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Alemanha deve respeitar privacidade ao monitorar estrangeiros

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Alemanha deve respeitar direito à privacidade ao monitorar estrangeiros

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O Serviço de Inteligência Federal da Alemanha é limitado pelo direito fundamental à privacidade quando promove monitoramento de telecomunicações de estrangeiros em outros países.

Alemanha não pode espionar estrangeiros em outros países sem respeitar seus direitos fundamentais
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Esse foi o entendimento firmado nesta terça-feira (19/5) pela Corte Constitucional Federal alemã. A regra aplica-se à coleta e processamento de dados, bem como à transferência das informações obtidas a outras entidades.

A corte entendeu que o Estado alemão está sujeito aos direitos estabelecidos pela Lei Fundamental mesmo fora de seu território. Assim, deve garantir a estrangeiros a mesma privacidade que confere a seus cidadãos.

Segundo o tribunal, as regras que pautam o funcionamento do Serviço de Inteligência Federal contêm brechas que, por exemplo, interferem na proteção às atividades de jornalistas e advogados.

Porém, apontou a corte, o monitoramento de telecomunicações de estrangeiros em outros países pode, em princípio, ser compatível com a Lei Fundamental se for estruturado de acordo com o princípio da proporcionalidade.

A ação foi movida por jornalistas que cobrem violações de direitos humanos em zonas de conflito e Estados autoritários. Eles questionaram uma emenda ao regulamento do Serviço de Inteligência Federal que permitiu o monitoramento de estrangeiros fora do território alemão.

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico, 20 de maio de 2020, 20h06

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Opinião: O papel orientador dos tribunais de contas

O cenário de grave crise epidemiológica exige ações emergenciais dos gestores públicos. Dentre os desafios trazidos pela doença, a flexibilização de normas que pautam a execução dos gastos públicos influencia diretamente na atuação dos tribunais de contas, sobretudo quando se leva em conta que a tônica tem sido no sentido evitar que atuação desses órgãos seja um entrave à ajuda humanitária.

Em relação ao gasto de recursos públicos em medidas e ações para combater a doença, presenciamos no Congresso propostas usando como base para dar sustentação a necessidade de dar mais segurança jurídica para os gestores no cenário pós-crise.

Nesse contexto, é importante ressaltar que o exercício das competências dos tribunais de contas, inclusive no contexto de calamidade pública causada pela Covid-19 e na interpretação da Lei nº 13.979, de 2020, deve observar o ordenamento jurídico vigente, de alicerce constitucional, que impõe uma colegialidade processual-decisória, de forma a não colocar em risco a situação jurídico-funcional dos agentes públicos. Sendo imprescindível garantir o devido processo legal de controle externo e a atuação independente, imparcial e apartidária das cortes de contas, mesmo no momento atípico vivenciado no país.

Num momento em que o país necessita efetivar inúmeras ações emergenciais, a função pedagógica dos tribunais para orientar os gestores é fundamental. Ela deve ser materializada por meio do processo de consulta, que pode se dar em rito simplificado, a partir da redução de prazos para oferta de pareceres e submissão a julgamento colegiado, observado o disposto no art. 1º, §3º, inciso I da Lei n. 8.443/1992, cujo teor dispõe que as decisões são integradas pelo voto do relator, do qual deverão constar as conclusões das unidades técnicas de fiscalização e instrução processual e o parecer do Ministério Público Especial, comando legal que é reproduzido em leis orgânicas dos Tribunais de Contas de entes subnacionais.

Essas normas estabelecem o rito processual capaz de garantir o caráter pedagógico dos integrantes da função de auditoria, ministerial e judicante. Cuja colegialidade processual-decisória oportunizará aos gestores segurança jurídica na adoção de procedimentos e tomada de decisões, em estrita consonância com o disposto no art. 30 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

Esse rito simplificado, inclusive, já tem previsão regimental em Tribunais de Contas, e, para além disso, o próprio artigo 4-G da Lei n.13.979, de 2020, ao reduzir prazos em procedimentos licitatórios da modalidade pregão, é indutor de simplificação por meio da redução de prazos, sem, contudo, suprimir fases, com vistas ao ideal de alcance da vantajosidade das contratações.

Para atendimento dos pressupostos necessários à segurança jurídica dos agentes controladores e controlados, é necessário que as competências constitucionalmente outorgadas aos tribunais de contas sejam regularmente exercidas, nos termos do ordenamento jurídico aplicável, de modo que a função pedagógica, em formato de orientação aos gestores, deve ser concretizada mediante processos de consulta, cujo rito não pode ser desfigurado, mas simplificado a partir da redução de prazos para oferta de pareceres e submissão a julgamento colegiado.

A simplificação do rito dos processos de consulta mediante redução de prazos é capaz de atender a celeridade e a urgência requeridas pela situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional (Espin), mas sem se apartar do ordenamento vigente e nem desfigurar a forma como devem ser exercidas as competências institucionais dos tribunais de contas.

Não se pode olvidar que entendimentos manifestados pelos tribunais sobre a aplicabilidade e rota de alcance e sentido da Lei nº 13.979, de 2020, podem afetar a política pública de saúde e sobrecarregar o sistema incumbido de prestar esses serviços, caminho que vai na contramão das ações essenciais à manutenção do pacto federativo brasileiro.

A crise motivada pela pandemia obrigou os órgãos de controle dos gastos públicos, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) a considerarem as dificuldades reais dos gestores, o que impulsionou a modificação, durante esse período de anormalidade, dos próprios parâmetros do controle, especialmente aqueles pautados na rigidez, mas o desafio é que essas mudanças não transformem a ponto de desfigurar os sistemas de controle do Brasil e o sensível trato com os recursos públicos.

 é auditor de Controle Externo (TCE-PE) e presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC).

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Grace Mendonça: Repercussão geral consolida segurança jurídica

O instituto da repercussão geral, incorporado no ordenamento jurídico brasileiro como mecanismo de aprimoramento da jurisdição constitucional[2], revela consistência de vocação e força propulsora de um dos mais importantes postulados do Estado Democrático de Direito encartados na Constituição da República: a segurança jurídica.

A afirmação e as reflexões ora compartilhadas pautam-se pela concepção do instituto como instrumento capaz de uniformizar linhas interpretativas e, em decorrência, de transformar a segurança jurídica em valor tangível, sem, contudo, pretender adentrar na perspectiva da repercussão geral como barreira ou filtro apto a mitigar o volume de processos alçados à Suprema Corte do país – aspecto que detém premissas e ângulos próprios, inclusive no tocante aos impressionantes números da judicialização constitucional no Brasil. Não se pretende, portanto, abordar o instituto da repercussão geral à luz de sua incidência inicial junto à Suprema Corte, permeada pelos desafios de um Tribunal Constitucional assoberbado de processos, mas de suas qualidades e resultados positivos ao final de seu percurso.

Assim, ao circunscrever a competência recursal extraordinária da Suprema Corte à apreciação e julgamento de  recursos, cuja relevância social, política, econômica ou jurídica transcenda os interesses subjetivos da causa e, concomitantemente, pacificar a interpretação constitucional a ser adequadamente aplicada aos múltiplos litígios que encerram a mesma questão constitucional, a repercussão geral é instituto dotado de habilidades diferenciadas para elidir incertezas e instabilidades, tão deletérias à percepção social de justiça.

Desde a sua efetivação[3], foram submetidos à apreciação da Corte 1.089 casos representativos da controvérsia. Desse acervo, o Supremo Tribunal Federal acolheu a repercussão geral em 737 processos e negou em 342 feitos, estando pendente de apreciação 4 (quatro) casos. Dos processos em que restou reconhecida a preliminar de repercussão geral (737), o Supremo Tribunal Federal já se debruçou e decidiu o mérito de 437 recursos extraordinários, julgando em definitivo os feitos representativos de controvérsia[4].

A pacificação interpretativa é manifestada em teses de repercussão geral cuidadosamente fixadas pelo Colegiado, as quais passam a nortear as decisões a serem tomadas pelas demais instâncias do Poder Judiciário, numa articulação uniformizadora de destacada relevância para a sociedade, porquanto desestimuladora do avanço de controvérsias judiciais em rota de confronto com a tese fixada.

A sistemática da repercussão geral, portanto, tem a aptidão de impactar positivamente na funcionalidade do Sistema de Justiça brasileiro, na medida em que propicia maior racionalidade e eficiência, tornando a engrenagem mais fluida e menos onerosa. Seus salutares efeitos, porém, vão além. Expandem-se para alcançar o litigante individual ou coletivamente considerado, assim como os múltiplos setores, produtivos ou não, envolvidos em conflitos judiciais que aguardam a equânime distribuição de Justiça.

Não por outra razão, aliás, um dos pressupostos para a submissão do recurso extraordinário à sistemática da repercussão geral reside na relevância social, política, econômica ou jurídica do tema para além da subjetividade consubstanciada no recurso paradigmático[5], cuja demonstração, inclusive, não se confunde com invocações desacompanhadas de sólidos fundamentos no sentido de ser o tema controvertido efetivamente portador de ampla repercussão[6].

Quando se estabiliza a correta interpretação constitucional, mediante a fixação de uma tese de repercussão geral, incrementa-se previsibilidade. Em decorrência, o jurisdicionado que aguarda a entrega da prestação jurisdicional, conhecedor do posicionamento adotado pela Corte Suprema sobre a mesma questão constitucional, antevê solução individualizada consentânea com as premissas fixadas. O princípio da proteção da confiança ganha maior solidez[7], enquanto a irresignação, ínsita ao estado de dissenso interpretativo, é apaziguada, potencializando o senso de justiça material. Afinal, a dimensão subjetiva do princípio da segurança jurídica implica precisamente a proteção da legítima confiança, materializada também quando o órgão mais elevado do Poder Judiciário revela sua compreensão sobre tema de natureza constitucional.

A previsibilidade, intrínseca à concepção de segurança jurídica, que, segundo Canotilho[8], proporciona aos cidadãos certeza e calculabilidade no que diz respeito às consequências e efeitos jurídicos dos atos normativos, também pode ser estendida à interpretação fixada à luz da sistemática da repercussão geral. Pelos mesmos fundamentos, pode-se afirmar que a definição da tese de repercussão geral propicia a calculabilidade interpretativa e, em decorrência, fomenta segurança jurídica.

Se, antes da sistemática da repercussão geral, à luz dos precedentes da Corte Suprema, era possível extrair a sua linha interpretativa a respeito de determinada questão constitucional, com o instituto da repercussão geral, uma vez fixada a tese, o posicionamento torna-se manifesto, estancando eventual hesitação hermenêutica. Nas contendas de índole constitucional, portanto, a partir da tese firmada, o Poder Judiciário proporciona maior segurança jurídica ao jurisdicionado, conferindo-lhe condições mais refinadas de calculabilidade interpretativa.

Nessa esteira, quando dos julgamentos de recursos extraordinários sob a sistemática da repercussão geral, a jurisprudência até então dominante na Corte ganha especial relevo. Muito embora seja a partir do julgamento do recurso representativo da controvérsia que a tese é definida, o histórico jurisprudencial do Colegiado merece ser valorado, porquanto rupturas interpretativas, a depender das circunstâncias, podem colocar em risco ou embaçar a percepção de segurança jurídica.

Esse aspecto não tem passado despercebido pelo Supremo Tribunal Federal. As situações de virada interpretativa normalmente são marcadas por elementos de caráter objetivo, como a inovação ocorrida no ordenamento jurídico — reveladora de descompasso entre a interpretação até então firmada e a contemporânea legislação de regência do tema — ou mesmo a presença no julgado de circunstâncias fáticas distintas daquelas que embasaram o entendimento firmado em precedentes[9]. Igualmente merecem destaque as hipóteses em que, ao estruturar a tese de repercussão geral, a Corte acaba por promover complementação ou integração interpretativa, sem desacreditar a construção jurisprudencial existente[10]. Em outros casos, a tese firmada em repercussão geral altera a jurisprudência anterior para alargar a base protetiva do cidadão[11].  Não obstante, uma vez mantido o cenário legislativo e as balizas sobre as quais se assentou a jurisprudência, a Corte tem reafirmado a solidez de seus precedentes, incrementando segurança jurídica[12].

Um julgamento sob a sistemática da repercussão geral não significa, dessa forma, a abertura sem limites de determinada discussão constitucional, desconectando-a do histórico jurisprudencial do Colegiado, numa perspectiva de descontinuidade interpretativa. Sem elementos objetivamente apresentados, a guinada jurisprudencial implicaria degradação da segurança jurídica e, por conseguinte, perda de riqueza, afinal, não há crescimento, inclusive nas vertentes social e econômica de um país, em ambiente permeado por incerteza ou indefinição.

Se a cada julgamento sob a sistemática da repercussão geral o Supremo Tribunal Federal se orientasse pela desconsideração, sem freios, da jurisprudência construída, restariam instituídas a insegurança jurídica e a instabilidade. Aliás, esvaziado estaria o próprio instituto da repercussão geral que exige, como antecedente necessário, a demonstração de aspectos que transcendam o caso concreto, no plano social, político, jurídico e econômico, eixos que, já na largada do julgamento, estariam comprometidos caso a jurisprudência pacificadora de tema constitucional, firmada ao longo dos anos, fosse ignorada, sem o respaldo em elementos objetivos devidamente apontados. A incerteza, própria de um reinício, comprometeria a segurança jurídica.

A compreensão de que a revisitação descomedida da jurisprudência significaria contrassenso com os propósitos perseguidos pelo instituto da repercussão geral não implica a defesa do engessamento interpretativo, mas, tão somente, a necessidade de moderação quanto à mudança de orientação jurisprudencial, de modo a não lançar mácula sobre os pilares de sustentação da segurança jurídica, promovendo verdadeiro estado de incerteza. Afinal, a jurisprudência não se apresenta como uma posição estanque do Tribunal, mas antes, como o resultado de um processo hermenêutico, alicerçado em princípios, comandos e conceitos constitucionais.

É certo que o dinamismo das relações jurídicas recomenda o avanço interpretativo, em especial em matéria constitucional – a própria tese de repercussão geral pode ser revisada. A mudança, contudo, merece vir acompanhada da indispensável robustez de fundamentação, bem como da inserção de mecanismos niveladores, a exemplo da modulação e das cláusulas de transição, cruciais à preservação da segurança jurídica[13].

A segurança jurídica mantém relação estreita e intrincada com o fator tempo. A estabilização de relações jurídicas marcadas por uma judicialização que não obteve o desfecho ao longo de período considerável acaba envolvendo vertentes expressivas, a exemplo das justas expectativas normativas e interpretativas do jurisdicionado e dos possíveis impactos provenientes da demora.

O ponto ganha contornos ainda mais significativos quando o paradigma de repercussão geral discute questão constitucional que envolve lei ou ato normativo vigente em passado relativamente remoto, cujos reflexos indenizatórios encontram-se pendentes de definição. Caso a jurisprudência tenha sido firmada no sentido da inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, com o reconhecimento do direito à reparação de índole patrimonial, por exemplo, eventual modificação do entendimento pode gerar desdobramentos na seara da segurança jurídica e consequências práticas importantes do ponto de vista da igualdade de tratamento, considerando o teor de decisões anteriormente proferidas em casos análogos. Em tais circunstâncias, inclusive, caso a lei ou o ato normativo declarado inconstitucional alcance determinado setor produtivo, a alteração interpretativa pode gerar situações de desestabilização da força concorrencial entre empresas que disputam o mesmo segmento de mercado, fragilizando, por conseguinte, a segurança jurídica.

Nesse cenário, uma virada jurisprudencial, sem amparo em sólidos elementos objetivos, poderia desencadear consequências nocivas aos núcleos de sustentação da segurança jurídica, à luz dos impactos econômicos, políticos, sociais e jurídicos dela oriundos, ao passo que a reafirmação da jurisprudência poderia tornar ainda mais proeminente o atributo estabilizante do instituto da repercussão geral, aspectos que têm merecido apropriado sopesamento pela Corte Suprema.

Em tais casos, a reflexão merece perpassar os quatro eixos supramencionados em períodos distintos da história, de modo a favorecer a entrega da mais eficiente e justa tutela constitucional. Ponderações atentas ao tempo dos fatos podem ser determinantes para a blindagem da segurança jurídica, sob o viés da isonomia, especialmente quando o julgado culmina com uma alteração interpretativa.

Quando esforços são concentrados no sentido de materializar a segurança jurídica, tornando-a aliada no processo de alavancagem social, econômica, jurídica e política do país, o instituto da repercussão geral pode se tornar um forte instrumento de cooperação, já que o enfrentamento da questão constitucional, objeto do recurso extraordinário paradigma, demanda o exame de seus impactos ou externalidades nas mesmas esferas, de modo a trazer a necessária uniformização de entendimento, inclusive prestando reverência, sempre que possível, ao histórico jurisprudencial da Corte. Nesse sentido, quanto mais bem estruturada for a tese de repercussão geral, desembaraçando imprecisões interpretativas a respeito do tema em suas múltiplas vertentes, mais eficiente será o seu alcance, em prol da sedimentação da segurança jurídica.

Trata-se, portanto, de instrumento a serviço da jurisdição constitucional capaz de aquietar incertezas, de estabilizar linhas interpretativas e de propiciar ao jurisdicionado a ampliação dos níveis de cognoscibilidade acerca da posição da Suprema Corte, bem como de previsibilidade e calculabilidade normativa e interpretativa, elementos estruturais da segurança jurídica enquanto postulado do Estado Democrático de Direito.

O trabalho interpretativo, a partir da fixação de teses de repercussão geral, ganha estatura pacificadora, revelando a virtude do instituto de viabilizar a interpretação de leis e atos normativos à luz da Constituição da República, sob o estandarte da segurança jurídica.

Grace Mendonça é advogada, ex Advogada-Geral da União, mestre em Direito Constitucional e pós-graduada em Direito Processual Civil.