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Deputado Marcelo Freixo pede suspensão do Enem

Estudos desiguais

Para não prejudicar estudantes pobres, deputado pede suspensão do Enem

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O deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) moveu nesta quinta-feira (14/5) ação popular na Justiça Federal de Brasília contra a União pedindo liminar para suspender o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), marcado para novembro.

Freixo argumenta que estudantes mais pobres serão prejudicados por Enem
Guilherme Prado

Em 22 de abril foram publicados os editais 33 e 34 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), marcando a prova para o fim do ano e estabelecendo o conteúdo que será cobrado nela.

Representado pela advogada Evelyn Melo Silva, Freixo argumenta na ação que, devido à epidemia do coronavírus, a execução da prova prejudicaria os estudantes mais pobres. Sem aulas presenciais, muitos deles não conseguem ter acesso a conteúdo de aula por não terem computador e internet em casa.

Por não atenderem ao interesse público, os editais do Inep têm desvio de finalidade, sustenta Marcelo Freixo. “Se o interesse público do Enem é avaliar os alunos para elaborar políticas públicas educacionais e ser via de acesso ao ensino superior, e se estamos em isolamento social, sem aulas presenciais e nem todos os alunos têm recursos para acessar as aulas online, a avaliação será prejudicada por uma desigualdade no acesso ao ensino escolar. Assim, o interesse público não será atingido, resultando numa falha no diagnóstico das condições da educação — principalmente pública — ofertada, que contraria o princípio da eficiência (artigo 37 da Constituição) e acarretará prejuízo público na realização de um exame que não cumprirá sua finalidade.”

Ao marcar o exame sem considerar as diferenças no acesso ao estudo causadas pelas medidas de isolamento social para conter o coronavírus, o presidente do Inep, ressalta o deputado, Alexandre Ribeiro Pereira Lopes, também desrespeitou os princípios constitucionais da igualdade e da redução das desigualdades sociais e regionais e o direito à educação.

Clique aqui para ler a petição

1028185-50.2020.4.01.3400

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2020, 20h46

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Laicidade do Estado, liberdade religiosa e a crise do coronavírus

A Constituição de 1891 fez do Brasil uma República Federativa laica, marcando a divisão entre Estado e Igreja além de estabelecer a alternância no poder por eleições e a organização do Estado na forma federativa.

É bem verdade que novas regras muitas vezes levam tempos para se tornarem realidade concreta, valendo lembrar que os dois primeiros Presidentes não foram eleitos — os Marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto — e quando começamos a ter eleições apenas votavam os homens ricos (voto censitário).

A ligação secular entre Estado e Igreja não seria desfeita de um momento para o outro e, 129 anos após, em pleno 2020, em muitos prédios públicos, inclusive da Justiça, há ainda muitos crucifixos, inclusive no STF e STJ — símbolos específicos de uma opção religiosa, que fazem parte do conjunto de escolhas da vida privada de cada indivíduo.

Quanto à Federação, somos 27 unidades e 5570 municípios, mas, mesmo assim, é sabido que sofremos da doença crônica do centralismo. O poder é ainda muito centralizado na figura da União, por maior que seja a autonomia jurídica e política de estados e municípios.

A pandemia do novo coronavírus, maior drama vivido pela humanidade desde a segunda grande guerra, veio testar esta autonomia da federação brasileira à medida em que o chefe do Poder Executivo Federal publicamente vem defendendo desde sempre posição contrária ao isolamento social, mesmo diante das evidências científicas que o recomendam e da orientações da Organização Mundial da Saúde.

Diante desta postura, Governadores e Prefeitos de todo o país, discordando compreensivelmente do posicionamento do Presidente, estabeleceram o conflito e a questão foi submetida ao Supremo Tribunal Federal, que, em 15 de abril reafirmou a concorrência das competências nesta matéria. Ou seja, declararam que a União pode legislar sobre o tema, mas entenderam que o exercício desta competência deve sempre resguardar a autonomia dos demais entes.

Tem-se tomado conhecimento que os números da pandemia são diferentes nos distintos estados brasileiros (como era previsível) assim como dentro de suas regiões. Isto pode determinar distintas políticas de saúde pública de acordo com tais diferentes realidades, à luz da decisão da Suprema Corte.

Lamentavelmente em oito capitais do país — Manaus, Recife, Rio de Janeiro, Fortaleza, Boa Vista, São Luís, Belém e São Paulo os sistemas de saúde estão beirando o colapso, tendo em vista a demanda de doentes e os números insuficientes de leitos com respiradores oferecidos, o que levou o Ministério Público do Rio a recomendar estudos sobre a decretação de lockdown, já estabelecido em várias cidades do país. Em Pernambuco e no Amazonas, houve pedido do MP neste sentido, indeferido pela Justiça.

Em Manaus, onde seria plenamente cogitável o lockdown (é de 90% o índice de ocupação de leitos de UTI em Manaus e 80% no Estado), a Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, no momento mais agudo da pandemia (10.099 casos de infectados com 806 óbitos, com 7,98% de letalidade — dados de 7/5), em pleno caos, com o isolamento como a única medida segura minimizadora da disseminação do vírus aprovou a reabertura de todas as igrejas em todo o estado.

A autonomia das unidades da federação e o princípio da separação entre os poderes não desobrigam o Poder Legislativo do Estado do Amazonas da observância da razoabilidade, já que o exercício do poder nunca pode ser absoluto e se afigura desarrazoado autorizar por lei a abertura de todo e qualquer templo religioso no Estado do Amazonas em virtude da suposta essencialidade, vez que tal situação dará certamente ensejo a aglomerações, por mais restritivas que sejas as regras de uso das igrejas.

A fé é importante e todos têm o direito de escolher tê-la ou de não a ter, mas o Brasil não tem religião oficial, pouco importando quantos têm e qual é e quantos não a têm em virtude de nosso caráter laico. De um lado, vemos o direito à fé e o exercício da autonomia federativa, mas de outro, o dever do Estado de cuidar da saúde pública e de salvar vidas.

O bom senso elementar evidencia que igrejas, por mais que a fé possa servir como “alimento para a alma” dos fiéis, não podem ser incluídas no rol restrito de atividades essenciais, como os hospitais e supermercados, cujo funcionamento é imprescindível para garantir saúde e abastecimento, em virtude do que se espera a prevalência do bem comum e da preservação da saúde pública, com o veto ao projeto, pelo Governador do Estado, para a supremacia do interesse público.

 é procurador de Justiça em São Paulo, doutor em Direito pela USP, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, e ex-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático.