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Gilmar Mendes critica inércia da PGR em ameaças a ministros do STF

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, listou diversas ocorrências e ameaças contra os ministros da Corte que foram enviadas à Procuradoria-Geral da República e não tiveram andamento. O ministro foi o oitavo a votar nesta quarta-feira (17/6) para manter o chamado inquérito das fake news (Inq 4.871), que apura ameaças contra os ministros do Supremo. 

Ministro disse que PGR não deu devida atenção às ameaças enviadas — até que inquérito fosse instaurado pela Corte
Rosinei Coutinho/SCO/STF

De acordo com Gilmar Mendes, em diversos casos de ataques sofridos pelo tribunal ou constatados nos processos, o Ministério Público Federal não adotou as providências cabíveis. 

“As ameaças à vida e à integridade dos ministros e seus familiares, que constituem objeto do inquérito, não foram interiormente apuradas pelo Parquet, embora já ocorressem com alguma frequência e sistematicidade, a indicar a realização de atos coordenados por pessoas unidas por interesses distintos”, afirmou.

As manifestações, lembrou o ministro, também foram feitas por agentes públicos, que incitaram atos inconstitucionais e antidemocráticos, como fechamento da Corte e destituição dos ministros. Ele também citou as conversas divulgadas pelo site The Intercept Brasil, que mostraram o procurador Deltan Dallagnol pedindo o endereço do ministro Dias Toffoli numa tentativa de conectá-lo a casos de corrupção. 

Tais fatos “não foram objeto da devida atenção por parte da PGR até a instauração do inquérito pelo tribunal”, afirmou o ministro. 

Gilmar também afastou o questionamento de vícios no objeto do inquérito questionado por ser muito amplo. Para ele, o objeto e os fatos foram bem delimitados e buscam apurar ataques por intermédio de uma estrutura organizada de divulgação de fake news. 

Ao tratar da liberdade de expressão, o ministro afirmou que não foram feitas meras críticas, mas sim um “movimento orquestrado que busca atacar um dos poderes responsáveis pelos direitos fundamentais e das regras do direito democrático”. Apontou que vislumbra a possibilidade de configuração dos crimes de calúnia, injúria, difamação, ameaça, organização criminosa e delitos da Lei de Segurança Nacional.

No caso do STF, disse Gilmar, “não se pode ignorar que esse poder de polícia judiciária, previsto pelo regimento, parece constituir importante garantia para coibir crimes que atentem contra o poder constitucionalmente incumbido da defesa dos direitos fundamentais e das regras do jogo democrático, em especial diante do cenário atual de ataques sistemáticos e organizados”.

Desde a manhã desta quarta, os ministros analisam uma ação, ajuizada pelo Partido Rede Sustentabilidade, para questionar a portaria que determinou a abertura do inquérito. O julgamento foi suspenso e será retomado na tarde desta quinta (18/6). Votarão os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Dias Toffoli.

Unanimidade até agora

O inquérito das fake news foi aberto em março de 2019, por ordem ministro Dias Toffoli, presidente do STF, com base no artigo 43 do Regimento Interno do STF. Ele designou o ministro Alexandre de Moraes para presidir o processo. A investigação corre sob sigilo e despertou críticas desde que foi anunciada.

Até o momento, é unânime o entendimento de que ataques em massa, orquestrados e financiados com propósito de intimidar os ministros e seus familiares, justificam a manutenção das investigações. 

O colegiado seguiu o relator da ação, ministro Luiz Edson Fachin, que embora inicialmente tenha votado para impor delimitações ao inquérito, adequou seu voto após o ministro Alexandre de Moraes apontar que as medidas sugeridas já estão sendo cumpridas.

Moraes afirmou que, no decorrer da investigação, as defesas e a Procuradoria-Geral da República tiveram acesso aos documentos. O ministro disse ter garantido a participação do Ministério Público no inquérito e entendeu que todo tribunal pode abrir inquéritos e investigações criminais sem que haja pedido do MP.

O dispositivo final do voto de Fachin é o seguinte: “Ante o exposto, nos limites desses processos, diante de incitamento ao fechamento do STF, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros, de apregoada desobediência a decisões judiciais, julgo totalmente improcedente o pedido nos termos expressos em que foi formulado ao final da petição inicial, para declarar a constitucionalidade da portaria GP 69/2019, enquanto constitucional o artigo 43 do regimento interno, do STF, nas específicas e próprias circunstâncias de fato, com esse ato exclusivamente envolvidas”.

ADPF 572

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Fernandes e Thomaka: Aumento da violência doméstica na quarentena

Confinadas em seus lares por causa da pandemia da Covid-19, as mulheres são duplamente ameaçadas: por um vírus potencialmente letal e por pessoas violentas de seu próprio convívio doméstico.

Desde a descoberta da doença, têm sido adotadas, ao redor do mundo, medidas que já se mostraram indispensáveis à sua contenção: distanciamento social, isolamento e quarentena. Não há dúvida do acerto da escolha, todavia, ela trouxe um grave efeito colateral: o aumento das ocorrências de feminicídio e de numerosos casos de violência doméstica contra mulheres, meninas e jovens.

Diversos países registraram tal aumento, como é o caso de Alemanha, Canadá, França, Reino Unido, China, Estados Unidos, Singapura e Chipre [1]. Trata-se, portanto, de um problema global.

Não à toa, a Corte Interamericana de Direitos Humanos publicou, no dia 9 de abril, manifestação com o objetivo de lembrar aos Estados suas obrigações internacionais e a jurisprudência daquela corte, na qual destacou:

“Tendo em vista as medidas de isolamento social que podem levar a um aumento exponencial da violência contra mulheres e meninas em suas casas, é necessário enfatizar o dever do Estado de devida diligência estrita com respeito ao direito das mulheres a viverem uma vida livre de violência e, portanto, todas as ações necessárias devem ser tomadas para prevenir casos de violência de gênero e sexual; ter mecanismos seguros de denúncia direta e imediata; e reforçar a atenção às vítimas” [2].

Com efeito, é mandatório que o Poder Público atue de modo a minimizar os efeitos deletérios das medidas adotadas como forma de enfrentar o novo coronavírus.

Nesse sentido, além de outras ações que visem a conter os impactos da pandemia na vida das mulheres, as quais representam parcela da população mundial brutalmente atingida pelo novo vírus, a ONU Mulheres recomendou que as comunidades afetadas pela Covid-19 priorizassem os serviços de prevenção e resposta à violência de gênero [3]

No Brasil, os índices já eram bastante acentuados antes da pandemia: de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, a cada dois minutos uma mulher realiza registro policial por violência doméstica no país, o que totalizou, em 2018, 263.067 casos de lesão corporal dolosa [4].

Alarmantes, também, são os índices de violência sexual, praticada, na maior parte das vezes, no âmbito doméstico 75,9% das vítimas possuem algum tipo de vínculo com o agressor, não raro seu cônjuge, pai, padrasto, avô, tio, irmão. Em 2018, foram contabilizados 66.041 registros de estupros, ou seja, uma média de 180 casos por dia, dos quais 81,8% praticados contra mulheres ou meninas. Quatro meninas de até 13 anos são estupradas por hora no país, uma realidade assustadora e cruel [5].

Nesse cenário de caos, tornam-se particularmente preocupantes as notícias de aumento da violência doméstica contra a mulher, no contexto de isolamento social [6]. Estima-se que, no Rio de Janeiro e em São Paulo, o número de casos durante o período de confinamento tenha aumentado em 50% [7], dado que pode ser ainda maior, eis que o isolamento social dificulta sobremaneira os registros de ocorrências nas delegacias de polícia. Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Decode Pulse identificou um acréscimo de 431% dos relatos de briga de casais no período de isolamento. Entre 52.513 menções a relatos de brigas conjugais no Twitter, 5.583 indicavam ocorrência de violência contra mulheres [8].

De acordo com a Lei Maria da Penha, cabe ao poder público desenvolver políticas que visem a “garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, bem como criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana [9].

Assegurar proteção às mulheres vítimas de violência doméstica que, agora, não têm alternativa senão permanecer 24 horas em casa com seus agressores é, portanto, um desafio a ser enfrentado pelos três Poderes da República, nas esferas federal, estadual e municipal.

No âmbito do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça instituiu, no mês de abril, um grupo de trabalho dedicado a elaborar sugestões de medidas emergenciais para prevenir a violência doméstica. A expectativa é a de que tal grupo elabore um diagnóstico da situação atual e pense sobre estratégias que possam contribuir para a maior rapidez e prioridade no atendimento das vítimas de violência doméstica e familiar [10].

Na Câmara dos Deputados, em 3 de abril foi apresentado o Projeto de Lei n.º 1.444/2020, o qual prevê, em síntese, uma alteração na Lei Maria da Penha para determinar que, durante a emergência de saúde pública decorrente da pandemia da Covid-19, a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios assegurem recursos extraordinários emergenciais para garantir o funcionamento das casas-abrigo e dos Centros de Atendimento Integral e Multidisciplinares para Mulheres [11].      

Visando, igualmente, a dar uma resposta às mulheres vítimas de violência doméstica neste contexto de crise, foi apresentado, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, o Projeto de Lei n.º 1.775/2020, que objetiva criar o “Programa de Acolhimento Emergencial de Mulheres em Situação de Violência Doméstica” durante a vigência do estado de calamidade pública, com efeitos enquanto durarem as medidas de quarentena e restrições de atividades no contexto da pandemia da Covid-19 [12].

De acordo com o projeto, durante a vigência do estado de calamidade pública decretado pelo município do Rio de Janeiro (Decreto Rio nº 47.355, de 8 de abril) deve assegurar-se às mulheres em situação de violência doméstica, acompanhadas ou não de seus filhos, o acolhimento em pousadas e hotéis, os quais deverão ser requisitados em sua integralidade.

De fato, as notícias acerca do rápido aumento do número de casos de violência doméstica durante o isolamento social demonstram a necessidade da adoção de políticas públicas visando à proteção das vítimas. Por isso, os projetos de lei ora apresentados, que trazem propostas de proteção para as mulheres, precisam ser aprovados com a brevidade que a situação de calamidade ora requer.

É preciso que as mulheres tenham meios, mesmo durante a pandemia, de se libertar de quem deixou de ser cônjuge para ser carrasco. De nada adianta se proteger do mundo externo se em sua própria residência a mulher for submetida a sessões diárias de maus tratos ou de tortura física, sexual, psicológica e moral que, de igual modo, coloca suas vidas em risco e lhes causa imensa dor. O período de isolamento não pode se transformar em um cárcere no qual a vítima fica à mercê de seu agressor.

 


[1]  “Em abril, a ONU Mulheres divulgou dados sobre o aumento de violência doméstica desde o começo das medidas de isolamento social: na Argentina, Canadá, França, Alemanha, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos, autoridades governamentais relatam crescentes denúncias de violência doméstica e aumento da demanda para abrigo de emergência; a França já registrou 32% do aumento de casos de violência doméstica desde o começo do isolamento social – Em Paris, o aumento foi de 36%; na China, as denúncias de violência contra a mulher triplicou durante o confinamento; e Singapura e Chipre registraram um aumento de mais de 30% nas denúncias de violência doméstica”. In https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/19/como-a-pandemia-de-coronavirus-impacta-de-maneira-mais-severa-a-vida-das-mulheres-em-todo-o-mundo.ghtmlAcesso em 9/5/2020..

[9] “Artigo 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 2º – Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.”.

Maíra Fernandes é advogada criminal, vice-presidente da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas, fundadora do Movimento da Mulher Advogada, mestra em Direito e especialista em Direitos Humanos pela UFRJ.

Érika Thomaka é advogada criminal e membro da Comissão Especial de Estudos do Direito Penal da OAB-RJ.

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STF referenda liminar e mantém suspensão a restrições à LAI

A consagração constitucional ao princípio da publicidade corresponde à obrigatoriedade do Estado de fornecer informações solicitadas, sob pena de responsabilização política, civil e criminal, salvo nas hipóteses sob sigilo. Portanto, não há alteração que se faça necessária ao acesso do cidadão, principalmente diante de cenário de pandemia.

Ministro Alexandre de Moraes ressaltou que não há motivos para mudar acesso à informação
Rosinei Coutinho/SCO/STF

Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal referendou a decisão liminar que suspendeu a eficácia do artigo 1º da Medida Provisória 928/2020, que restringia a Lei de Acesso à Informação. A votação foi unânime na sessão realizada por videoconferência nesta quinta-feira (30/4), que julgou três ADIs sobre o mesmo tema, de autoria dos partidos Rede Sustentabilidade e Partido Socialista Brasileiro, e da OAB.

O Plenário seguiu o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, que concedeu a liminar em 26 de março e, mais de um mês depois, ressaltou que não registrou-se problema algum no acesso à informação, a despeito do combate à pandemia do coronavírus.

Especialistas ouvidos pela ConJur já haviam ressaltado que a MP 928 fere conquistas democráticas. Em momento em que a lei exime o administrador público de licitação para compra de determinados insumos e materiais, ela se faz ainda mais necessária, afirmou o ministro.

“Nenhuma norma da Organização Mundial da Saúde ou qualquer outra entidade afirma que restringir acesso às informações auxiliaria no combate à pandemia. Quase 40 dias depois da liminar, comprovou-se que a MP é abusiva. Quase 100% das informações prestadas são feitas online. Não há a mínima necessidade de restrição”, afirmou.

Para o relator, não se pretendeu fazer ligação com a pandemia com a MP, mas sim dificultar o acesso livre do cidadão às informações como a Constituição consagra. “Essa MP, na verdade, fornece uma solução para um problema que não há”, apontou o ministro Luís Roberto Barroso, ao acompanhar o posicionamento. 

“Esse controle de constitucionalidade em sede de cautelar mostra também a extrema responsabilidade atribuída ao chefe do Executivo quando se admite que esse agente político deve ter o exercício de função normativa – ainda que de forma atípica – em matéria como essa”, destacou o ministro Gilmar Mendes.

Os ministros destacaram ainda que o artigo 11 da Lei de Acesso à Informação já aponta que, não sendo possível prestar a informação solicitada, é necessário “Indicar as razões de fato ou de direito da recusa, total ou parcial, do acesso pretendido”. 

Por videoconferência, o advogado da Rede Sustentabilidade, Cassio dos Santos Araújo, trouxe dados de que, mesmo durante a pandemia, a União manteve a média arredondada de 10 dias para resposta aos pedidos de acesso à informação, ainda que a LAI coloque tal prazo em 20 dias, prorrogáveis por mais dez.

Também falou o ex-presidente do Conselho Federal da OAB, Marcos Vinicius Furtado Coêlho. “A república não há espaço para o segredo no que se refere aos atos do Poder público. O cidadão possui direito ao acesso às informações, para controlar e avaliar as ações estatais”, afirmou.

ADI 6347

ADI 6351

ADI 6353