado os serviços de hotelaria e hospedagem, inclusive na modalidade de aluguel por temporada, entre outras atividades consideradas não essenciais.

Ao constatar que a Airbnb prosseguia com as locações, o município ajuizou ação civil pública para que a plataforma respeitasse os decretos, tendo em vista a dificuldade de fiscalização e o fato de apenas a Airbnb e a pessoa interessada nos serviços terem acesso à negociação. Outro aspecto apontado foi o fato de não se saber o número de pessoas que ficam em um mesmo recinto, o tempo de permanência e o cumprimento das regras de higienização.

O juízo de primeiro grau determinou a interrupção de anúncios, reservas e locações de acomodações pela Airbnb durante a vigência de normas municipais, mas o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS), em agravo interposto pela plataforma, derrubou essa determinação.

Na SL 1.334, o município pedia a suspensão da decisão do TJ-RS, para a proteção da saúde e da vida das pessoas diante do crescimento da Covid-19 e para o cumprimento de decisão do STF no julgamento da ADI 6.341, em que foi garantida a competência concorrente dos entes federativos na tomada de providências normativas e administrativas sobre a pandemia.

Predominância de interesse

No exame do pedido de liminar, o ministro Luiz Fux considerou plausível a tese de que a decisão do TJ-RS esvazia a eficácia do decreto municipal. Segundo ele, o Supremo tem entendido que a competência da União para legislar sobre assuntos de interesse geral não afasta a incidência das normas estaduais e municipais expedidas com base na competência legislativa concorrente. Para a Corte, devem prevalecer as normas de âmbito regional quando o interesse em questão for predominantemente de cunho local, como no caso.

Risco à ordem e à saúde públicas

Conforme o relator, a gravidade da situação exige a tomada de medidas coordenadas, e não se pode privilegiar determinado segmento da atividade econômica em detrimento de outro ou mesmo do próprio planejamento estatal.

O ministro Luiz Fux afirmou que cabe ao Estado guiar o enfrentamento coletivo “aos nefastos efeitos decorrentes dessa pandemia”. Para ele, é inegável que a decisão do TJ-RS representa grave risco de transgressão à ordem pública e administrativa no âmbito do município e violação à saúde pública, diante da real possibilidade de desestruturação das medidas adotadas ao enfrentamento da epidemia naquele território. Com informações da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal.

SL 1.334

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Técnico que optou por parcelamento não recebe férias em dobro

Jurisprudência afastada

Técnico que optou por pagamento parcelado não receberá férias em dobro

A 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso de um técnico de cadastro que pretendia receber as férias em dobro após optar pelo pagamento de forma parcelada. Segundo a Turma, a opção do empregado por essa forma de pagamento afasta a aplicação da jurisprudência do TST de pagamento em dobro em caso de descumprimento do prazo previsto na CLT.

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Na reclamação trabalhista, o técnico sustentou que a empresa não pagava os valores referentes às férias com a antecipação de dois dias prevista na lei. Por isso, defendia que a situação caracterizava atraso, cabendo o pagamento em dobro. A empresa, em sua defesa, argumentou que a forma de pagamento era opção do empregado.

O relator do recurso de revista do empregado, ministro Evandro Valadão, assinalou que, de acordo com a Súmula 450 do TST, é devido o pagamento em dobro da remuneração de férias quando, ainda que gozadas na época própria, o empregador tenha descumprido o prazo previsto no artigo 145 da CLT.

No caso, porém, há a particularidade de o pagamento ter sido parcelado por opção do empregado, e não do empregador. Assim, não se aplica ao caso a Súmula 450, “que trata de situação diversa e se refere ao pagamento das férias fora do prazo previsto na norma celetista por iniciativa do empregador”. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

RR–49-46.2019.5.21.0008

Revista Consultor Jurídico, 27 de maio de 2020, 20h25

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Fabrício Dias: Incontrovérsia e eficácia imediata da sentença

Após muitos debates acerca da dotação de eficácia imediata à sentença, o Código de Processo Civil de 2015 optou pela negativa, a apelação continua a ter efeito suspensivo, salvo algumas exceções estabelecidas pelo § 1º do artigo 1.012.

Todavia, é possível vislumbrar uma hipótese não prevista no citado dispositivo em que a sentença pode produzir efeito imediato: incontrovérsia em relação à totalidade ou a parte do pedido.

Comecemos pela primeira situação.

Quando o réu não apresenta contestação, é decretada sua revelia e presumem-se verdadeiras as alegações do autor, permitindo ao juiz o julgamento antecipado do mérito, nos termos do artigo 355, inciso II, do Código de Processo Civil.

Seria um contrassenso que a apelação tivesse efeito suspensivo nessa hipótese. O artigo 311, inciso IV, do código possibilita a concessão (a nosso ver inclusive de ofício, como defendemos em outro artigo) da tutela de evidência, quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”. Sabe-se que a tutela de evidência retira o efeito suspensivo da apelação (CPC, artigo 1.012, § 1º, V).

Se o réu é revel ele sequer apresentou prova contraposta à do autor, salvo na hipótese do artigo 349. E se o juiz profere o julgamento antecipado do mérito é porque não estão presentes os obstáculos do artigo 345. A ratio do inciso IV do artigo 311 verifica-se com ainda mais força quando o réu não contesta.

Passemos para a segunda situação.

A incontrovérsia quanto à parcela do pedido autoriza o julgamento antecipado parcial do mérito, conforme estabelece o artigo 356, inciso I, do Código de Processo Civil.

Importante fazer aqui um parêntese que contribui para a conclusão sobre a eficácia imediata da sentença. É vedado e configura litigância de má-fé “deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso” (CPC, artigo 80, I). Não se consegue imaginar como o réu poderia recorrer sem violar esse dispositivo.

Voltando ao cerne da questão, o recurso contra a decisão interlocutória que julga antecipada e parcialmente o mérito é o agravo de instrumento, que não possui efeito suspensivo. O simples fato de o pronunciamento judicial ser uma sentença quando era possível o julgamento antecipado parcial de mérito não pode deixar o autor à espera do julgamento da apelação que vier a ser interposta.

Isso pode acontecer de duas maneiras: a) há parcela incontroversa e o magistrado deixa de proferir julgamento antecipado parcial do mérito, deixando por resolver toda a demanda após a instrução, na sentença; e b) há parcela incontroversa e quanto à outra parte não há necessidade de instrução (presença simultânea dos incisos I e II do artigo 355), quando então a demanda será resolvida em julgamento antecipado total do mérito, por sentença.

Nesses casos, quanto ao capítulo da sentença que decidiu sobre a parcela incontroversa, a produção de efeitos será imediata. No tocante ao item “a”, não é porque o magistrado deixou para decidir essa parcela na sentença, e não antes por decisão interlocutória, que o autor ficará prejudicado. Em relação ao item “b”, a impossibilidade de julgar parcialmente o mérito por decisão interlocutória já que é caso de julgamento antecipado de todo o mérito também não pode maleficiar o autor. Há de se interpretar sistematicamente o Código.

Por fim, ainda é possível concluir que os argumentos apresentados para essa segunda situação servem para fundamentar a primeira, pois a revelia não deixa de ser uma incontrovérsia (total) em relação ao pedido. A mens legis é possibilitar a eficácia imediata da sentença que julga pedido incontroverso.

A interpretação sistemática do Código de Processo Civil evidencia, portanto, outras hipóteses além daquelas dispostas no § 1º do artigo 1.012 em que o recurso de apelação não terá efeito suspensivo. Assim, retira-se dos ombros do autor o ônus do tempo no processo cuja possibilidade de reversão da decisão é remota (primeira situação) e naquele em que já houve o trânsito em julgado do capítulo (segunda situação), conferindo-se efetividade à tutela jurisdicional.

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Pandemia reforça necessidade de proteção de dados, diz Gilmar

Da forma como redigida, a Medida Provisória 954 não oferece contornos mínimos de segurança sobre a finalidade do tratamento de dados compartilhados com o IBGE ou condições do controle da forma como o Estado lida com eles. E tempos de pandemia não atenuam, mas reforçam a necessidade de zelar por um controle rígido do ambiente institucional de proteção de dados.

Ministro também apontou a inconstitucionalidade formal da MP
Dorivan Marinho/SCO/STF

Com esse entendimento, o ministro Gilmar Mendes votou por suspender a eficácia do diploma, em julgamento nesta quinta-feira (7/5), por videoconferência. Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal optou por referendar a decisão liminar da ministra Rosa Weber, relatora da ação. 

O entendimento foi que a MP 954 não define como e para que serão usados dados coletados. Além disso, não apresenta mecanismos técnicos para evitar vazamentos acidentais ou o uso indevido dos dados. Para o ministro Gilmar Mendes, a questão reside no artigo 2º, parágrafo 1º, da MP, que dispõe sobre a finalidade e o modo de tratamento dos dados.

Segundo doutrina e legislação aplicável, a autodeterminação informativa definida pela Constituição só poderia ser afastada por justificação exaustivas da finalidade atribuída ao tratamento de dados. A MP, por sua vez, impõe enorme dificuldade de extrair contorno mínimo de segurança, já que o objetivo é simplesmente definido como “produção de estatística oficial”.

O ministro aponta que a previsão de exclusão das bases de dados após a compilação das estatísticas não é suficiente para garantir controle adequado do tratamento de dados. “Por mais que não se negue a seriedade das instituições públicas imbuídas dessas funções, em um ambiente institucional marcado pela ausência de uma autoridade independente de proteção de dados, os riscos de vazamento e usos ilícitos dos dados não podem ser negligenciados”, afirma.

Nem mesmo o momento de crise causada pela pandemia do coronavírus é suficiente para alterar esse entendimento, avisa o ministro. “Muito pelo contrário, o momento vivenciado nesta crise não atenua, mas antes reforça a necessidade de zelarmos por um rígido ambiente institucional de proteção aos dados pessoais”, conclui.

Inconstitucionalidade formal

Ainda que esse aspecto não tenha sido levantado na ADI, o ministro Gilmar Mendes ainda destacou preliminarmente que a Medida Provisória 954 sofre de inconstitucionalidade formal, pois não há previsão de uso desse instrumento normativo para dispor sobre o regime de prestação de serviços de telecomunicações. Ou seja, o diploma interfere diretamente no regime de prestação dos serviços de telecomunicações.

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ADI 6.389