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Camila Torres: Na defesa republicana dos direitos e das garantias

Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, mais conhecido como Ministro Marco Aurélio, completou neste sábado (13/6) 30 anos de ofício perante o Supremo Tribunal Federal (STF).

Ainda que as opiniões se dividam quanto ao estilo de sua atuação — reconhecida por fundamentadas divergências e boas doses de ironia —, é unânime a resposta à afirmação de que o vice-decano marcou e ainda marca a história da mais alta corte brasileira e, por consequência, do Direito nacional e do próprio Estado democrático.

Ao longo destas três décadas, o magistrado não se furtou a emitir opinião acerca de temas polêmicos, seja a respeito dos demais poderes, de seus pares ou sobre o funcionamento do próprio tribunal, postura que, por vezes, colocou-o sob os holofotes da opinião pública, fato que não parece intimidá-lo e nem mesmo motivar a alteração de seus entendimentos.

Trata-se de julgador que não se incomoda em ficar na corrente minoritária”, “exigindo apenas que se consigne como votou” e que faz questão de dizer, com acerto, que os ministros não estão “no colegiado pra dizer amém como se fôssemos vaquinhas de presépio quanto ao relator”.

Seguindo à risca a premissa de que “o presidente (da Corte) é apenas um coordenador de iguais”, o Ministro Marco Aurélio é assertivo ao discordar dos colegas nesta posição, como comprovam as recentes críticas ao ministro Alexandre de Moraes. O desacordo com a decisão monocrática do colega, que suspendeu nomeação de cargo pelo Presidente da República, culminou em proposta de emenda ao regimento interno da corte a fim de transferir ao Plenário a competência para apreciar pedido de tutela de urgência, quando envolvido ato do Poder Executivo ou Legislativo praticado no campo da atuação precípua.

É certo que muito já se falou de sua marcante trajetória, da passagem pela advocacia, por Ministério Público e magistratura, também se destacou sua importância para a modificação da jurisprudência através da defesa de entendimentos minoritários e que, com o passar dos anos, foram consolidados pela Corte Suprema.

A análise de sua biografia revela outro ponto interessante: na gestão como presidente do STF, biênio de 2001/2003, abriu-se a primeira licitação com 30% das vagas reservadas para negros, visando a contratar profissionais para prestação de serviços de jornalismo.

Na ocasião, o vice-decano já defendia a adoção de cotas para pretos e pardos no serviço público como instrumento de combate à desigualdade, reconhecendo que “A neutralidade estatal mostrou-se nesses anos um grande fracasso”.

Suas colocações não poderiam ser mais pertinentes.

Em 2012, no histórico julgamento da ADPF 186/DF, que reconheceu a constitucionalidade da aplicação do sistema de cotas raciais em universidades públicas, nosso homenageado trouxe, em companhia do relator Ricardo Lewandowski e demais julgadores (cujos votos também merecem ser lidos na íntegra), importantes argumentos para a discussão dos impactos do racismo no Brasil e sobre a necessidade de práticas concretas para melhoria das condições de vida da população negra.

O ministro declarou que, a partir da Constituição de 1988, passou-se de uma “igualização estática, meramente negativa” para uma igualização eficaz, dinâmica, já que os verbos ‘construir’, ‘garantir’, ‘erradicar’ e ‘promover’ implicam mudança de óptica, ao denotar ‘ação'”. Portanto, prossegue, não basta não discriminar. É preciso viabilizar e a Carta da República oferece base para fazê-lo as mesmas oportunidades (…). A postura deve ser, acima de tudo, afirmativa” (destaques da autora).

O julgador advertiu que descabe supor o extraordinário, a fraude, a má-fé, buscando-se deslegitimar a política“, haja vista que outros conceitos utilizados pela Constituição também permitem certa abertura (hipossuficientes, portadores de necessidades especiais, microempresas) sem que isso impeça a implementação de benefícios a estes grupos (destaques da autora). E concluiu que só existe a supremacia da Constituição Federal quando, à luz desse diploma, vigorar a igualdade.

Trata-se de importante lembrete, visto que estamos às vésperas de 2022, ano em que deverá acontecer, por força de lei (artigo 7º da Lei 12.711/2012 — Lei de Cotas) a revisão do programa especial para o acesso às instituições de educação superior de estudantes pretos, pardos e indígenas e de pessoas com deficiência, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Dados revelam que a experiência não apenas foi bem sucedida, como deveria ser mantida até que se verifique nos bancos das universidades a mesma proporção populacional de pretos, pardos e indígenas.

Já as cotas no serviço público federal, defendidas pelo Ministro Marco Aurélio em 2001, foram positivadas via Lei 12.990/2014, que estabeleceu reserva de 20% das vagas para negros em concursos públicos de cargos na administração pública federal. A matéria foi levada ao STF para exame de constitucionalidade através da ADC 41/DF, de relatoria do ministro Luis Roberto Barroso, cujo voto foi integralmente acompanhado pelo vice-decano.

Em 2015, baseando-se nos dados do primeiro censo do Judiciário, que apontou menos de 2% de magistrados pretos e 14% de pardos, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 203/2015, reservando 20% de vagas para os negros no âmbito daquele poder.

A quase um ano de sua aposentadoria, que ocorrerá em 2021, o ministro deixa um legado de intensa contribuição nas mais diversas áreas do Direito, escrevendo uma biografia de forte apelo aos direitos humanos e às garantias individuais. Seus julgados destacam o respeito à independência dos poderes e a aplicação da Constituição Federal alicerçada nos princípios que a norteiam.

Em meio a “tempos estranhos”, convém lembrar seu ensinamento de que, nestas horas, “impõe-se observar princípios, impõe-se a resistência democrática, a resistência republicana”, porque, como diz o ministro, “na vida, não há espaço para arrependimento, para acomodação, para o misoneísmo, que é a aversão, sem se querer perceber a origem, a tudo que é novo”.

Como se recorda nesta data, por certo que os votos do Ministro Marco Aurélio, vencidos ou não, deixarão saudosos todos aqueles que almejam e contribuem para construção de um Poder Judiciário garantista e livre de preconceitos.

Camila Torres Cesar é advogada criminalista, membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP e mestranda em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie-SP.

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Homem mata cão do vizinho e Justiça nega indenização a ambos

Uma briga entre cachorros vizinhos, com ares policialescos, chegou ao Judiciário do Distrito Federal. Diz a inicial que os três fox paulistinhas do autor da ação foram atacados pelo cão do vizinho, da raça akita e chamado Cacao. Ante o ataque, o autor pegou sua arma de fogo e, em alegada legítima defesa, matou o animal do vizinho.

Cena do filme mexicano Amores perros
Divulgação

O entrevero poderia muito bem constar de obra ficcional, como o filme mexicano Amores perros (Amores brutos, na versão em português), no qual a violência da relação entre os personagens é permeada por não menos violentos atritos entre cães. Ou mesmo o argentino Relatos Selvagens — uma antologia de seis histórias independentes, nas quais os personagens marcham sobre a tênue linha que separa a civilização da barbárie, quase sempre pendendo para esta.

Na vida como ela é, contudo, a violência fática cedeu espaço à mediação de conflitos por meio do Estado-juiz. Se a solução apaziguou ou não os ânimos, é o que se verá.

Fato é que, após o episódio de sangue, os donos dos cães até mantiveram cordata relação. O proprietário do já morto Cacao teria inclusive se disposto a bancar os custos veterinários dos três cães menores.

No entanto, a paz foi secundada — prossegue a inicial — por difamações feitas pelo dono do cão maior. “Assassino cruel e calculista”, “torturador de animais”, “mal amado” e “psicopata” foram alguns dos predicados que teriam sido atribuídos ao autor dos disparos.

O dono dos paulistinhas, então, armou-se juridicamente, propondo uma ação na 13ª Vara Cível de Brasília. Pediu R$ 40 mil a título de danos morais e a condenação do réu à obrigação de “cercar sua residência com aparatos suficientes para que o episódio não se repita”.

Em sua contestação, o réu disse que Cacao foi morto com dois tiros na cabeça e que os disparos contra o cão foram feitos sem que o autor da ação (e dos tiros) e seus bichanos estivessem em perigo. Também afirmou que os paulistinhas sofreram apenas ferimentos leves. Nessa toada, pediu a reconvenção: reparação por danos materiais de R$ 1,5 mil (preço de um cão da mesma raça que Cacao) e R$ 20 mil por danos morais.

Nessa briga de vizinhos, o juiz de primeiro grau ficou em cima do muro: decidiu pela sucumbência recíproca, com pagamento de metade das custas processuais por cada litigante. Cada uma ainda foi condenada a pagar os honorários dos patronos adversários.

A decisão não agradou ninguém: os dois vizinhos apelaram — ao TJ-DFT, que fique claro. Mas a sentença foi mantida de forma unânime pelos desembargadores.

Quanto ao recurso do autor, o relator do caso, desembargador Rômulo de Araújo Mendes, afirmou que, de acordo com as provas juntadas aos autos, o réu apenas lamentou publicamente, nas redes sociais, a morte de Cacao. Terceiros é que teceram comentários desabonadores ao dono dos paulistinhas.

Além disso, “a simples entrada do cachorro do réu no imóvel não é capaz de gerar automaticamente o dano moral”, decidiu o relator em seu voto.

A apelação do réu não teve melhor sorte. “O réu não observou o seu dever de custódia da coisa, no caso o cachorro, razão pela qual não pode cobrar qualquer tipo de indenização do autor, seja de natureza material ou moral”, disse o magistrado, que também se valeu de julgado criminal. Isso porque sentença do 2º Juizado Criminal de Brasília absolveu o autor da ação cível, “reconhecendo que agiu amparado pela excludente de ilicitude consistente no estado de necessidade”. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-DFT.

Clique aqui para ler o acórdão

0704516-57.2017.8.07.0001

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Secretaria municipal pode fazer cobranças administrativas

O município possui autonomia para estabelecer a estrutura de seus órgãos e sua Procuradoria Jurídica, sem necessidade de observância do modelo estadual proposto nos artigos 98 a 100, da Constituição Estadual, desde que referido órgão não seja vinculado a alguma secretaria, e desde que os procuradores municipais sejam selecionados pelo sistema de mérito, dada a função técnica que exercem.

Prefeitura de Taboão da SerraMunicípio de Taboão da Serra, em São Paulo

Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a constitucionalidade de um artigo da Lei Complementar 212/2010, do município de Taboão da Serra que atribui à Secretaria Municipal da Fazenda a competência para promover cobranças administrativas.

A ação direta de inconstitucionalidade foi ajuizada pela Procuradoria-Geral de Justiça, que sustentou que norma viola a Constituição Estadual porque atribui atividade típica da advocacia pública a um órgão estranho à Procuradoria Jurídica. Houve divergência no julgamento no Órgão Especial e o relator sorteado, desembargador Elcio Trujillo, ficou vencido.

Prevaleceu o entendimento do desembargador Ferraz de Arruda de que não há necessidade de que as prefeituras adotem para seu órgão de advocacia pública, o modelo instituído para a Procuradoria-Geral do Estado. Para ele, da leitura da norma impugnada, não se depreende a atribuição de funções da advocacia pública à Secretaria Municipal da Fazenda.

“E ainda que entendesse devesse o município seguir o modelo imposto nos artigos 98 a 100, da Constituição Estadual à Procuradoria Geral do Estado, não seria o caso de se reconhecer a inconstitucionalidade da alínea “c”, do inciso XI, do artigo 8º, da Lei 212/2010, do município de Taboão da Serra. É que o dispositivo atribui à Secretaria Municipal da Fazenda a “cobrança administrativa” e não a inscrição do débito na dívida ativa ou mesmo sua cobrança judicial”, disse.

Segundo Arruda, a autonomia municipal compreende a capacidade de autogoverno, de autoadministração, de autolegislação e de auto-organização. “Nessa toada, reputo ser inexigível que ao município se imponha o modelo de estrutura da advocacia pública adotado pelo Estado que, no caso específico de São Paulo, sequer adota o modelo federal, previsto nos artigos 131 e 132, da Constituição Federal”, concluiu o desembargador.

2195242-96.2019.8.26.0000

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Entrevista: Leandro Daiello, ex-diretor-geral da Polícia Federal

O porto-alegrense Leandro Daiello Coimbra, 54 anos, raramente dá entrevista. Depois de quatro adiamentos, finalmente recebeu a ConJur na tarde do último dia 3, no escritório de seu novo trabalho depois que se aposentou na Polícia Federal, na área de compliance e investigação empresarial no escritório Warde Advocacia.

Na entrada da sala que toma quase todo um andar de um prédio comercial na região dos Jardins, zona nobre da capital paulista, um senhor portando cuia de chimarrão e trajando máscara azul foi a senha para a reportagem da ConJur reconhecê-lo. “O doutor [Daiello] não tem uma [máscara] colorada?”

“Bah, tchê, se usar uma do Inter, não entro em casa”, respondeu o agora sorridente gremista, já sem o aparato de prevenção à Covid-19, mas mantendo distanciamento seguro em tempos de epidemia.

O mais longevo diretor da Polícia Federal desde a redemocratização, empossado em 14 de janeiro de 2011, função que exerceu até 8 de novembro de 2017, já no governo do presidente Michel Temer, Daiello confessou que sua nomeação era inesperada. 

“Estava nomeado para ser adido da PF em Roma. Minha mulher falando italiano, meu cachorro com chip para ir embora. O Cardozo nunca me contou porque me convidou.”

Segundo José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça do governo da presidente Dilma Rousseff (2011-2016), “Leandro tinha feito um excelente trabalho à frente da Polícia Federal em São Paulo, e seu nome era muito bem referenciado por advogados, membros do Ministério Público e juízes”. “Fiz duas entrevistas e fiquei muito bem impressionado”, disse à ConJur.

Durante a conversa, o delegado da PF por mais de 22 anos, sendo superintendente em São Paulo antes de ir para Brasília, graduado em Direito pela PUC-RS e com MBA em Gestão de Segurança Pública pela FGV, lembrou dos desafios à frente da instituição, dos segredos da longevidade na função, das divisões internas, das interferências do Executivo e dos vazamentos.

“Acho que a polícia tem que ser indicada pelo chefe do executivo. Ele tem representatividade. O presidente expôs as suas ideias e foi eleito. Quando ele assume a presidência, é para impor as ideias que a maioria decidiu votando nele”, disse. Mas fez uma ressalva na aplicação da política de segurança pública: “É óbvio que, quando se fala em investigação, tem que ter autonomia. Isso é outra questão, senão é sabotar. Que é difícil. As pessoas misturam”.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

ConJur — Qual foi maior desafio que o senhor encarou na administração da Polícia Federal?
Daiello — É uma boa pergunta, porque o problema sempre parece maior quando você já superou e ficou para trás. O maior desafio era ter a obrigação de que a polícia continuasse trabalhando no ritmo que vinha, crescendo e amadurecendo cada vez mais, para ser uma polícia legalista e republicana.

ConJur — Quais as razões podem explicar sua longevidade no comando da PF?
Daiello — Difícil avaliar o motivo da permanência. O que tenho imaginado é que a questão orçamentária passou por bons momentos e momentos difíceis, como o país teve, como o governo teve. A Polícia Federal acompanhava o seu orçamento de acordo com as dificuldades. Se aquele ano o orçamento era melhor, a gente fazia bons investimentos.

O que se trabalhava muito naquele período era preservar a parte operacional para que funcionasse sempre dentro do seu limite possível. A Polícia Federal é uma polícia de investigação e tem que investir em investigação. É óbvio que, para que isso aconteça, tenho que ter policiais preparados, estruturas preparadas, bons equipamentos.

Então o que nós trabalhávamos na questão orçamentária? Cuidando para ter um investimento para o futuro. 

ConJur — Há várias PFs dentro da PF? É uma entidade marcada por divisões? É incontrolável?
Daiello — Ousaria discordar. Diria o seguinte: não é que a PF seja incontrolável, é muito dinâmica, cresceu e amadureceu nos últimos anos de uma maneira que conseguiu deixar claro que é uma polícia técnica, que se preparou para fazer um trabalho técnico e científico. Entendeu que o policial era a parte mais importante do funcionamento e recruta pessoas com muita qualidade. Isso faz com que as pessoas tenham opinião. Isso também faz com que a organização cresça e se desenvolva. Então eu não diria grupos, temos constantemente as pessoas buscando e trazendo ideias novas. Eu não consigo vislumbrar grupos dentro da Polícia Federal. Existem posições divergentes, que é o que faz a polícia andar e crescer.

ConJur — A entidade precisa de mais autonomia?
Daiello — Temos que dar alguns passos que preservam a autonomia da instituição. A orçamentária foi um bom primeiro passo. Uma autonomia para poder definir sobre concurso também é muito importante, para ter uma política de ingresso constante, de treinamento, de desenvolvimento e acompanhamento dos agentes. No entanto, quando se discute autonomia do policial na investigação, isso é básico. Deve ser definido como uma coisa indiscutível, sendo que esse policial tem um limite muito claro: a lei. O que vai limitar as ações do policial é a lei. Ele não vai fazer mais do que ele pode, do que a lei permite, nem menos do que a lei determina. E aí tu colocas o policial e a organização entre duas linhas, muito simples. O que a lei determina fazer e o que a lei determina não fazer. E aí eu faço uma polícia independente, autônoma e republicana. A polícia se torna forte no momento em que ela é legalista.

ConJur — O senhor concorda com o modo como a carreira do policial federal está estruturada?
Daiello — Acho interessante porque os resultados que a Polícia Federal atingiu nos últimos anos são impressionantemente bons. Não só no que se refere a operações, mas quanto à qualidade dessas investigações e quanto ao resultado dos seus inquéritos. Se discute muito um instrumento que é policial, mas as últimas estatísticas que eu acompanhei, o índice de esclarecimento, numa investigação, num inquérito policial dentro da PF, era um dos maiores do mundo. Então vejo que a estrutura está funcionando, é boa, e não faria nenhuma mudança radical. Alguma modernização na estrutura? Possível. Alguns cargos poderiam ter suas atribuições modernizadas? Sim, estamos vivendo uma era digital, uma outra realidade, e a organização vai se modernizando e seus cargos, suas atribuições, podem ser modificadas. Diria modernizadas.

ConJur — A pluralidade dentro da corporação é boa, mas também pode ser um fator negativo e de desgaste quando você é o gestor dessas pessoas com visões de mundo diferentes. Como era no seu tempo? O que o senhor fez para fazer desse ambiente plural também produtivo? O senhor teve muito problema com oposição interna?
Daiello — Eu realmente não consigo identificar grupos, identifico ideias diferentes e propostas e diretrizes para o futuro da polícia diferentes. Isso não é dividir a polícia em grupos, é pensar num futuro diferente. Não necessariamente que a tua ideia seja melhor. E essa é a grandeza de poder administrar como equipe. Administrava 27 superintendentes e sete diretores. Um grupo que está ouvindo, que está se renovando. A Polícia Federal se renova muito rápido, tem sempre gente nova. Isso é muito bom, porque ela é sempre moderna. Imagina se a Polícia Federal não aceitasse opiniões novas. Se tornaria uma polícia velha e antiquada. Ela é rápida e dinâmica. A PF, de certa maneira, consegue ouvir as novidades do efetivo e vai andando para frente.

ConJur — Interferência, o senhor sofreu alguma no seu período? Como lidava?
Daiello — O que a gente precisa entender: a estrutura da organização foi construída para que trabalhasse de maneira independente e, volto a dizer, não é trabalhar de maneira independente e cada um faz o que quer. É independente dentro de um padrão de regras, de leis, de manuais e tudo mais. A polícia analisou todos os seus procedimentos de investigação, de abordagem, de passaporte. Ela tem manual, tem ordem de serviço. Isso faz com que a pessoa tenha uma tranquilidade, que aqueles procedimentos já foram testados e têm bons resultados e a garantia de que nada de interferência vai acontecer naqueles procedimentos.

ConJur — Só que existiu barulho e pressão. Houve a “lava jato”…
Daiello — O que uma organização no momento desse tem que fazer é tentar ser mais transparente possível. E como se faz isso? Se alguém apresenta alguma reclamação de um procedimento que eu acho que é indevido, a polícia tem que apurar o acontecido, esclarecer e deixar transparente. O que aconteceu foi isso. Acho que a polícia aprendeu e continua sendo transparente. Não estou falando que a operação vai deixar de ser sigilosa, mas ser transparente nos seus procedimentos, nos seus processos. Eu peço busca, faço busca. Essa transparência. E se houver algum questionamento sobre ter sido abusiva, vamos apurar se houve. Se houve, vamos proceder, se não, vamos entender aquela apuração com clareza.

ConJur — Algum grupo da Polícia Federal faz intercâmbio com departamentos de Justiça ou de polícia estrangeiros sem o diretor-geral ficar sabendo, é possível?
Daiello — O diretor-geral não vai saber exatamente as questões específicas de um caso. O que ele faz? Define os modelos, os padrões, os manuais e as prioridades. Isso parametriza a tua relação. Então quando a gente fala de relação com outros países, com outras polícias, não há hoje como fazer o enfrentamento do crime organizado, num porte mais elevado, sem a relação com as polícias da América do Sul, da Europa. Não existe essa possibilidade. O dinheiro hoje se movimenta no mundo de maneira digital, não precisa mais enfrentar uma fronteira. Então é necessário ter essa capacidade de se relacionar com ingleses, franceses, italianos, alemães. Ou seja, onde houver interesse da organização em investigação da Polícia Federal no enfrentamento, ela deverá sim ter essa capacidade operacional. Diria que, pelo que conheço dos diretores-gerais que me sucederam e o atual diretor-geral [Rolando Alexandre de Souza], que a diretriz de manter a relação com as polícias do mundo e essa capacidade operacional vão continuar.

ConJur — As operações da PF se tornaram até mote de filme e tem se caracterizado já há algum tempo por nomes criativos e muita divulgação. O senhor acha isso positivo?
Daiello — Tem dois momentos aí muito preocupantes. O momento em que a Polícia Federal é acusada de espetacularização, que vem logo após ser acusada de ser uma caixa preta e não contar o que está acontecendo. Então no momento que todos falam que a Polícia Federal é uma caixa preta, que não se sabe de nada do que acontece lá, e depois dizer que vive dando espetáculo. No período em que eu estive como diretor-geral, a gente tentava equilibrar uma maneira de prestar contas à comunidade, de não esconder informações de operações e não expor as pessoas. Entretanto, a legislação mudou e a própria imprensa começa a ter acesso aos dados da operação antes. Então os nomes já eram conhecidos na imprensa mesmo antes da PF fazer a entrevista coletiva. E as coletivas passam a servir para esclarecimento, não mais para prestar as informações. O jornalista antes estava curioso para saber o que era. Agora ele já estava preparado para fazer perguntas mais profundas porque já tinha informação.

ConJur — E isso dentro do ponto de vista do trabalho da PF é positivo?
Daiello — Acho que ainda precisa melhorar. E os colegas que ainda se encontram na polícia precisam avaliar quais são os procedimentos que devem ser adequados para essa nova realidade. O mundo é dinâmico e a polícia deve se adequar rapidamente.

ConJur — Caso não houvesse tanta divulgação, a PF teria tanta força para fazer o trabalho que fez na “lava jato”?
Daiello — A PF se preparou como uma polícia de investigação. Digo isso com muita tranquilidade. Tive oportunidade de conviver com várias polícias do mundo, e ela é uma polícia muito bem preparada. Tem uma capacidade operacional de investigação que chama atenção até de outros países. Então, dentro desse aspecto, acho que sim. E acho mais. A maturidade do efetivo sabe da sua missão, dentro do espaço da lei. O que é obrigado a fazer e o que não pode fazer. Dá tranquilidade. O policial não tem escolha se vai investigar ou não. Ele tem que investigar.

ConJur — Não houve um período em que a PF focou só em investigar políticos?
Daiello — No meu período, as estatísticas na apreensão de drogas e no enfrentamento de grandes organizações na questão do tráfico internacional aumentavam anualmente. A diferença é que uma operação contra o tráfico já não tinha tanta mídia quanto uma operação de enfrentamento da corrupção. A percepção de que a parte segunda estava trabalhando sozinha é muito para fora. Dentro das estatísticas e dos acompanhamentos que a administração fazia, a questão do enfrentamento do tráfico de drogas continuava crescente.

ConJur — No meio desse barulho provocado pela “lava jato”, a PF acabou pegando uma fama de ser uma instituição cheia de vazamentos.
Daiello — Posso dizer com muita tranquilidade que toda vez que se suscitava da possibilidade de ter ocorrido um vazamento, era instaurado um procedimento e que, quase a totalidade deles nós concluímos que aquela informação tinha saído depois do encerramento do sigilo do processo. Ou seja, a notícia tinha saído 1 ou 2 horas depois de ter sido encerrado o sigilo do procedimento. Logo não há o que se falar em vazamento porque não é um procedimento mais sigiloso. Mas o que nós fazíamos na época para deixar as coisas muito transparentes era, havendo dúvida, instaurava-se um procedimento para esclarecer.

ConJur — Um dos efeitos colaterais da notoriedade pública é que as pessoas acabam se deixando levar e avançando em certos limites. Na sua época vocês se preocupavam em blindar os agentes disso?
Daiello — Foi construída dentro da Polícia Federal uma política de comunicação social. Era uma maneira de tentar dar uma mensagem para a sociedade de que estávamos trabalhando e que éramos uma polícia transparente. Quem faz o trabalho é a Polícia Federal. Não existe investigação de um homem só. Não existe uma operação que não tenha uma grande equipe, que trabalhou por muito tempo e com muita dedicação. E, via de regra, os grandes policiais são os anônimos. Aquele cara que não aparece justamente porque a operação ocupa demais.

ConJur — A ideia de mandato seria interessante para o cargo de diretor-geral?
Daiello — É e eu cheguei a discutir com os colegas de administração sobre isso. Éramos muito simpáticos à questão do mandato. Só discutíamos como seria o processo de escolha do diretor-geral. E isso realmente não se conseguiu ter uma maturidade na época para se fazer uma proposta.

ConJur — O diretor da PF ser indicado pelo presidente é o modelo ideal?
Daiello — Ainda acho que a polícia tem que ser indicada pelo chefe do executivo. Ele tem representatividade. O presidente expôs as suas ideias e foi eleito. Quando ele assume a presidência, é para impor as ideias que a maioria decidiu votando nele.

ConJur — Inclusive uma política de segurança pública?
Daiello — Inclusive. Então a polícia tem que estar vinculada a isso. É óbvio que, quando se fala em investigação, tem que ter autonomia. Isso é outra questão, senão é sabotar. Que é difícil. As pessoas misturam.

ConJur — O senhor mencionou várias vezes que a Polícia Federal é uma instituição dinâmica. Ela está preparada para lidar com um desafio como o das fake news?
Daiello — É claro que é difícil eu responder agora, não me encontro mais na direção, mas conhecendo a organização, tenho certeza de que existem grupos de estudos, que existem policiais se preparando. Tenho certeza que a Polícia Federal já tem contato com outros países para ver se tem alguma solução, alguma sugestão. Porque nós podemos perceber que esse não é um problema do Brasil. É do mundo. E o mundo procura uma maneira de achar uma solução para isso sem criminalizar tudo, sem censurar.

ConJur — Ainda sobre fake news. Como funciona a dinâmica de um inquérito como o instaurado pelo STF?
Daiello — O ministro pede para a polícia fazer um levantamento de tal objeto. A polícia faz um relatório e devolve, ponto. Como vale nos outros inquéritos. O Supremo faz os inquéritos do foro privilegiado. Via de regra alguns ministros definem diligências assim também. Outros a gente propõe e ele defere. Lembrando que as investigações de foro privilegiado são investigações judiciais, não investigações administrativas. É sempre bom não misturar isso.

ConJur — Dados mostram que a polícia mata muito no Brasil, a PF sabidamente participa muito pouco de confronto e não entra nessa estatística. Em algum momento o país deveria ter tentado desmilitarizar a polícia?
Daiello — Acho que não tem que discutir se é militar ou não, se usa farda. O que nós temos que discutir é a formação do policial. Nós temos que formar bem, temos que fazer com que a sociedade perceba que aquele personagem está ali para trabalhar, que é parte daquela comunidade, que está se defendendo ao proteger a comunidade. Agora, é formação, é investimento. Você não forma um policial na academia. Esse é o primeiro passo da formação. Tem que estar constantemente sendo formado e sendo trabalhado.

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Recordações do escrivão Isaías Caminha: literatura registra história

No caminho para o Rio de Janeiro, saltando do trem, Isaías Caminha, na expectativa de ser servido de café e bolo em um bar da estação, vê um rapaz alourado ser servido antes dele. Isaías foi preterido por sua cor, ainda que tivesse o dinheiro necessário para a compra da merenda. Ferido pelo contraste, curtiu uma raiva muda, que por pouco não virou em pranto. Essa passagem, muito provavelmente autobiográfica, é um dos núcleos do romance “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, o primeiro publicado por Lima Barreto.

Há duas partes relativamente distintas nesse belíssimo livro. Na primeira parte, o narrador relata que o jovem Isaías decide tentar a vida no Rio de Janeiro, descreve a viagem, os primeiros dias (cheios de dificuldades), alcançando o momento no qual começa a trabalhar no jornal. O tema do racismo parece ser o ponto mais forte nessa primeira sessão. Na segunda parte, o narrador descreve a vida de Isaías na redação. Cuida-se, nesse passo, de uma fortíssima crítica à imprensa brasileira da época. Pode-se pensar que se tratam de dois livros. Há, no entanto, um ponto em comum que salta aos olhos do leitor atento: Lima Barreto está em todo lugar.

O enredo é simples e bem engendrado. Retornando para o interior, e escrivão no Espírito Santo, Isaías registrou suas memórias. Isaías era escrivão na pomposa Coletoria Federal de Caxambi. Um promotor havia deixado uma revista no cartório. Na revista havia um artigo que explorava o tema da eugenia, da seleção racial, um dos assuntos centrais do século XIX. Vale, nesse ponto, a leitura de “O espetáculo das raças”, de autoria de Lilia Moritz Schwartz, a biógrafa de Lima Barreto. Os dois livros se completam, aos quais pode se acrescentar “Retrato em branco e preto”, da mesma autora. Essa movimentação recente de destruição de estátuas radica, de algum modo, em reação (tardia) a esse imenso problema que não pode ser negligenciado. Está em jogo algo mais forte do que a titularidade para a narrativa histórica.

O problema era também o Nina Rodrigues, professor na Faculdade de Medicina na Bahia, que em “As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil” defendeu códigos penais distintos, cuja aplicabilidade atenderia, entre outros quesitos, a cor da pele. Um código para brancos, outro para negros. Há um quadro de Modesto Brocos y Gómez, denominado “A Redenção de Cam”, de 1895, que revela essa obsessão com um “branqueamento da população”. João Batista Lacerda, médico no Rio de Janeiro, também defendeu enfaticamente essa tese, participando, inclusive, de um congresso sobre branqueamento de raças, realizado em Londres, em 1911.

Isaías pretendia rebater esses argumentos. O sonho de Isaías era ser doutor, e por isso deixou o interior. Estudaria na capital. Observou que se fosse doutor resgataria o pecado original de seu nascimento humilde, “amaciaria o suplício premente, cruciante e omnímodo” de sua cor. Queria ser doutor. Acrescentava que o título era mágico, que tinha “poderes e alcances múltiplos, vários, polifórmicos”. Esperava receber cumprimentos do tipo “Doutor, como passou?”, “Doutor, como está?” Teria prerrogativas, direitos especiais, privilégios. Além do que, “teria direito a prisão especial e não precisava saber nada”.

Na parte na qual narra sua vida no jornal, tem-se um roman a clef, isto é, personagens reais são escondidos sob pseudônimos. Lima Barreto bateu forte no jornal O Globo. Foi muito duro com o escritor João do Rio, que no livro é referido como mistura de “suíno e símio”. João do Rio é o personagem Raul Gusmão. Ao que consta, em uma carta ao crítico José Veríssimo, Lima Barreto argumentava que o romance era atemporal e que aqueles personagens existiam em todos os jornais, em todos os tempos. Não sei, há muita coisa que pode passar despercebida para o leitor contemporâneo, o que faria desse livro uma obra datada. Porém, inegável, os tipos que revela transcendem no tempo e, por isso, concedo, com razão nosso escritor.

Em “Recordações do escrivão Isaías Caminha”, Lima Barreto explorou a desilusão com a Justiça, um tema que lhe era recorrente. Em dado momento registrou que “a polícia do Brasil só serve fazer vingança, mais nada”. Combateu o bacharelismo, o preconceito racial e o desencanto com a política. Tratou do patriotismo ingênuo, assunto que retomou com vigor no “Triste fim do Policarpo Quaresma”. O positivismo é também objeto de sua violenta crítica. Lima convivia com militares, trabalhava no Ministério da Guerra. O meio militar havia abraçado o positivismo como ideologia. Benjamin Constant Botelho de Magalhães, professor na escola militar, era o campeão da causa. O lema da bandeira era de inspiração e autoria positivistas.

Lima foi implacável com o poder da imprensa. Jornalistas que se perceberam no romance hostilizaram o escritor fluminense. Na pessoa de Lobo, o consultor gramatical do jornal, Lima castigou os puristas da gramática. Nesse ponto, convergia com as opiniões de Monteiro Lobato. A diplomacia e a violência policial, a par do sistema eleitoral então vigente, também foram objeto de duras observações.

A galeria de personagens é muito rica. O narrador é o próprio escrivão Isaías Caminha. O pai era inteligente e ilustrado, que o “estimulava pela obscuridade de suas exortações”, o que corresponde, biograficamente, ao pai de Lima Barreto. Isaías ama a mãe, mas dela se afasta e dela se descola. Lembra que o espetáculo do saber de seu pai, realçado pela ignorância de sua mãe e de outros parentes dela, surgia a seus olhos como um deslumbramento. A professora primária é Dona Ester, que pode realmente ter sido uma professora que o ensinou. Na primeira parte do livro há ainda o Felício, formado em Farmácia, o tio Valentim (que era carteiro) e o Coronel Belmiro. O Doutor Castro é o deputado que tudo promete, mas que nada cumpre: o pistolão que lhe faltou. Quando partiu para o Rio, com uma carta de recomendação, tinha certeza de que sua situação estaria garantida, que obteria rapidamente um emprego, que iria às aulas e que em seis anos seria doutor. Enganou-se completamente.

Na segunda parte, tem-se um passeio pelo Rio de Janeiro do início do século XX. Há um jornalista com nome russo (Ivan Gregorovitch Rostóloff). Na delegacia, há um delegado que destratou Isaías. O narrador sentiu-se ferido pela atitude do policial, que o acusou de furto. Julgava que o delegado era um representante do governo, da administração jurídica de seus direitos no Brasil e “como tal, insistia, merecia um tratamento mais respeitoso”. Há o dono do jornal, o Doutor Ricardo. Abelardo é o poeta e revolucionário. O Pacheco é o redator-chefe do jornal. Antonio Galo, o charadista. Pilar de Giralda, a contista erótica.

Pelo registro, “Recordações do Escrivão Isaías Caminha” é um livro de história. Como afirmou um grande crítico (Carpeaux), a história não se faz com armas. A história não é o teatro dos generais e dos diplomatas. A verdadeira história passa despercebida, tranquilamente, no centro da alma humana. Contando o que viu, e o que viveu, Lima Barreto torna-se agente desse registro histórico, ainda que não o faça tranquilamente, justamente porque, nesse mundo de poucos originais e de muitas cópias, fazia parte daquele grupo para o qual a história maldosamente negava oportunidades e condições de superação.

 é livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor pela PUC-SP.

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Decisão pode decretar fim do sigilo de dados de titulares de linhas

A Resolução 727 da Anatel, publicada no Diário Oficial da União no último dia 3, altera o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC) para permitir ao destinatário de ligações telefônicas que solicite às empresas do setor o acesso aos dados cadastrais, como nome, CPF ou CNPJ, dos titulares que realizaram as respectivas chamadas.

Reprodução

A permissão está na inclusão do inciso XXI ao artigo 3º do RGC. A diferença é que, agora, tal pretensão não passará pelo crivo do Poder Judiciário, bastando ao requerente informar a data e hora da ligação recebida.

A alteração promovida pela agência reguladora atende decisão da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe, nos autos de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal.

As operadoras de telefonia diretamente afetadas pela decisão terão que implementar as medidas até janeiro de 2021.

A Agência Nacional de Telecomunicações pretende, por meio de ação rescisória, desconstituir a coisa julgada que reveste a decisão. A ação está pendente de julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Para a advogada Evelyn Weck, sócia do escritório Wambier, Yamasaki, Bevervanço e Lobo Advogados, a nova medida inclui o contingenciamento de elevados recursos para atender às novas demandas dos consumidores.

Para ela, a decisão, de fato, abre a via da ação rescisória. “Dentre outras questões, desrespeita o direito fundamental à privacidade (art. 5º, X da CF) e contraria conceitos e regras elementares da Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/2018), que tem no titular do dado o seu núcleo existencial”, destaca a advogada.

Weck ainda afirma que os efeitos da decisão serão desastrosos. “Na era da economia digital, que se desenvolve a partir da captação e negociação de dados pessoais, não é difícil imaginar a quantidade de fraudes que podem ser cometidas apenas com o nome e CPF de uma pessoa”, ressalta.

ACP 0002818-08.2014.4.05.8500
Ação rescisória da Anatel nº 0814398-73.2019.4.05.0000

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Marighetto: Homenagem aos 30 anos de STF do Ministro Marco Aurélio

O Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello teve a sua posse em 13 de junho de 1990. Completou neste sábado (13/6) 30 anos atuando como ministro da Suprema Corte, contribuindo e promovendo importantes avanços na historia do país e do Direito!

O copioso e invejável curruculum vitae presente no website do Supremo Tribunal Federal evidencia, após a graduação na prestigiosa Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na sua cidade natal, um longo histórico de atividades profissionais jurídicas, varias instituições às quais pertence e inúmeras publicações. Destacam-se a presidência do Instituto UniCEUB de Cidadania (IUC) e, naturalmente, os 30 anos de Supremo Tribunal Federal.

O considerável curruculum vitae, todavia, não transmite toda a profundidade da personalidade do ministro e a importância deste para sociedade. Vale destacar a ressalva do Ministro Gilmar Mendes, já presidente do Supremo já citada pela ConJur —, que literalmente atesta: “O voto vencido como embrião de uma futura jurisprudência (…). Marco Aurélio cumpriu um papel importantíssimo quando o tribunal era extremamente conservador em matéria criminal”.

O percurso do ministro na corte foi contemporâneo à vivencia da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, a sétima do país e com certeza a mais democrática, que recebeu o apelido de “Constituição Cidadã” por defender a inviolabilidade dos direitos, o respeito da dignidade humana e das liberdades fundamentais.

Trata-se de uma das mais extensas constituições já escritas, e que se caracteriza por ser amplamente democrática, liberal, e garantidora dos direitos aos cidadãos, pilar fundamental da consolidação do Estado democrático de Direito e do próprio conceito de cidadania. A importância do Estado é destacada para ser o garantidor da tutela da imunidade e da integridade aos cidadãos, mas também para assegurar, entre os demais, o direito à saúde e ao atendimento gratuito, à educação publica de qualidade, à moradia e ao trabalho.

Não é, de fato, redundante lembrar que os direitos da cidadania são diretamente funcionais ao desenvolvimento do próprio processo de democracia e de democratização! Salienta parafrasear a celebre expressão de Hannah Arendt, a qual lembra que a cidadania é — simplisticamente resumível ao direito a ter direitos! E entre o direito a ter direitos a assim chamada “democracia participativa” (expressão que sintetiza toda a força da conceptualização do Estado democrático de Direito) concede aos cidadãos, além dos direitos materiais em si, também uma posição ativa na administração do Estado.

A digressão é importante para tentar evidenciar o que os curricula vitarum não mencionam.

O Ministro Marco Aurélio sempre foi e é profundamente ligado à Carta Constitucional de 1988: a sua posse é só dois anos depois da promulgação da Magna Carta, e hoje são 30 anos de feliz e proveitosa convivência (para a sociedade)!! Em outras palavras, o ministro contribuiu ativamente ao importante processo de democratização do país!

Já definindo “pai da TV Justiça” por ter sancionado a Lei 10.461 de 2002 (que criou “um canal reservado ao Supremo Tribunal Federal, para a divulgação dos atos do Poder Judiciário e dos serviços essenciais à Justiça”), entendeu a grande importância de aproximar os cidadãos dos rituais judiciários e das logicas dos processos e dos julgamentos de Justiça: é isso com certeza um importante exemplo de democracia participativa.

Destaca-se a famosa e sagaz resposta “não posso responder por Vossa Excelência, mas o que eu faço em Plenário certamente não merecerá tomates” a quem avançou dúvidas sobre a eventual exposição dos ministros ao publico televisivo, quase querendo demonstrar a seriedade e o compromisso do próprio oficio com a sociedade.

Desde a sua posse, o ministro mostrou o sério e profundo compromisso com a Magna Carta e a tutela dos direitos fundamentais, assim como a importância de lutar pelo respeito às próprias ideias. A divergência e a discussão nos debates da Suprema Corte, assim como nos outros tribunais, tornaram-se estímulo para que o “o duvidar do óbvio” e o debate direto “olho no olho” chegassem a ser as suas características talvez mais apreciadas pelo inteiro mundo jurídico.

Lembra-se a resposta inequívoca ao ministro Joaquim Barbosa para enfatizar o seu desaponto e a sua contrariedade em relação ao debate sobre a permissão da interrupção da gravidez no caso de feto anencefálico: “Ministro, vamos parar com as agressões porque o local não é este. Mas se Vossa Excelência quiser, lá for, eu estou à sua disposição”!

O Ministro Marco Aurélio mostrou desde sempre não aceitar compromisso com nada além das suas ideias, e de lutar para defendê-las ao ponto de estimular também os outros juízes a ousar contra a tradição e o conservadorismo burocrático baseados na antiga Carta Constitucional de 1967. Importante reconhecimento (este) apontado pelo próprio Ministro Gilmar Mendes, como lembrado acima.

E às criticas de ser sempre e a priori caprichosamente contracorrente, o ministro muito pacatamente sempre respondeu e responde: “Não faço questão de formar na corrente majoritária. Teria inteligência bastante para perceber a tendência do tribunal. O que eu faço questão é que se consigne como eu votei”.

Pelo fato de ser contracorrente, ganhou a apelação “senhor voto vencido” por divergir ou falar pelas minorias. Mas ficar vencido num julgamento aprendemos não há de ser considerado um fracasso e tanto menos uma inutilidade: como em outro seu voto, “é bom sempre lembrarmos Hans Kelsen quando afirma que a democracia se constrói sobretudo quando se respeitam os direitos da minoria, mesmo porque esta poderá um dia influenciar a opinião da maioria. E venho adotando esse princípio diuturnamente, daí a razão pela qual, muitas vezes, deixo de atender ao pensamento da maioria, à inteligência dos colegas, por compreender, mantida a convicção, a importância do voto minoritário”.

Que boa mensagem e legado nos lembra depois de 30 anos de ofício (que “naturalmente” integra os próprios ensinos da Carta Constitucional), nos permitam: não tenham medo de defender e lutar para as próprias ideias, porque só assim a contribuição para a sociedade será concreta e valiosa! É isso?

Avançou-se, por isso, a dúvida de o Ministro Marco Aurélio ser um predestinado, por ter tido e ter uma trajetória assim luminosa, colocando-o entre os grandes e significativos juristas de todos os tempos. Difícil negar ou contestar a duvida. Mesmo para Vossa Excelência, Ministro Marco Aurélio!! A importante contribuição à sociedade fala por si, e se alguém tivesse duvidas há sempre o olho participativo da TV Justiça.

Parabéns, ministro!

 é advogado, doutor em Direito Comercial Comparado e Uniforme pela Universidade de Roma La Sapienza (Itália) e doutor em Direito, summa cum laude, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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Ronchi: Quem detém a última palavra sobre a Constituição?

O artigo 102 da Constituição da República diz textualmente que compete ao Supremo Tribunal Federal a guarda da Constituição, mas, a despeito disso, não faltam vozes nos cenários político e jurídico atual para defender posição diversa.

Cumpre-nos, portanto, desvendar essa questão, precisamente perguntas como quem deve ser o guardião da Constituição? E quais são os limites da jurisdição constitucional em um Estado democrático de Direito?

No século passado, no início da década de 30, Carl Shimitt e Hans Kelsen divergiram sobre quem deveria ser o guardião da Constituição.

Carl Shimitt escreve o livro “O Guardião da Constituição” [1], no qual, em síntese, vai defender que o controle de constitucionalidade deveria ser exercido pelo chefe máximo do Poder Executivo federal (o então presidente do Reich), não podendo ser transferido a um tribunal, sob pena de politização da Justiça e enfraquecimento do princípio democrático manifestado pela soberania popular. Shimitt era nazista e visava, com sua tese, a ampliar os poderes do chanceler.

No mesmo ano de publicação da obra de Carl Shimitt, Hans Kelsen escreve e publica o seu contraponto, intitulado “Quem deve ser o Guardião da Constituição?” [2], sustentando, em resumo, que o controle de constitucionalidade das leis deve ser exercido por tribunais constitucionais, pois, segundo o autor, ninguém pode ser juiz em causa própria (Kelsen referia-se ao Poder Executivo Federal, que exercia o poder, e ao Poder Legislativo, que criava as normas), além de minorias possivelmente serem esmagadas pela regra majoritária.

Quem vence o debate? Naquele contexto histórico não houve uma resposta clara sobre a tese vencedora, até porque, em termos de jurisdição constitucional, havia somente o exemplo dos Estados Unidos da América por meio do controle difuso desde o precedente de Marbury vs. Madson, muito situado em seu contexto particular, além dos tribunais constitucionais da Áustria e da Tchecoslováquia na Europa.

Naquele momento, inclusive, seria até adequado mencionar que Shimitt teria vencido o debate, pois, em 1934, Adolf Hitler assumia a presidência alemã, detendo, a partir de então, amplo controle político e jurídico sobre a Constituição.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, e o terror de Auschwitz sendo revelado ao mundo, ninguém tinha mais dúvidas de que Hans Kelsen foi, em verdade, o vencedor do dissenso e, embora a história o massacre como sendo o maior expoente do positivismo legalista, é mal compreendido pelo conjunto de sua obra, pois se trata de um verdadeiro democrata defensor do constitucionalismo e da jurisdição constitucional.

Assim, com exceção de poucos países, a exemplo da Inglaterra, que não possui um sistema de controle de constitucionalidade, e a França, que somente veio a adotar um controle de constitucionalidade a partir de uma reforma constitucional em 2008, houve no mundo ocidental a consolidação da jurisdição constitucional por meio da sua função contramajoritária de defesa dos direitos fundamentais.

É nota marcante, assim, a função contramajoritária da jurisdição constitucional, da qual surgiram precedentes após a segunda metade do século XX que marcaram definitivamente não apenas a história do Direito Constitucional, mas, também, da própria evolução da doutrina dos direitos humanos.

A título de ilustração, em 1954 a Suprema Corte americana julgava o caso Brown vs. Board of Education, declarando que a segregação racial entre alunos brancos e alunos negros nas escolas públicas era inconstitucional por violar o princípio consagrado na 14ª Emenda à Constituição e, com isso, pondo fim à doutrina do separate but equal (separados, mas iguais), que vigorava no Estados Unidos desde 1896. Foi a função contramajoritária da jurisdição constitucional que contrariou a maioria racista que prevalecia naquele país.

Não por outro motivo que Georges Abboud, ao tecer comentários sobre a função contramajoritária da jurisdição constitucional, anotou que: “Além de sua importância como instrumento de limitação do poder público, os direitos fundamentais exercem forte função contramajoritária. Assim, ter direito fundamental assegura a existência de posição juridicamente garantida contra as decisões políticas de eventuais maiorias políticas” [3].

Também no final do século passado, precisamente em 1998, o Tribunal Constitucional da Colômbia, em decisão que contrariou os interesses da maioria política em um país destruído pela guerra civil envolvendo o exército, as Farqs (forças armadas revolucionárias da Colômbia) e o cartel de Medellín, declarou que a situação das mais de três milhões de pessoas deslocadas de suas residências por causa da violência no país constituía um estado de coisas inconstitucional, reconhecendo, assim, uma violação massiva dos direitos humanos da população pobre deslocada e a omissão do Estado colombiano em implementar políticas públicas para a proteção de seus direitos violados [4].

No Brasil também há notáveis exemplos de decisões contramajoritárias proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, promovendo a defesa de direitos fundamentais e, assim, contrariando interesses, quer da maioria política, quer da maioria da sociedade.

Foi assim nos seguintes julgamentos:

I) ADI nº 4277/DF, de relatoria do ministro Ayres Britto, Pleno, DJe de 14.10.2011, sendo reconhecida a constitucionalidade das uniões homoafetivas;

II) ADPF nº 54/DF, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, Pleno, DJe de 30.4.2013, sendo declarada a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal;

III) ADPF nº 187/DF, de relatoria do ministro Celso de Mello, Pleno, DJe de 29.5.2014, para dar ao artigo 287 do Código Penal, com efeito vinculante, interpretação conforme à Constituição, de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos;

IV) ADPF nº 347 MC/DF, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, Pleno, DJe de 19.2.2016, sendo reconhecido o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro com determinação a todos os juízes e tribunais do país para realizarem audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão; e à União que liberasse o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos;

V) ADO nº 26/DF, de relatoria do ministro Celso de Mello, Pleno, julgada em 13.6.2019, acórdão pendente de publicação, para, com eficácia geral e efeito vinculante: a) reconhecer o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação da prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de incriminação a que se referem os incisos XLI e XLII do artigo 5º da Constituição, para efeito de proteção penal aos integrantes do grupo LGBT; b) declarar, em consequência, a existência de omissão normativa inconstitucional do Poder Legislativo da União; c) cientificar o Congresso Nacional, para os fins e efeitos a que se refere o artigo 103, § 2º, da Constituição c/c o artigo 12-H, caput, da Lei nº 9.868/99; e d) dar interpretação conforme à Constituição, em face dos mandados constitucionais de incriminação inscritos nos incisos XLI e XLII do artigo 5º da Carta Política, para enquadrar a homofobia e a transfobia, qualquer que seja a forma de sua manifestação, nos diversos tipos penais definidos na Lei nº 7.716/89, até que sobrevenha legislação autônoma, editada pelo Congresso Nacional;

VI) ADCs 43, 44 e 54, todas de relatoria do Ministro Marco Aurélio, Pleno, julgadas em 7 de novembro de 2019, acórdão pendente de publicação, nas quais restou assentada a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, sendo reconhecido que fere o princípio constitucional da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal) a medida consistente em dar início ao cumprimento da pena antes de serem esgotadas todas as possibilidades de recurso (trânsito em julgado).

Esses julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal revelam que em países democráticos, sobretudo aquelas democracias em desenvolvimento como é o caso do Brasil , é absolutamente necessária a presença do Poder Judiciário como garantidor do pacto constitucional.

Assim, conquanto não faltem vozes sustentando que a última palavra sobre a Constituição deveria ser dita ou pelo Poder Legislativo (Jeremy Waldron [5]) ou pelo Poder Executivo (Carl Shimitt), fato é que a história, que deve ser rememorada, mostra-nos que as Supremas Cortes de cada país foram quem até o momento exerceram melhor essa função, equilibrando as forças políticas e sociais adversas.

Em seu livro “O liberalismo político” [6], John Rawls vai sustentar que os juízes são os melhores intérpretes constitucionais pela qualidade deliberativa das Cortes Supremas, que decidem em conformidade com a ideia de razão pública, entendida esta como um ideal de dar razões a que todos os cidadãos possam razoavelmente aceitar, à luz de princípios e ideais racionais e razoáveis, enquanto cidadãos livres e iguais.

Ainda segundo Rawls, juízes e, particularmente, tribunais constitucionais precisam justificar o controle de constitucionalidade à luz da Constituição, das leis e dos precedentes relevantes, ao passo que tal exigência não é cobrada do legislador e nem do Poder Executivo, reforçando ainda o autor que juízes são os únicos que têm que justificar com razões públicas o dever de consistência e coerência com a visão constitucional que guiam suas decisões, devendo interpretar a Constituição tomando em conta casos, práticas, tradições e textos, não podendo invocar moral pessoal, nem ideais ou virtudes da moral em geral e muito menos crenças religiosas ou visões filosóficas, mas, ao contrário, devem observar os valores políticos que acreditam ser parte da concepção mais razoável de justiça e da razão pública.

A defesa da jurisdição constitucional não se resume a entregar a Constituição aos tribunais e aceitar que “a Constituição é aquilo que dizem as cortes”, até porque toda forma de ativismo judicial ou juristocracia deve ser combatida, sob pena de o excesso de intervenção judicial acarretar violação ao princípio da separação de poderes. Não bastasse isso, é causa de uma indevida judicialização em todas as esferas do ambiente privado.

Para tanto, como forma de fiscalização, propõe-se três caminhos perfeitamente viáveis de exercício: I) em momento de grande tensão constitucional, deve ser instaurada a via do diálogo institucional como mecanismo criador de respeito institucional e estabilidade entre poderes [7]; II) maior abertura procedimental em casos relevantes para participação popular, por meio de audiências públicas, se considerado que o Supremo Tribunal Federal realizou um quantitativo ínfimo de atos dessa natureza desde a instituição da figura do amicus curiae, em 1999, com a edição da Lei nº 9868; e III) em casos difíceis (hard cases), o julgamento não poderá ser pautado por argumentos de política, e, sim, por argumentos de princípio, sob pena de o princípio democrático e a própria legitimidade do Poder Judiciário no exercício da jurisdição constitucional serem gravemente afetados, como nos ensina Dworkin em sua obra “Levando os direitos a sério” [8].

Não existe Estado democrático de Direito sem a sobrevivência de instituições democráticas, de modo que o pêndulo da democracia, com todas as suas vicissitudes, deve permanecer nas mãos das Cortes Supremas.

 é juiz de Direito do TJ-MG, de entrância especial, titular do Juizado Especial Cível, Criminal e da Fazenda Pública de Teófilo Otoni, 2º titular da 1ª Turma Recursal do Grupo Jurisdicional de Teófilo Otoni, professor do curso de Direito da Faculdade Doctum-Teófilo Otoni, membro da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional, mestrando em Direito Processual Constitucional pela Universidad Lomas de Zamora, na Argentina e pós-graduado em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-MG.