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Defesa deve ter acesso à delação firmada em cooperação Brasil-Peru

Para garantir o contraditório e a ampla defesa, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal garantiu ao ex-presidente do Peru Ollanta Humala e à ex-primeira dama Nadine Heredia acesso aos documentos de delações compartilhados pelo Ministério Público Federal do Brasil com o MP do Peru.

O ex-presidente do Peru (2011–2016) Ollanta Humala e a esposa, Nadine Heredia
Divulgação

Eles foram investigados por terem supostamente recebido da Odebrecht valores destinados ao financiamento da campanha à Presidência do Peru em 2011. A base da investigação foi a delação de Marcelo Odebrecht, Jorge Barata, Luiz Mameri e Valdemir Pereira Garreta.

Os peruanos pediram então acesso integral à cópia dos documentos ligados aos acordos de delação firmados com o MPF brasileiro. Alegaram que, pelo conteúdo das delações, foi feito um acordo de cooperação internacional e eles se tornaram alvos de ação penal oferecida pelo Ministério Público peruano. 

Em suma, a defesa dos ex-dirigentes peruanos alegou que o acesso aos documentos garantiria o princípio do contraditório e da ampla defesa para subsidiar a defesa.

O agravo foi interposto há dois anos no STF contra decisão monocrática do relator do caso, ministro Luiz Edson Fachin, que negava acesso. O processo seria julgado no Plenário Virtual, mas foi levado para videoconferência nesta terça-feira (19/5) por pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes, que divergiu do relator e foi acompanhado pela maioria da turma.

De acordo com Gilmar, o conteúdo das delações que atingem os agravantes foi produzido no Brasil e pode ou não ter havido alguma seleção dos dados a serem compartilhados. Para o ministro, é o caso de aplicação da Súmula Vinculante 14, que garante o direito do defensor ter acesso amplo aos elementos de prova, em conjunto com a  Lei 12.850/2013. 

“O acesso deve ser garantido caso estejam presentes dois requisitos: um positivo, o ato de colaboração deve apontar a responsabilidade criminal do requerente; e outro negativo, o ato de colaboração não deve referir-se à diligência em andamento”, afirmou. 

Gilmar considerou ainda que elementos essenciais para a defesa no processo que tramita no Peru podem não ter sido compartilhados pelo MPF, o que viola os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, já que a prova foi produzida originalmente no Brasil.

Assim, votou para dar acesso ao material para abranger somente documentos em que os peruanos são de mencionados, nos termos da Lei 12.850/2013 e nos limites da Súmula.

Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski acompanhou Gilmar e criticou a atuação do Ministério Público, apontando que em um passado recente o órgão pecou. “(…) Porque nossa colaboração ao invés de se dar pelos canais próprios, particularmente pelo Ministério da Justiça, nossa Constituição Federal exige que haja concordância do Congresso Nacional, isso ao que consta não foi observado”.

Relator vencido

Fachin afirmou que o fornecimento de provas que estão em sigilo e não incorporados a procedimentos investigatórios devem ser mantidos até a celebração da cooperação jurídica internacional.

O relator apontou ainda que não se tem notícia de homologação do acordo de colaboração no âmbito da República do Peru e afirmou que “eventual compartilhamento dessas provas, a pedido da defesa, para fins de utilização em processo em trâmite no Peru, demandaria admissão probatória do Estado estrangeiro e manejo das vias próprias de cooperação jurídica internacional”.

De acordo com o ministro, não cabe ao Poder Judiciário brasileiro “tutelar a regularidade da apuração que não se encontra sob sua jurisdição”.

Os peruanos foram representados pelo escritório Massud, Sarcedo e Andrade Advogados. De acordo com o advogado Leonardo Massud, a decisão é significativa, por restaurar o direito de defesa em um caso de cooperação internacional que a própria defesa não teve acesso aos documentos. 

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PET 7.494

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Vieira, Morau e Barbosa: É preciso liminar na ADI 6.417/DF

Na manhã do dia 11 de maio, o partido Cidadania ajuizou perante o Supremo Tribunal Federal ação direta de inconstitucionalidade em face do artigo 7°, II, da Emenda Constitucional nº 106/2020 (fruto da PEC n° 10/2020, que ficou conhecida como PEC do Orçamento de Guerra).

No âmbito da atuação excepcional limitada ao enfrentamento da calamidade pública nacional decorrente do coronavírus, reconhecida pelo Decreto Legislativo n° 6, de 20 de março de 2020, e com vigência e efeitos restritos ao período de sua duração, o dispositivo mencionado especificava os ativos que o Banco Central do Brasil (Bacen) ficaria autorizado a comprar e a vender em mercados secundários.

Sucede que a emenda foi promulgada sem a aprovação consensual pelas duas Casas do Congresso Nacional, ao arrepio do versado no artigo 60, § 2º, da CF, ausente o necessário retorno do texto ao Senado Federal ante a supressão de parte do texto anteriormente aprovado pela maioria dos senadores circunstância a macular, sob o ângulo formal, a atuação do legislador constituinte derivado no ponto.

A propositura da ADI justifica-se pelo fato de que emendas à Constituição, enquanto produtos da atuação do legislador constituinte derivado, sujeitam-se aos limites determinados pelo constituinte originário. Por essa razão, podem vir a ser submetidas ao controle judicial de constitucionalidade, conforme reiterada jurisprudência do STF. Nas palavras do decano ministro Celso de Mello, “atos de revisão constitucional tanto quanto as emendas à Constituição podem, assim, também incidir no vício de inconstitucionalidade, configurado este pela inobservância de limitações jurídicas superiormente estabelecidas no texto da Carta Política” (RTJ, 153:786, 1995).

No dia 1° de abril de 2020, o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, juntamente com outros parlamentares, apresentou a Proposta de Emenda à Constituição nº 10/2020, conhecida como PEC do Orçamento de Guerra, que institui regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento da calamidade pública nacional decorrente de pandemia internacional e dá outras providências”.

No dia 3 de abril, dois dias após o protocolo da PEC, instalou-se às 10h sessão deliberativa extraordinária, por meio virtual, em que se aprovou o projeto em dois turnos, encaminhando-o, por fim, ao Senado da República.

Na Câmara Alta, em 13 de abril, durante sessão deliberativa remota, o senador Antonio Anastasia proferiu parecer favorável à proposta e pelo acolhimento de algumas emendas. Dois dias depois, também em sessão deliberativa remota, aprovou-se o substitutivo (Emenda de Plenário n° 63), encerrando as discussões em primeiro turno. No dia 17 de abril, em mais uma sessão deliberativa realizada virtualmente, a matéria foi aprovada em segundo turno.

Entre as mudanças operadas pelo Senado, após intenso debate, destacam-se as alíneas do artigo 7º, II, que passaram a formar um rol exaustivo de ativos que poderiam ser comprados e vendidos pelo Bacen em mercados secundários: a) debêntures não conversíveis em ações; b) cédulas de crédito imobiliário; c) certificados de recebíveis imobiliários; d) certificados de recebíveis do agronegócio; e) notas comerciais; e f) cédulas de crédito bancário.

Devolvido o texto à Câmara dos Deputados, foi proferido parecer em Plenário no dia 4 de maio pelo relator, deputado Hugo Motta. Quatro dias depois, publicou-se, no Diário Oficial da União, a Emenda Constitucional nº 106, promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do artigo 60, § 3º, da CF.

Contudo, a Câmara dos Deputados, repise-se, acabou por suprimir as alíneas de “a” a “f” e a expressão “seguintes” contida no caput da redação do artigo 8º do texto aprovado pelo Senado, encaminhando a proposta de emenda para promulgação sem o necessário retorno do texto à casa revisora quanto ao citado dispositivo (agora topograficamente correspondente ao artigo 7º, II, do texto final).

Para além de restrições de caráter material (artigo 60, § 4º, da CF) e circunstancial consubstanciadas na proibição de mudanças em quadras históricas incompatíveis com a livre deliberação pelos órgãos constituintes, como a intervenção federal, o estado de sítio ou o estado de defesa (artigo 60, § 1º, da CF) , a reforma constitucional também submete-se a restrições de ordem procedimental (artigo 60, § 2º, da CF), conforme bem pontuado por Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco:

“(…) Sendo um poder instituído, o poder de reforma está sujeito a limitações de forma e conteúdo. Entre nós, a liberdade do órgão reformador sofre restrições de ordem procedimental. Assim, exige-se quórum especialmente qualificado para a aprovação de emenda à Constituição. É preciso que a proposta de emenda reúna o voto favorável de 3/5 dos membros de cada casa do Congresso Nacional e em dois turnos de votação em cada uma. Ambas as casas devem anuir ao texto da emenda, para que ela prospere; não basta, por isso, para que a proposta de emenda seja aprovada, que a casa em que se iniciou o processo rejeite as alterações à sua proposta produzidas na outra Casa[1]

A conclusão é única: nesse particular (artigo 7º, II, da EC nº 106/2020), a proposta de emenda foi promulgada sem a aprovação consensual pelas duas casas do Congresso Nacional, em completo descompasso com o regramento estabelecido para a alteração da Carta Maior, ausente o necessário retorno do texto ao Senado Federal ante a supressão de todas as alíneas do inciso II e parte do caput do artigo 8º do substitutivo aprovado pela maioria dos Senadores circunstância a macular, sob o ângulo formal, parte do produto da atuação do legislador constituinte derivado.

A controvérsia não possui foros de ineditismo, tendo presente a jurisprudência desse E. Supremo Tribunal Federal.

No julgamento, em 29 de setembro de 1999, da ADI-MC nº 2.031/DF, relator ministro Octavio Gallotti, na qual foram impugnados dispositivos da EC nº 21/1999, a versar o instituto da CPMF, o plenário, por maioria, deferiu parcialmente o pedido de liminar para suspender a eficácia do § 3º do artigo 75, presente violação do artigo 60, § 2º, da CF.

Em síntese, vislumbrou-se a existência de vício na tramitação da proposta por ter a Câmara dos Deputados suprimido a segunda parte do dispositivo na redação constante do texto iniciado e aprovado pelo Senado Federal, ausente a reapreciação da alteração por esta última casa. Entendeu-se que, não obstante seja admitido, em princípio, o não retorno do processo legislativo em caso de supressão de norma autônoma, teria a Câmara, ao eliminar a oração final da norma, feito “desaparecer a condição de norma condicional votada no Senado”, modificando substancialmente o sentido da proposta.

Na oportunidade, observou-se, nas palavras do ministro Sepúlveda Pertence, que “na emenda constitucional o que há é a necessidade de absoluta consonância na aprovação de todas as normas constantes da proposta pelas duas casas, em dois turnos de votação de cada uma'”

Assim, identificando tratar-se a norma impugnada de “enunciado condicional”, inferiu o plenário que a parte restante da norma poderia não ter sido aprovada pelo Senado “se não houvesse a outra”, concluindo não ter sido a matéria apreciada em ambas as casas, em ofensa ao § 2º do artigo 60 da Lei Maior.

Ora, a supressão das alíneas de “a” a “f” e da expressão “seguintes” do caput do artigo 8º na redação do substitutivo aprovado no Senado Federal implicou modificação substancial no texto normativo na medida em que estabeleciam condições sine qua non à compra e venda, pelo Bacen, de ativos de capitais e de pagamentos em mercados secundários nacionais no âmbito de mercados financeiros. É dizer: esvaziou o sentido normativo do que veio a ser, na redação final da EC nº 106/2020, o inciso II do artigo 7º.

Não fosse isso, não há dúvidas de que o Senado não teria aprovado a emenda nesse ponto.

Por essa razão, reputa-se urgente a concessão de liminar pelo relator, ministro Luiz Fux, para imediata suspensão do artigo 7º, II, da Emenda Constitucional nº 106/2020.

A razão não é desconhecida. A falta de critérios objetivos para referida atuação poderia colocar em risco o uso de mais um trilhão de reais que deveriam ser empregados a serviço do interesse público.

Nesse sentido, Maria Lúcia Fatorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, elenca os perigos envolvidos em um aprovação do texto que prescinda de parâmetros razoáveis:

“(…) Dá ao Banco Central autorização para operar no desregulado mercado secundário (de balcão) como um mero operador independente, podendo comprar derivativos sem lastro e debêntures de bancos, sem limite de valor, sem identificar os beneficiários, sem obedecer aos ‘Procedimentos Mínimos’ recomendados pela Anbima, sem a possibilidade de investigação efetiva, sem limitar o prazo dos papéis, sem a exigência de contrapartida alguma ao país, e mais: pagando tudo isso com títulos da dívida pública, cujo peso recairá sobre o povo brasileiro.

O presidente do Banco Central informou ao Senado que a operação chegará a R$ 972,9 bilhões, porém, levantamento feito pela IVIX Value Creation já havia revelado que a ‘carteira podre’ dos bancos chegava ao valor de quase R$ 1 trilhão, sem considerar a correção monetária! Se computada essa correção, chegaremos a vários trilhões, pois esses ativos privados vêm sendo acumulados nos bancos há 15 anos, segundo o levantamento!

A PEC não estabelece limite algum para essa operação e autoriza que o Banco Central opere com títulos da dívida pública nesse mercado secundário, o que provocará crescimento exponencial da dívida pública!” [2].

 O Congresso Nacional deve respeitar a Constituição Federal em qualquer circunstância, especialmente quando a flagrante agressão ao devido processo legislativo se dá em favor de uma atuação estatal obscura, que pode servir para favorecer de maneira desmedida e ilegal o sistema financeiro, em agudo prejuízo dos cofres públicos e dos brasileiros.

 é senador da República e ex-delegado-geral da Polícia Civil de Sergipe.

Caio Morau é advogado, assessor jurídico no Senado Federal, professor da Universidade Católica de Brasília e doutorando e mestre em Direito pela USP.

Eduardo Ubaldo Barbosa é advogado e mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB.

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Oliveira dos Santos: Responsabilidade limitada e regime especial do ISS

O regime especial do Imposto Sobre Serviços (ISS), denominado pelas administrações tributárias locais sociedades uniprofissionais, mas que preferimos denominá-las sociedade de profissionais [1], tem os seus requisitos estatuídos pelos §§ 1º e 3º do artigo 9º [2] do Decreto-Lei nº 406/1968. Ocorre que o mencionado § 3º trata do conceito “responsabilidade pessoal” que as autoridades fiscais equivocadamente interpretam como sendo a responsabilidade limitada da sociedade prestadora de serviço, fato que, segundo essa interpretação, confere natureza empresarial ao sujeito passivo da relação jurídica tributária. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) segue majoritariamente o entendimento exarado pela Fazenda. Nesse breve artigo, realizaremos uma crítica da interpretação apresentada pelos órgãos fazendários por meio da análise dos requisitos legais dispostos no artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/1968 e pelo conceito de empresário.

A sociedade de profissionais tem os seguintes requisitos na lei nacional em comento: 1) A prestação de serviço sob a forma de trabalho pessoal do profissional da sociedade; 2) O serviço deve ser prestado em nome da sociedade; 3) Cada pessoa natural que integrar a sociedade, como sócio ou empregado, deve estar habilitada para o serviço a ser prestado em nome da sociedade e deve assumir responsabilidade pessoal pela prestação, nos termos da lei; 4) O serviço prestado pela sociedade deve estar dentre aqueles itens constantes da lista anexa  (1. Médicos, inclusive análises clínicas, eletricidade médica, radioterapia, ultra-sonografia, radiologia, tomografia e congêneres; 4. Enfermeiros, obstetras, ortópticos, fonoaudiólogos, protéticos (prótese dentária); 8. Médicos veterinários; 25. Contabilidade, auditoria, guarda-livros, técnicos em contabilidade e congêneres; 52. Agentes da propriedade industrial; 88. Advogados; 89. Engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos; 90. Dentistas; 91. Economistas; 92. Psicólogos).

A primeira observação a ser realizada é que o contribuinte do ISS nesse regime é a sociedade prestadora de serviço, sendo as pessoas naturais que prestarão os serviços em nome dela mero parâmetro para a base de cálculo do imposto. A segunda observação é que quase a totalidade das profissões passíveis de enquadramento no regime especial possuem lei que regulamenta a profissão e o respectivo conselho que fiscaliza o seu exercício. Nesses casos, é necessário que o profissional esteja habilitado para exercer a profissão e tal habilitação confere ao profissional a responsabilidade técnica perante o conselho correspondente.

O primeiro requisito a ser analisado é a expressão “sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte” presente no § 1º. Esse dispositivo refere-se ao regime especial do ISS destinado aos profissionais autônomos, o qual não se confunde com o regime tratado pelo § 3º, referente às sociedades prestadoras de serviço. Ocorre que o § 3º se apropria desse conceito por meio da expressão “estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1º”. Assim, todas as pessoas naturais, sócias ou empregadas da sociedade prestadora de serviço deverão prestar o serviço com pessoalidade. Para Moraes [3] (1975, p.537):

“Por trabalho pessoal do próprio contribuinte, entendemos o serviço (puro fornecimento de trabalho) prestado por pessoas físicas, em caráter de trabalho da própria pessoa. Não atinge o serviço prestado por apenas pessoas jurídicas e nem os realizados em caráter empresarial”.

Outros requisitos que devem ser analisados estão presentes no excerto transcrito do § 3º em tela: “Calculado em relação a cada profissional habilitado, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável”. Verifica-se aqui que cada profissional habilitado deverá assumir responsabilidade pessoal nos termos da lei aplicável. Nesse ponto iniciam as divergências com as autoridades fazendárias: segundo o Fisco, trata-se da responsabilidade limitada da sociedade. Mas o Decreto-Lei nº 406/1968 não dispôs se ela deve ser limitada ou ilimitada, apenas pessoal. Além disso, termo “responsabilidade” está vinculado a “cada profissional habilitado”, não à sociedade. Sendo as profissões passíveis de enquadramento, conforme observamos anteriormente, regulamentadas por meio de leis e com o exercício delas fiscalizados pelos respectivos conselhos profissionais. Verifica-se aqui um vínculo indissolúvel entre os conceitos envolvidos: o profissional que presta o serviço em nome da sociedade deve estar habilitado para o seu exercício. Dessa atuação pessoal haverá certamente a responsabilidade técnica pelo exercício da profissão. Como exemplo, o engenheiro civil para exercer legalmente a sua profissão deve estar inicialmente inscrito no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) e, ao prestar pessoalmente o serviço, deverá emitir uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) relativa ao serviço prestado, fato que  lhe confere responsabilidade técnica perante o órgão profissional fiscalizador e que essa responsabilidade está prevista na lei que regulamenta a profissão (“lei aplicável”, nos termos do § 3º).

Ocorre que as administrações tributárias não têm esse posicionamento, sendo interpretado que essa “responsabilidade pessoal” é a limitação da responsabilidade dos sócios. Verificamos o primeiro equívoco aqui: se as pessoas naturais que prestam serviço em nome da sociedade podem ser sócias ou empregadas, dentro dessa interpretação verificamos que os empregados não possuem qualquer responsabilidade relativa às obrigações contraídas pela sociedade e os órgãos fazendários não se pronunciam sobre essa questão. Outro aspecto é que a responsabilidade limitada dos sócios não guarda qualquer relação com a prestação de serviço nem com o caráter empresarial de uma sociedade. Salama [4] afirma que a limitação da responsabilidade nada mais é do que um instrumento de alocação de risco. Santos [5] defende que a limitação da responsabilidade não é um atributo necessário e nem suficiente para qualificar uma sociedade como empresária. Ocorre que, na vigência do revogado Código Comercial de 1850, as sociedades limitadas possuíam necessária natureza comercial, nos termos do Decreto nº 3.708/1919, que regia esse tipo societário. Mas com a vigência do Código Civil de 2002, a limitação de responsabilidade não mais passou a conferir a natureza da sociedade de responsabilidade limitada, podendo essa ser simples ou empresária.

Outro equívoco que encontramos na interpretação fiscal é que há a associação de que a responsabilidade limitada é atributo que confere a qualificação empresária a uma sociedade, interpretação essa, ao nosso ver, contra legem, pois a definição de sociedade empresária é legal, nos termos em que preceitua o artigo 982 do Código Civil: “Considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro”. Esse dispositivo deve ser combinado com o artigo 966 do mesmo diploma legal, que estatui: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Os dispositivos em análise em momento algum fazem a menor alusão à limitação da responsabilidade, nos termos em que defendem os órgãos fazendários. Verifica-se que a natureza empresária de uma sociedade se vincula à forma de como ela exerce a sua atividade (o seu objeto social). Esse é o traço característico que define a sua natureza empresária, ao contrário da limitação da responsabilidade e de qualquer outro atributo tratado por Santos [6].

A forma como a sociedade pratica o seu objeto social está vinculada a um dos requisitos do regime especial do ISS, a pessoalidade. Destarte, a sociedade será empresária se exercer sua atividade sem pessoalidade, pois restará caracterizada a natureza empresária na medida em que houver o exercício de uma atividade econômica organizada, fato que é mutuamente exclusivo com a pessoalidade na prestação de serviços. Assim, as fiscalizações locais devem promover o desenquadramento de sociedade que apresentem uma estrutura empresarial na prestação de serviços, não a limitação da responsabilidade dos sócios em seu ato constitutivo.

 é auditor fiscal tributário do município de São Paulo, professor universitário e de cursos preparatórios para concursos públicos na área fiscal e mestre em Direito Tributário pela FGV Direito-SP e em Engenharia de Estruturas pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.