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Wesley Bento: MP 961: os riscos e as vantagens

Na sequência de normas federais editadas para municiar os entes públicos com ferramentas de combate à pandemia da Covid-19, foi publicada no DOU de 7 de maio a Medida Provisória nº 961, que autoriza pagamentos antecipados nas licitações e nos contratos, adequa os limites de dispensa de licitação e amplia o uso do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

Chama a atenção que as normas gerais veiculadas na MP se aplicam aos atos praticados no período de vigência do estado de calamidade pública, ainda que: I) não se refira a bens, obras e serviços vinculados ao combate da pandemia; II) o contrato seja firmado por prazo que presumivelmente superará o estado de calamidade; e III) os contratos firmados nesse período e sob essas regras possam ser prorrogados até os limites legais.

Com esse novo perfil de abrangência, que decorre da redação de seus dispositivos e é enfatizado no artigo 2º da MP, bastante distinto do que se observa no artigo 4º da Lei n. 13.979/2020, a norma peca por não preservar a finalidade das medidas excepcionais estritamente relacionadas à também excepcionalidade da pandemia.

Não se sabe se essa redação foi proposital ou se decorre de uma falha no texto, mas é inequívoco que abre uma oportunidade para se experimentar as suas inovações em quaisquer tipos de licitações e contratos, ainda que não guardem nenhuma relação com a pandemia, colocando em dúvida até mesmo se para isso seria legítimo o uso da medida provisória, considerando a necessidade de ser editada a partir de relevância e urgência (artigo 62 da Constituição Federal).

A MP apresenta como novidade a inversão das clássicas fases de execução da despesa pública: empenho, liquidação e pagamento. Embora essa ordem esteja presente na Lei nº 4.320/64 e seja intuída da redação dos incisos XIII, XIV do artigo 40 da Lei nº 8.666/93 e do inciso V do artigo 81 da Lei nº 13.303/2016, o advento da MP apresenta maior relevo pela desburocratização do que pelo ineditismo.

Isso porque o Tribunal de Contas da União já admitia o pagamento antecipado (antes da liquidação), mas exigia basicamente três requisitos: I) previsão no instrumento convocatório; II) existência de estudo fundamentado comprovando a real necessidade e economicidade da medida; e III) estabelecimento de garantias específicas e suficientes, que resguardem a Administração dos riscos inerentes à operação (Acórdão n. 1826/2017-Plenário; Acórdão n. 4143/2016-1ª Câmara; Acórdão n. 1614/2013-Plenário; Acórdão n. 1341/2010-Plenário; Acórdão n. 2679/2010-Plenário, entre outros).

A aceitação decorria de uma fresta legal o artigo 15, III, da Lei nº 8.666/93 prevê que as compras devem se submeter a condições de pagamento semelhantes às do setor privado e de um imperativo da realidade: alguns itens somente são vendidos com pagamento, ainda que parcial, antecipado. Um exemplo avalizado pelo próprio TCU foi a aquisição de helicópteros (Acórdão nº 5294/2010 — 1ª Câmara).

Nos estritos termos da MP, manteve-se, com outro verniz, a exigência de se demonstrar que a antecipação de pagamento é indispensável para se viabilizar a contratação ou que propicia significativa economia de recursos; a previsão no edital e, por lógica imperativa do sistema, a obrigação de se exigir a devolução integral do valor antecipado na hipótese de inexecução do objeto. Excluiu-se, no entanto, a exigência de “garantias específicas e suficientes” que resguardariam a administração dos riscos do inadimplemento pelo privado.

Trocando em miúdos, a norma positivou o que antes estava implícito na Lei nº 8.666/93 e explícito nas orientações dos tribunais de contas, lustrando com um pouco de segurança jurídica os atos dos agentes públicos praticados nesse sentido como o Governo Federal já pretendeu fazer no PL 791/2020 encaminhado ao Congresso Nacional , na mesma medida em que desburocratizou a prática ao tornar desnecessária a prestação de garantia pelo particular.

Decorreu, não é difícil avaliar, do reconhecimento da escassez de diversos produtos e equipamentos em um cenário de alta demanda e que pela lei universal da oferta e da procura o vendedor não apenas venderá para quem pagar mais, mas venderá para quem pagar melhor. E o Estado não é exemplo de pontualidade no pagamento de suas despesas.

É por isso que na prática os entes públicos já vinham sendo constrangidos a promover o pagamento antecipado, sem que o privado tivesse sempre disposição de constituir garantias (custosas) em favor do poder público.

O Direito se curvou à realidade, ainda que elevando e elevando muito os riscos do poder público. Caberá aos servidores redobrarem as cautelas necessárias na verificação dos pressupostos legais do pagamento antecipado, limitando essa antecipação ao mínimo necessário para não se frustrar a licitação.

Admitir-se um certo parcelamento na entrega dos objetos mediante pagamento antecipado pode também minimizar os riscos de possível inadimplemento, além de exigir as garantias nos casos em que o mercado tenha apetito para prestá-las, especialmente porque a MP não vedou essa exigência e ela decorre da cautela exigida dos agentes pelo princípio da indisponibilidade do interesse público.

O outro ponto de destaque da MP é a aplicação do Regime Diferenciado de Contratações (RDC) a quaisquer obras, serviços, compras, alienações e locações. Desde a edição da Lei nº 12.462 em agosto de 2011, a aplicação desse regime originariamente destinado às licitações para a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016 veio sendo expandida a partir de 2012 para abranger ações do PAC, obras e serviços de engenharia do SUS, obras e serviços em estabelecimentos penais, ações de segurança pública, obras e serviços para melhoria da mobilidade ou ampliação de infraestrutura logística, contratos de locação built to suit e ações em órgãos e entidades dedicados à ciência, à tecnologia e à inovação.

A aplicação pura e simples do RDC a todas as licitações do país já foi cogitada, mas se preferiu avançar em um novo marco legal para as licitações públicas a partir do Projeto de Lei 1292/95, já aprovado na Câmara dos Deputados e aguardando deliberação no Senado, que efetivamente incorpora progressos da Lei do Pregão e do RDC, além de corrigir discrepâncias e avançar em outros temas ainda não tratados na legislação nacional.

Essa abrupta aplicação do RDC de forma ampla, indistinta e imediata acelera a agonia da Lei nº 8.666/93, com seu formato burocratizante, e servirá de transição para o novo modelo que se avizinha com a aprovação do PL 1292/95.

Ao menos durante a calamidade pública se fará um teste de fogo para o RDC aplicado em todo o país e para quaisquer licitações, permitindo experimentar em maior abrangência os méritos desse regime, alguns adotados pontualmente em outras leis especiais e outros apenas nele previstos, como a inversão de fases, a unicidade recursal, os modos de disputa aberto e fechado e sua combinação, o regime de contratação integrada, o critério de julgamento pelo maior retorno econômico, a remuneração variável pelo desempenho, a repartição de riscos, entre outras.

A impressão inicial sobre a MP é que foi concebida para aprimorar a resposta do Estado no combate à pandemia, mas acabou sendo editada com uma largueza cujos efeitos ainda serão sentidos e são incalculáveis. Invertendo um pouco a fábula de La Fontaine, nesse caso, o rato pariu uma montanha. 

 é advogado, procurador do Distrito Federal, sócio do escritório Bento Muniz Advocacia, pós-Graduado pela PUC-SP e MBA em PPP e Concessões pela Fesp-SP.

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Leandro Guerra: Ilegalidades da contribuição ao SAT

A atualidade tem demandado atenção para a redução dos custos vinculados às atividades empresárias, notadamente na área tributária. Segundo levantamento da PGFN, já existem milhares de ações judiciais no país com este objetivo.

Neste contexto, a contribuição ao SAT volta a assumir relevância. Embora antiga e já questionada no Judiciário, a exação vem recebendo renovadas objeções quanto à sua legalidade, as quais nunca foram analisadas pelos Tribunais Regionais Federais, tampouco pelos Tribunais Superiores.

Provavelmente a discussão mais conhecida sobre o SAT, tem-se a possibilidade de Decreto Presidencial fixar os riscos das atividades econômicas, em contraposição à regra da legalidade tributária (risco leve, médio ou grave, e as alíquotas de 1, 2 ou 3%).

O STF, como sabido, julgou constitucional a possibilidade do Executivo estabelecer os riscos das atividades, sob o fundamento de que o caso não se trata de uma delegação pura. Conforme decidido, a situação seria uma hipótese de delegação técnica, pois a aplicação da lei exige a aferição de dados específicos pela Administração (RE 343.446/SC).

Em 2009, o Governo Federal editou o Decreto 6.957, que modificou o risco/alíquota de várias atividades econômicas (a maior parte delas foi penalizada, diga-se de passagem). À época, a única informação publicada pelo Executivo para embasar o referido ato foi a quantidade de acidentes registrados em cada atividade econômica. Nenhum outro dado foi apresentado, a exemplo da metodologia empregada no reenquadramento.

Passados dez anos da edição do Decreto 6.957/09, outras informações referentes ao reenquadramento dos riscos têm vindo à tona. Atendendo solicitação feita por contribuinte através do Sistema de Acesso à Informação, a União justificou o agravamento do risco da atividade com base em uma “nota” fornecida pela Secretaria da Previdência, que até então não havia sido disponibilizada ao público.

De acordo com tal documento, foi aplicada, por analogia, a metodologia de cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Para tanto, foram utilizados os índices de frequência, gravidade e custo, referentes à acidentalidade do trabalho verificada em cada atividade econômica e, após a realização de alguns cálculos, cada CNAE recebeu um índice de 0% a 100%. Quanto mais próximo de 0% o índice estivesse, menor o risco da atividade; e vice-versa[1].

A presente análise não objetiva adentrar nas minúcias do cálculo, mas expor as sérias ilegalidades do procedimento.

Em primeiro lugar, cabe frisar que o uso da analogia em matéria tributária está regulado no art. 108, I, do CTN[2], segundo o qual a analogia deve ser empregada diante da “ausência de disposição expressa” para uma determinada situação fática.

Trata-se de técnica interpretativa que auxilia a aplicação do direito em situações excepcionais, para as quais não há uma referência expressa na legislação. De modo que, frente à uma situação omissa na lei, a autoridade competente aplica a disposição prevista para hipótese análoga.

No caso em exame, porém, a analogia não foi utilizada com esta finalidade. Ela foi empregada de forma abstrata, com o objetivo de fixar o grau de risco de todas as atividades econômicas do país. Ao invés do ente público editar um Decreto prevendo os procedimentos a serem observados para o reenquadramento dos graus de riscos, simplesmente foram aplicados os parâmetros do FAP (os referidos percentis).

Outra incongruência, referente à utilização deste método de integração do Direito, decorre da circunstância de que a analogia deve ser empregada pela autoridade competente para aplicar a legislação tributária (“a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará”). Ou seja, diante de um caso concreto, sua aplicação cabe ao contribuinte, ao fisco, ou ao Judiciário, se necessário.

O que não se pode permitir, em hipótese alguma, é o indevido emprego da analogia fora de situações concretas, com evidente finalidade legiferante e por autoridade absolutamente incompetente para tal.

Em segundo lugar, constata-se a ofensa à legalidade, pois não existe previsão legal que autorize a aplicação da metodologia do FAP para promover a alteração do risco das atividades econômicas.

Em terceiro lugar, e novamente sem previsão legal, foram implementadas inovações na metodologia do FAP, com o objetivo de ajustá-la ao intento do Governo. Trata-se da regra, contida na mencionada “nota”, de que cada intervalo de índice composto corresponde a um determinado grau de risco/alíquota. Não há, no ordenamento jurídico, qualquer previsão nesse sentido.

Retomando o precedente do STF sobre a matéria, percebe-se que a premissa estabelecida para validar a fixação das alíquotas pelo Executivo ainda não foi cumprida. Até hoje, inexiste Decreto disciplinando a forma de variação dos graus de risco.

Mais uma oportunidade, portanto, para os contribuintes prejudicados adequarem suas obrigações fiscais.

Clique aqui para ler a nota enviada à Secretaria da Previdência

 é sócio do Araújo Guerra Sociedade de Advogados, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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Estado de Minas deverá indenizar homem preso indevidamente

Danos Morais

Existindo prova de que ocorreu prisão indevida, há direito a indenização

Por 

Havendo nos autos prova suficiente de prisão indevida, resta certo o direito à indenização por danos morais, cuja mensuração deve observar o caráter pedagógico, compensatório e punitivo da medida.

Homem que ficou preso indevidamente será indenizado
CNJ

O entendimento é da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A decisão, sob relatoria do desembargador Fábio Torres de Sousa, foi proferida no dia 5 de março. 

O caso concreto envolve um homem que ficou cerca de quatro meses preso após a expedição do alvará de soltura. A liberação não ocorreu porque o diretor-geral da Penitenciária de Formiga (MG) constatou a existência de outros mandados de prisão não vinculados ao alvará.

Concluiu-se, no entanto, que a não colocação do autor em liberdade ocorreu em virtude de equívocos. Assim, ele ficou detido ilegalmente entre 16 de dezembro de 2017 e 11 de abril de 2018. 

“Percebe-se que os equívocos apenas foram solucionados após quatro meses, tendo a parte autora sido impedida de participar das festividades do final do ano, de modo que não há como se a afastar a indenização por danos morais”, afirma a decisão. 

Em primeiro grau, o estado de Minas Gerais foi condenado a pagar R$ 3,6 mil de indenização. O autor considerou o valor baixo e pediu sua majoração. O TJ-MG deferiu o aumento, fixando nova indenização no valor de R$ 7 mil. 

Clique aqui para ler a decisão

1.0261.18.004956-9/001

 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 3 de abril de 2020, 13h12