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Filosofia e limites da IA na interpretação jurídica (parte II)

Em coluna anterior, destaquei que era preciso aprofundar as reflexões em torno da utilização da Inteligência Artificial (IA) como intérprete do Direito e influencer nas decisões judiciais.

Na ocasião, ficou demonstrada a distinção entre inteligência de dados e consciência hermenêutica por meio das explicações acerca da diferença na abrangência e nível de relacionamento com a linguagem e do logos (pensar e falar) pelas IAs e pelos humanos.

Naquela oportunidade, apontei que o modelo operativo da IA se restringe à dimensão lógico-formal (inteligência de dados) e não trabalha com a chamada consciência hermenêutica e sua racionalidade existencial, o logos hermenêutico.

Em razão dessa limitação, as IAs não alcançam a necessária dimensão do conteúdo material que sustenta o sentido das palavras, o que as tornam insuficientes para a correta interpretação de fatos e sua adequação às hipóteses normativas.

Levantei também o problema da ausência de transparência e de parâmetros de controle nas decisões algorítmicas, o que pode levar a injustiças e discriminações sem a devida motivação.

Sem prejuízo de outros vieses de análise, penso que essas constatações são pontos de partida fundamentais para reflexões filosóficas e políticas mais amplas acerca das possibilidades e limites das IAs em sua interação com a vida social.

Nessa perspectiva, o presente texto investiga o processo humano de formação dos significantes que dão significado às palavras e formam a pré-estrutura de compreensão constitutiva da consciência hermenêutica e do logos hermenêutico que a sustenta.

A elucidação desse processo torna mais visível e complementa a tese esboçada no artigo antecedente de que o logos hermenêutico é limite à interpretação jurídica e à tomada de decisão judicial pelas IAs, conforme será retomado ao final.

Um bom caminho para cumprir essa tarefa vem da explicação aristotélica acerca do processo de formação do conhecimento humano, em especial no que diz respeito à aquisição dos conceitos comuns que possibilitam o pensar e à constituição de premissas para o conhecimento científico.

Diferente de Platão, Aristóteles não faz uma divisão imediata entre o mundo inteligível e o mundo sensível. Ao invés, ele apresenta boas pistas para uma teoria cognitiva quando descreve a formação do conhecimento científico linearmente a partir da dimensão existencial própria de cada sujeito que vive, percebe e sente.

Esse processo se inicia no universo da sensação e evolui para a cognição de acordo com a seguinte linha esquemática:

Sensação (aisthesis) ® memória (mnemósine) ® experiência (empeiria) ® arte (téchne)® teoria/ciência (episteme).

Começando pelas primeiras impressões no nível da sensação (aisthesis), o humano nasce com capacidades sensoriais que vão formando imagens vivas (visuais, olfativas, táteis, gustativas e auditivas), de modo a adquirir percepções do mundo. Portanto, o mundo nos aparece enquanto impressão perceptiva.

Essas impressões perceptivas vão construindo um universo linguístico assentado no binômio “significado/sentido percebido”, formado por significações individuais e comuns (quem vive, vive no mundo histórico pré-existente e vive com os outros).

Esse conteúdo é vivo, multifacetado nas diversas dimensões perceptivas: podem contemplar uma imagem, um som, uma textura, um cheiro e um gosto. Podem ser captados em conjunto ou isoladamente, a depender da experiência sensorial que a pessoa vive quando entra em contato com algo no mundo (uma comida, a chegada em uma nova cidade, encontro com uma pessoa desconhecida, etc).

Um exemplo simples: quando uma pessoa come uma pizza margherita pela primeira vez, ela absorve praticamente todas as sensações dos cinco sentidos. Ao mesmo tempo em que se alimenta, ela associa esse conjunto de sensações com a expressão “pizza margherita”.

Esse conjunto de sensações associado a um conceito linguístico é memorizado gerando impressões positivas e negativas que ficam guardadas (mnemósine ).

A reunião dessas memórias em feixes cognitivos de sentido configura a experiência (empeiria), correlacionando e aproximando acontecimentos linguísticos (p. ex. ao pensar em pizza margherita, a pessoa pode relembrar um momento com um amor antigo) e a capacidade de reviver essas memórias em nível exclusivamente cognitivo.

Desta feita, ao ouvir as palavras “pizza margherita” a pessoa revive e experiencia uma série de sensações memorizadas, desde o cheiro, o gosto, a imagem e o que mais estiver relacionado a elas no seu universo de compreensão (uma cidade, alguém, um evento, etc). Pode-se até mesmo ficar com “água na boca” e com vontade de comer pizza margherita.

Essa aptidão de invocar palavras e expressões linguísticas e junto a elas o significante que lhe confere sentido é a marca fundamental do processo constitutivo do falar e do pensar humanos.

Tal capacidade nunca se restringe à racionalidade lógica. Antes, possui base biológica e existencial.

Ao viver o ser humano vai acumulando experiências e, a partir delas, forma a sua estrutura linguística de pré-compreensão, de onde se originam as opiniões (doxa).

Algumas experiências acumuladas são comuns isto é, compartilhadas entre todos os falantes de uma comunidade. Outras são experiências particulares, entendidas como acontecimentos exclusivos à vida de cada um, ou seja, acontecimentos idiossincráticos.

Daí a opinião é a ideia prévia sobre algo, constituída por concepções comuns e individuais.

Para que seja possível a passagem da opinião para uma premissa verdadeira é necessário um processo tópico-dialético (technè), na qual opiniões pertinentes, que possam ser aceitas pelos demais falantes (chamadas premissas endòxa) são contrapostas umas às outras, em um debate intersubjetivo.

Nesse debate, o objetivo é depurar as experiências particulares, deixando remanescer apenas as experiências comuns, as quais se tornam premissas tidas como verdadeiras e servem de ponto de partida para o conhecimento teórico-científico (episteme) e sua metodologia lógico-dedutiva.

Desse trilhar pode-se concluir que a noção de verdade torna-se uma experiência linguística e existencial.

Aristóteles não chegou até aí. Ainda que haja vozes dissonantes, comumente o filósofo de Estagira é associado ao essencialismo linguístico e à semântica realista, que defendem a possibilidade de a linguagem espelhar a realidade, bem como a concepção clássica de que a verdade é a adequação entre o intelecto e o real.

No entanto, pode-se dizer que ele chegou à antessala da filosofia da linguagem e foi fundamental para o desenvolvimento da hermenêutica filosófica.

Especialmente quando se reflete sobre esse processo de formação do conhecimento, constata-se a dimensão da ideia de logos enquanto pensar e falar, o que vai ser determinante para a compreensão posterior da consciência de mundo em sentido hermenêutico.

A capacidade humana de sentir, memorizar e organizar essas memórias em um feixe de significação para revivê-las, forma um conjunto de significantes entrelaçados que permite a experiência linguística e revela sua indissociabilidade com o pensar e raciocinar humano.

Ora, quem raciocina, opera com uma série de significantes absorvidos durante a existência, organizando-os de maneira lógica e outras vezes, caótica.

Considerando, na linha de Ferdinand de Saussure, que o signo é formado por um conceito (significado) e seu sentido material (significante), basta pensar em um recém-nascido que aprendeu o signo “mãe” e o signo “pai” e consegue, a partir da conexão entre eles, compreender o signo “casal”.

Ao viver, os signos vão se multiplicando e se conectando, formando redes estruturais de linguagem.

Essas redes de estruturas linguísticas adquiridas durante a vida constitui a base do universo de pré-compreensão do intérprete e trabalha com uma lógica própria, o chamado logos hermenêutico.

Esse logos é oriundo da experiência comum de viver em um mundo imerso em sua historicidade e dotado de valores temporalmente/existencialmente comuns e objetivos que são apreendidos pelo sujeito humano, permitindo a compreensão e, assim, a realização de processos comunicativos eficazes.

E é justamente essa estrutura de pré-compreensão que é inacessível para a lógica formal pela qual operam as IAs.

Trata-se de uma outra racionalidade. O logos hermenêutico trabalha no nível do conteúdo e da significação material ao que é dito, enquanto que a racionalidade formal organiza a superfície de enunciados linguísticos, estabelecendo conexões lógicas e probabilísticas.

Daí porque não se confunde a inteligência de dados com a consciência hermenêutica.

Ademais, como já mencionado no artigo anterior, devem ser consideradas as interações biológicas e as incursões do inconsciente na antecipação de sentido, conforme bem demonstra a psicanálise.

Com efeito, é possível constatar também uma espécie de relação concorrencial entre a antecipação de sentido hermenêutica e a antecipação que resulta do filtro desejante operado pelo inconsciente nos processos interpretativos e decisórios.

Por mais que se supere preconceitos negativos e se possa falar em human algorithm design à luz de profundos estudos de ciência da computação e do entendimento da ideia de algoritmo em sentido amplo, como uma tecnologia a serviço dos humanos desde a Idade da Pedra, seus padrões de apoio na interpretação do direito e na decisão judicial são equivalentes às possibilidades da lógica jurídica.

E, tal qual a lógica jurídica, são importantes, mas insuficientes.

Uma vez compreendida a base de formação da consciência hermenêutica e as mediações da filosofia da linguagem, apostas de que o raciocínio do sapiens opera do mesmo modo lógico-algorítmico que as IAs, só que em escala mais profunda e sofisticada, são muito arriscadas.

No atual estado da arte, é visível que as IAs não possuem todas as condições de interpretação que o humano e isso faz com que, a persistir a mesma lógica de utilização dessa tecnologia no Judiciário, não é adequado que se tornem os principais intérpretes dos fatos, do direito e da imputação das hipóteses normativas ao caso concreto.

A interpretação e a decisão jurídica demandam uma cognição holística e integral, tomada em sua devida complexidade, sob pena de permitir o cometimento de graves injustiças no julgamento dos processos judiciais e de violar alguns dos direitos fundamentais mais importantes no Estado de Direito: o devido processo legal e o do juiz natural.


MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 7 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. p. 80.

Para aprofundamento, conferir: GADAMER, Hans-Georg. Homem e linguagem. Verdade e Método II: Complementos e índice. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes; Universidade São Francisco, 2002. (col. Pensamento humano).

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 25 ed. , trad. Antonio Chelini et all. São Paulo: Cultrix, 2003. p. 80 e ss.

MARRAFON, Marco Aurélio. O caráter complexo da decisão em matéria constitucional: discursos sobre a verdade, radicalização hermenêutica e fundação ética na práxis jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 117 e ss.

CHRISTIAN, Brian. GRIFFITHS, Tom. Algorithms to live by: the computer science of human decisions. New York: Picador, 2016.

 é advogado, professor de Direito e Pensamento Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com estudos doutorais na Università degli Studi Roma Tre (Itália). É membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).

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Chediak Advogados assessora Escale na operação de aquisição da Cobmax

 O escritório Chediak Advogados assessorou a Escale na operação de compra da Cobmax. A aquisição foi comunicada ao mercado no último dia 25 de maio.

Criada em 2013, a Escale atua no Brasil como uma força de vendas para empresas com o uso de ferramentas de marketing digital e de análise de dados. A Cobmax, que nasceu em 2008, também é especializada em inteligência em vendas.

A Escale foi assessorada nessa operação pelos sócios Daniel Vio, Rubens Proença e pelo associado Guilherme Gil.

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Opinião: O cumprimento da pena antes do trânsito em julgado

Por um lado, a presunção da inocência é uma garantia individual que alberga o suposto autor de um ilícito penal. Só  é permitido considerá-lo culpado depois do trânsito julgado. Por outro lado, as vultosas quantidades de recursos postergam o fim do processo e em razão disso parece não promover efetividade  aplicação da lei penal.

Essa problemática foi recentemente enfrentada pelo supremo. Todavia, parece também estar distante do consenso. Analisar os posicionamentos antagônicos dos senhores ministros mostra-se imperioso para uma reflexão sobre a temática. Desta forma, serão trazidos os principais argumentos dos senhores Ministros do supremo Tribunal Federal na ocasião do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44.

O Supremo tribunal Federal posicionou-se favorável à execução provisória da pena[2]. Esse entendimento vem gerando grande controvérsia jurisprudencial. Em que pese não tenha força vinculante a decisão incentivou os tribunais de todo o país a passarem a adotar idêntico posicionamento: mitigar o princípio constitucional da presunção de inocência e ignorar o disposto no artigo 283 do CPP.

A pena de prisão, dada a sua severidade, deve ser utilizada como último recurso para a punição do condenado. Todavia, extraordinariamente a prisão precautelar e a cautelar podem se mostrar necessárias desde que presentes certos pressupostos tais como: garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, nos termos do artigo 312 do código de processo penal.

Mesmos aqueles que são condenados o encarceramento deve a última medida. Isto é, como bem preconiza a teoria do “Direito Penal Mínimo”, também denominada de Teoria da Intervenção Mínima, as penas alternativas ou restritivas de direito mostram-se mais eficazes em crimes tidos como de menor ofensividade. Desta forma, o cárcere somente deve ser destinado aos indivíduos de alta periculosidade e que representam uma ameaça à paz pública e à integridade física dos cidadãos.

Valiosa pesquisa empírica[3] nos autoriza a reconhecer que a Justiça, a Polícia Judiciária e o próprio Ministério Público são instituições que respondem amplamente pelo atraso do procedimento criminal e com o prolongamento por demais as prisões pré-processuais.

Outro ponto importante a ser destacado é a fragilidade das fundamentações que buscam sustentar a necessidade das prisões provisórias. Estudos mais detalhados demostram que  A grande maioria das impetrações de HC atacam a deficiência ou falta da fundamentação da prisão cautelar[4]. Desta forma, a mera referência ao art. 312 do CPP. Não tem o condão de justificar uma medida tão radical como a prisão pré processual.

Pesquisas indicam também que 41% da população carcerária brasileira é compostas por presos provisórios.[5]. Esses suportam traumas irreparáveis. O fato é que esses números podem aumentar mais ainda em razão do recente entendimento do STF que autoriza a antecipação da execução da pena antes do trânsito em julgado.

Outras pesquisas no Rio de Janeiro[6] apontam a triste  trajetória dos presos até o final do processo. Ela relata como a prisão provisória é utilizada não apenas de forma abusiva, mas também ilegal. Para mais de 50% dos casos os juízes mantiveram os réus presos durante o processo e no final essas pessoas foram colocadas em liberdade, ou foram absolvidas.

Na prática, prolongar a prisão provisória por um período demasiado é na melhor das hipóteses uma forma disfarçada de antecipar a execução da pena se o réu chegar a ser condenado ou pior ainda, uma medida irreparável de se promover a injustiça se no final do processo o réu restar absolvido.

Desta forma, é preciso promover o diálogo sobre a possibilidade de se promover a execução antecipada da pena, mas também sobre os efeitos deletérios de uma prisão provisória excessivamente prolongada.

Todavia, a partir desse momento passaremos a promover considerações apenas acerca dos votos dos ministros do supremo que entendem ser descabida a antecipação da execução da pena antes do trânsito em julgado. Assim é o entendimentos dos seguintes ministros:

Ministra Rosa Weber, Ministro Dias Toffoli , Ministro Lewandowski, Ministro Celso de Mello.[7]

Rosa Weber, não vê como não promover uma interpretação conforme a constituição e consagrar o princípio da não culpabilidade ou da presunção de inocência. Desta forma, não há como se promover a execução antecipada da pena. Neste sentido, André Estefam [8]  lembra que o ministro Celso de Melo esclareceu que : “Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita”

Dias Toffoli por sua vez  entende que a Constituição Federal exige que haja a certeza da culpa para fim de aplicação da pena, e não só sua probabilidade. Segundo Fernando Capez[9] todos se presumem inocentes, cabe ao Estado provar sua culpa primeir e, só então, exercer seu jus puniendi.

Ministro Lewandowski também faz o apelo à norma constitucional e assevera  : “Não vejo como fazer uma interpretação contrária a esse dispositivo tão taxativo” o artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal é muito claro quando estabelece que a presunção de inocência permanece até trânsito em julgado.

Ministro Celso de Mello esclarece que  a presunção de inocência é conquista histórica dos cidadãos na luta contra a opressão do Estado. Trata-se de valor fundamental que tem estreita relação com o princípio da dignidade humana.

Quando ocorre um crime nasce para o Estado o direito de punir. O Direito Penal tem a pena como uma resposta proporcional a conduta delituosa do agente. As Teorias da pena, que são opiniões científicas sobre a pena, buscam justificá-las.

A pena se justifica, ora pela retribuição, ora pela prevenção: um estímulo negativo para que as pessoas se sintam desestimuladas a delinquir. Nesse sentido, a pena tem como uma das finalidades o firme propósitos de lembrar a lei[10]. É deixar claro que existe um regramento. Assim a pena seria uma garantia pública[11] uma maneira de garantir a lei. O direito penal faz previsão de condutas proibitivas[12] e a pena serve para trazer uma forma de proteção para a vítima.

 É inegável que a possibilidade de interposição de uma infinidade de recursos pode levar a uma sensação de impunidade. O fato é que o crime ocorreu, todavia o processo se estende quase que ad eterno e aquele que dispõe de recursos não apenas como um meio de defesa e inconformismo, mas um instrumento meramente protelatório.  

O Ministro Edson Fachin, o Ministro Roberto Barroso, o Ministro Teori Zavascki, o Ministro Luiz Fux, o Ministro Gilmar Mendes e a Ministra Cármen Lúcia. Firmam o entendimento que é possível o cumprimento antecipado da pena antes do trânsito em julgado.

O Ministro Edson Fachin entende que o início da execução criminal é coerente com a Constituição Federal quando houver condenação confirmada em segundo grau, salvo quando for conferido efeito suspensivo a eventual recurso a cortes superiores.

O Ministro Roberto Barroso entende como legítima a execução provisória da pena, entretanto após a decisão do segundo grau. Esclarece: “A Constituição Federal abriga valores contrapostos, que entram em tensão, como o direito à liberdade e a pretensão punitiva do estado”. Para ele a presunção de inocência é princípio, e não regra, e pode, nessa condição, ser ponderada com outros princípios.

O Ministro Teori Zavasck entende por sua vez que  o princípio da presunção da inocência não impede o cumprimento da pena. Ele assevera: “a dignidade defensiva dos acusados deve ser calibrada, em termos de processo, a partir das expectativas mínimas de justiça depositadas no sistema criminal do país” Ele também destaca que

se de um lado a presunção da inocência e as demais garantias individuais,  do outro há a necessidade de não se esvaziar o sentido público de justiça. Asseverou ainda:“O processo penal deve ser minimamente capaz de garantir a sua finalidade última de pacificação social”

O Ministro Luiz Fux entende que há necessidade de se dar efetividade à Justiça: “Estamos tão preocupados com o direito fundamental do acusado que nos esquecemos do direito fundamental da sociedade, que tem a prerrogativa de ver aplicada sua ordem penal”

O Ministro Gilmar Mendes  entende que a execução da pena com decisão de segundo grau não deve ser considerada como violadora do princípio da presunção de inocência. Ele esclarece que:“Há diferença entre investigado, denunciado, condenado e condenado em segundo grau”. Assim, o condenado em segundo grau pode cumprir a pena antecipadamente.

A Ministra Cármen Lúcia por sua banda entende que a prisão do condenado não tem aparência de arbítrio. Ela esclarece que “A comunidade quer uma resposta, e quer obtê-la com uma duração razoável do processo” Para ela de um lado há a presunção de inocência, mas do outro há a necessidade de preservação do sistema e de sua confiabilidade..

Quando o presente artigo foi concluído, por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendia que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impederia o início da execução da pena após condenação em segunda instância.

Com a inovação interpretativa a prisão pena que por definição seria aquela em que o condenado deve suportar depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória deveria ter um novo conceito.

Na nossa singela opinião lamentável tal retrocesso. Em um Estado democrático os direitos e garantias constitucionais não gozam de imutabilidade.

Todavia, no momento da revisão do presente texto constatamos que o Supremo Tribunal Federal, por intermédio da ADC 54 voltou atrás e mudou o entendimento acerca do que configuraria uma presunção de inocência mitigada.

Concluímos que a mudança de entendimento foi uma atitude institucional acertada, posto que seja na literalidade do texto constitucional, seja na interpretação devem caminhar para um alargamento de proteção e não para uma restrição.

Por derradeiro e oportuno, é importante consignar que a prisão em flagrante delito, a prisão temporária e a prisão preventiva continuam sendo espécies de prisão cautelar ou precautelar. Nada mudaram acerca das suas necessidades e conveniências.

 


2] Habeas Corpus (HC) 126292

[3] SANTOS, Rogério Dutra (coord.). Excesso de Prisão Provisória no Brasil: um estudo empírico sobre a duração da prisão nos crimes de furto, roubo e tráfico (Bahia e Santa Catarina, 2008-2012). Série Pensando o Direito nº 54. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos, IPEA, 2015, p. 57 (Capítulo 2).

[6] INSTITUTO SOU DA PAZ. Monitorando a aplicação da Lei das Cautelares e o uso da prisão provisória nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. São Paulo: Instituto Sou da Paz, 2014 Disponível em:<http://www.soudapaz.org/upload/pdf/pesquisa_lei_das_cautelares_comparativo_sp_e_rj.pdf>.

[8] Estefam, André

Direito penal esquematizado®: parte geral / André Estefam e Victor Eduardo Rios Gonçalves; coordenador Pedro Lenza. 5. ed. São Paulo:

Saraiva, 2016. (Coleção esquematizado®)

[10] GROS, Frédéric. Os quatro centros de sentido da pena. Capítulo 1. Punir é recordar a lei. In: GARAPON, Antoine. GROS, Frédéric. PECH, Thierry. Punir em democracia. E a justiça será. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.pág. 33

 é servidor público, bacharel em Direito e graduado em Gestão e Educação para o Trânsito, pós-graduado em Ciências do Trânsito.

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Opinião: A ilegalidade da cobrança do adicional ao RAT

A Contribuição para o Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho (GILRAT) é contribuição a cargo do empregador pessoa jurídica, exigido em face do risco advindo das atividades desempenhadas pelas empresas, cuja base de cálculo é a totalidade das remunerações pagas aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, destinada ao financiamento da aposentadoria especial[1] e dos benefícios concedidos em decorrência dos riscos ambientais de trabalho[2], nos termos do art. 22, inciso II, da Lei nº 8.212/1991.

A contribuição ao RAT está vinculada ao custeio do direito dos trabalhadores ao seguro contra acidente de trabalho, nos termos do inciso XXVIII do artigo 7º[3] e do inciso I do artigo 201, ambos da Constituição Federal.

Por ser uma contribuição social com destinação específica, está submetida às regras do Sistema Constitucional Tributário e às normas gerais do Código Tributário Nacional e possuí as alíquotas básicas de 1%, 2% e 3%, fixadas segundo o grau de risco (grave, médio ou leve) vinculado à subclasse do CNAE correspondente à atividade preponderante de cada estabelecimento, considerada aquela que possui o maior número de empregados e trabalhadores avulsos vinculados. 

Além das alíquotas básicas do RAT, o §6º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 institui também a obrigação ao recolhimento da Contribuição com base no acréscimo das alíquotas em 6%, 9%, 12%, nos casos em que o trabalhador estiver sujeito a condições de trabalho que lhe outorgue o direito à aposentadoria especial de 15, 20 ou 25 anos de contribuição.

A partir de abril de 1994, a legislação previdenciária passou a exigir a comprovação do tempo trabalhado cumulada com a exposição do segurado à agentes nocivos, exigindo-se a apresentação de formulários emitidos pelo empregador, exceto para ruído, que demandava além do referido formulário à apresentação de laudo técnico (LTCAT).

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335 RG, em dezembro de 2014, analisou discussão a respeito da negativa de concessão do benefício, sob o argumento de que a empresa fornecia ao segurado EPI inibidor de ruído, fixando duas importantes teses: (i) o direito à aposentadoria especial pressupõe efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo, de modo que se o EPI for capaz de neutralizá-lo, não haverá direito ao benefício; (ii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador da eficácia do EPI não descaracteriza o tempo de serviço especial.

Contudo, existem questões que colocam em xeque a constitucionalidade da cobrança da alíquota adicional da Contribuição ao RAT e que merecem ser objeto de avaliação por parte da doutrina e, principalmente, do Poder Judiciário.

Primeiramente, deve-se avaliar se a aposentadoria especial é um benefício previdenciário cujo custeio valide a cobrança de uma alíquota adicional à Contribuição ao RAT.

A contribuição ao RAT, como já consignado, tem como função o custeio dos benefícios previdenciários vinculados à acidentes ou enfermidade decorrentes do exercício da atividade laboral. Os benefícios vinculados a eventos acidentários laborais são: a) Pensão por morte acidentária (código B93 – art. 74 da Lei nº 8.213/91); b) Aposentadoria por invalidez acidentária (código B92 – art. 42 da Lei nº 8.213/91); c) Auxílio-acidente (código B94 – art. 86 da Lei nº 8.213/91); d) Auxílio-doença acidentário (código B91 – art. 59 da Lei nº 8.213/91).

Entretanto, a aposentadoria especial é um benefício previdenciário que, apesar de vinculado à exposição de agentes nocivos, não é decorrente de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho, mas concedida em face da exposição do segurado a agente nocivo, no ambiente de trabalho, por um determinado prazo.

Não se vislumbra pertinência entre o custeio da aposentadoria especial e a Contribuição ao RAT, inclusive antes de 1998 não havia a cobrança da alíquota adicional. O direito à aposentadoria especial decorre da previsão expressa do texto constitucional, sendo que a Carta Magna não trouxe a previsão de seu financiamento por uma alíquota adicional à antiga Contribuição ao Seguro do Acidente do Trabalho (SAT).

Tal contexto reforça o entendimento de que o custeio da aposentadoria especial deve estar vinculado ao recolhimento da contribuição patronal de 20% do total da remuneração e da contribuição do segurado, nos termos dos artigos 22 e 20 da Lei nº 8.212/91.

Inexistindo pertinência entre a Contribuição ao RAT e o financiamento da aposentadoria especial, a alíquota adicional tem, na realidade, a natureza de uma contribuição específica para o financiamento da aposentadoria especial.

Essa “nova” contribuição, contudo, se adequa ao disposto no Texto Constitucional, por não decorrer de Lei Complementar e, principalmente, por ter o mesmo fato gerador e base de cálculo da Contribuição ao RAT, violando o disposto no §4º do artigo 195, conjugado com o inciso I do artigo 154 da Constituição.

Além disso, deve-se avaliar se é proporcional exigir do empregador o recolhimento dessa alíquota adicional.

As empresas recolhem a Contribuição ao RAT à alíquota de 1%, 2% ou 3%, moduladas pelo FAP (que pode majorar a alíquota básica em até 100%), independentemente da existência de evento acidentário.

Considerando o recolhimento por empresa, é possível deduzir que, na maioria dos casos, o sistema de custeio acidentário seja superavitário, com o total de recolhimento do RAT sendo superior ao custeio acidentário ocorrido no ambiente laboral do contribuinte.

Como as empresas recolhem a Contribuição ao RAT sobre a remuneração de todos os seus empregados, sendo que a maioria, muito provavelmente, nunca receberá provento acidentário. Haverá, nesse contexto, um superávit de arrecadação, caso seja considerado o conjunto dos empregados da mesma empresa e o total de benefícios acidentários pagos a estes segurados.

Por fim, existe uma nova situação, trazida pela Reforma da Previdência que torna ainda mais questionável a validade da cobrança do adicional ao RAT.

A Emenda Constitucional nº 103/19, que introduziu a Reforma da Previdência Social, alterou o sistema de aposentadoria especial, principalmente para aqueles que entrarem no sistema previdenciário após a sua entrada em vigor, ao vincular o seu gozo a requisito de idade mínima do segurado. Antes da Reforma da Previdência, o direito à aposentadoria especial estava vinculado, exclusivamente, ao tempo de exposição ao agente nocivo, sendo: (i) 25 anos de atividade especial de risco baixo; (ii) 20 anos de atividade especial de risco médio; (iii) 15 anos de atividade especial de risco alto.

Com a Reforma, essa sistemática foi alterada, com a instituição de duas possibilidades.

Primeiro, uma regra para quem já trabalhava antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/19, mas que não tinha reunido o tempo de atividade especial para se aposentar.

O cidadão que se encontrar nesta situação terá que comprovar que cumpre o requisito da pontuação referente à soma da idade com o tempo de atividade especial e tempo de contribuição, incluindo meses e dias, nos seguintes termos: (i) 66 pontos + 15 anos de atividade especial, para as atividades de alto risco; (ii) 76 pontos + 20 anos de atividade especial, para as atividades de médio risco; (iii) 86 pontos + 25 anos de atividade especial, para as atividades de baixo risco.

Por exemplo, um segurando que em 2019 tinha 40 anos de idade e que iria se aposentar em 2022 com uma aposentadoria especial de risco abaixo (considerando que continuaria na mesma atividade durante esse período), só atingirá os requisitos da aposentadoria especial em 2031.

Já para os segurados que ingressarem no sistema previdenciário após a Reforma é necessário cumprir o requisito da idade mínima, além do tempo de atividade especial. Para se aposentar, o segurado precisará ter: (i) 55 anos de idade + 15 anos de atividade especial, para as atividades de alto risco; (ii) 58 anos de idade + 20 anos de atividade especial, para as atividades de médio risco; (iii) 60 anos de idade + 25 anos de atividade especial, para as atividades de baixo risco.

A forma de fixação do valor do provento de aposentadoria especial também foi alterada. Na sistemática anterior, a aposentadoria especial era integral e equivalia a 100% da média salarial do trabalhador. A partir de novembro de 2019, com a vigência da Reforma, o benefício será de 60% da média para quem se aposenta com 15 anos de serviço insalubre, para mulheres e mineiros de subsolo, ou 20 anos, para homens. Cada ano a mais de contribuição acrescenta 2% da média salarial ao valor final da aposentadoria.

Com a vinculação do direito à aposentadoria especial também ao requisito da idade mínima, ocorreu uma desvirtuação do binômio custeio-benefício, o que afeta a própria justificativa jurídica do recolhimento do adicional do RAT pelo empregador, uma vez que não é mais o tempo de exposição do segurado ao agente nocivo que, exclusivamente, gerará o direito à aposentadoria especial, e o consequente custo ao sistema previdenciário.

Vejamos o seguinte exemplo: um trabalhador começou, em abril de 2020, com 20 anos de idade, a trabalhar numa atividade que lhe expõe ao agente nocivo ruído. Antes da Reforma, como se trata de um agente classificado como de risco baixo, após 25 anos de trabalho com a exposição, não tendo laborado em outra atividade, esse segurado poderia se aposentar. Pela nova sistemática, esse trabalhador terá que laborar 40 anos, até chegar aos 60 anos de idade, para que possa se aposentar, mesmo com a exposição ao agente nocivo. Caso ele trabalhe todo esse período na mesma função, o seu empregador ou empregadores, terão recolhido o adicional ao RAT, sob a alíquota de 6%, por 40 anos. 

Outro exemplo: um trabalhador que completar, em 2021, 25 anos de trabalho exposto ao agente ruído, não tendo trabalhado em outra atividade, e tiver 45 anos de idade, terá que trabalhar até 2029, quando completará 53 anos de idade e 33 anos de contribuição, perfazendo os 86 pontos exigidos. Neste caso, a contribuição adicional ao RAT terá sido recolhida por 33 anos.

Tais exemplos demonstram que a nova sistemática tornou inaplicável a norma de incidência do adicional ao RAT, uma vez que esta dispõe que: “O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte  ou vinte e cinco  anos de contribuição, respectivamente.

Com a Reforma, não existe mais, para a grande maioria dos trabalhadores, a possibilidade de ter o gozo da aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, devido a inclusão do requisito da idade mínima.

O pressuposto da norma e justificação para o pagamento do adicional era que o segurado se aposentaria após um período menor de contribuição (25, 20 ou 15 anos), situação essa que não é mais viável, para a grande maioria dos casos. Isso porque somente no caso de os trabalhadores que começarem a laborar em atividade com exposição a agente nocivo, em idade mais avançada, será possível a aposentadoria após o tempo de exposição previsto na legislação.

Não é juridicamente justificado que se imponha ao empregador um ônus adicional, tendo em vista que este já recolhe as contribuições patronal e do RAT, que já cumprem o dever de solidariedade social, ao mesmo tempo que o legislador desnatura a figura da aposentadoria especial, desvinculando-a do seu fato gerador lógico, que é o tempo de trabalho do segurado com exposição a agente nocivo.

Impõe-se que a doutrina e a jurisprudência se debrucem sobre a legalidade da cobrança do adicional da Contribuição RAT, tendo em vista, principalmente, as alterações promovidas pela Reforma da Previdência. 

[3] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

 é sócio do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogado, doutorando em Direito Público pela PUC/MG e mestre em Direito Tributário pela UFMG. Professor em cursos de pós-graduação do IBMEC, Faculdades Milton Campos e PUC/MG. Autor dos livros “O Dever Fundamental de Recolher Tributos no Estado Democrático de Direito” e “Estudos de Custeio Previdenciário”.

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Opinião: Adiamento da LGPD por MP traz insegurança jurídica

Em um país onde a atuação de um poder sobre as competências constitucionais do outro se torna recorrente, a Medida Provisória n°. 959, de 29 de abril de 2020, de forma inesperada, adiou a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei n°. 13.709/2018) para 03 de maio de 2021.

Ora, como o tema já vinha sendo devidamente tratado pelo Projeto de Lei n°. 1.179/2020 em trâmite na Câmara dos Deputados e já aprovado pelo Senado Federal, era de se esperar que referida norma seguisse seu curso normal. Ou seja, fosse apreciada pela Câmara dos Deputados e, uma vez aprovada, encaminhada para a sanção ou veto presidencial.

Mas, fomos todos surpreendidos com a edição do ato do poder executivo que, sem considerar a expectativa gerada e já incorporada pelo mercado, passou uma borracha no processo legislativo.

Afora a questão procedimental, nos termos do artigo 62 da Constituição Federal, as medidas provisórias se justificam para o tratamento de matérias de relevância e urgência. Não nos parece que um tema que verse sobre a data de vigência de uma lei, em estágio avançado de discussão no Congresso Nacional, estando aprovado pelo Senado Federal, apresente a relevância e a urgência constitucionalmente exigidas para uma medida provisória.  

É bem verdade, que a MP 959 trata de outro tema (operacionalização do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego), que, diante da crise sanitária, apresenta-se como relevante e urgente, mas não a postergação da entrada em vigor da LGPD.

Além disso, ressalta-se a insegurança jurídica provocada por tal ato. Uma medida provisória tem vigência de 60 dias, podendo ser prorrogada uma vez por igual período. Tem, portanto, validade de até 120 dias. Vencido esse prazo, sem aprovação pelo Congresso Nacional, ela perde eficácia.

Pois bem, no último dia 20 de abril de 2020, enfrentamos a edição da Medida Provisória n. 955/2020, cujo único objetivo foi revogar a Medida Provisória n. 905/2019, que tratava do programa verde e amarelo para relações de trabalho. A revogação se deu no último dia de sua vigência, uma vez que era evidente que não seria aprovada em tempo hábil.

Nesse contexto, não há qualquer garantia institucional de que a MP n. 959/2020 será aprovada no tempo legalmente previsto. E, se não o for?

Se não o for, não se descarta a hipótese de a LGPD entrar em vigor ainda em agosto de 2020.

E, com que cenário o mercado deve atuar?  

Diante de uma situação de incerteza, o ideal é que as empresas, para além das discussões normativas, procedimentais e políticas, adotem práticas adequadas de proteção de dados pessoais como parte de sua estratégia de negócios. Desta forma, mitigam não só os riscos de não conformidade, mas também a responsabilidade em situações vazamento ou tratamento indevido das informações. Lembrando que, já são representativas as decisões judiciais que protegem a pessoa titular dos dados.

Acrescentando que, empresas com operações no exterior, seja por suas matrizes, subsidiárias ou mesmo na condição de fornecedoras ou clientes em cadeias globais, podem estar sujeitas as regras de proteção de dados de outros países, como a GDPR (Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia), e, portanto, devem ter um nível de proteção adequado como condição de manutenção desses negócios.

Enfim, que a proteção de dados não fique à mercê da determinação de uma data, mas sim que as empresas reconheçam sua relevância na condução de suas atividades e, então, consolidem-na como parte da cultura empresarial de um país que quer crescer de forma robusta, responsável e sustentável!

 é sócia da Advocacia Correa de Castro e Associados (ACC), mestre em International Business Transactions and Comparative Law pela University of San Francisco (EUA) e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atua há mais de 20 anos na área de estruturação de negócios, em projetos de Investimento Direto Estrangeiro e fomento à inovação.