Categorias
Notícias

Dantas sugere mudanças para evitar uso político de contas do governo

O Governo Federal pode estar fazendo “uso indevido do aparato estatal com desvio de finalidade para perseguir grupos que veiculam notícias supostamente desfavoráveis”. É o que aponta o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, ao votar pela aprovação das contas do governo federal de 2019 com ressalvas. 

ReproduçãoBruno Dantas considerou que houve um movimento de afrouxamento das regras fiscais

O relatório foi apresentado pelo relator na manhã desta quarta-feira (10/6). O julgamento ainda está em andamento.  

No documento, Dantas aponta que o tribunal de contas tem sido provocado com frequência para analisar possíveis usos indevidos dos recursos públicos para prejudicar determinados veículos de comunicação.

Citando os jornais Folha de S. Paulo e O Globo, o ministro chamou atenção para o fato de que alguns canais de comunicação foram privilegiados “em detrimento de outros, sem que houvesse aparentemente justificativas para tanto”. 

Essa medida, disse Dantas, “pode indicar risco de desvio de finalidade dos agentes estatais na condução da coisa pública, em possível ofensa aos princípios da impessoalidade, da motivação e da moralidade, mas também da legitimidade do gasto e dos atos administrativos”.

O ministro fez a ressalva de que já havia apontado no governo anterior, do presidente Michel Temer, preocupação com a condição de fiscal da coisa pública e a consequente falta de transparência dos gastos com propaganda e publicidade. 

Dantas verificou o risco de que “o orçamento público e o aparato estatal possam vir a ser utilizados como instrumentos de limitação à liberdade de expressão e de imprensa, por meio da distribuição de benefícios e empecilhos a veículos de comunicação em função do grau de alinhamento político-ideológico com o Governo Federal”.

Para o governo Bolsonaro, recomendou a criação de um site único para dar transparência detalhada às informações de todos os órgãos públicos contratantes de publicidade e propaganda.

Artigo 167

O relator apontou um movimento de afrouxamento das regras fiscais e ressalvou três principais temas para aprovação das contas. O primeiro deles foi a verificação de que o governo teve despesas em montantes superiores ao que teria previsto em orçamento. A medida é vedada pelo artigo 167 da Constituição.  

O caso citado foi o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Dantas apontou que o instituto foi obrigado a valer-se de dotações de R$ 1,48 bilhão do orçamento de 2020 para custear as despesas que deveriam ter sido empenhadas no exercício anterior.  

Considerando que o Congresso havia destinado R$ 637 bilhões para custear benefícios previdenciários, o ministro afirmou que “a dotação era mais do que suficiente para cobrir todas as despesas com benefícios ocorridas em 2019, que foram de R$ 630 bilhões, ou seja, o Congresso dedicou R$ 7 bilhões a mais dessa despesa”.

Por fim, o relator concluiu que mais uma vez o Poder Executivo infringiu o disposto no artigo 167, ao não compatibilizar as obrigações assumidas pelo estado brasileiro às dotações orçamentárias.

Renúncias irregulares

A segunda ressalva do relator tratou da aprovação e concessão de benefícios tributários tributários que decorreram de renúncia de receita sem seguir requisitos legais. 

Dantas apontou que tais renúncias tributárias foram vislumbradas em 9 leis novas, no valor de total estimado de R$ 182 milhões. De acordo com o relator, dessas leis, apenas 3 produziram efeitos fiscais em 2019.

“A irregularidade se caracterizou pela ausência no momento da edição das normas, bem como da implementação pelo Poder Executivo dos referidos benefícios requisitos exigidos pelos artigos 113 do ADCT; 14 da Lei de responsabilidade Fiscal; e artigos 114 e 166 da Lei de Diretrizes Orçamentárias.”

Capitalização de estatal

Por fim, o relator apontou que a estatal Emgepron, que fabrica embarcações para a Marinha, foi usada como “instrumento para terceirização de despesas típicas da administração direta”. Dantas apontou indício de fuga do teto de gastos e dependência da União.

Relator demonstrou preocupação com instrumentalização de estatal para terceirizar despesas da administração direta
Divulgação Marinha do Brasil

De acordo com o relator, a estatal recebeu aportes de R$ 7,6 bilhões em dezembro do ano passado. Os aportes tiveram objetivo de transferir recursos “para que estatal conseguisse, junto a empresas privadas, embarcações para serem usadas pela Marinha”.

“O objetivo é não comprometer eventuais necessidades de investimentos de estatais que atuam no mercado concorrencial. Os aportes em tela, todavia, destinaram-se a capitalizar empresa  para aquisição de corvetas e de navio de apoio antártico para uso da Marinha do Brasil”, afirmou.

“Regra de ouro”

O relator também alertou para o avanço do rombo fiscal, em especial pelo descumprimento da  “regra de ouro”. A medida barra o governo de contrair dívidas, por meio da emissão de títulos públicos, para pagar despesas correntes, como salários, aposentadorias e benefícios sociais.

Com a epidemia do coronavírus, Dantas considerou que vai demorar para o país voltar a seguir a regra. Ainda assim, sugeriu a recomendação para que o Executivo elabore um plano de gestão sobre dívida pública federal para dar transparência sobre o montante estimado de endividamento.

Por fim, Dantas disse que uma notícia boa é o fato de que o Executivo efetivou registro de passivos atuariais do sistema protetivo das Forças Armadas em R$ 467,5 milhões. O valor se refere às despesas futuras com militares inativos. Já sobre pensões militares foram R$ 123,3 bilhões.

TC 018.177/2020-4

Categorias
Notícias

Ressarcimento ao erário contra leniente em ação de improbidade

O texto desta semana foi inspirado em notícias dando conta de decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que considerou oponível à pessoa jurídica de direito público lesada acordo de leniência celebrado por ente privado com o Ministério Público Federal e com a Controladoria-Geral da União, obstando o prosseguimento de ação de improbidade que teria o escopo de perseguir reparação adicional ao erário. Antecipamos de pronto nossa concordância com o julgado, aprofundando a seguir as razões para tanto.

É bastante comum que as pessoas jurídicas vitimadas em improbidade — quando não sejam elas próprias as autoras da ação — integrem o processo lançando mão do artigo 17, § 3º, da Lei n. 8.429/1992. Nada de extraordinário aí. O que é capaz de problematizar a questão, isto sim, é a hipótese em que, no curso do feito, a pessoa jurídica ré celebra acordo de leniência, conduzindo o Ministério Público a, mediante homologação judicial, requerer a extinção do feito com relação ao particular ou, quando menos, a convolação da pretensão sancionatória em meramente declaratória.

Eis que surge, então, a questão que move este escrito: seria possível à pessoa jurídica lesada opor-se à homologação e/ou à extinção ou convolação do pedido invocando seu direito à reparação do dano — seja porque esse não fora endereçado pelo acordo, seja porque o fora, a seu juízo, insuficientemente?

É de se questionar, já à partida, se haveria interesse processual/recursal da pessoa lesada para tanto. É que, não tendo integrado o ajuste, a vítima a ele não se vincula, remanescendo a possibilidade de adesão ou de celebração de ajuste apartado; demais disso, sabido que o artigo 17, § 3º, da Lei n. 12.843/2013, põe a salvo do acordo de leniência o ressarcimento integral. Analogicamente, convém relembrar, no ponto, entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que afastou a possibilidade de terceiros impugnarem acordos de colaboração de que não fizeram parte:

O acordo de colaboração, como negócio jurídico personalíssimo, não vincula o delatado e não atinge diretamente sua esfera jurídica: res inter alios acta. (…)

Assim, a homologação do acordo de colaboração, por si só, não produz nenhum efeito na esfera jurídica do delatado, uma vez que não é o acordo propriamente dito que poderá atingi-la, mas sim as imputações constantes dos depoimentos do colaborador ou as medidas restritivas de direitos fundamentais que vierem a ser adotadas com base nesses depoimentos e nas provas por ele indicadas ou apresentadas – o que, aliás, poderia ocorrer antes, ou mesmo independentemente, de um acordo de colaboração.

(…) 1. O acordo de colaboração premiada, negócio jurídico personalíssimo celebrado entre o Ministério Público e o réu colaborador, gera direitos e obrigações apenas para as partes, em nada interferindo na esfera jurídica de terceiros, ainda que referidos no relato da colaboração.

A par de tudo isso, e justamente por força da premissa de que o ressarcimento ao erário admitiria persecução por ente não abarcado pelo acordo, seria possível indagar, então, se o exercício da pretensão não teria lugar no bojo do processo já instaurado e em curso. Para responder a essa questão, invocamos julgado emblemático da Primeira Seção do STJ, que, sob o rito dos repetitivos, (REsp n. 1.163.643, DJ de 1.163.643), afetado sob o rito dos repetitivos e de cujo voto condutor se extrai o seguinte:

Realmente, não se pode confundir a ação de improbidade administrativa com a simples ação de ressarcimento de danos ao erário. A primeira, disciplinada no artigo 17 da Lei 8.429/92, tem seu assento no art. 37, § 4º da Constituição, sendo manifesto seu caráter repressivo, já que se destina, precipuamente, a aplicar sanções de natureza pessoal, semelhantes às penais, aos responsáveis por atos de improbidade administrativa, conforme prevê o art. 12 da referida Lei.

Já a ação em que se busca a anulação de atos danosos ao erário, com pedido de reparação, que pode ser promovida pelo Ministério Público com base no art. 129, III da Constituição, tem por objeto apenas sanções civis comuns, desconstitutivas e reparatórias.

(…) não se pode considerar como típica ação de improbidade a aqui em exame, que não contém pedido algum de aplicação ao infrator de sanções político-civis, de caráter punitivo, mas apenas pedido de anulação de atos danosos ao erário e de ressarcimento de danos. Pretensões dessa espécie são dedutíveis em juízo por ação popular, por ação civil pública regida pela Lei 7.347/85, ou mesmo pelo procedimento comum ordinário, como ocorreu no caso concreto. Ressarcir danos, convém asseverar, não constitui propriamente uma punição ao infrator, mas, sim, uma medida de satisfação ao lesado, e a ação de improbidade destina-se prioritariamente a aplicar penalidades e não a recompor patrimônios. Assim, o pedido de ressarcimento de danos, na ação de improbidade típica, não passa de um pedido acessório, necessariamente cumulado com pedido de aplicação de pelo menos uma das sanções punitivas cominadas ao ilícito. O reconhecimento da obrigação de ressarcir danos, sob esse aspecto, é espécie de efeito secundário necessário da punição pelo ato de improbidade, a exemplo do que ocorre na sentença condenatória penal (CP, art. 91, II). O mesmo se pode dizer, mutatis mutandis, relativamente a pretensões de natureza desconstitutiva, de nulidade ou anulabilidade, que sequer constam entre as cominações do art. 37, § 4º da CF ou no art. 12 da Lei 8.429/92.

No referido julgado, o STJ afastou qualquer nulidade em razão do fato de ação deduzida unicamente com pretensão de reparação ao erário, ainda que originado de ato ímprobo, não ter observado o rito da Lei n. 8.429/1992. O fundamento, como se extrai do excerto acima, foi o de que aquele procedimento especial somente coaduna ações de improbidade típicas, o que não é caso da pretensão reparatória deduzida isoladamente.

Daí que, celebrado acordo de leniência, ainda que pondo a salvo a reparação ao erário, não há mais justificativa ou campo para que a ação de improbidade prossiga como tal, exatamente nos termos em que, contrario sensu, decidiu o STJ.

O correto, pois, a nosso ver, em havendo discordância por parte da pessoa jurídica lesada quanto aos termos de ressarcimento — ou quanto à ausência de previsão a respeito dele —, seria buscar acordo em separado com o particular ou deduzir, autonomamente, após levantamento de subsídios mínimos para cálculo do prejuízo alegado, pretensão ressarcitória, dedicando-se o feito, a bem do contraditório e da ampla defesa, apenas e tão somente àquela discussão.

Insistimos: não é raro que o acordo de leniência seja celebrado já em momento avançado de ação de improbidade que, ao longo de sua tramitação, congregou discussões distintas do puro e simples ressarcimento. Homologado ajuste, e prejudicada a pretensão puramente punitiva, a convolação do feito em persecução reparatória tem o condão de prejudicar o contraditório e a ampla defesa do particular, que até ali frequentara discussão sob outra perspectiva e que agora se veria obrigado a recalibrar toda a sua argumentação à vista de novos moldes persecutórios, notadamente quando a insurgência da vítima se voltasse contra os próprios termos do acordo.

Ainda em favor de nossa posição, não se ignore que a pretensão e reparação ao erário em razão de ato de improbidade praticado com dolo é imprescritível, de sorte que nenhum prejuízo haveria para o poder público. Por tudo isso é que, reafirmamos, reputamos correta a decisão emanada do TRF-4, em prestígio da segurança jurídica e da proteção da confiança.


https://www.migalhas.com.br/quentes/327339/trf-4-acordo-de-leniencia-extingue-acao-por-ato-de-improbidade-administrativa; https://www.conjur.com.br/2020-mai-26/tojal-goncalves-acordo-leniencia-seguranca-juridica

Não ignoramos que a chamada Lei Anticrime e discussões no âmbito da 2ª Turma do STF têm inspirado uma revisita ao tema; sem prejuízo, e nos atendo ao momento atual, fato é que há julgados no sentido que aqui narramos.

STF, HC 127483 / PR, DJ de 27.8.2015.

RHC: 68542/SP Relator Ministra Maria Thereza De Assis Moura, 6ª Turma, 19/04/2016, Data da Publicação/Fonte DJe 03/05/2016.

 é sócio-fundador do Mudrovitsch Advogados, professor de Direito Público, doutor em Direito Constitucional pela USP e mestre em Direito Constitucional pela UnB. Membro do grupo de trabalho instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça destinado à elaboração de estudos e indicação de políticas sobre eficiência judicial e melhoria da segurança pública.

 é sócio do Mudrovitsch Advogados, especialista em Direito Constitucional, mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, professor de Processo Civil do IDP e vice-presidente da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil.

Categorias
Notícias

OAB-RS protesta contra ação de policiais em casa de advogada

A invasão de policiais à residência de uma advogada levou a OAB gaúcha encaminhar pedido de providências à chefia da Polícia Civil e ao gabinete do vice-governador do Estado, Ranolfo Vieira Júnior, que também é secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul.

A advogada Anália Goreti da Silva, que atua em Campo Bom, no Vale do Sinos, foi “visitada” na terça-feira (2/6) por policiais civis de Pelotas no desfecho de uma ação de busca e apreensão desastrada. Os policiais tomaram o endereço da advogada, de forma equivocada, como o local a ser abordado, no curso de uma investigação sobre tráfico de drogas. Os dados de geolocalização foram obtidos a partir do celular apreendido de um traficante.

As marcas da violência ficaram na porta, que foi danificada quando os policiais forçaram a entrada. A advogada estava em casa com o marido e com os dois filhos — todos ficaram amedrontados com a violência da abordagem. Ela lamentou a forma agressiva e truculenta dos policiais. “Eu sou transplantada. Nestas últimas semanas, ninguém praticamente me visitou. Repentinamente, tem vários policiais dentro de casa, alguns sem máscaras”, relatou.

O presidente da seccional, Ricardo Breier, disse que o fato não é apenas um abuso da polícia, mas também uma violação das prerrogativas profissionais, já que na residência também está registrado o escritório da advogada. “É um verdadeiro abuso de autoridade e que não poderá ficar impune.”

Prerrogativas ignoradas

Breier, que se mostrou indignado com o caso, informou que os policiais negaram à advogada o pedido para ser assistida por um represente da Ordem no local.

“Ainda temos muitos abusos de autoridade em nosso país. Existem prerrogativas da advocacia que devem ser respeitadas. Nesse caso, foi ignorado. Vamos acompanhar o andamento da ocorrência e do processo administrativo. É preciso ter punição para que casos assim não se repitam”, salientou. Com informações da assessoria de imprensa da OAB-RS.