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Entrevista: Leandro Daiello, ex-diretor-geral da Polícia Federal

O porto-alegrense Leandro Daiello Coimbra, 54 anos, raramente dá entrevista. Depois de quatro adiamentos, finalmente recebeu a ConJur na tarde do último dia 3, no escritório de seu novo trabalho depois que se aposentou na Polícia Federal, na área de compliance e investigação empresarial no escritório Warde Advocacia.

Na entrada da sala que toma quase todo um andar de um prédio comercial na região dos Jardins, zona nobre da capital paulista, um senhor portando cuia de chimarrão e trajando máscara azul foi a senha para a reportagem da ConJur reconhecê-lo. “O doutor [Daiello] não tem uma [máscara] colorada?”

“Bah, tchê, se usar uma do Inter, não entro em casa”, respondeu o agora sorridente gremista, já sem o aparato de prevenção à Covid-19, mas mantendo distanciamento seguro em tempos de epidemia.

O mais longevo diretor da Polícia Federal desde a redemocratização, empossado em 14 de janeiro de 2011, função que exerceu até 8 de novembro de 2017, já no governo do presidente Michel Temer, Daiello confessou que sua nomeação era inesperada. 

“Estava nomeado para ser adido da PF em Roma. Minha mulher falando italiano, meu cachorro com chip para ir embora. O Cardozo nunca me contou porque me convidou.”

Segundo José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça do governo da presidente Dilma Rousseff (2011-2016), “Leandro tinha feito um excelente trabalho à frente da Polícia Federal em São Paulo, e seu nome era muito bem referenciado por advogados, membros do Ministério Público e juízes”. “Fiz duas entrevistas e fiquei muito bem impressionado”, disse à ConJur.

Durante a conversa, o delegado da PF por mais de 22 anos, sendo superintendente em São Paulo antes de ir para Brasília, graduado em Direito pela PUC-RS e com MBA em Gestão de Segurança Pública pela FGV, lembrou dos desafios à frente da instituição, dos segredos da longevidade na função, das divisões internas, das interferências do Executivo e dos vazamentos.

“Acho que a polícia tem que ser indicada pelo chefe do executivo. Ele tem representatividade. O presidente expôs as suas ideias e foi eleito. Quando ele assume a presidência, é para impor as ideias que a maioria decidiu votando nele”, disse. Mas fez uma ressalva na aplicação da política de segurança pública: “É óbvio que, quando se fala em investigação, tem que ter autonomia. Isso é outra questão, senão é sabotar. Que é difícil. As pessoas misturam”.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

ConJur — Qual foi maior desafio que o senhor encarou na administração da Polícia Federal?
Daiello — É uma boa pergunta, porque o problema sempre parece maior quando você já superou e ficou para trás. O maior desafio era ter a obrigação de que a polícia continuasse trabalhando no ritmo que vinha, crescendo e amadurecendo cada vez mais, para ser uma polícia legalista e republicana.

ConJur — Quais as razões podem explicar sua longevidade no comando da PF?
Daiello — Difícil avaliar o motivo da permanência. O que tenho imaginado é que a questão orçamentária passou por bons momentos e momentos difíceis, como o país teve, como o governo teve. A Polícia Federal acompanhava o seu orçamento de acordo com as dificuldades. Se aquele ano o orçamento era melhor, a gente fazia bons investimentos.

O que se trabalhava muito naquele período era preservar a parte operacional para que funcionasse sempre dentro do seu limite possível. A Polícia Federal é uma polícia de investigação e tem que investir em investigação. É óbvio que, para que isso aconteça, tenho que ter policiais preparados, estruturas preparadas, bons equipamentos.

Então o que nós trabalhávamos na questão orçamentária? Cuidando para ter um investimento para o futuro. 

ConJur — Há várias PFs dentro da PF? É uma entidade marcada por divisões? É incontrolável?
Daiello — Ousaria discordar. Diria o seguinte: não é que a PF seja incontrolável, é muito dinâmica, cresceu e amadureceu nos últimos anos de uma maneira que conseguiu deixar claro que é uma polícia técnica, que se preparou para fazer um trabalho técnico e científico. Entendeu que o policial era a parte mais importante do funcionamento e recruta pessoas com muita qualidade. Isso faz com que as pessoas tenham opinião. Isso também faz com que a organização cresça e se desenvolva. Então eu não diria grupos, temos constantemente as pessoas buscando e trazendo ideias novas. Eu não consigo vislumbrar grupos dentro da Polícia Federal. Existem posições divergentes, que é o que faz a polícia andar e crescer.

ConJur — A entidade precisa de mais autonomia?
Daiello — Temos que dar alguns passos que preservam a autonomia da instituição. A orçamentária foi um bom primeiro passo. Uma autonomia para poder definir sobre concurso também é muito importante, para ter uma política de ingresso constante, de treinamento, de desenvolvimento e acompanhamento dos agentes. No entanto, quando se discute autonomia do policial na investigação, isso é básico. Deve ser definido como uma coisa indiscutível, sendo que esse policial tem um limite muito claro: a lei. O que vai limitar as ações do policial é a lei. Ele não vai fazer mais do que ele pode, do que a lei permite, nem menos do que a lei determina. E aí tu colocas o policial e a organização entre duas linhas, muito simples. O que a lei determina fazer e o que a lei determina não fazer. E aí eu faço uma polícia independente, autônoma e republicana. A polícia se torna forte no momento em que ela é legalista.

ConJur — O senhor concorda com o modo como a carreira do policial federal está estruturada?
Daiello — Acho interessante porque os resultados que a Polícia Federal atingiu nos últimos anos são impressionantemente bons. Não só no que se refere a operações, mas quanto à qualidade dessas investigações e quanto ao resultado dos seus inquéritos. Se discute muito um instrumento que é policial, mas as últimas estatísticas que eu acompanhei, o índice de esclarecimento, numa investigação, num inquérito policial dentro da PF, era um dos maiores do mundo. Então vejo que a estrutura está funcionando, é boa, e não faria nenhuma mudança radical. Alguma modernização na estrutura? Possível. Alguns cargos poderiam ter suas atribuições modernizadas? Sim, estamos vivendo uma era digital, uma outra realidade, e a organização vai se modernizando e seus cargos, suas atribuições, podem ser modificadas. Diria modernizadas.

ConJur — A pluralidade dentro da corporação é boa, mas também pode ser um fator negativo e de desgaste quando você é o gestor dessas pessoas com visões de mundo diferentes. Como era no seu tempo? O que o senhor fez para fazer desse ambiente plural também produtivo? O senhor teve muito problema com oposição interna?
Daiello — Eu realmente não consigo identificar grupos, identifico ideias diferentes e propostas e diretrizes para o futuro da polícia diferentes. Isso não é dividir a polícia em grupos, é pensar num futuro diferente. Não necessariamente que a tua ideia seja melhor. E essa é a grandeza de poder administrar como equipe. Administrava 27 superintendentes e sete diretores. Um grupo que está ouvindo, que está se renovando. A Polícia Federal se renova muito rápido, tem sempre gente nova. Isso é muito bom, porque ela é sempre moderna. Imagina se a Polícia Federal não aceitasse opiniões novas. Se tornaria uma polícia velha e antiquada. Ela é rápida e dinâmica. A PF, de certa maneira, consegue ouvir as novidades do efetivo e vai andando para frente.

ConJur — Interferência, o senhor sofreu alguma no seu período? Como lidava?
Daiello — O que a gente precisa entender: a estrutura da organização foi construída para que trabalhasse de maneira independente e, volto a dizer, não é trabalhar de maneira independente e cada um faz o que quer. É independente dentro de um padrão de regras, de leis, de manuais e tudo mais. A polícia analisou todos os seus procedimentos de investigação, de abordagem, de passaporte. Ela tem manual, tem ordem de serviço. Isso faz com que a pessoa tenha uma tranquilidade, que aqueles procedimentos já foram testados e têm bons resultados e a garantia de que nada de interferência vai acontecer naqueles procedimentos.

ConJur — Só que existiu barulho e pressão. Houve a “lava jato”…
Daiello — O que uma organização no momento desse tem que fazer é tentar ser mais transparente possível. E como se faz isso? Se alguém apresenta alguma reclamação de um procedimento que eu acho que é indevido, a polícia tem que apurar o acontecido, esclarecer e deixar transparente. O que aconteceu foi isso. Acho que a polícia aprendeu e continua sendo transparente. Não estou falando que a operação vai deixar de ser sigilosa, mas ser transparente nos seus procedimentos, nos seus processos. Eu peço busca, faço busca. Essa transparência. E se houver algum questionamento sobre ter sido abusiva, vamos apurar se houve. Se houve, vamos proceder, se não, vamos entender aquela apuração com clareza.

ConJur — Algum grupo da Polícia Federal faz intercâmbio com departamentos de Justiça ou de polícia estrangeiros sem o diretor-geral ficar sabendo, é possível?
Daiello — O diretor-geral não vai saber exatamente as questões específicas de um caso. O que ele faz? Define os modelos, os padrões, os manuais e as prioridades. Isso parametriza a tua relação. Então quando a gente fala de relação com outros países, com outras polícias, não há hoje como fazer o enfrentamento do crime organizado, num porte mais elevado, sem a relação com as polícias da América do Sul, da Europa. Não existe essa possibilidade. O dinheiro hoje se movimenta no mundo de maneira digital, não precisa mais enfrentar uma fronteira. Então é necessário ter essa capacidade de se relacionar com ingleses, franceses, italianos, alemães. Ou seja, onde houver interesse da organização em investigação da Polícia Federal no enfrentamento, ela deverá sim ter essa capacidade operacional. Diria que, pelo que conheço dos diretores-gerais que me sucederam e o atual diretor-geral [Rolando Alexandre de Souza], que a diretriz de manter a relação com as polícias do mundo e essa capacidade operacional vão continuar.

ConJur — As operações da PF se tornaram até mote de filme e tem se caracterizado já há algum tempo por nomes criativos e muita divulgação. O senhor acha isso positivo?
Daiello — Tem dois momentos aí muito preocupantes. O momento em que a Polícia Federal é acusada de espetacularização, que vem logo após ser acusada de ser uma caixa preta e não contar o que está acontecendo. Então no momento que todos falam que a Polícia Federal é uma caixa preta, que não se sabe de nada do que acontece lá, e depois dizer que vive dando espetáculo. No período em que eu estive como diretor-geral, a gente tentava equilibrar uma maneira de prestar contas à comunidade, de não esconder informações de operações e não expor as pessoas. Entretanto, a legislação mudou e a própria imprensa começa a ter acesso aos dados da operação antes. Então os nomes já eram conhecidos na imprensa mesmo antes da PF fazer a entrevista coletiva. E as coletivas passam a servir para esclarecimento, não mais para prestar as informações. O jornalista antes estava curioso para saber o que era. Agora ele já estava preparado para fazer perguntas mais profundas porque já tinha informação.

ConJur — E isso dentro do ponto de vista do trabalho da PF é positivo?
Daiello — Acho que ainda precisa melhorar. E os colegas que ainda se encontram na polícia precisam avaliar quais são os procedimentos que devem ser adequados para essa nova realidade. O mundo é dinâmico e a polícia deve se adequar rapidamente.

ConJur — Caso não houvesse tanta divulgação, a PF teria tanta força para fazer o trabalho que fez na “lava jato”?
Daiello — A PF se preparou como uma polícia de investigação. Digo isso com muita tranquilidade. Tive oportunidade de conviver com várias polícias do mundo, e ela é uma polícia muito bem preparada. Tem uma capacidade operacional de investigação que chama atenção até de outros países. Então, dentro desse aspecto, acho que sim. E acho mais. A maturidade do efetivo sabe da sua missão, dentro do espaço da lei. O que é obrigado a fazer e o que não pode fazer. Dá tranquilidade. O policial não tem escolha se vai investigar ou não. Ele tem que investigar.

ConJur — Não houve um período em que a PF focou só em investigar políticos?
Daiello — No meu período, as estatísticas na apreensão de drogas e no enfrentamento de grandes organizações na questão do tráfico internacional aumentavam anualmente. A diferença é que uma operação contra o tráfico já não tinha tanta mídia quanto uma operação de enfrentamento da corrupção. A percepção de que a parte segunda estava trabalhando sozinha é muito para fora. Dentro das estatísticas e dos acompanhamentos que a administração fazia, a questão do enfrentamento do tráfico de drogas continuava crescente.

ConJur — No meio desse barulho provocado pela “lava jato”, a PF acabou pegando uma fama de ser uma instituição cheia de vazamentos.
Daiello — Posso dizer com muita tranquilidade que toda vez que se suscitava da possibilidade de ter ocorrido um vazamento, era instaurado um procedimento e que, quase a totalidade deles nós concluímos que aquela informação tinha saído depois do encerramento do sigilo do processo. Ou seja, a notícia tinha saído 1 ou 2 horas depois de ter sido encerrado o sigilo do procedimento. Logo não há o que se falar em vazamento porque não é um procedimento mais sigiloso. Mas o que nós fazíamos na época para deixar as coisas muito transparentes era, havendo dúvida, instaurava-se um procedimento para esclarecer.

ConJur — Um dos efeitos colaterais da notoriedade pública é que as pessoas acabam se deixando levar e avançando em certos limites. Na sua época vocês se preocupavam em blindar os agentes disso?
Daiello — Foi construída dentro da Polícia Federal uma política de comunicação social. Era uma maneira de tentar dar uma mensagem para a sociedade de que estávamos trabalhando e que éramos uma polícia transparente. Quem faz o trabalho é a Polícia Federal. Não existe investigação de um homem só. Não existe uma operação que não tenha uma grande equipe, que trabalhou por muito tempo e com muita dedicação. E, via de regra, os grandes policiais são os anônimos. Aquele cara que não aparece justamente porque a operação ocupa demais.

ConJur — A ideia de mandato seria interessante para o cargo de diretor-geral?
Daiello — É e eu cheguei a discutir com os colegas de administração sobre isso. Éramos muito simpáticos à questão do mandato. Só discutíamos como seria o processo de escolha do diretor-geral. E isso realmente não se conseguiu ter uma maturidade na época para se fazer uma proposta.

ConJur — O diretor da PF ser indicado pelo presidente é o modelo ideal?
Daiello — Ainda acho que a polícia tem que ser indicada pelo chefe do executivo. Ele tem representatividade. O presidente expôs as suas ideias e foi eleito. Quando ele assume a presidência, é para impor as ideias que a maioria decidiu votando nele.

ConJur — Inclusive uma política de segurança pública?
Daiello — Inclusive. Então a polícia tem que estar vinculada a isso. É óbvio que, quando se fala em investigação, tem que ter autonomia. Isso é outra questão, senão é sabotar. Que é difícil. As pessoas misturam.

ConJur — O senhor mencionou várias vezes que a Polícia Federal é uma instituição dinâmica. Ela está preparada para lidar com um desafio como o das fake news?
Daiello — É claro que é difícil eu responder agora, não me encontro mais na direção, mas conhecendo a organização, tenho certeza de que existem grupos de estudos, que existem policiais se preparando. Tenho certeza que a Polícia Federal já tem contato com outros países para ver se tem alguma solução, alguma sugestão. Porque nós podemos perceber que esse não é um problema do Brasil. É do mundo. E o mundo procura uma maneira de achar uma solução para isso sem criminalizar tudo, sem censurar.

ConJur — Ainda sobre fake news. Como funciona a dinâmica de um inquérito como o instaurado pelo STF?
Daiello — O ministro pede para a polícia fazer um levantamento de tal objeto. A polícia faz um relatório e devolve, ponto. Como vale nos outros inquéritos. O Supremo faz os inquéritos do foro privilegiado. Via de regra alguns ministros definem diligências assim também. Outros a gente propõe e ele defere. Lembrando que as investigações de foro privilegiado são investigações judiciais, não investigações administrativas. É sempre bom não misturar isso.

ConJur — Dados mostram que a polícia mata muito no Brasil, a PF sabidamente participa muito pouco de confronto e não entra nessa estatística. Em algum momento o país deveria ter tentado desmilitarizar a polícia?
Daiello — Acho que não tem que discutir se é militar ou não, se usa farda. O que nós temos que discutir é a formação do policial. Nós temos que formar bem, temos que fazer com que a sociedade perceba que aquele personagem está ali para trabalhar, que é parte daquela comunidade, que está se defendendo ao proteger a comunidade. Agora, é formação, é investimento. Você não forma um policial na academia. Esse é o primeiro passo da formação. Tem que estar constantemente sendo formado e sendo trabalhado.

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Entrevista: José Eduardo Cardozo, advogado e ex-ministro da Justiça

José Eduardo Martins Cardozo apareceu e saiu dos holofotes da cena política em dois processos de impeachment. Em ambos, suas teses acabaram derrotadas. No primeiro, como presidente da CPI da Máfia dos Fiscais na Câmara de Vereadores de São Paulo, durante a gestão do então prefeito de São Paulo Celso Pitta (1997-2000), o pupilo do ex-prefeito Paulo Maluf acabou se safando em votação no plenário, em junho de 2000.

Mas o trabalho de Cardozo rendeu a cassação de três vereadores e, na eleição daquele mesmo ano, foi o candidato a vereador mais votado na capital paulista, com quase 230 mil votos.

Em 2016, depois de dois mandatos como vereador, outros dois como deputado federal e cinco anos à frente do Ministério da Justiça (2011-2016), deixou a função de advogado-Geral da União em maio quando a então presidente Dilma Rousseff foi afastada pela Câmara dos Deputados. Passou a atuar como advogado particular da petista durante o processo de impeachment no Senado.

Nos embates com Janaina Paschoal, uma das coautoras do pedido contra Dilma, a hoje deputada estadual pelo PSL levou a melhor na batalha. E acabou sendo eleita em 2018 com a votação mais expressiva (2.060.786) na história da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Cardozo se retirou da vida política e voltou a ser advogado e professor. Procurador do Município de São Paulo aposentado, hoje advoga e dá aulas na capital paulista (PUC) e em Brasília (UniCEUB).

Em entrevista exclusiva à ConJur, bateu no ativismo judicial, defendeu sua gestão à frente do Ministério da Justiça durante os governos Dilma  (2011-2016) e lembrou da pressão que sofreu tanto do seu partido [PT] quanto da oposição por suposta falta de “controle” sobre as ações da Polícia Federal.

Lembrou de quando foi convocado para depor no Congresso: “Das duas, uma, ou eu não controlo [a PF] ou eu instrumentalizo. Decidam. Na verdade, não era nem controlar nem instrumentalizar, é saber respeitar o Estado de Direito, só isso”.

Cardozo criticou os “engenheiros de obras prontas” nos casos da “Lei Anticorrupção” e do instituto da delação premiada, ambas sancionadas por Dilma e ferramentas essenciais nas condenações proferidas pelo então juiz Sergio Moro.

Quando você faz uma lei, é a partir da análise do momento em que é elaborada. Nunca imaginei que fosse ser utilizada da forma abusiva que foi.”

Na conversa de mais de 2 horas pelo telefone, o professor falou muito sobre impeachment, do acordo de cooperação investigativa com os Estados Unidos, de Constituição, do governo Bolsonaro e do nosso ordenamento jurídico.

“Não foi o ordenamento jurídico que falhou [nos abusos cometidos pela “lava jato”]. Foram os homens que operavam o ordenamento jurídico que falharam. Pelo Estado de Direito, os fins não justificam os meios. Pelo Estado de Direito, não poderiam ter feito coisas como foram feitas, condenações sem provas, condenações por convicções, condenações midiáticas, operações feitas para chamar atenção da opinião pública.” 

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

ConJur — Na entrevista em que anunciou que deixava o governo, o então ministro Sergio Moro [Justiça] citou vocês [governos Lula e Dilma]. Disse que a Polícia Federal não sofreu interferência direta como viria a sofrer neste atual governo. Não deixa de ser um elogio, mas também não foi temerário deixar o consórcio formado a partir da 13ª Vara Federal de Curitiba operar com tamanha liberdade?
José Eduardo Cardozo — É uma crítica que tenho ouvido muitas vezes. Lembro da época que até fui criticado por alguns companheiros. Por adversários também, quando uma investigação chegava aos deles.

Diziam que estava instrumentalizando a Polícia Federal contra eles. Fui até chamado no Congresso. Estava em curso uma investigação que falava do cartel do Metrô de São Paulo. Tinha mandado abrir uma investigação e me chamaram para dizer que eu estava intimidando o Congresso, instrumentalizando a Polícia Federal.

Falava: das duas, uma, ou eu não controlo ou eu instrumentalizo. Decidam. Na verdade, não era nem controlar nem instrumentalizar, é saber respeitar o Estado de Direito, só isso. Não se  pode interferir numa investigação, a não ser em casos de abusos, abrindo inquéritos. E isso foi feito em todos os casos por mim quanto pelo Leandro Daiello, que era o diretor-geral da Polícia Federal.

ConJur — Mas houve muito abuso, não? Fica a impressão de que Polícia Federal e Ministério Público são incontroláveis, sem hierarquia.
Cardozo — Estes órgão têm autonomia investigativa, mas não têm autonomia para cometer abusos. Várias inquéritos foram abertos quando se tinha vazamento. Aliás, vou ser bem sincero. Na “lava jato”, parte daquilo que a imprensa falava em vazamento, era Moro quem já tinha levantado o sigilo de inquérito. Então não havia ilegalidade. Agora, se alguém da força-tarefa indicava aos jornalistas páginas do processo… Mas era público.

Muitas vezes a Polícia Federal é a parte visível das operações porque faz a busca, a prisão. A Polícia Federal apenas cumpre o que um juiz determina.

O ministro da Justiça não tem como punir delegado, mesmo que ele ache que a ordem judicial é arbitrária. Você está cumprindo ordem judicial. Quem tem que fiscalizar abusos do Judiciário não é o ministro da Justiça. É o CNJ (conselho da Justiça), o CNMP (conselho do Ministério Público).

Essa má compreensão das instituições que funcionam num Estado de Direito tem uma mentalidade autoritária. Cobra agir com os amigos diferente do que se age com os adversários. E isso fazia com que nós sofrêssemos muitas críticas de descontrole.

ConJur — Em 2014 o FBI já tinha feito grandes acordos no combate à corrupção no Brasil. Em 2013 Dilma havia sancionado a chamada “Lei Anticorrupção” e também oficializado o instituto da delação premiada. Não foi o conjunto dessas ações que possibilitou quase todas as condenações de Moro?
Cardozo — Era um projeto de lei muito antigo. Nós apoiamos. Quando você faz uma lei, é a partir da análise do momento em que é elaborada. Nunca imaginei que fosse ser utilizada da forma abusiva. Na verdade, visava combater organizações criminosas. Era necessária para enfrentá-las.

Agora, prender pessoas para delatar. Nunca imaginei que fossem dar uma latitude tão grande a isso. Hoje, pela experiência, acho que essa lei tem que ser aperfeiçoada para evitar o abuso de poder. Naquela época não tínhamos essa avaliação. Você nunca prevê o futuro.

Achava que as pessoas iam utilizar essa lei dentro das finalidades que ela estabelece e não utilizando a lei como pretexto para verdadeiros atos de tortura, quando o investigador vem e diz: “ou fala o que eu quero ou continua preso”.

Então, me admiro também, muitas vezes, alguns engenheiros de obras prontas. No momento em que a lei foi aprovada, não falaram nada.

ConJur — Houve cooperação da força-tarefa de Curitiba diretamente com investigadores dos Estados Unidos sem o governo federal ser informado. O que o senhor tem a dizer?
Cardozo — A Polícia Federal tem acordos de cooperação com polícias do mundo inteiro, não só com os Estados Unidos. Evidentemente eu não sei te dizer que tipo de contatos foram utilizados pela força-tarefa, Ministério Público e Polícia Federal com o acordo de cooperação. Há muita especulação sobre isso. Sou daqueles que não falo por convicções, só com provas.

Então, sinceramente, acho que não tenho como falar de fatos que eu não sei e que pesa haver muita especulação a respeito.

ConJur — Anos depois, como o senhor avalia a operação “lava jato”. Está enfraquecida?
Cardozo — A “lava jato” tem dois lados. Uma intenção muito boa e um propósito excelente que é o combate à corrupção. A corrupção é um dos grandes malefícios do Brasil historicamente.

Mas tem um lado perverso. No Estado de Direito, os fins não justificam os meios. E em face dessa situação eu vi na operação situações extremamente abusivas. Aquelas que competiam à Polícia Federal eu mandei abrir sindicância. Todavia, vi uma série de abusos no âmbito do Poder Judiciário e no âmbito do Ministério Público.

Prisões indevidas, temporárias, cautelares, apenas com o objetivo de intimidar, de criar fatos midiáticos ou delações premiadas. Situações de perda de imparcialidade. Aliás, todas elas agora escancaradas pelas divulgações do The Intercept Brasil.

Então vejo um lado perverso, demoníaco, que prestou um grande desserviço ao país, que é exatamente essa burla da legalidade, responsável pelo desequilíbrio de poder. Acho que seria perfeitamente possível, como todos os países do mundo fazem, combater a corrupção de frente, sem comprometer a saúde das empresas. A “lava jato” acabou provocando, no Brasil, problemas e danos econômicos seríssimos.

Nós tentamos dialogar com o Ministério Público justamente para punirem as pessoas físicas que tinham feito isso. Punir o CPF, mas não punir as empresas.

ConJur — Nosso ordenamento jurídico falhou?
Cardozo — Não foi o ordenamento jurídico que falhou. Foram os homens que operavam o ordenamento jurídico que falharam. Pelo Estado de Direito, os fins não justificam os meios. Pelo Estado de Direito, não poderiam ter feito coisas como foram feitas, condenações sem provas, condenações por convicções, condenações midiáticas, operações feitas para chamar atenção da opinião pública ao invés de uma finalidade de investigação.

ConJur — Uma avaliação da gestão de Moro à frente do Ministério da Justiça.
Cardozo —  Logo que ele aceitou, para meu espanto, um ministério daquele que indiretamente ajudou a eleger, achava antiético. Dizia também o seguinte: pelo perfil que eu observava, Jair Bolsonaro, que eu conheci, porque fui deputado com ele, e Sergio Moro, que observei como juiz, a situação era incompatível sem que um se submetesse ao outro.

E neste pouco mais de um ano que esteve no Ministério da Justiça a atuação ficou muito a desejar. Se limitou ao tal do “pacote anticrime”. Se tivesse sido aprovado na versão que ele mandou para o Congresso, seria um desastre. Vi também uma postura muito acanhada como ministro durante a crise do coronavírus. Ele sumiu.

ConJur — O senhor publicou recentemente um artigo aqui na ConJur em que defende decisão liminar que impediu a posse do novo diretor-geral da Polícia Federal escolhido pelo presidente.
Cardozo — Exato.

ConJur — No mesmo texto, porém, discorda de uma também decisão monocrática do STF, em 2016, que impediu a posse do ex-presidente Lula como ministro da então presidente Dilma. Pode explicar melhor?
Cardozo — Tenho sido muito crítico do ativismo judicial. Julgar significa aplicar dentro das possibilidades daquilo que a lei e a Constituição dizem. Não pode ser aquilo que eu quero que a Carta diga. Descalibra o Estado de Direito. Feita a ressalva, digo que a teoria do controle de atos administrativos pelos textos jurídicos é uma norma antiga e pacífica. Vem do Direito francês e tem relação com a aplicação do princípio da legalidade. Se no Estado de Direito é a lei que determina o que é interesse público, o ato administrativo perfeito tem por finalidade alcançá-lo. Se um ato administrativo concretamente praticado se desvia da finalidade que a lei consagra, é um ato ilegal. E se é ilegal, o Judiciário tem o dever de anular. Normalmente, os autores brasileiros e estrangeiros afirmam que o desvio de poder não exige uma prova documental, digamos assim, absoluta, mas que ele se revela por um conjunto de indícios que somados mostram a finalidade desviada do ato. Exigir recibo de desvio de poder é a mesma coisa que exigir recibo de corrupção. Você prova por um conjunto de indícios.

No caso do presidente Bolsonaro, parece que fica claro, com o conjunto de indícios que mostram a correção da decisão do ministro Alexandre de Moraes. A renúncia de Moro isolada, por si só, não seria um conjunto de indícios.

Bolsonaro já disse que teve que pedir quase de joelhos para a Polícia Federal investigar uma coisa que poderia mostrar a inocência dos seus filhos. O presidente da República nem manda nem pede investigação para preservar quem quer que seja ou para punir quem quer que seja. Quem conduz uma investigação, pela lei, é o delegado de polícia. O ministro da Justiça e presidente da República são apenas superiores administrativos da Polícia Federal. Isso não lhes dá o direito de pedir investigação, até porque num caso desse tipo em que eu queira proteger alguém, isso obviamente tem a ver com a ausência do princípio da impessoalidade, que está previsto no artigo 37 da Constituição.

O Executivo tem liberdade para escolher quem queira nomear, mas se junto de evidências que cercam a nomeação ou qualquer ato administrativo mostrar que esta nomeação se destina a desrespeitar a lei, aí é desvio de poder.

ConJur — E o caso do ex-presidente Lula?
Cardozo — Vamos aos fatos. Primeiro, Moro divulga ilegalmente um áudio descontextualizado. Hoje fica cada vez mais claro que, se tivesse divulgado todos os áudios que envolviam aquela conversa vazada, nós saberíamos que Lula não queria ser nomeado justamente para que não dissessem que ele estava tentando se livrar da prisão. Mas naquele momento não eram conhecidas as descontextualizações do áudio.

Esse áudio é a razão de ser da decisão do Supremo, uma prova ilícita que a Corte [decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes] não sabia que era.

Mas mesmo que não fosse ilícita, a presidente, claramente, por meio de seus ministros, em uma nota oficial, disse que não confirmou aquele diálogo nesse sentido. Explicou que o sentido era outro. Lula não tinha aceitado naquele momento. Só poderia ir à posse já marcada de dois ministros numa sexta-feira porque acompanharia dona Marisa ao hospital.

Então o que eu tenho juridicamente é uma prova ilegal, que pedia uma interpretação, não confirmada pela presidente. O Supremo então tinha que ter esse contexto. A teoria do desvio de poder é a mesma a qualquer ato administrativo, só que no caso de Lula e Dilma não havia a certeza.

ConJur — Sobre impeachment. Se Eduardo Cunha não tivesse poder regimental de timing do processo, o desfecho poderia ter sido outro?
Cardozo — Não tenho a menor dúvida que sim. A bola propulsora do impeachment foi Eduardo Cunha, que contou com o apoio do grupo comandado por Aécio Neves.

Esse grupo não concordava com o resultado das eleições de 2014. E desde o primeiro dia tentou articular razões para o impeachment. Recontagem, que as máquinas de votação não funcionavam. Moveram tudo o que podiam. Aí, quando nada deu certo, foram para o impeachment. Contavam com Cunha porque o o presidente da Câmara queria controlar o governo para parar a “lava jato”. Ele não escondia isso.

E a gota d’água foi quando Dilma não comandou o PT, e nem deveria, para que o partido votasse contra o pedido de processo de cassação dele.

ConJur — O senhor não acha que o presidente da Câmara acumula muito poder?
Cardozo — Acho que a legislação do impeachment, como um todo, é muito antiga. Consegue ser mais velha do que eu, de 1950 [Cardozo nasceu em 1959].

Houve até um pedido do PCdoB, que entrou com uma ação no Supremo para criar regras depois do impeachment já aberto. Houve uma decisão do ministro [Luís Roberto] Barroso, e o STF acatou as regras como base do julgamento do presidente Fernando Collor. É necessária uma nova lei que rediscipline o impeachment. Precisa ser ajustada à Constituição de 1988, ao espírito democrático dela, inclusive dessa questão da abertura do processo de impeachment.

ConJur — No impeachment de Dilma, muitos defenderam que os crimes de responsabilidade tenham natureza penal. Outros defendem que são de natureza política.
Cardozo — O  fato dele ser chamado de crime não o transforma num processo penal, até porque um presidente pode ser condenado penalmente ou não condenado penalmente e ter ou não ter um processo de impeachment.

São responsabilizações diferentes, o que não afasta a necessidade de ter pressupostos jurídicos. A diferença entre o presidencialismo e o parlamentarismo, uma delas, está justamente no fato que quando um presidente perde a maioria parlamentar, ele cai. No presidencialismo, não. Então isso mostra que não basta perder a maioria parlamentar, é necessário juridicamente ter pressupostos e um ato ilícito grave sobre o qual se abre defesa para que se perca o mandato.

Ora, portanto não é um processo só político, em que basta a conveniência. É necessário demonstrar a ocorrência de um fato que justifique o crime de responsabilidade.

ConJur — O senhor acha que a presidente Dilma não cometeu crime. E o presidente Bolsonaro?
Cardozo — Não tenho a menor dúvida. Tinha muita dúvida antes, nos últimos meses. Porque os primeiros atos dele foram irracionais, destemperados, falava-se muita bobagem. Falar bobagem e mostrar situações de descompasso com a racionalidade não são crimes de responsabilidade.

A partir do momento em que passa a participar da convocação de atos antidemocráticos. Em que tenta utilizar o seu poder para interferir nas investigações, isso a meu ver configura crime de responsabilidade.

Agora, há um juiz de conveniência e oportunidade que compete ao Congresso. O presidente pode partir para o ilícito e entender que não é caso de impeachment porque seria pior para a sociedade tirá-lo do que ele ficar. Então, por isso que é um processo jurídico-político.

ConJur — Alguma sugestão de como deveria ser redesenhado o processo de impeachment no presidencialismo brasileiro?
Cardozo — Tenho duas sugestões. Uma micro e outra macro. A micro é uma nova lei, uma perspectiva que seja mais segura, para garantir  o contraditório.

Numa perspectiva maior, daí eu falo das minhas convicções, que não são nem as do meu partido. Sou parlamentarista, acho o presidencialismo um sistema que traz instabilidade política e insegurança. Então, pessoalmente, se pudesse, proporia para o país o semipresidencialismo, que acho que se ajustaria muito bem à realidade histórica e cultural brasileira, nos moldes que existe em Portugal e na França. E isso casa com o voto distrital misto, que é o sistema alemão. Tudo isso qualificaria o sistema perfeito? Não, porque não existem sistemas perfeitos nem democracia perfeita, embora seja o melhor dos sistemas.

ConJur — Acha que o inquérito autorizado pelo Supremo contra Bolsonaro pode canalizar a decisão para o Judiciário em vez de ficar no Congresso?
Cardozo — Pode. A Procuradoria-Geral da República teria que denunciá-lo. Aí a autorização para abertura do processo pode implicar no seu afastamento. Claro, até o julgamento do processo. Então, talvez, se isso vier a acontecer, seria a maneira mais rápida, dentro da Constituição, desde que provado que ele praticou o crime. Ele pode ser afastado.

ConJur — Sobre Constituição. O senhor acha que ruiu esse modelo de 1988?
Cardozo – Não. Sou um defensor da Constituição de 1988, embora ache que existem algumas questões que nós devemos discutir para aperfeiçoá-la. O grande mérito dela é que firmou um Estado Democrático de Direito e assegurou direitos fundamentais e instituições como nunca antes nós tivemos na nossa história.

Evidentemente que há aspectos, por exemplo, em que acho que não andou bem. A reforma agrária, por exemplo. A Constituição de 1946 é um pouco mais avançada do que a nossa atual. Mas, de modo geral, é uma Constituição avançadíssima dentro da nossa história.

ConJur — Um dos argumentos utilizados para o impeachment de Dilma era a questão orçamentária, equilíbrio fiscal, que está dentro desse desenho da Constituição.
Cardozo — Sou favorável ao equilíbrio fiscal. Acho que nenhum governo pode ser irresponsável com as suas contas. O que eu sou contra é o engessamento que foi feito não pela nossa Constituição, mas por aquela emenda ao longo do governo Temer [2016-2018], que engessa teto de gastos. Aí é um pecado introduzido pelo Michel Temer.

ConJur — A emenda do teto de gastos e a reforma trabalhista redesenharam a Constituição?
Cardozo — Acho que trouxe grandes marcas à Constituição. Ou seja, o mal não está na estrutura da Constituição de 1988, está em certas questões que foram nela introduzidas, a meu ver incompatíveis a seu próprio espírito. O Congresso decidiu. A reforma trabalhista foi muito ruim. O teto de gastos foi péssimo. Não é questão para ser tratada em Constituição. A Carta Magna tem que colocar os grandes princípios. Ali se tentou agradar o mercado e realmente se esqueceu que o Estado Democrático de Direito do Brasil é um Estado social.

ConJur — Na campanha de 2018 Fernando Haddad chegou a defender uma nova Constituição. O que o senhor pensa a respeito?
Cardozo — Não concordo. Acho que o redesenho constitucional do Brasil hoje vai sair pior a emenda que o soneto. Uma Constituinte hoje, no clima que nós vivemos no Brasil de intolerância, de ódio disseminado, onde o símbolo da arminha prevalece ao símbolo do coração. Diria que seria uma Constituição do ódio, não da pacificação e não da estruturação de um Estado democrático, como faz a de 1988.

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STF reafirma que Justiça do Trabalho não pode julgar ações penais

A Justiça do Trabalho não tem competência para processar e julgar ações penais. O entendimento foi firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em julgamento virtual finalizado nesta sexta-feira (8/5).

Colegiado seguiu voto do relator, que afasta a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações penais.

No julgamento virtual, por maioria de 8 votos, o colegiado seguiu Gilmar Mendes, que apontou um confronto de textos. Gilmar propôs dar interpretação conforme à Constituição para afastar qualquer interpretação que entenda competir à Justiça do Trabalho processar e julgar ações penais.

O ministro lembrou o entendimento do relator anterior do caso, ministro Cezar Peluso, no sentido que a Constituição “circunscreve o objeto inequívoco da competência penal genérica”, mediante o uso dos vocábulos “infrações penais” e “crimes”. 

“Ao prever a competência da Justiça do Trabalho para o processo e julgamento de ações oriundas da relação de trabalho, o disposto no art. 114, inc. I, da Constituição da República, introduzido pela EC nº 45/2004, não compreende outorga de jurisdição sobre matéria penal, até porque, quando os enunciados da legislação constitucional e subalterna aludem, na distribuição de competências, a ações, sem o qualificativo de penais ou criminais , a interpretação sempre excluiu de seu alcance teórico as ações que tenham caráter penal ou criminal”, afirmou Gilmar.

Divergiram os ministros Luiz Edson Fachin e Marco Aurélio. A ministra Cármen Lúcia não teve seu voto computado — nestes casos, conforme o regimento da corte, a omissão é contabilizada como tendo seguido o relator.

Fachin afirmou que a justiça especializada trabalhista tem todos os requisitos para exercer a competência constitucional em fatos que ensejam o reconhecimento da tipicidade penal praticados na relação de trabalho. “A dimensão criminal que decorre do máximo desrespeito às normas de conduta das relações sociais, que se perfazem em relações de trabalho, também deve ser submetida ao crivo da Justiça Especializada”, afirmou o ministro. 

Por sua vez, o ministro Marco Aurélio entendeu seria impróprio interpretar o texto constitucional. Segundo o ministro, não é o caso de “antecipar ao legislador ordinário para proclamar a impossibilidade de vir a lume lei por meio da qual prevista a competência criminal da Justiça do Trabalho”.

Questão antiga

Os ministros analisaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta em 2006 pela Procuradoria-Geral da República. A PGR questionava os incisos I, IV e IX do artigo 114 da Constituição Federal, introduzidos pela Emenda Constitucional 45/04, que ampliaram a competência da Justiça do Trabalho, permitindo que resolvesse questões criminais.

Já em 2007, os ministros decidiram liminarmente pela impossibilidade de a Justiça do Trabalho avaliar tais casos. A relatoria da ação à época foi de Peluso, substituída em 2010 pelo ministro Gilmar Mendes.

Clique aqui para ler o voto do relator

ADI 
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Freitas Coelho: Impacto da Covid-19 nas relações locatícias comerciais

Inegavelmente a recente situação mundial de pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19) está impactando diversos setores da sociedade, demandando a criação de planos emergenciais tanto pelo setor público quanto pelo setor privado, no plano nacional e internacional.

Considerando o estado de calamidade pública decretado pelos governos Federal, estaduais e municipais, especialmente pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e ainda o quanto previsto pela Lei 13.979/2020, com a determinação de medidas como o isolamento e a quarentena, inúmeras relações contratuais e comerciais foram diretamente afetadas em razão da crise econômica instalada no país.

O lockdown decretado pelas autoridades, mediante a determinação de fechamento de portos, aeroportos e rodovias, de shoppings centers, centros de compras, galerias, academias de ginástica, clubes sociais, esportivos e similares, buffets infantis, casas de festas, casas noturnas, danceterias, bares e estabelecimentos congêneres, bem como igrejas e templos de qualquer culto e de todas as atividades não essenciais, tem devastado a economia e já é tido como causa de uma recessão econômica em 2020.

Esse cenário de incertezas a respeito das consequências e dos efeitos negativos desta crise sem precedentes, bem como por quanto tempo durará a pandemia, tem gerado impactos para comerciantes, indústrias e prestadores de serviços não essenciais, fazendo com que empresários interrompam pagamentos a fornecedores, parceiros e colaboradores e suspendam o fechamento de novos contratos.

Com isso, locatários se veem de mãos atadas quanto à obrigação de pagar aluguel, e a tendência é que a inadimplência cresça, caso não haja a imediata revisão dos contratos de locação comercial, mediante modificação das condições negociais durante o período em que perdurar a crise.

Importante observar que os dois lados da relação locatícia serão atingidos pelos impactos econômicos advindos da pandemia, sendo o acordo a solução mais viável, a fim de manter o equilíbrio econômico e a boa-fé contratual. Assim, em caso de revisão do contrato através do acordo extrajudicial, a conduta ideal seria firmar um termo aditivo ao contrato de locação por meio de um advogado, garantindo segurança jurídica ao feito.

Nesse sentido, o artigo 18 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato) prevê que as partes, de comum acordo, podem renegociar novo valor de aluguel, bem como inserir ou modificar a cláusula de reajuste de valor.

Assim, locador e locatário podem acordar, por exemplo, a concessão de desconto no valor do aluguel, por prazo determinado ou enquanto perdurar a pandemia, com prorrogação do pagamento do valor para período posterior. Outra saída é convencionar que não haverá reajuste no contrato, no corrente ano.

Recomenda-se a ambas as partes, na hipótese de renegociação contratual, que considerem as particularidades da relação contratual, com realização de análises periódicas do ônus suportado pelas partes, visando sempre que possível à promoção do equilíbrio contratual.

Entretanto, não raras vezes, a composição entre as partes é inviável. Diante desse cenário, surge a questão: o que fazer quando as partes não chegam a um consenso através da solução negociada?

Primeiramente, é preciso levar em consideração que diante de uma relação contratual regida pela simetria entre as partes contratantes, como os contratos de locação comercial, a regra que impera é a da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual.

É essa a diretriz adotada pelo Código Civil, com as alterações promovidas recentemente pela Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), que traz nova redação aos artigos 421 e 421-A.

Entretanto, em decorrência de um fato imprevisível e extraordinário, como a pandemia da Covid-19, é notório que há uma mudança brusca das condições econômicas do contrato.

Nesse sentido, o Código Civil contempla a hipótese excepcional de que, não havendo consenso de renegociação entre as partes, o Poder Judiciário promova a intervenção com vistas a contemplar a revisão contratual, diante da onerosidade excessiva para o locatário e vantagem desmedida para o locador, nos termos da Teoria da Imprevisão, consubstanciada nos artigos 317, 478, 479 e 480 do Código Civil.

Tais dispositivos têm o objetivo de tutelar o sinalagma e o equilíbrio contratuais, regra clara de justiça comutativa, a impor aos contratantes iguais sacrifícios e benefícios. Trata-se, na realidade, de preceito que se espraia por toda a codificação, avessa ao enriquecimento de um indivíduo em detrimento irrazoável por parte de outro [1].

Portanto, a revisão de contratos é admissível em casos especialíssimos, pois impera o princípio da força obrigatória, já que nos contratos locatícios presume-se que as partes envolvidas, de forma prudente e sensata, avaliaram os riscos da contratação e vincularam-se. Supõe-se que, no momento da celebração da avença, os contratantes entenderam que o contrato ser-lhe-ia vantajoso naquelas condições estipuladas.

Ocorre que, no caso da pandemia, é evidente que tal situação configura-se como força maior, não havendo de se falar em responsabilidade do devedor pelos danos causados decorrente da mora no cumprimento da obrigação, nos termos do artigo 393, parágrafo único do Código Civil, assim redigido:

“Artigo 393  O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único  O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.

Assim, entendemos pela plena possibilidade de revisão dos contratos de locação diante dessa situação excepcional, incumbindo ao Poder Judiciário, portanto, intervir em relações jurídicas privadas para equilibrar os prejuízos, caso fique evidente que uma das partes ficará exclusivamente com todo o ônus financeiro resultante da atual situação da pandemia da Covid-19.

Importante mencionarmos, ainda, a aprovação pelo Senado Federal do Projeto de Lei 1179/2020, proposto pelo senador Antonio Anastasia, baseado em iniciativas semelhantes aprovadas recentemente pelos parlamentos dos Estados Unidos, da Alemanha, da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia.

Atualmente, referido projeto de lei se encontra na Câmara dos Deputados aguardando despacho do presidente da Casa.

Inicialmente, o PL reconhece a ocorrência da pandemia da Covid-19 como um evento de força maior, reconhecido pelo Governo Brasileiro em 20 de março, sendo idôneo justificar a excepcional medida da revisão contratual, aplicando-se a Teoria da Imprevisão.

Na redação original do PL, estava prevista a possibilidade de os locatários deixarem de pagar aluguel, ao prever que “locatários residenciais que sofrerem alteração econômico-financeira” pudessem “suspender, total ou parcialmente, o pagamento dos aluguéis vencíveis a partir de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020”, sendo que o pagamento das parcelas atrasadas seria realizado a partir de novembro, juntamente com o vencimento dos aluguéis dos meses correntes.

Entretanto, referido dispositivo foi suprimido, após manifestação contrária dos senadores ao argumento de que o PL transferiria o problema de locatários para locadores, que muitas vezes dependem da renda dos aluguéis como complemento à aposentadoria e à renda. Foi questionado, ainda, o acúmulo do valor do aluguel após a pandemia, sob a justificativa de que poderia novamente complicar a situação dos locatários.

Por outro lado, foi mantido o artigo 9 do Projeto de Lei 1179/2020, que impede a concessão de liminares nas ações de despejo [2] até o dia 30 de outubro de 2020 nas demandas ajuizadas a partir de 20 de março, conforme previsto no parágrafo único do mencionado dispositivo.

Assim, veda-se a decretação de ordem de despejo até 30 de outubro, esperando-se que a essa época já tenha havido uma normalização dos efeitos econômicos decorrentes da pandemia da Covid-19.

Portanto, o aludido projeto de lei flexibiliza as relações jurídicas privadas durante a pandemia de coronavírus.

Feitas essas ponderações, fato é que, quando da celebração dos contratos de locações comerciais, as partes não tinham como prever o advento de uma pandemia dessa envergadura, atingindo diversos setores da sociedade; é neste momento que caso não haja solução negociada entre as partes, o Estado deve atuar para fins de equilibrar as relações jurídicas, evitando maiores e profundos prejuízos a todos.

 


[2] A ação de despejo consiste na retirada, pelo proprietário, do inquilino do imóvel, motivado, sobretudo, pela falta de pagamento do aluguel.

Marcus Filipe Freitas Coelho é advogado, mestre em Direito (com bolsa Capes) pela Universidade Católica de Santos, professor de Direito Civil e Direito do Consumidor no Curso Proordem, em Santos.

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TJ-MG manda município indenizar menina que perdeu dedo em parquinho

Falta de manutenção

TJ-MG manda município indenizar menina que perdeu o dedo em parque público

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Município de João Pinheiro terá que indenizar família de criança que sofreu acidente em parque público
123RF

O juízo da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinou que sejam mantidos os valores da sentença que condenou o município de João Pinheiro (MG) a indenizar uma criança em R$ 35 mil. Ela se machucou ao descer por um escorregador. A lesão foi grave; um dedo do pé teve de ser amputado.

Além de R$ 15 mil por danos morais, a família da menina vai receber R$ 20 mil a título de danos estéticos causados pelo acidente. 

Na primeira instância, o município foi condenado pelo juiz Felipe Sampaio Aranha, da 1ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de João Pinheiro. Ao recorrer da sentença, a prefeitura afirmou que não ficou comprovado que o brinquedo em questão era de sua responsabilidade.

Além disso, o município alegou que o Boletim de Ocorrência policial, por ter sido produzido muito tempo depois do acidente e somente com argumentos da mãe, não garantia que a lesão tenha acontecido realmente no parque.

Ao analisar o caso, o relator do recurso, o desembargador Bitencourt Marcondes, teve o mesmo entendimento da primeira instância. Para o magistrado, a prefeitura foi negligente, pois cabe à administração pública fiscalizar e realizar a manutenção dos equipamentos por ela instalados e de uso comum.

Diante disso, o relator reconheceu o dever da prefeitura de indenizar a família. “A amputação do membro da infante, implicou alteração na sua aparência externa, repercutindo em sua aceitação social e pessoal”, afirmou o magistrado. Votaram de acordo com o relator os desembargadores Leite Praça e Versiani Penna.

Clique aqui para ler o acórdão
0711280-54.2020.8.07.0001

 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 3 de maio de 2020, 17h07

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Juiz absolve homem acusado de transportar 173 quilos de maconha

In dubio pro reo

Juiz absolve homem acusado de transportar 173 quilos de maconha no MS

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Juiz absolveu homem acusado de ajudar a subtrair maconha de delegacia 
Reprodução

O juiz Vinicius Aguiar Milani, da Comarca de Itaquiraí (MS), absolveu um homem acusado de supostamente ter ajudado a roubar aproximadamente 173 kg de maconha da delegacia de polícia da cidade

Segundo a denúncia do Ministério Público, o réu teria colaborado com um investigador de polícia para consumação do delito de peculato-apropriação e tráfico de drogas. Uma caminhonete — supostamente, de sua propriedade  teria sido usada para transportar drogas e as trocar pelas apreendidas na delegacia. Estas seriam de qualidade superior.

A defesa do réu arguiu a nulidade da decisão de recebimento da denúncia sob o argumento de que não foi adotado o procedimento descrito na Lei de Drogas ou dos crimes praticados por servidor público contra a Administração, não tendo sido dada oportunidade de defesa prévia.

Os advogados também apontaram a parcialidade das testemunhas inquiridas em juízo e a fragilidade das provas arrecadadas.

Ao analisar o caso, o magistrado apontou que “não restou demonstrada em relação ao acusado, havendo nos autos apenas indícios de sua participação na empreitada criminosa, os quais não foram confirmados pelas provas arrecadadas na fase policial e em juízo”.

O juiz também aponta que os autos do processo traziam apenas a confirmação de policiais civis de que a caminhonete utilizada para o transporte da droga seria do acusado. “Não se pode desprezar que o réu não foi identificado como o condutor do veículo e, ainda, sequer houve de que tal automóvel lhe pertencia. Em relação ao réu Cristiano o que existe nos autos é a mera alegação dos policiais civis, no sentido de sabem que o acusado possui uma caminhonete”, assinalou.

Por fim, o magistrado considerou os elementos probatórios da acusação frágeis demais para sustentar a condenação e o absolveu com base no princípio do in dubio pro reo. O réu foi representado pelos advogados Wilson Tavares de Lima e Samuel Chiesa, da banca de Advogados Wilson Tavares & Advogados Associados.

Clique aqui para ler a decisão

0001169-92.2019.8.12.0051

 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 2 de maio de 2020, 16h58

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Empresa consegue suspender plano de recuperação judicial

Por quatro meses

Empresa consegue suspender exigências de plano de recuperação judicial

Por 

Juiz suspendeu exigências de plano de recuperação judicial de empresa afetada pelo avanço da Covid-19 no país

O juiz Paulo Henrique Stahlberg Natal, da 2ª Vara Cível do Foro de Santa Bárbara D’Oeste, acatou o pedido da empresa Textil Canatiba e suspendeu a exigibilidade do cumprimento de todas as obrigações do plano de recuperação judicial da empresa por quatro meses.

No pedido, a empresa alega que, por conta da crise gerado pelo avanço da Covid-19 no Brasil, foi altamente impactada economicamente, em decorrência das medidas de restrição e isolamento social.

Ao analisar o caso, o magistrado apontou que a empresa demonstrou nos autos que foi, de fato, impactada pela crise gerada pelo novo coronavírus e apresentou centenas de pedidos de compra cancelados e outros tantos de postergação de pagamentos.

Há evidente desequilíbrio econômico-financeiro, uma vez que fora alterada a base fática que levou ao acordo de vontades, já que o fluxo de caixa sofreu queda drástica de praticamente 100% nas últimas semanas. E este desequilíbrio decorreu de evento imprevisível, inevitável e não ocasionado por nenhuma das partes envolvidas na relação jurídica (plano de recuperação judicial)”, ponderou o juiz.

Na decisão, o magistrado ainda lembrou que a recuperanda encontra-se regular com o cumprimento do plano de recuperação. Segundo o advogado da empresa, Roberto Carlos Keppler, sócio do Keppler Advogados Associados, a empresa comprovou nos autos centenas que o faturamento da empresa caiu vertiginosamente. “Houve drástica redução de sua atividade econômica, a impactar sobremaneira no seu fluxo de caixa, gerando, inclusive, inadimplência de sua folha de colaboradores (atualmente cerca de 2.100 pessoas), com custo mensal aproximado de R$ 11 milhões”, disse.

Clique aqui para ler a decisão
1004884-18.2017.8.26.0533

 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 2 de maio de 2020, 10h20

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TJ-MG suspende pensão de filha de militar que vive em união estável

Justiça confirma decisão de Instituto de Previdência dos Servidores Militares que suspendeu benefício de filha de militar
Jintana Pokrai

A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais confirmou a decisão do Instituto de Previdência dos Servidores Militares (IPSM) de cancelar a pensão que uma mulher recebia desde julho de 1970 pelo falecimento de seu pai, que era major da Polícia Militar de Minas Gerais.

O benefício passou a ser questionado assim que o IPSM tomou conhecimento de que a pensionista vivia em união estável e instaurou procedimento administrativo para investigação da notícia. A filha de militar tem direito à pensão apenas se for solteira ou viúva.

Insatisfeita com a suspensão do benefício e do plano de saúde, a pensionista acionou a justiça, mas perdeu em primeira instância. No recurso, ela argumentou que não mora com o pai de seus dois filhos; contudo, os magistrados entenderam que ela vive em união instável com o companheiro.

Foram colhidos depoimentos de vizinhos que confirmaram o fato, além de a mulher ter perfil em redes sociais em que se apresenta com o sobrenome do companheiro. Conforme o relator do recurso, o juiz convocado José Eustáquio Lucas Pereira, a união estável foi reconhecida pela Constituição Federal de 1988 como entidade familiar, equiparada ao casamento pela semelhança entre ambos.

“Há em ambos o comprometimento e assistência mútuos, a comunhão de vida e do patrimônio do casal, a divisão de responsabilidades e os contornos de entidade familiar; divergindo os institutos somente quanto ao modo de constituição, já que a união estável nasce da consolidação do convívio, prescindindo de qualquer formalidade legal para seu início”, afirmou.

O magistrado ainda analisou que, no procedimento administrativo instaurado pelo IPSM, foram incluídas diversas provas nas quais a mulher e/ou seu companheiro se identificaram com o estado civil de casados.

Algumas fotos anexadas ao processo também demonstraram que o casal mantém relacionamento público, porque aparece junto em imagens divulgadas nas redes sociais. Há fotografias em vários eventos, mostrando a constituição da união estável.

“Este fato foi corroborado pela oitiva dos vizinhos da recorrente, os quais afirmaram que o homem é companheiro da agravante e que ambos residem juntos”, concluiu o relator. Os dados do processo não serão informados para resguardar a identidade da autora. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-MG.