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Órgão Especial do TJ-SP mantém ato normativo que congela salários

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo indeferiu na última sexta-feira (12/6) liminar ajuizada pela Associação Paulista do Ministério Público que contestava a constitucionalidade dos artigos 1º ao 3º do Ato Normativo 1/20.

Salários de servidores foram congelados até 31 de dezembro do 2021
Daniel Gaiciner/TJ-S

As normas proíbem a concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração, bem como a criação ou majoração de qualquer vantagem e benefício pecuniários aos servidores do TJ-SP, Tribunal de Contas do Estado e Ministério Público até 31 de dezembro de 2021. Um dos dispositivos do ato conjunto (inciso III do artigo 1º) também determina que a aquisição de eventuais direitos referentes a adicional por tempo de serviço — como licença-prêmio — fica suspensa até 31/12/2021.

A admissão e contratação de pessoal também estão vedadas, salvo reposição de cargos de chefia, direção e assessoramento que não implique em aumento de despesa.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade, assinada pelo escritório Innocenti Advogados Associados, a Associação Paulista do MP afirma que o ato normativo questionado é materialmente incompatível com a Constituição Estadual. 

“Sob a lógica consolidada no nosso sistema jurídico de que o regulamento se presta a operacionalizar a execução de uma dada lei, resta absolutamente claro que o Ato Normativo 1/20 não possui natureza de regulamento, mas de ato de caráter normativo primário, tendo em vista que inovou na ordem jurídica com autonomia jurídica e abstração sob o pretexto de regulamentar diploma legal não aplicável no âmbito estadual, em manifesta afronta aos artigos 24 e 94, I da Constituição do Estado de São Paulo”, diz. 

No entanto, segundo o desembargador Claudio Godoy, relator da ADI no Órgão Especial do TJ-SP, o ato normativo apenas reproduz o artigo 8, incisos I, IV e IX, da Lei Complementar 173/20, que estabeleceu o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus e prevê congelamento de gastos. 

Sendo assim, diz a decisão, “o controle concentrado que se haja de fazer é da Lei Complementar 173, cujos preceitos, no quanto atinentes aos servidores que a autora representa, aparentemente apenas foram regulamentados, em termos idênticos, no âmbito do Ministério Público.”. 

O relator lembra, ainda, que foram ajuizadas ações no Supremo Tribunal Federal justamente para questionar a validade da lei complementar. Ele cita, em especial, a ADI 6.444, protocolada pelo Partido dos Trabalhadores, e que tem o ministro Alexandre de Moraes como relator. 

“Diante destes termos postos se torna ao início: a questão seria de vício originário imputado à lei complementar, quando ela estende sua abrangência aos Estados e Municípios. E, por consequência, o controle respectivo de constitucionalidade estaria afeto à Suprema Corte”, prossegue a decisão.

Clique aqui para ler a decisão

2128860-87.2020.8.26.0000

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Tomimaru e Peixoto: Depósitos de marcas relacionadas à Covid-19

O mundo que conhecíamos ficou para trás. Esse é entendimento de grande parte da sociedade que acredita em um “novo mundo” pós-pandemia. Os impactos sociais, culturais, econômicos e políticos, especialmente referentes à prevenção e saúde, são inevitáveis, ocasionando em uma mudança significativa da sociedade em vários aspectos. Além dessas mudanças, alguns reflexos serão vistos no campo da propriedade intelectual, principalmente no que tange ao Direito Marcário e o ordenamento jurídico.

A palavra “coronavírus”’ ganhou visibilidade mundial, posto que é possível nos depararmos com tal expressão facilmente em qualquer noticiário e/ou redes sociais. Sendo assim, não demorou muito para que terceiros depositassem pedidos de registro de marca relativos à pandemia da Covid-19 nos escritórios de marcas ao redor do mundo.

A tentativa de capitalizar sobre uma tragédia de proporção mundial desencadeia questões jurídicas e éticas, além de outras diversas. Dessa forma, em pelo menos alguns casos, esses depósitos certamente enfrentarão alguns obstáculos legais que podem resultar em seu indeferimento.

Em razão de a China ser um dos países que mais recebeu depósitos de marcas relacionados à Covid-19, o escritório de marcas chinês emitiu Diretrizes para o Exame de Marcas Relacionadas à Prevenção e Controle de Epidemia. Nessa esteira, na tentativa de evitar depósitos maliciosos referentes à pandemia, o Departamento de Supervisão do Mercado Distrital de Chaoyang impôs uma multa de 100.000 RMB (aproximadamente R$ 75 mil) à Agência Internacional de Propriedade Intelectual de Beijing Yijie Shunda, pois a mesma depositou marcas em nome de dois clientes, usando os nomes de dois hospitais em Wuhan que tratam pacientes infectados pelo vírus. Ao realizar uma investigação, o departamento determinou que a agência cessasse suas atividades e impôs a multa máxima permitida no auxílio de registros de má-fé.

Já os Estados Unidos têm enfrentado outro problema, qual seja, a comercialização de marcas relativas a “coronavírus”, reivindicando a proteção de produtos destinados à prevenção ou cura da Covid-19. Em outras palavras, os depositantes buscam conseguir o registro para vender a marca posteriormente às indústrias farmacêuticas ou convênios de saúde.

No Brasil, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) já recebeu pedidos de registro, como “Covid”, “CoronaVírus”, “MataCorona”, “Quarentena” e “Quarentena Bar”.

Há uma grande expectativa na decisão do INPI, haja vista que as marcas relativas à pandemia serão consideradas muito valiosas.

Porém, em que pese já existir registros de marcas compostas com a expressão “corona”, há grandes chances de o INPI julgá-los improcedentes, por entender que tais pedidos esbarrariam em uma das hipóteses previstas no artigo 124 da Lei da Propriedade Industrial (LPI). Entre esses, é possível enquadrar os termos “Covid”, “MataCorona”, “coronavírus”, “Quarentena” e “Quarentena Bar” no inciso VI   “expressões de caráter genérico, comum ou vulgar”, pois a marca deve diferir de um termo necessário ou comum ao qual caracteriza o produto ou serviço sem a suficiente forma distintiva. Tanto é que o INPI, em 2007, indeferiu o pedido de registro nº 825692105, referente à marca “Quarentena”, com fundamento no referido inciso VI, do artigo 124 da LPI.

Nesse contexto, por tratar-se de uma expressão necessária a todas as classes, em especial nos dias atuais em decorrência do contexto da pandemia, na hipótese desses pedidos serem deferidos, é bem plausível prever um aumento no ajuizamento de ações, seja na busca de sua nulidade e/ou, na de proibir terceiros de usá-la sem a autorização de seu titular.

A exclusividade decorrente do registro de uma marca genérica cria entraves indevidos à livre concorrência, pois nas situações em que o depositante se apropria de um termo genérico como uma marca, impede-se que terceiros concorrentes usem uma expressão comum, necessária ou genérica em seu segmento econômico.

Ainda em relação aos pedidos de registros referente as marcas “MataCorona” e “coronavírus” para álcool e comércio de desinfetantes, respectivamente, o INPI poderá impedir o registro com base no inciso X do artigo 124 da LPI, tendo em vista a previsão de proibição de registro para qualquer  “sinal que induza falsificação quanto à origem, procedência, natureza, qualidade ou utilidade do produto ou serviço a que a marca se destina”.

Pelo fato de a descoberta da Covid-19 ser muito recente, não há estudos e testes que possam comprovar que determinado produto é capaz de matar o vírus, podendo induzir o consumidor a erro e, pior, colocar em risco a sua saúde ou vida, além de expor terceiros ao mesmo risco.

Portanto, a concessão de registro para as marcas relativas ao “coronavírus” podem causar os seguintes sintomas: 

I) Prejuízo à livre concorrência, impedindo que terceiros concorrentes se utilizem de expressão necessária e comum em seus produtos e/ou serviços; e

II) indução do consumidor em erro pelo fato de o produto não cumprir com o seu objetivo.

Além disso, temos a esperança de que a cura e/ou o método de prevenção sejam encontrados.

Nesse sentido, não poderá haver impedimentos que restrinja a população ao conhecimento de outros produtos e/ou serviços disponíveis no mercado e que eventualmente poderão vir a serem fagocitados pelo monopólio das empresas que anteriormente depositaram o pedido de registro de marca referente aos termos associados à doença.

Uma alternativa viável a evitar esse desastroso cenário é o INPI emitir Diretrizes para o Exame de Marcas Relacionadas à Prevenção e Controle de Epidemia, como no caso da China.

Com toda a atenção do mundo voltada para a cura da doença e a criação da vacina que combata o vírus, caberá ao respectivo órgão responsável a cuidadosa análise dos eventuais pedidos de registro de marcas que contenham nome de doença em voga, afim de minimizar ao máximos os possíveis danos à saúde e à segurança jurídica que possivelmente serão desencadeadas.

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Iolete Silva: O STF e os direitos de crianças e adolescentes

O Brasil possui um marco legal específico para a infância e adolescência que contemplou a constituição de conselhos paritários e deliberativos na área das políticas para crianças e adolescentes, assim como a estruturação de conselhos tutelares eleitos pelas próprias comunidades. Foi no contexto de redemocratização do país e de incentivo à participação da sociedade nas decisões governamentais sobre políticas sociais, bem como no controle da implementação destas, que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) foi criado. Trata-se de um órgão colegiado deliberativo das políticas de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente ECA (Lei 8.069, de 1990) e instituído pela Lei 8.242, de 1991.

Esse conselho de composição paritária é integrado por 28 conselheiros, sendo 14 representantes de órgãos que executam as políticas sociais básicas, como os ministérios e secretarias nacionais, e 14 representam entidades da sociedade civil que possuem atuação em âmbito nacional na promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes.

O surgimento do Conanda somente foi possível em função de lutas sociais que resultaram na construção de uma nova visão sobre os direitos de crianças e adolescentes no país e nesses 29 anos de criação do Conanda já foram aprovadas mais de 200 resoluções, diversos manifestos e notas públicas que regulamentaram o funcionamento do sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes. Destaca-se a construção da política nacional, plano decenal e planos nacionais setoriais abordando diversos temas, entre eles: o enfrentamento à violência e exploração sexual praticada contra crianças e adolescentes; o sistema nacional socioeducativo, a prevenção e erradicação do trabalho infantil e proteção do trabalhador adolescente; a promoção e a defesa dos direitos de crianças e adolescentes indígenas, quilombolas, crianças e adolescentes com deficiência; a criação de parâmetros de funcionamento e ação para as diversas partes integrantes do sistema de garantia de direitos; e o acompanhamento de projetos de lei em tramitação no congresso nacional referentes aos direitos de crianças e adolescentes.

Em 2019, o Conanda sofreu um ataque brutal do governo federal, tendo no primeiro semestre daquele ano enfrentado obstáculos ao seu funcionamento quando o MMFDH não convocou as reuniões de forma regular, nem viabilizou a participação de representantes da sociedade civil, alegando que era caro e desnecessário realizar reuniões mensais, como se a pauta da infância não exigisse ações contínuas no Brasil. No segundo semestre, em setembro, o atual presidente da República publicou o Decreto 10.003/2019, cassando o mandato dos conselheiros da sociedade civil, legitimamente eleitos, e alterando drasticamente o funcionamento do Conanda.

Esse decreto reduziu o número de conselheiros titulares de 28 para 18, as reuniões mensais presenciais foram substituídas por trimestrais via videoconferência, a escolha de conselheiros da sociedade civil passou a ser por processo seletivo realizado pelo governo, ao invés de eleições, a presidência do conselho passaria a ser indicada pelo presidente da República, em vez de eleita, além de ter direito a voto extra em caso de empate em deliberações.

Como reação a esse decreto, a sociedade civil ingressou com um mandado de segurança no STF a fim de garantir os direitos da infância e adolescência, pois enfraquecer o Conanda é enfraquecer a proteção de crianças e adolescentes brasileiros.

Defendemos que seja dado provimento ao mandado de segurança para reafirmar o compromisso que o Brasil assumiu com a garantia e primazia dos direitos da infância e adolescência. São muitas as ações já realizadas pelo Conanda que têm orientado a atuação da rede de proteção e muitas ações que ainda devem ser realizadas dados os indicadores sociais que apontam crianças/adolescentes com as principais vítimas de violência no país.

Logo nos primeiros anos de funcionamento, o Conanda atuou em casos emblemáticos de violação dos direitos de crianças e adolescentes, como a “chacina da Candelária”, exigindo a apuração de responsabilidades e lutando por uma política de assistência para crianças e adolescentes em situação de rua e vem se mantendo vigilante quanto às diferentes violações que continuam a ocorrer por ausência de políticas de estado. Destaco como exemplo o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, aprovado pelo Conanda, e que é referência importante para a organização de políticas públicas, programas e serviços nessa área. São inúmeras ações exercidas enquanto órgão guardião dos direitos de crianças e adolescentes e órgão de controle das políticas realizadas pelos gestores públicos.

A participação da sociedade civil qualifica esse processo de construção. Reduzir essa participação a partir dos mecanismos propostos pelo decreto presidencial é fragilizar o Conanda e reduzir as possibilidades de controle social das políticas de proteção a crianças e adolescentes brasileiros, que não têm sido tratados com prioridade pelos governos. A participação social diversa e democrática é imprescindível para a construção de políticas que atendam às demandas sociais e para qualquer governo que tenha compromisso com a proteção social.

Iolete Ribeiro da Silva é conselheira pelo Conselho Federal de Psicologia e presidente do Conanda.

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Juiz suspende nomeação de Larissa Dutra para presidência do Iphan

O juiz Adriano de Oliveira França, da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro, concedeu nesta quinta-feira (11/6) liminar que suspendeu a nomeação de Larissa Rodrigues Peixoto Dutra para o cargo de presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), feita no mês passado em decreto assinado pelo ministro da Casa Civil, Braga Netto.

Larissa Dutra foi nomeada para a presidência do Iphan no mês passado
Divulgação/Iphan

A liminar foi concedida em resposta a uma ação popular movida pelo deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ), ex-ministro da Cultura. O parlamentar alegou que Larissa não possui os requisitos exigidos para o preenchimento do cargo, determinados pelo Decreto nº 9.727, de 15 de março de 2019.

Segundo o autor da ação, o artigo 5º determina que a presidência do órgão seja ocupada por pessoa com título de mestrado ou doutorado e experiência profissional, o que ela não possui.

A União, por sua vez, defendeu nos autos a nomeação de Larissa Dutra com o argumento de que ela trabalha no Ministério do Turismo (órgão que abriga o Iphan) há 11 anos, tendo ingressado por meio de concurso público e ocupado diversos cargos, como o de diretora do Departamento de Desenvolvimento Produtivo.

Em sua decisão, o juiz afirmou que a nomeação de Larissa para a presidência do Iphan fere o artigo 2º do Decreto nº 9.727, que em seu inciso II diz o seguinte:

“Artigo 2º — São critérios gerais para a ocupação de DAS ou de FCPE:

II — perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo ou a função para o qual tenha sido indicado.”

“Veja-se que a finalidade da criação do Iphan é a promoção e a proteção do patrimônio cultural brasileiro, definido pelo artigo 216 da Constituição, com o que não se identifica a formação e a experiência profissional da nomeada para o cargo”, explicou o juiz. “Esta, que possui robusto curriculum e experiência profissional, além de ser servidora concursada, o que é irrefutável nos autos, não atende à adequação exigida pelo artigo 2º do Decreto nº 9727/2019”.

O juiz disse ainda que o fato de Larissa Dutra ser formada em Hotelaria não a qualifica para a presidência do órgão, uma vez que, de acordo com ele, todos os anteriores ocupantes do cargo eram formados em História, Arquitetura ou Antropologia.

Clique aqui para ler a decisão

5028551-32.2020.4.02.5101

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Souza Mello: As suspensões de prazo sem análise do juízo

No dia 25 de maio, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, interpretando o artigo 3º, § 2º, de sua Resolução 314 de 2020 que basta a comunicação pelo advogado da impossibilidade de cumprir um prazo para impedir a preclusão temporal [1]. O relator concluiu que se trata de comunicação, não de pedido. O juízo não pode, portanto, apreciar a razoabilidade da justificativa. O pedido de providências foi formulado pela Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF) e comemorado por ela como vitória da advocacia [2].

Em tempos normais, em que se procura aplicar o Código de Processo Civil, a justa causa para não praticar o ato processual também evita a preclusão. É o disposto no artigo 223 e parágrafos. A parte tem o ônus de provar esse fato, alheio à sua vontade, que a impede de cumprir o prazo. O juízo deve, por consequência, indeferir o pleito de novo prazo e declarar a preclusão temporal em três hipóteses: a) quando a parte não se desincumbir do ônus de provar o evento; b) quando o evento não for alheio à vontade da parte; e c) quando o evento não impedir efetivamente a prática do ato.

A regra de crise instituída pelo CNJ exclui a possibilidade de indeferimento: a comunicação do evento impeditivo pelo advogado basta. Exclui, portanto, a necessidade de provar. Mais: como esses elementos também não estão sujeitos à apreciação judicial, os requisitos de que o fato seja externo e efetivamente impeditivo também desapareceram. Basta a comunicação. Mas, como seu conteúdo não pode ser analisado, é uma comunicação sem referente. O requisito da suspensão do prazo, na prática, é apenas o ato volitivo do advogado. Por fim, se o indeferimento é vedado, o Poder Judiciário não poderá apreciar nem sequer os casos de má-fé e abuso de direito. A resolução, na sua mais recente interpretação, cria ainda outro requisito divergente do CPC, e curiosamente mais restrito: a comunicação precisa ser feita antes do fim do prazo.

É evidente que o CNJ criou um poderosíssimo instrumento protelatório. Nenhum advogado ignora que algumas partes têm interesse na inefetividade da Justiça. No processo, como muitos autores têm apontado [3], o tempo é um ônus: quem o suporta — em regra, o autor — é privado de usufruir do bem-da-vida em disputa enquanto o litígio durar. A duração excessiva do processo de qualquer natureza costuma beneficiar o demandado que não tem razão. Pior: o demandado, quando sabe que não tem razão, não raro lança mão de todos os expedientes suspensivos e impeditivos que puder para adiar a solução do caso. Nos processos de natureza cível, em particular, o demandante que tem razão, que tem direito ao bem-da-vida, mas não pode gozá-lo, é o prejudicado pelo curso do tempo.

Com a regra de crise, o réu sem razão, o executado que não quer pagar (algum executado quer pagar?), aqueles, enfim, que têm o ônus do tempo em seu favor poderão adiar indefinidamente a solução dos conflitos e a efetivação dessas soluções pela simples prática de atos potestativos por seus advogados.

Isso é bom para a advocacia? Talvez para aquela com clientes que ocupam com mais frequência a posição de demandados do que a de demandantes — como é o caso de vários agentes econômicos de maior expressão, como companhias telefônicas, companhias aéreas e instituições financeiras. E isso apenas até que precise ir à Justiça cobrar seus honorários. Para a advocacia que patrocina quem tem o ônus do tempo contra si, vitória são processos rápidos e efetivos, sem dilações indevidas.

Do ponto de vista normativo, a interpretação atribuída pelo CNJ à sua resolução viola a Constituição Federal. Formalmente, porque cria hipótese inovadora de suspensão de prazo, violando a competência privativa da União para legislar sobre Direito Processual (artigo 22, I, da Constituição). Materialmente, porque a garantia da razoável duração do processo (artigo 5º, LXXVIII) não é compatível com um instrumento de protelação processual segundo o arbítrio de uma das partes. Ou, por outra, se um processo sem dilações indevidas é direito do jurisdicionado, excluir da apreciação jurisdicional a avaliação de se a dilação provocada por seu adversário é indevida viola a própria garantia de acesso à Justiça (artigo 5º, XXXV).

Para garantir a efetividade da Justiça diante da decisão do CNJ, o juiz tem três opções: a) afirmando sua independência, dar à resolução interpretação diversa daquela atribuída e apreciar a adequação da justificativa no caso concreto; b) admitindo a interpretação dada pelo CNJ, fazer a declaração incidental de inconstitucionalidade da resolução e apreciar a adequação da justificativa no caso concreto; ou c) inverter o ônus do tempo mediante a concessão de tutela provisória, retirando o incentivo para as manobras protelatórias. Nos tribunais, em que o controle difuso se submete à reserva de plenário (artigo 97 da Constituição), as duas providências são necessárias: a declaração de inconstitucionalidade e a tutela provisória enquanto o jurisdicionado aguarda a manifestação do colegiado.

Com os inconvenientes da pandemia, os eventos que impedem o cumprimento dos prazos se tornaram, é claro, mais numerosos. Mas para essas situações a regra dos tempos normais dá solução: se a justificativa for adequada, o juiz poderá afastar a preclusão ou estender o prazo. Se não, não. A crise mudou muitas coisas, mas não é preciso inventar sempre um novo Direito. Em época de calamidade, mais do que nunca a sociedade precisa de um Direito efetivo. E se o sistema é o da vedação da autotutela, não há efetividade do Direito fora do Poder Judiciário. Em tempos como estes é que as ideias que tornam a Justiça inefetiva mais devem ser rechaçadas.

 


[3] Ver, por exemplo, MARINONI, Luiz Guilherme. La necesidad de distribuir la carga del tiempo en el processo. THEMIS: Revista de Derecho. n. 43, 2001, p. 45-51.

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Pedido com valor líquido, sem ressalva, limita condenação trabalhista

Precedente do TST deve limitar decisões ultra petita na Justiça do Trabalho

A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-I), do TST, firmou novo entendimento no campo trabalhista: ao formular pedidos com valores líquidos na petição inicial, sem registrar qualquer ressalva, o autor limita a condenação a esses parâmetros.

O entendimento baseia-se no artigo 492 do Código de Processo Civil. O caso foi julgado em 21 de maio. A relatoria coube ao ministro Walmir Oliveira da Costa.

O entendimento deve limitar os julgamentos ultra petita — quando o juízo estabelece valor maior do que o pedido pelo autor da ação. Nos termos do referido dispositivo legal — artigo 492 do CPC —, “é vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”.

No caso julgado, a petição inicial requeria o pagamento de horas in itineretempo gasto pelo empregado em transporte fornecido pelo empregador, de ida e retorno no exato valor de R$ 3.803,00. Isto é, na inicial não havia qualquer menção à hipótese de se tratar de uma mera estimativa ou requerimento de apuração como foi feito em outros pedidos.

Na opinião do colunista da ConJur e professor de pós-graduação da FMU, Ricardo Calcini, a discussão em torno dos valores especificados pelo empregado para cada um dos pedidos formulados na petição já existia antes mesmo do advento da Lei da Reforma Trabalhista para os processos que tramitavam sob o rito sumaríssimo”.

“E mesmo antes da Lei 13.467/2017, os artigos 141 e 472 do CPC, aplicáveis de forma subsidiária ao Processo Trabalhista, nos termos do artigo 769 da CLT, já consagravam o princípio da adstrição da sentença ao pedido, segundo o qual deve o juiz decidir a lide nos limites em que esta foi proposta, sendo-lhe defeso proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”, completa o especialista.

Assim, a SBDI-1, por unanimidade, decidiu conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para, no tocante ao pedido de horas in itinere, limitar as parcelas condenatórias aos valores indicados na petição inicial.

Calcini lembra que, apesar do ponto de vista normativo existir exceção à regra — como ocorre em pedidos indeterminados, na forma do artigo 324 do CPC/15 —, em tais casos,  a parte autora é autorizada a formular pedido genérico na impossibilidade imediata de mensuração da quantia devida, quando se tratar de conteúdo econômico ilíquido e de difícil apuração prévia”.

“Isso justifica, portanto, a importante ressalva feita na decisão pelo relator, ao referir que, no caso julgado, o pedido horas in itinere trouxe valor indicado, inexistindo qualquer indicação de se tratar de mera estimativa ou requerimento de apuração em liquidação”, explica.

ARR 10472-61.2015.5.18.0211

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Feferbaum e Klafke: Ensino jurídico na quarentena — parte III

Será inevitável voltarmos, mais cedo ou mais tarde, às salas de aula presenciais. Porém, não somos mais as mesmas pessoas após eventos que, seguramente, formarão um divisor de águas na humanidade. Um dos importantes aprendizados desse período que passamos em confinamento é que muitos dos caminhos que tomamos nestas semanas já não têm mais volta. Expandimos nossos aprendizados e nossas práticas educativas de forma que não é possível dar passos para trás, o que nos proporciona mais e mais desafios.

Mas como serão as nossas relações pós-confinamento? Como deveremos nos portar? Será um retorno seguro e permanente, reproduzindo o que estávamos acostumados? Diversos questionamentos nos afligem neste momento, causando ansiedade pelas incertezas e falta de projeções seguras. Sem uma vacina ou sem tratamentos eficazes, conviveremos continuamente com os riscos da doença, e as instituições de ensino são espaços de aglomeração especialmente propícios para contágio. Elas foram umas das primeiras atividades afetadas e serão umas das últimas a serem normalizadas, como o exemplo italiano (retorno das aulas presenciais somente após setembro) mostra. Se tivermos mesmo que alternar períodos de confinamento e de abertura, com inúmeras precauções que antes não tomávamos, teremos que reinventar nossos modos de viver, de nos relacionar e de ressignificar o encontro presencial em uma sala de aula.

Nesse contexto, propostas estão surgindo a Federação Nacional das Escolas Particulares, por exemplo, elaborou um plano estratégico de retomada [1]. Então vamos pontuar três questões que apontam para uma dificuldade nessa volta à sala presencial — maior ainda do que foi transferir o ensino para o mundo virtual — e deverão ser equacionadas:

Questões estruturais e sanitárias
O primeiro conjunto de questões, não exaustivas, se refere à infraestrutura e à proteção necessária: 

— Como adaptar os espaços escolares para manter um distanciamento seguro? Como acomodar todos(as) os(as) estudantes na sala de aula sem que se sentem em carteiras próximas? E a utilização do elevador, do restaurante e de outros espaços de aglomeração?

  Como garantir que as pessoas infectadas que circulam nas instituições sejam identificadas? O que fazer se a infecção de uma pessoa for confirmada? A turma será inteiramente isolada? Apenas as pessoas que tiveram contato próximo? Como a instituição acompanhará as pessoas com infecção confirmada? E se for docente? Haverá substituição?

— Como será a higienização dos espaços da instituição? Qual é a periodicidade de higienização necessária para se manter o local sanitariamente seguro? Como se dará a assepsia dos materiais didáticos e demais insumos (giz, provas, exercícios, materiais de laboratório etc.)?

Questões pedagógicas
O segundo conjunto de questões se refere a desafios pedagógicos impostos por essa nova condição:

— Como lidar com a frequência e pontualidade em um cenário urbano de restrições ao uso do transporte coletivo, além de outras situações que interferem no deslocamento das pessoas? Esse problema traz implicações em várias frentes, desde interrupções em sala de aula até perda de dinâmicas e conteúdo.

Tomando por referência o ensino participativo, há de se refletir sobre a condução de dinâmicas em sala de aula. Como estudantes trabalharão em grupo? Como conduzir debates entre alunos(as) se todos estarão com máscaras? Atividades que envolvam compartilhamento de materiais (como post-its, canetas etc.) também deverão ter cuidado redobrado para que não sejam inviabilizadas sem contar outras dinâmicas que envolvam contato físico.

— Como lidar com os períodos intermitentes de maior ou menor confinamento? Ainda não se sabe se haverá a necessidade de novas quarentenas somente agora os primeiros países europeus estão relaxando as medidas. A transição entre ensino online e ensino presencial ao longo do semestre ou do ano letivo pode ser mais frequente ainda que somente para alguns grupos dentro da instituição. Lidar com um curso totalmente presencial ou totalmente online ainda é mais fácil do que gerir uma turma de programa com essas modalidades mistas. Exceto, claro, se se imaginar um ensino baseado em palestras.

Questões sociais, humanas e financeiras
Um terceiro conjunto de questões diz respeito à dimensão social e humana do retorno às aulas:

— Como lidar com os grupos vulneráveis à Covid-19? Não apenas empregados, mas estudantes de grupos vulneráveis deverão ser resguardados. A definição do que seja grupo vulnerável será fundamental para determinar quem acompanhará o semestre de uma forma ou de outra. A isso soma-se a preocupação, existente também no ensino presencial, com as pessoas com menos condições financeiras.

— As instituições de ensino serão capazes de retornar para o ensino presencial sem a tentação de manter as práticas anteriores (pedagógicas e administrativas), que podem não se ajustar à realidade atual? O retorno não pode ser mais uma fonte de estresse para as pessoas em momento de tensão por exemplo, pelo retorno de provas sem consulta ou pela exigência de deslocamento sob pena de perda de frequência ou conteúdo. Há consequências para a saúde mental das pessoas.

— Como mitigar as consequências sociais do retorno às aulas? Para exemplificar, pensemos no deslocamento urbano condicionado pelos horários das instituições de ensino. Como coordenar as instituições para que ajustem seus horários de aula de forma a não intensificar aglomerações nos transportes públicos?

— Pensando na saúde financeira das instituições de ensino, como combinar, ao mesmo tempo, gastos com ensino online e com ensino presencial, uma vez que não será possível retornar a um modelo totalmente físico ao menos por conta dos grupos de risco?

Terceira conclusão
É normal que haja uma grande pressão para que as instituições de ensino voltem a funcionar. Na educação básica, essa necessidade é mais premente em razão da dificuldade em manter em casa, sob supervisão de responsáveis que precisam trabalhar, crianças que não apenas demandam atenção, mas que precisam de orientação e estímulos para a aprendizagem. Com o reaquecimento da economia, não parece possível manter um exército de pais, mães e parentes professores em situação de homeschooling. No ensino superior, há uma grande discussão em torno dos empregos envolvidos (pessoas terceirizadas, negócios relacionados como copiadoras, lanchonetes etc.) e também a respeito do valor das mensalidades
ainda que a transição para o ensino online seja custosa, parece difícil crer que o custo se mantenha igual ao do ensino presencial a médio prazo.

O que surpreende, no entanto, é que a discussão parece conduzir a uma volta ao ensino presencial a qualquer custo, como se um ensino presencial ruim fosse melhor do que aulas remotas de qualidade, com segurança e estabilidade. O cenário leva a um dilema: retornar ao espaço da sala de aula significará mesmo uma volta a um ensino de qualidade? Ou é melhor assumir o ensino remoto neste momento e sanar problemas de acesso aos estudantes?

Será que vale a pena esse esforço e o sacrifício de todos para voltarmos às aulas que poderiam ser dadas por videoconferência? Nosso último artigo desta série discutirá justamente como pensar a sala de aula de uma maneira mais significativa para que haja algo a motivar um retorno ao ensino presencial.

Clique aqui para ler a primeira parte do artigo

Clique aqui para ler a segunda parte do artigo

 é professora e coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito São Paulo (FGV-CEPI).

Guilherme Klafke é professor da pós-graduação lato sensu da FGV Direito São Paulo e líder de pesquisa no FGV-CEPI.

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Larissa Oliveira: A perversidade da Lei Complementar 173/2020

Opinião

Derrubada do veto contido na LC 173/2020 é medida que se impõe

Por 

Quando defendemos a derrubada do congelamento dos salários no serviço público, não estamos a defender privilégios. Estamos, sim, a defender a nossa classe trabalhadora, que não é responsável pelo atual (des)governo.

A política de congelamento salarial cria um grave descompasso entre o trabalho prestado pelos servidores públicos e a contrapartida devida (remuneração), no entanto, a tendência não é outra senão o retrocesso.

A lógica que se insere na Lei Complementar nº 173/2020 é, no mínimo, perversa e traz consigo nítida ampliação das perdas salariais, porquanto congela os salários no mesmo momento em que os servidores passaram a enfrentar a majoração da alíquota da contribuição previdenciária (de 11% para 14%, podendo chegar a 22%) imposta pela Reforma da Previdência.

Ademais, é importante frisar, num brevíssimo raciocínio lógico, que a retirada do veto ao congelamento de salários não significa que haverá aumento salarial para os servidores públicos. Até porque as medidas de enfrentamento à Covid-19 têm provocado grande impacto no orçamento público, de modo a inviabilizar a concessão de reajustes salariais no momento.

Por outro lado, a imposição do congelamento salarial reforça o desprestígio do atual governo em relação ao funcionalismo público, que está em processo de desvalorização e sendo alvo constante de condutas ofensivas e injustificadas.

A derrubada do veto pelo Congresso Nacional é medida que se impõe para garantir a voz de toda a classe trabalhadora contra as ofensivas que vêm sendo feitas e que não foram poucas desde a chamada Reforma Trabalhista.

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 é sócia do escritório Rodrigues Pinheiro Advocacia, mestre em Direito Laboral pela Universidade de Coimbra (Portugal), com diploma revalidado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pós-graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo UniCEUB.

Revista Consultor Jurídico, 5 de junho de 2020, 13h08

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Lauar Leite: Reunião e locomoção não estão sujeitas a lockdown

Emergência de saúde pública internacional. Pandemia. Incubação por até 14 dias. Transmissão comunitária de fácil propagação. Sintomas comuns a outras viroses. Inexistência de vacina ou tratamento específico. Mais de cento e cinquenta mil casos confirmados e dez mil mortes[1]. Curva ascendente em eixo gráfico. Carência quantitativa e qualitativa de leitos hospitalares.

Pela ementa e pelos diários oficiais, a temporada de lockdowns parece estar aberta e, com ela, manifesto alguma surpresa em, a par das publicações aqui mesmo do ConJur[2], estar do lado aparentemente contrarian[3] quando o assunto são as liberdades de reunião e locomoção — ir e vir, deslocamento, circulação — em tempos da pandemia. Sem mistérios: os decretos recém editados por unidades federativas municipais, na medida em que firam esses direitos, são inconstitucionais.

Primeiramente, decretos são atos normativos secundários com finalidades de regulamentação ou execução de atos normativos primários[4]. E o que diz o ato normativo primário de referência[5]? Que, em relação às liberdades de reunião e circulação, as autoridades poderão adotar medidas como isolamento, quarentena e restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, além de locomoção interestadual e intermunicipal, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Embora o rol seja exemplificativo, nem o presidente da República, muito menos governadores ou prefeitos, podem contrariar suas condições de aplicação, quais sejam:

  1. as medidas de quarentena ou isolamento só podem ser determinadas face a pessoas, respectivamente, suspeitas ou comprovadamente contaminadas (art. 2º); e,
  2. por derivação às previsões sobre a locomoção interestadual e intermunicipal, qualquer interferência na liberdade de ir e vir em âmbito intramunicipal (não prevista expressamente pela Lei) também requer recomendação técnica e fundamentada da ANVISA[6].

Em segundo lugar, independentemente de inovação, acaso fosse veiculada proibição de circulação pela referida Lei, ainda haveria inconstitucionalidade. Claro que o parlamento tem competência para refinar direitos fundamentais – limitando alcance e conteúdo em benefício de titulares de outros fundamentais, inclusive[7] –, mas esse não é um poder ilimitado. Pouco importa a nobreza do objetivo, há restrição na restrição, sendo inadmissível romper-se o conteúdo (núcleo) essencial de um direito[8], mormente quando em direção à sua aniquilação.

Ilustro. Todos podem conduzir carros, respeitadas as condições aperfeiçoadas no processo legislativo —v.g., não se pode trafegar embriagado, inabilitado ou na contramão. Mesmo assim, dados do Ministério da Saúde apontam que mais de trinta mil pessoas morrem anualmente por acidentes de trânsito. É incalculável quanto sofrimento poderia ser evitado se a lei impedisse a fabricação, a comercialização e o uso de veículos terrestres no Brasil. Sem carros, ônibus e caminhões, as pessoas circulariam de outras maneiras — mais caras/baratas, rápidas/lentas, eficientes/ineficientes.

De certo, mesmo se modelos estatísticos indicarem que, entre um e outro réveillon, dezenas de milhares de vítimas padecerão em acidentes de trânsito, impedir a locomoção por veículos terrestres seria inaceitável. Mais do que o reconhecimento e o respeito a direitos fundamentais alheios — no caso, a vida — limitações sobre outros destes — aqui, a liberdade — também precisam ir ao encontro das justas exigências do bem-estar coletivo[9], como aquelas ligadas a valores como autonomia, independência, conforto, celeridade e outros interesses ligados à qualidade de vida[10] de uma sociedade.

A relação entre essa restrição hipotética e a levada a efeito por vários decretos de lockdown é evidente. Por vários deles, de maneira até mais gravosa, há a obrigação de permanência em casa para todas as pessoas, independentemente de suspeita ou contaminação, sendo o trânsito autorizado em poucas situações[11]. Por decreto — insisto —, cidades puseram seus munícipes em uma prisão domiciliar sui generis, chegando ao cúmulo de proibir e sancionar o contato entre familiares[12]. A essa altura, não é mais novidade a aplicação de multas e a detenção de pessoas que circulam em áreas de passeio público[13]. Sob nossos narizes, a liberdade tornou-se a exceção.

Então, como proteger a vida das pessoas frente a uma propagação viral que tem nelas seu principal vetor? Pela aplicação científica do critério da proporcionalidade. Se várias são as medidas adequadas para a redução da velocidade de contágio, qual delas guarda suficiência e menor impacto sobre outros direitos fundamentais?

As possibilidades são imensas. Campanhas educativas para o distanciamento social, regimes de trabalho remoto, aumento substancial de oferta no transporte público, limitação do número de pessoas em ambientes fechados abertos ao público, ampliação dos horários de atendimento em serviços essenciais, testagem em massa, controle rigoroso no cumprimento de quarentena para os suspeitos e o isolamento de infectados, uso obrigatório de máscaras para a população em geral, etc. No entanto, qual plano de ação está sendo adotado hoje[14]? Que medidas foram efetivamente realizadas, fiscalizadas e mensuradas? Quais modelos de análise subsidiam as restrições aplicadas? Não se sabe.

Enquanto isso, as contenções decretadas parecem justificadas a olhos comuns, mormente quando, de um lado, o presidente da República coleciona crimes de responsabilidade e ignora autoridades sanitárias nacionais e internacionais[15]; de outro, o Ministério da Saúde declara que estamos “navegando às cegas” porque “não se sabe o que fazer”[16]. Por crível desespero de Prefeitos, criminalizar[17] o exercício de direitos fundamentais de locomoção e reunião passou a ser visto como alternativa plausível quando, em um estado de normalidade constitucional[18], não o é.

Independentemente das recomendações sanitárias, a Constituição não é derrogável por nenhum chefe de Poder Executivo. A essa altura, urge que a magistratura aja como sua última guarda defensiva ou, in dubio, pro liberdade, abstendo-se de ativismos despóticos. Parte da dificuldade de preservação de um sistema de liberdade está na exigência de uma constante rejeição de medidas aparentemente importantes para assegurar determinados resultados, mesmo sem que se saiba os custos dessa escolha[19]. O sistema de direitos e garantias fundamentais deve ser respeitado, inclusive — e sobretudo — em momentos de crise.

 


[8] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. v. 4. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 338-340.

 é advogado, professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa) e doutorando em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Coimbra.

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Opinião: Impactos extraordinários e a conexão com a retomada

A crise gerada pela pandemia em relação ao novo coronavírus vai além da saúde e impacta todas as áreas da vida em sociedade. Com a suspensão de parte das atividades comerciais e das aglomerações, profissionais autônomos e pequenas empresas foram gravemente prejudicados.

A grande verdade é que a Covid-19 vem produzindo efeitos colaterais e repercussões não apenas de ordem epidemiológica em progressão global, mas também em repercussões e impactos sociais, econômicos, políticos, culturais e históricos sem precedentes na história recente das epidemias mundiais.

Sendo assim, os empresários paralisados há quase dois meses, com taxa de mortalidade elevadíssima, tanto no país, quanto no mundo, tem que pensar em retomar suas atividades diante do impacto extraordinário da Covid-19.

Na verdade, não se sabe quando será a data de início das atividades, mas os empresários já planejam a retomada das atividades, tão logo tenham uma previsão.

O fato é a estimativa de infectados e mortos, concorre diretamente com o impacto sobre os sistemas de saúde, com a exposição da população e dos grupos vulneráveis, a sustentação econômica e o sistema financeiro de todos, a saúde mental das pessoas em tempos de confinamento e temor pelo risco de adoecimento e morte, acesso a bens essenciais como alimentação, medicamentos, transporte, entre outros.

Agrava-se ao fato da política discordante entre o Governo Federal e os Governos Estaduais, causa ainda mais dificuldades no Empresariado que encontra-se com suas atividades totalmente ou parcialmente paralisadas, esperando uma definição médica e científica, mas só tem incertezas.

A população e os empresários tem a extrema necessidade de: Iniciar PROTOCOLO PARA O ENFRENTAMENTO À PANDEMIA DE COVID19, com um tratamento jurídico, na ordem trabalhista e tributária, com  proteção à vida de quem trabalha em suas empresas, com medidas para contenção da mobilidade social como o isolamento e a quarentena, mas buscando a velocidade das suas atividades empresárias.

A humanidade vulnerável diante da urgência de testagens de medicamentos e vacinas que evidenciam em implicações éticas e de direitos humanos que merecem análise crítica e prudência, demanda ainda mais instabilidade neste momento.

Ainda que muitos juristas afirmem ser o caso de “estado de necessidade”, não afasta a responsabilidade civil do agente público, posto que, responde pelos prejuízos causados, aliás a lei determina apenas que os atos praticados nesta situação sejam lícitos, mas não são isentos de indenização por danos materiais, mas não será objeto deste artigo.

No entanto, os empresários não esperam apenas do governo, assim, devemos entender os procedimentos dos primeiros países que adotaram o isolamento, a Europa iniciou o relaxamento das medidas restritivas com muita cautela, por exemplo, na Alemanha os grandes eventos continuam proibidos, mas o Campeonato Alemão volto no último dia 16. “Conseguimos controlar o número de infecções”, anunciou Angela Merkel.

No contexto atual mundial assemelha-se, em muitos aspectos, a um momento de conflitos armados (uma guerra).

Nesta situação provocada pela Covid-19, não há soluções convencionais, isto é, uma máxima que após uma guerra sempre é necessário ter plano econômico e social de reconstrução, que apesar de ser função dos governos, a sociedade não pode esperar, e tem que planejar.

Devemos entender que esta é a fase de resposta aos problemas que surgiram com a pandemia onde é necessário Protocolos de Retomadas das atividades profissionais, empresariais, da retomada da vida e a retomada econômica, e é  momento de buscar as providências cabíveis para proteger a população sempre com o foco maior na saúde e a segurança da “vida”.

No entanto, os empresários brasileiros, que tiveram suas atividades suspensas, parcial e total, tem que iniciar os estudos de protocolos sanitários e operacionais afim de buscar soluções simples e práticas para suas empresas para desenvolver as atividades.

Neste sentido, os empresários, devem mitigar e minimizar os impactos extraordinários e buscar soluções para desenvolver suas atividades, como e quando iniciar, e após pandemia, como se portar, sob pena de sofrer prejuízos irreparáveis.

As empresas devem preparar-se para implantar um conjunto de medidas, no âmbito individual e coletivo, para  abranger a promoção e a proteção da saúde de seus empregados e colaboradores, com foco no exercícios gerencial e saúde sanitária.  

As empresas devem desenvolver os Protocolos para higienização à Covid19 :

• Higienizar as mãos com água e sabonete (ou, se possível, com álcool gel a 70%) após tossir, espirrar, usar o banheiro e antes das refeições;

• Não compartilhar objetos de uso pessoal e alimentos;

• Permanecer sempre que possível em sua residência; e

• Ficar em repouso, utilizar alimentação balanceada e aumentar a ingestão de líquidos. Para familiares e cuidadores;

• Evitar aglomerações e ambientes fechados (manter os ambientes ventilados);

• Higienizar as mãos frequentemente;

• Evitar tocar olhos, nariz ou boca após contato com superfícies potencialmente contaminadas. Para a população em geral

• Há  necessidade de usar máscara; e

• Evitar aglomerações e ambientes fechados (manter os ambientes ventilados).

Assim, serão necessários protocolos para identificar os GRUPOS E FATORES DE RISCO que podem contribuir para o agravamento do quadro e suas soluções.

O Grupo de risco: Pessoas que apresentam  as seguintes condições clínicas: • Imunodepressão: por exemplo, indivíduos transplantados, pacientes com câncer, em tratamento para Aids ou em uso de medicação imunossupressora;

Medidas preventivas para as equipes de saúde

• Frequente higienização das mãos;

• Utilizar máscaras cirúrgicas durante o atendimento de pacientes com Síndrome Gripal;

• Descartar luvas após atender um paciente e lavar as mãos para atendimento a outro paciente;

• Evitar tocar superfícies com luvas ou outro EPI contaminados ou com mãos contaminadas. As superfícies envolvem aquelas próximas ao paciente (ex.: mobiliário e equipamentos para a saúde) e aquelas fora do ambiente próximo ao paciente, porém relacionadas ao cuidado com o paciente (ex.: maçaneta, interruptor de luz, chave, caneta, entre outros);

ATENÇÃO Todos os indivíduos que compõem o grupo de risco ou que apresentam fatores para complicações por Covid-19 requerem — obrigatoriamente — avaliação e monitoramento clínico constantes de seu médico assistente, para indicação ou não de tratamento, além da adoção de todas as demais medidas terapêuticas. Atenção especial deve dada as gestantes, independentemente do período de gestação.

O caminho seria então baixar a guarda, jogar a toalha e desistir? Não, jamais! O empreendedor brasileiro é reconhecido pela resiliência e costuma crescer frente às crises e aos diversos desafios. Mas algo precisa ser feito, e rápido, para que a economia e as vendas baixas não decretem a falência das empresas.

Portanto é hora para replanejar, repensar processos e procedimentos, produtos e maneiras de atuar, mitigar e ajustar os impactos Extraordinários e a conexão com a Retomada de Atividades Empresariais.

 é advogado, especialista em Direito Bancário e Empresarial e membro do Conselho Superior de Direito da Fecomércio SP.

Walter Ciglioni é jornalista e vice-presidente da Câmara de Industria, Comércio e Turismo Brasil México. Foi candidato a governador de São Paulo e porta-voz nacional da Cruz Vermelha Brasileira.

Rubens Calvo é médico.