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Dantas e Fernandes: O inquérito das “fake news” no Supremo

As discussões recentes sobre o chamado Inquérito das “fake news” suscitam uma dúvida relevante: a simultânea abertura e a supervisão do inquérito por ministro do STF realmente viola o princípio acusatório imposto pela Constituição Federal de 1988? Embora a resposta pareça simples, o nosso sistema constitucional atribui posição particular ao STF na condução de inquéritos no âmbito da sua competência criminal original e ainda na investigação de crimes que atentam contra a Corte.

I. O sistema acusatório pressupõe que as funções da acusação e julgamento sejam exercidas por órgãos ou autoridades distintas. No modelo da CF/88, enquanto as autoridades com poderes investigativos detêm a atribuição de condução ou presidência da fase preliminar de investigações (o chamado inquérito policial, por exemplo), cabe ao Ministério Público a iniciativa exclusiva para promover a ação penal pública na forma da lei. Ao Poder Judiciário, incumbe o juízo de recebimento ou rejeição da denúncia e, caso aceita, o processamento e julgamento do processo penal.

A despeito da consagração constitucional desse sistema, persistem no nosso processo penal institutos e procedimentos que fogem a uma rígida separação de atribuições do sistema acusatório. Além da própria existência do inquérito policial, o CPP contempla um modelo dinâmico e de controle recíproco da separação das funções de presidência e supervisão judicial do inquérito. O seu art. 3º-B, IV, incluído pelo Pacote Antitruste, por exemplo, torna obrigatória a comunicação ao Juiz de Garantias da instauração de qualquer inquérito ou investigação criminal. As diligências investigativas submetidas à cláusula de reserva de jurisdição igualmente demonstram a salutar interação existente entre os órgãos do sistema de justiça.

II. A linha que separa as atribuições de presidência do inquérito e de supervisão judicial torna-se ainda mais nublada quando STF exerce suas competências criminais originárias. Em relação aos inquéritos instaurados perante a Suprema Corte, o texto constitucional, a Lei 8.038/1990 e o Regimento Interno do STF contemplam exceções que fogem à rígida divisão das atribuições típicas de presidência do inquérito policial e de mera supervisão judicial. Adotando como ponto de referência esses dois extremos, parece-nos que a posição conferida ao STF nos inquéritos de competência originária claramente vai além da mera supervisão judicial ordinária. A doutrina igualmente reconhece essa ambiguidade.

De plano, enquanto o art. 5º, II, do CPP, permite a instauração de inquérito ex officio pela autoridade policial, nas ações criminais originárias perante o STF, os arts. 230-A, 230-C e 231 do Regimento Interno do STF (RISTF) preveem a competência exclusiva do Relator para receber e instaurar os denominados inquéritos judiciais, que são encaminhados pela Corte à Procuradoria-Geral da República (PGR).

O Plenário do STF em diversas oportunidades enfrentou o tema, afirmando que “no exercício de competência penal originária do STF, a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis”. Nesse julgado, destacou-se a existência de “diferenças entre a regra geral, o inquérito policial disciplinado no Código de Processo Penal e o inquérito originário de competência do STF regido pelo art. 102, I, b, da CF e pelo RI/STF”.

Há outros precedentes que corroboram esta posição. Já se decidiu que “a polícia judiciária não está autorizada a instaurar, de ofício, inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais”. Também já se entendeu que “a competência do STF, quando da possibilidade de envolvimento de parlamentar em ilícito penal, alcança a fase de investigação, materializada pelo desenvolvimento do inquérito”. De forma ainda mais totalizante, há julgado do Tribunal Pleno em que se chegou a afirmar que “uma vez envolvido deputado federal, cumpre ao Supremo os atos próprios ao inquérito”. (grifos nossos).

Além da necessidade de autorização prévia para a instauração do inquérito, o art. 231, § 4º, do RISTF permite que o Ministro-relator determine de ofício o arquivamento ou trancamento de inquérito em curso, ainda que não haja requerimento da PGR nesse sentido. Em julgados recentes, a Segunda Turma convalidou essa regra prevista, deixando claro que “o Relator deve determinar o arquivamento do inquérito quando verificar a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade e/ou nos casos em que foram descumpridos os prazos para a instrução”. Tal possibilidade é fundamentada na noção de que “ao Poder Judiciário, na sua precípua função de garantidor de direitos fundamentais, cabe exercer rígido controle de legalidade da persecução penal”.

Registre-se que não há normas semelhantes na legislação ordinária. O arquivamento de peças de investigação é atribuição exclusiva do MP. Na antiga redação do art. 28 do CPP, caso o Juiz discordasse da decisão do MP, caberia apenas remeter os autos ao Procurador Geral do respectivo órgão. Na redação atual, após o pacote anticrime, a tramitação ocorre exclusivamente dentro da estrutura do Parquet. A única válvula de escape para os casos de manifesta ilegalidade ou teratologia seria a concessão de habeas corpus de ofício, nos termos do art. 654, §2º, do CPP.

O Plenário do STF de fato nunca afirmou de forma expressa que, nas ações criminais originárias, o Ministro-relator teria o poder pleno de ordenar a realização de diligências probatórias. Contudo, as decisões acima apresentadas sinalizam que os Ministros da Corte têm assumido um papel muito mais amplo na condução dos inquéritos.

III. Diferente dos inquéritos que envolvem autoridades com foro por prerrogativa de função, o chamado “Inquérito das Fake News” tem como fundamento os arts. 42 e 43 do RISTF. No que se refere aos crimes cometidos contra o Tribunal, a situação é um pouco distinta. Para esses casos, o RISTF prevê o exercício de poder de polícia e de investigação pela própria Corte.

Se mesmo no campo dos inquéritos judiciais supervisionados pelo STF já é possível, ao menos em tese, reconhecer que o Ministro-relator assume uma função qualificada de supervisão judicial, no caso dos Inquéritos instaurados com fundamento nos arts. 42 e 43 do RISTF, não há qualquer dúvida a esse respeito: fica claro que a função dos Ministros do Tribunal atinge a própria presidência do inquérito.

Nessa hipótese, o Regimento atribui a presidência da atividade administrativa de polícia judiciária ao Ministro designado. Destarte, ao lado das funções jurisdicionais típicas da fase pré-processual, o Ministro indicado para a presidência do inquérito exerce a supervisão das atividades de investigação e apuração dos fatos, razão pela qual não há a distribuição do inquérito pelo sistema de sorteio.

Uma primeira dúvida que surgiu à época da instauração do chamado Inquérito das Fake News era se os fatos investigados poderiam se enquadrar na previsão normativa de “infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal”. Quando se examinam precedentes da Corte, no entanto, fica claro que a interpretação conferida ao dispositivo privilegia não a geografia do crime, mas sim o impacto da eventual infração sobre as funções institucionais da Corte.

A Segunda Turma do STF já chegou a determinar a abertura de inquérito para apurar vazamentos de informações sigilosas em inquérito de relatoria do Min. Edson Fachin envolvendo negociações de acordo de colaboração premiada. Nesse caso, embora não se tenha afirmado que o inquérito seria instaurado com fundamento no art. 43 do RISTF, o órgão colegiado efetivamente determinou a abertura da investigação, optando, porém, por remetê-la à PGR para que este órgão indicasse a autoridade responsável pela supervisão judicial. O STF determinou inclusive “a requisição de informações periódicas ao Juízo competente acerca do andamento da apuração”.

Ainda antes desse julgado, a Segunda Turma já se utilizou da excepcional regra do art. 43 do RISTF para determinar a apuração do uso abusivo de algemas e grilhões em prisão, amplamente noticiada nos meios de comunicação. Naquela oportunidade, no julgamento do Habeas Corpus 15.2720 que, posteriormente, deu origem ao Inquérito 4696, a Segunda Turma definiu, sem sorteio, pela indicação do Ministro Gilmar Mendes para a supervisão das investigações que apuravam o flagrante desrespeito ao conteúdo constante da Súmula Vinculante nº 11 por autoridades públicas, em circunstâncias que sugeriam a prática de crimes de abuso de autoridade.

À luz desses precedentes, é possível entender que o art. 43 do RISTF, recepcionado pelo sistema constitucional de 1988 com status de lei, constitui prerrogativa que pode e deve ser utilizada para preservar o STF contra crimes que possam impedir o livre exercício das funções constitucionais do Tribunal, atribuindo à Corte esse instrumento de autodefesa contra ataques institucionais.

A referida norma legal é corroborada pela disposição do art. 4º, parágrafo único, do CPP, que prevê que as atribuições de polícia judiciária podem ser exercidas não apenas pelas autoridades policiais, mas também por outras autoridades administrativas “a quem por lei seja cometida a mesma função”.

Destaque-se ainda que existem paralelos semelhantes no âmbito dos demais poderes. Neste sentido, a Súmula 397 do STF, aprovada no longínquo ano de 1964, prevê que “o poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”.

As próprias Comissões Parlamentares de Inquérito, que possuem fundamento no art. 58, §3º, da CF/88, possuem poderes investigativos para a apuração de fatos certos e determinados, tratando-se de importante garantia institucional de reforço à defesa e ao livre exercício das prerrogativas fiscalizatórias do Congresso Nacional.

No próprio âmbito do Poder Executivo, não parece ser contrário ao sistema acusatório a determinação da instauração e acompanhamento, por parte do Ministro da Justiça, de crime praticado contra o Presidente da República, o que não abrange, por óbvio, o uso político dessa estrutura para a perseguição de adversários políticos.

No caso do STF, não se pode ignorar que esse poder de polícia judiciária, previsto pelo art. 43 do RISTF, parece constituir uma importante garantia para impedir ataques que atentem contra o poder constitucionalmente incumbido da defesa dos direitos fundamentais (art. 102 da CF/88) e das regras do jogo democrático, em especial diante do cenário atual de ataques sistemáticos e organizados à Corte.

Analisando-se a questão à luz do direito comparado, na Inglaterra e nos Estados Unidos a defesa dos Tribunais é realizada através dos instrumentos de contempt of court, que possibilitam aos órgãos judiciais a imposição de sanções civis ou penais em relação a atos que possam ameaçar o adequado desenvolvimento de suas funções. Esse instituto, que foi desenvolvido a partir de uma ideia de inherent power (poder implícito), foi incorporado aos Estados Unidos pelo Judicial Act de 1789.

Nos países de tradição romano-germânica, esse fenômeno também pode ser explicado sob a ótica da teoria das garantias institucionais. Tratando sobre o tema, Paulo Gustavo Gonet Branco destaca que elas decorrem da percepção de que determinadas instituições de direito público desempenham papel de tão elevada importância na ordem jurídica que devem ter o seu núcleo essencial, as suas características elementares, preservadas.

No mesmo sentido, Márcio Aranha, afirma que a assimilação histórica e jurídica das práticas institucionais cumpriria uma função de estrutura e limitação contra mudanças abruptas e contrárias aos valores constitucionalmente estabelecidos, servindo para a manutenção da coerência e integridade do ordenamento jurídico em face de uma realidade social dinâmica e mutável. Essas conexões demonstram que a garantia institucional deve ser um ponto de equilíbrio e interação, de modo a constituir uma proteção formal e material nessa delicada equação entre a estabilidade e as mudanças. Na Alemanha, por exemplo, a garantia de manutenção das características essenciais do Tribunal Constitucional decorre do seu status de órgão constitucional, o que lhe assegura independência em relação aos demais órgãos e autonomia para decidir questões sobre a interpretação da Constituição.

No caso específico do STF, o art. 43 do RISTF parece cumprir essa função de garantia institucional, a ser exercida de forma excepcional para os casos de graves ataques ou crimes que afetem o livro exercício das funções constitucionais da Corte ou a instituição como um todo, em especial diante da inércia dos órgãos de investigação na apuração desses fatos.

IV. Nessa linha, o modelo diferenciado de tramitação de inquéritos e do poder de polícia do STF parece concluir: i) que cabe à Corte autorizar a instauração e promover o arquivamento de Inquéritos que tramitam no Tribunal; ii) que esse modelo distinto é compatível com o sistema acusatório vigente no país; iii) que o poder de polícia judiciária atribuído à Corte para a investigação de crimes praticados contra a instituição constitui atividade administrativa passível de delegação por parte do Presidente, não se submetendo às regras de distribuição por sorteio; iv) que após o encerramento das investigações, caberá à Procuradoria-Geral da República decidir sobre o oferecimento ou não de denúncia; v) que o art. 43 do RISTF é importante garantia institucional que visa, em última análise, proteger o órgão responsável pela proteção de direitos e das regras do jogo democrático de interferências indevidas contra o exercício regular de suas funções.


HAMILTON, S. D. A ortodoxia do sistema acusatório no processo penal brasileiro: uma falácia. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, v. 13, n. 17, 2001.

FERNANDES, A. S. A reação defensiva à imputação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 120

MARCHIONATTI, D. Processo Penal Contra Autoridades. São Paulo: Gen, 2019, p. 187.

Inq 2.411-QO, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 25-04-2008.

Pet 3825-QO, Red. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, DJe 04-04-2008.

Inq 2842, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 27-02-2014.

Inq 2291 AgR, Red. p/ Acórdão: Min. Marco Aurélio, DJe 14-11-2007.

Inq 4419, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 23-11-2018.

Inq 3847 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 08-06-2015.

Pet 7321 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 15-10-2018.

Inq 4696, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 15-10-2018.

GIUBERTI, V. S. Contempt of Court: o que é e o que não é no novo sistema processual brasileiro. Anais do II Congresso de Processo Civil Internacional. Vitória, 2017. p. 348-349.

MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 246.

ARANHA, M. I. Interpretação Constitucional e as Garantias Institucionais dos Direitos Fundamentais. 3ª ed. Coleford: Laccademia Publishing, 2014.

SCHWABE, J.; MARTINS, L. Cinquenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Montevideo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2005. p. 37.

Victor Oliveira Fernandes é assessor de ministro no Supremo Tribunal Federal. Doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Professor de Direito Econômico nos cursos de Graduação e Pós-graduação lato sensu do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Eduardo Sousa Dantas é mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e juiz Federal Substituto.

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Mendes e Fernandes: O inquérito das “fake news” no Supremo

As discussões recentes sobre o chamado Inquérito das “fake news” suscitam uma dúvida relevante: a simultânea abertura e a supervisão do inquérito por ministro do STF realmente viola o princípio acusatório imposto pela Constituição Federal de 1988? Embora a resposta pareça simples, o nosso sistema constitucional atribui posição particular ao STF na condução de inquéritos no âmbito da sua competência criminal original e ainda na investigação de crimes que atentam contra a Corte.

I. O sistema acusatório pressupõe que as funções da acusação e julgamento sejam exercidas por órgãos ou autoridades distintas. No modelo da CF/88, enquanto as autoridades com poderes investigativos detêm a atribuição de condução ou presidência da fase preliminar de investigações (o chamado inquérito policial, por exemplo), cabe ao Ministério Público a iniciativa exclusiva para promover a ação penal pública na forma da lei. Ao Poder Judiciário, incumbe o juízo de recebimento ou rejeição da denúncia e, caso aceita, o processamento e julgamento do processo penal.

A despeito da consagração constitucional desse sistema, persistem no nosso processo penal institutos e procedimentos que fogem a uma rígida separação de atribuições do sistema acusatório. Além da própria existência do inquérito policial, o CPP contempla um modelo dinâmico e de controle recíproco da separação das funções de presidência e supervisão judicial do inquérito. O seu art. 3º-B, IV, incluído pelo Pacote Antitruste, por exemplo, torna obrigatória a comunicação ao Juiz de Garantias da instauração de qualquer inquérito ou investigação criminal. As diligências investigativas submetidas à cláusula de reserva de jurisdição igualmente demonstram a salutar interação existente entre os órgãos do sistema de justiça.

II. A linha que separa as atribuições de presidência do inquérito e de supervisão judicial torna-se ainda mais nublada quando STF exerce suas competências criminais originárias. Em relação aos inquéritos instaurados perante a Suprema Corte, o texto constitucional, a Lei 8.038/1990 e o Regimento Interno do STF contemplam exceções que fogem à rígida divisão das atribuições típicas de presidência do inquérito policial e de mera supervisão judicial. Adotando como ponto de referência esses dois extremos, parece-nos que a posição conferida ao STF nos inquéritos de competência originária claramente vai além da mera supervisão judicial ordinária. A doutrina igualmente reconhece essa ambiguidade.

De plano, enquanto o art. 5º, II, do CPP, permite a instauração de inquérito ex officio pela autoridade policial, nas ações criminais originárias perante o STF, os arts. 230-A, 230-C e 231 do Regimento Interno do STF (RISTF) preveem a competência exclusiva do Relator para receber e instaurar os denominados inquéritos judiciais, que são encaminhados pela Corte à Procuradoria-Geral da República (PGR).

O Plenário do STF em diversas oportunidades enfrentou o tema, afirmando que “no exercício de competência penal originária do STF, a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis”. Nesse julgado, destacou-se a existência de “diferenças entre a regra geral, o inquérito policial disciplinado no Código de Processo Penal e o inquérito originário de competência do STF regido pelo art. 102, I, b, da CF e pelo RI/STF”.

Há outros precedentes que corroboram esta posição. Já se decidiu que “a polícia judiciária não está autorizada a instaurar, de ofício, inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais”. Também já se entendeu que “a competência do STF, quando da possibilidade de envolvimento de parlamentar em ilícito penal, alcança a fase de investigação, materializada pelo desenvolvimento do inquérito”. De forma ainda mais totalizante, há julgado do Tribunal Pleno em que se chegou a afirmar que “uma vez envolvido deputado federal, cumpre ao Supremo os atos próprios ao inquérito”. (grifos nossos).

Além da necessidade de autorização prévia para a instauração do inquérito, o art. 231, § 4º, do RISTF permite que o Ministro-relator determine de ofício o arquivamento ou trancamento de inquérito em curso, ainda que não haja requerimento da PGR nesse sentido. Em julgados recentes, a Segunda Turma convalidou essa regra prevista, deixando claro que “o Relator deve determinar o arquivamento do inquérito quando verificar a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade e/ou nos casos em que foram descumpridos os prazos para a instrução”. Tal possibilidade é fundamentada na noção de que “ao Poder Judiciário, na sua precípua função de garantidor de direitos fundamentais, cabe exercer rígido controle de legalidade da persecução penal”.

Registre-se que não há normas semelhantes na legislação ordinária. O arquivamento de peças de investigação é atribuição exclusiva do MP. Na antiga redação do art. 28 do CPP, caso o Juiz discordasse da decisão do MP, caberia apenas remeter os autos ao Procurador Geral do respectivo órgão. Na redação atual, após o pacote anticrime, a tramitação ocorre exclusivamente dentro da estrutura do Parquet. A única válvula de escape para os casos de manifesta ilegalidade ou teratologia seria a concessão de habeas corpus de ofício, nos termos do art. 654, §2º, do CPP.

O Plenário do STF de fato nunca afirmou de forma expressa que, nas ações criminais originárias, o Ministro-relator teria o poder pleno de ordenar a realização de diligências probatórias. Contudo, as decisões acima apresentadas sinalizam que os Ministros da Corte têm assumido um papel muito mais amplo na condução dos inquéritos.

III. Diferente dos inquéritos que envolvem autoridades com foro por prerrogativa de função, o chamado “Inquérito das Fake News” tem como fundamento os arts. 42 e 43 do RISTF. No que se refere aos crimes cometidos contra o Tribunal, a situação é um pouco distinta. Para esses casos, o RISTF prevê o exercício de poder de polícia e de investigação pela própria Corte.

Se mesmo no campo dos inquéritos judiciais supervisionados pelo STF já é possível, ao menos em tese, reconhecer que o Ministro-relator assume uma função qualificada de supervisão judicial, no caso dos Inquéritos instaurados com fundamento nos arts. 42 e 43 do RISTF, não há qualquer dúvida a esse respeito: fica claro que a função dos Ministros do Tribunal atinge a própria presidência do inquérito.

Nessa hipótese, o Regimento atribui a presidência da atividade administrativa de polícia judiciária ao Ministro designado. Destarte, ao lado das funções jurisdicionais típicas da fase pré-processual, o Ministro indicado para a presidência do inquérito exerce a supervisão das atividades de investigação e apuração dos fatos, razão pela qual não há a distribuição do inquérito pelo sistema de sorteio.

Uma primeira dúvida que surgiu à época da instauração do chamado Inquérito das Fake News era se os fatos investigados poderiam se enquadrar na previsão normativa de “infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal”. Quando se examinam precedentes da Corte, no entanto, fica claro que a interpretação conferida ao dispositivo privilegia não a geografia do crime, mas sim o impacto da eventual infração sobre as funções institucionais da Corte.

A Segunda Turma do STF já chegou a determinar a abertura de inquérito para apurar vazamentos de informações sigilosas em inquérito de relatoria do Min. Edson Fachin envolvendo negociações de acordo de colaboração premiada. Nesse caso, embora não se tenha afirmado que o inquérito seria instaurado com fundamento no art. 43 do RISTF, o órgão colegiado efetivamente determinou a abertura da investigação, optando, porém, por remetê-la à PGR para que este órgão indicasse a autoridade responsável pela supervisão judicial. O STF determinou inclusive “a requisição de informações periódicas ao Juízo competente acerca do andamento da apuração”.

Ainda antes desse julgado, a Segunda Turma já se utilizou da excepcional regra do art. 43 do RISTF para determinar a apuração do uso abusivo de algemas e grilhões em prisão, amplamente noticiada nos meios de comunicação. Naquela oportunidade, no julgamento do Habeas Corpus 15.2720 que, posteriormente, deu origem ao Inquérito 4696, a Segunda Turma definiu, sem sorteio, pela indicação do Ministro Gilmar Mendes para a supervisão das investigações que apuravam o flagrante desrespeito ao conteúdo constante da Súmula Vinculante nº 11 por autoridades públicas, em circunstâncias que sugeriam a prática de crimes de abuso de autoridade.

À luz desses precedentes, é possível entender que o art. 43 do RISTF, recepcionado pelo sistema constitucional de 1988 com status de lei, constitui prerrogativa que pode e deve ser utilizada para preservar o STF contra crimes que possam impedir o livre exercício das funções constitucionais do Tribunal, atribuindo à Corte esse instrumento de autodefesa contra ataques institucionais.

A referida norma legal é corroborada pela disposição do art. 4º, parágrafo único, do CPP, que prevê que as atribuições de polícia judiciária podem ser exercidas não apenas pelas autoridades policiais, mas também por outras autoridades administrativas “a quem por lei seja cometida a mesma função”.

Destaque-se ainda que existem paralelos semelhantes no âmbito dos demais poderes. Neste sentido, a Súmula 397 do STF, aprovada no longínquo ano de 1964, prevê que “o poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”.

As próprias Comissões Parlamentares de Inquérito, que possuem fundamento no art. 58, §3º, da CF/88, possuem poderes investigativos para a apuração de fatos certos e determinados, tratando-se de importante garantia institucional de reforço à defesa e ao livre exercício das prerrogativas fiscalizatórias do Congresso Nacional.

No próprio âmbito do Poder Executivo, não parece ser contrário ao sistema acusatório a determinação da instauração e acompanhamento, por parte do Ministro da Justiça, de crime praticado contra o Presidente da República, o que não abrange, por óbvio, o uso político dessa estrutura para a perseguição de adversários políticos.

No caso do STF, não se pode ignorar que esse poder de polícia judiciária, previsto pelo art. 43 do RISTF, parece constituir uma importante garantia para impedir ataques que atentem contra o poder constitucionalmente incumbido da defesa dos direitos fundamentais (art. 102 da CF/88) e das regras do jogo democrático, em especial diante do cenário atual de ataques sistemáticos e organizados à Corte.

Analisando-se a questão à luz do direito comparado, na Inglaterra e nos Estados Unidos a defesa dos Tribunais é realizada através dos instrumentos de contempt of court, que possibilitam aos órgãos judiciais a imposição de sanções civis ou penais em relação a atos que possam ameaçar o adequado desenvolvimento de suas funções. Esse instituto, que foi desenvolvido a partir de uma ideia de inherent power (poder implícito), foi incorporado aos Estados Unidos pelo Judicial Act de 1789.

Nos países de tradição romano-germânica, esse fenômeno também pode ser explicado sob a ótica da teoria das garantias institucionais. Tratando sobre o tema, Paulo Gustavo Gonet Branco destaca que elas decorrem da percepção de que determinadas instituições de direito público desempenham papel de tão elevada importância na ordem jurídica que devem ter o seu núcleo essencial, as suas características elementares, preservadas.

No mesmo sentido, Márcio Aranha, afirma que a assimilação histórica e jurídica das práticas institucionais cumpriria uma função de estrutura e limitação contra mudanças abruptas e contrárias aos valores constitucionalmente estabelecidos, servindo para a manutenção da coerência e integridade do ordenamento jurídico em face de uma realidade social dinâmica e mutável. Essas conexões demonstram que a garantia institucional deve ser um ponto de equilíbrio e interação, de modo a constituir uma proteção formal e material nessa delicada equação entre a estabilidade e as mudanças. Na Alemanha, por exemplo, a garantia de manutenção das características essenciais do Tribunal Constitucional decorre do seu status de órgão constitucional, o que lhe assegura independência em relação aos demais órgãos e autonomia para decidir questões sobre a interpretação da Constituição.

No caso específico do STF, o art. 43 do RISTF parece cumprir essa função de garantia institucional, a ser exercida de forma excepcional para os casos de graves ataques ou crimes que afetem o livro exercício das funções constitucionais da Corte ou a instituição como um todo, em especial diante da inércia dos órgãos de investigação na apuração desses fatos.

IV. Nessa linha, o modelo diferenciado de tramitação de inquéritos e do poder de polícia do STF parece concluir: i) que cabe à Corte autorizar a instauração e promover o arquivamento de Inquéritos que tramitam no Tribunal; ii) que esse modelo distinto é compatível com o sistema acusatório vigente no país; iii) que o poder de polícia judiciária atribuído à Corte para a investigação de crimes praticados contra a instituição constitui atividade administrativa passível de delegação por parte do Presidente, não se submetendo às regras de distribuição por sorteio; iv) que após o encerramento das investigações, caberá à Procuradoria-Geral da República decidir sobre o oferecimento ou não de denúncia; v) que o art. 43 do RISTF é importante garantia institucional que visa, em última análise, proteger o órgão responsável pela proteção de direitos e das regras do jogo democrático de interferências indevidas contra o exercício regular de suas funções.


HAMILTON, S. D. A ortodoxia do sistema acusatório no processo penal brasileiro: uma falácia. Revista de Direito da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, v. 13, n. 17, 2001.

FERNANDES, A. S. A reação defensiva à imputação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 120

MARCHIONATTI, D. Processo Penal Contra Autoridades. São Paulo: Gen, 2019, p. 187.

Inq 2.411-QO, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 25-04-2008.

Pet 3825-QO, Red. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, DJe 04-04-2008.

Inq 2842, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 27-02-2014.

Inq 2291 AgR, Red. p/ Acórdão: Min. Marco Aurélio, DJe 14-11-2007.

Inq 4419, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 23-11-2018.

Inq 3847 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 08-06-2015.

Pet 7321 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 15-10-2018.

Inq 4696, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 15-10-2018.

GIUBERTI, V. S. Contempt of Court: o que é e o que não é no novo sistema processual brasileiro. Anais do II Congresso de Processo Civil Internacional. Vitória, 2017. p. 348-349.

MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 246.

ARANHA, M. I. Interpretação Constitucional e as Garantias Institucionais dos Direitos Fundamentais. 3ª ed. Coleford: Laccademia Publishing, 2014.

SCHWABE, J.; MARTINS, L. Cinquenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Montevideo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2005. p. 37.

Victor Oliveira Fernandes é assessor de ministro no Supremo Tribunal Federal. Doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Professor de Direito Econômico nos cursos de Graduação e Pós-graduação lato sensu do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

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Fábio Oliveira Lima: O plenário virtual nos tribunais

Seguindo a nossa tradição forense, os órgãos colegiados dos tribunais reúnem-se para a exposição, discussão e deliberação do processo em ambientes situados nas respectivas sedes e com a presença física obrigatória e simultânea dos seus integrantes, em sessão denominada de presencial.

Com a evolução tecnológica, os tribunais, na busca de conferir realidade ao princípio constitucional da razoável duração do processo (artigo 5º, LXXVIII, CF) e de vencer a demanda, que é sempre crescente, passaram a adotar o julgamento em ambiente eletrônico, através de sessão virtual, em que se dispensa a presença simultânea dos desembargadores. Sessão virtual não se confunde com sessão presencial por videoconferência, em que há a exigência da participação simultânea e ao vivo dos julgadores, só que situados em ambientes físicos diferentes. Na sessão virtual a deliberação ocorre sem a presença concomitante dos desembargadores, que, durante um período delimitado, manifestam-se, cada um a seu tempo, por meio eletrônico.

Vozes destacadas e de elevado espírito público têm advogado que a dinâmica procedimental do plenário virtual violaria cânones do devido processo legal, sob os argumentos de que os julgamentos não são públicos e há restrição ao contraditório.

No ambiente da gestão judiciária, a inovação nasce, quase sempre, na mira da negação, até que sejam compreendidos seus propósitos e as suas nuances.

Há que pontuar, em primeiro plano, que o julgamento em sessão virtual, para além de estar expressamente autorizado pelo Código de Processo Civil (artigo 193 c/c artigo 943, CPC/15), tem plena conformação com os valores atuais da sociedade, que amplamente aceita como eficiente e segura a realização de diversas atividades públicas e privadas sem a necessidade de contato pessoal ou reunião presencial. O Judiciário não pode ficar distante e alheio a essa realidade. É nesse cenário que surge a sessão virtual, com claros ganhos de eficiência e celeridade à prestação jurisdicional do segundo grau. Fundamentalmente, otimiza-se a pauta dos julgamentos complexos. A sessão presencial, com seu ritualismo necessário, deve ficar reservada às causas que exijam debate mais verticalizado. Idealmente, à sessão virtual são remetidos os processos de menor complexidade, que dispensam uma discussão mais aprofundada quanto a aspectos de fato ou mesmo de direito, ou os processos em que já há posição jurisprudencial consolidada do próprio órgão julgador, do tribunal local ou dos tribunais superiores sem efeito vinculante.

Consigne-se, ainda, que, em Pernambuco, apesar de o julgamento virtual não ficar restrito a processos e recursos em que não caiba sustentação oral não há restrição de classe processual , cabendo ao talante discricionário do relator a definição do que será ou não submetido ao plenário virtual, essa discricionariedade é mitigada ou controlada porque os vogais, o representante do Ministério Público e as partes podem, sem declaração de justificativa, manifestar oposição ao julgamento virtual, deslocando, automaticamente, o julgamento para a sessão presencial. A prerrogativa da oposição ao julgamento virtual, sem a necessidade de qualquer justificativa, mantém a dinâmica da sessão virtual dentro dos princípios básicos do devido processo legal. O julgamento eletrônico assume, claramente, a natureza de um negócio processual atípico (artigo 190 do CPC/15) firmado entre o Estado-juiz e as partes, através dos respectivos patronos, em que o acordo procedimental, a partir da não oposição ao julgamento virtual, inclui a impossibilidade de sustentação oral e dos apartes autorizados pelo inciso X do artigo 7º do Estatuto da OAB.

A preocupação com o devido processo legal é uma constante no formato do plenário virtual do Tribunal de Justiça. O edital de convocação, a que se dá ampla publicidade, indica os desembargadores que participarão do plenário virtual. Isso para possibilitar o controle social do princípio do juiz natural, já que a formação dos órgãos colegiados obedece a regras pré-constituídas e firmes em critérios estritamente objetivos, e o exercício da ampla defesa e do contraditório, na medida em que a composição dos órgãos colegiados tem influência decisiva na previsibilidade das decisões, além do que facilita acesso ao julgador para que possam ser apresentadas as manifestações e os memoriais pelos interessados.

Realçada crítica, que não se pode desconsiderar, prende-se à circunstância de que, em todo o período de duração da sessão virtual, apenas o conteúdo do relatório será disponibilizado para as partes e os interessados. A divulgação dos votos dar-se-á no encerramento da sessão, com a proclamação do resultado do julgamento. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do inciso IX do artigo 7º do Estatuto da OAB, que previa a sustentação oral pelo advogado após o voto do relator, sob o fundamento de que: I) o contraditório se estabelece entre as partes e não entre magistrado e as partes; e II) poderia causar tumulto processual (ADI 1.127). Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio (onde existe a mesma razão deve haver a mesma regra de Direito). Na sessão virtual, tornar público o voto na medida em que for sendo proferido no ambiente eletrônico levaria, na prática forense, a estabelecer um contraditório a cada voto manifestado. A publicidade aos votos somente ao final não qualifica o julgamento eletrônico como secreto, como afirmam alguns. O controle das partes e da sociedade ocorrerá exatamente como ocorre no julgamento presencial sempre a posteriori. Tradicionalmente, o exercício da ampla defesa se dá antes do julgamento.

Não se advogue que a garantia constitucional da imperiosa necessidade da fundamentação das decisões judiciais (artigo 93, inciso IX, CF) sofre relevante mitigação, na medida em que o vogal apenas assinala, no painel eletrônico, mediante registro por certificação digital, que acompanha o relator ou a divergência, deixando de apresentar suas razões de decidir. A consciência jurídica nacional, com amplo respaldo da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, admite como idônea a fundamentação pela técnica da remissão, como razão de decidir, à motivação declinada pelo voto antecessor. Não se pode esquecer que mesmo no julgamento presencial há expressa autorização para a fundamentação per relacionem, de modo que os vogais que estiverem de acordo com o voto e a fundamentação do relator poderão se limitar a declarar sua concordância.

Há, ainda, uma imposição normativa que mantém o formato da sessão virtual em estreita harmonia com o princípio constitucional que assegura a fundamentação das decisões judiciais (artigo 93, inciso IX, CF). A declaração de voto passa a ser obrigatória quando o desembargador vogal divergir do relator ou o acompanhar com ressalva de entendimento. É que, divergindo do relator, o voto vogal poderá assumir a posição de voto vencido, de modo que sua declaração será obrigatória (artigo 941, § 3º) ou assumirá a condição de voto vencedor, condutor da ratio decidendi. Acompanhando o relator por outro fundamento, impõe-se igualmente a declaração de voto. Isso porque sua fundamentação pode constituir a ratio decidendi ou, se não for, facilitará a compreensão da razão de decidir do colegiado. Sem a exteriorização das razões que levaram ao resultado do julgamento não há devido processo legal e nem jurisdição válida. Isso porque o princípio constitucional da ampla defesa não teria como ser exercitado com efetividade e impossível seria o controle social da atividade jurisdicional. Se o relator ficar vencido e o voto condutor da divergência não for declarado, haverá nulidade do julgamento.

Sendo unânime o julgamento ou quando houver divergência que não atraia a aplicação da técnica de julgamento prevista no artigo 942 do CPC/15, o processo segue para a lavratura do acórdão pelo relator. Quando, no entanto, o resultado do julgamento não for unânime e a hipótese atrair a regra do artigo 942 do CPC/15, o processo será encaminhado, automaticamente, para a sessão presencial, com a publicação de nova pauta, com vistas à continuidade do julgamento perante o colegiado ampliado.

Tem-se, portanto, que o formato adotado pelo plenário virtual garante plena observância dos princípios fundamentais do processo, notadamente os da ampla defesa e da publicidade. Não há comprometimento do princípio da colegialidade e da segurança dos julgados. O julgamento continua colegiado. Haverá discussão, possibilidade de convencimento mútuo entre os julgadores e divergências, só que tudo ocorrerá no ambiente eletrônico. A dinâmica procedimental da sessão virtual, em que os vogais têm acesso previamente ao voto do relator e dispõem de tempo razoável para examinar com vagar as questões de direito e de fato, acaba por proporcionar maior segurança ao julgado. É uma alternativa, que supera, em eficiência e segurança, o julgamento em lista, até então utilizado largamente pelos tribunais.