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Opinião: Campanhas dão voz a quem não tem contra o trabalho infantil

A divulgação da proibição por Lei do trabalho infantil e de seus malefícios é matéria-prima para o seu combate. Com companhas na mídia, têm-se a conscientização e as denúncias. Quando divulgamos que o trabalho infantil é proibido por Lei e que suas consequências são, por vezes, irreversíveis na vida da criança e do adolescente — como no caso de acidente de trabalho, com mutilação e perda membros — aquele que promove o trabalho infantil sente-se observado, vigiado. Além disso, quem presencia o trabalho infantil está sujeito a conscientizar-se e sente-se mais apto e fortalecido para denunciar.

Por isso, o Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do Tribunal Superior do Trabalho, do qual sou Gestora Regional, em Santa Catarina, tem, como uma de suas ações, a divulgação da proibição do trabalho infantil e de seus efeitos maléficos. Quanto mais ampla for a divulgação, a ponto de ser alcançado um número maior de pessoas, melhor e maior será o efeito da missão de combater o trabalho infantil.

Dia 12 de junho é o destacado para mundialmente ser recordado o combate ao trabalho infantil como forma de permanente lembrança dessa importante missão que a todos compete, sem prejuízo da luta diária que deve ser travada. O Brasil firmou o compromisso de erradicar as piores formas de trabalho infantil até 2020 e está alinhado com a meta de erradicação integral até 2025. Trata-se, sem dúvida, de um objetivo arrojado, ainda mais em tempos de pandemia.

São 1,8 milhões de crianças e adolescentes trabalhando, segundo estudo oficial do IBGE, sem considerar o número de 700 mil que realizam trabalho na produção para o próprio consumo, no cuidados de pessoas, ou em afazeres domésticos, o que, também, configura trabalho infantil, sem dúvida.

Somados os números, temos 2,5 milhões de crianças e adolescentes trabalhando. Na pandemia, as consequências para crianças e adolescentes vão muito além das questões de ordem econômica, gerando impactos que poderão comprometer, danificar de forma definitiva e duradoura o futuro delas e de todos nós. As experiências crises de saúde e sanitárias anteriores — não tão graves como a pandemia do coronavírus — demonstraram que as crianças e os adolescentes são as que correm o maior risco de exploração no âmbito do trabalho, inclusive sexual, e de abuso de forma geral, porque deixam de ir à escola, interrompendo o seu contato com professores, com serviços sociais e com a rede de proteção.

O distanciamento social decorrente da pandemia ocasiona a proximidade, com maior frequência, entre vítima e explorador, ou agressor. A presença contínua da criança e do adolescente em casa torna-os mais vulneráveis e suscetíveis à exploração e à agressão. A paralisação da atividade escolar, em conjunto com a maior aproximação com aquele que explora e agride, ocasiona maior vulnerabilidade às crianças e aos adolescentes. O trabalho infantil, em tempos de pandemia, torna-se, por vezes, uma necessidade para as famílias, em razão do desemprego e da grave crise econômica. A exploração sexual, uma das piores formas de trabalho infantil, em razão da falta de conscientização, da pobreza, aliadas à necessidade mais latente decorrente da crise do coronavírus, é meio de sobrevivência para muitos em todo este País.

De grande atrocidade é a situação de meninas que casam com homens com mais de 50 anos, sendo uma forma de exploração sexual disfarçada em um relacionamento. Segundo o Unicef, em 2019, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de casamentos infantis, assim considerados os ocorridos antes dos 18 anos. Não só as crianças e adolescentes das classes mais vulneráveis estão suscetíveis à exploração e ao abuso, mas também as que estão em casa, de classe média, no famoso e atual sistema de homeschoooling, com pais ocupados e muito preocupados com a manutenção de suas fontes renda, estão, com o uso da tecnologia digital, sujeitos ao abuso, à violência e à pornografia.

A situação é de extrema gravidade. Faz-se necessária, urgentemente, uma ação conjunta, sob pena de a pandemia — crise da saúde e sanitária — torna-se, historicamente, a negação completa e absoluta a direitos da criança e do adolescente. Precisamos do trabalho do governo e da sociedade civil, para mantermos a integridade física, moral e psíquica de crianças e de adolescentes. O trabalho em defesa das crianças e dos adolescentes envolve ações do governo, garantindo aos trabalhadores e às empresas meios dignos de ultrapassarem a crise, com a concessão de recursos, isenção e redução de impostos, garantias de salário e de emprego. Envolve, também, ações humanitárias da sociedade civil, o que, aliá, se vê muito presente nos dias de hoje.

Ficarmos inertes representará o fim da dignidade de crianças e de adolescentes e de seu futuro. E, para você que está, aí, sentado, confortável na sua casa, lendo esse texto, pensando que ele não te atinge, porque seu filho de 12 anos está seguro e você tem meios financeiros de garantir-lhe sucesso, pense, dentro do seu egoísmo e da sua parca visão de mundo, que o futuro de seu filho e de outros filhos de outras mães e outros pais poderá, infelizmente, não chegar, pois existem inúmeros fatores que certamente advirão da falta de dignidade que atingirá crianças e adolescentes e que poderão interromper esse caminhar natural.

Então, juntos, ajamos para que os impactos ocultos da pandemia em nossas crianças e em nossos adolescentes não comprometam de forma definitiva o nosso planeta. E como agir? Conscientizando todos que estão a nosso volta e denunciando. Sejamos a voz daqueles que, ainda, não a tem, para que, um dia, possam tê-la de forma plena.

Patrícia Pereira de Sant’Anna é juíza do TRT da 12ª Região (SC), gestora regional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, conselheira da Anamatra e diretora de Comunicação da Amatra 12.

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Oliva e Brenes: Sobre a exploração sexual infantil

A Lei nº 9.970, de 17 de maio de 2000, instituiu 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Referida lei foi editada em razão do assassinato da menina Araceli [1], em 18 de maio de 1973, à época com apenas oito anos de idade, que, antes de ser morta, foi drogada e estuprada por adolescentes de classe média alta da cidade de Vitória, crime que até hoje permanece impune.

A data foi estabelecida com o escopo de mobilizar e conscientizar a sociedade sobre o estigma, as marcas indeléveis que o abuso e a exploração sexual deixam nas crianças e nos adolescentes [2]. Isso porque o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro ao dispor que as crianças e os adolescentes são sujeitos de direito e não podem ser objetos de negligência, exploração, violência, crueldade e opressão.

O abuso sexual caracteriza-se por um ato ou jogo sexual entre um ou mais adultos com uma criança ou adolescente, a fim de estimulá-los sexualmente ou utilizá-los para obter estimulação sexual para si, o que, normalmente, acontece no seio familiar por pessoas com laços parentais (pais, tios, avós, entre outros), ou seja, por pessoas que, a princípio, estariam acima de qualquer suspeita.

Já a exploração sexual ocorre com a intenção de obter vantagem financeira, quando a criança e/ou adolescente são usados como instrumentos de obtenção de lucro por quem os oferece e, também, para satisfação da lascívia de quem paga.

Infelizmente, em grande parte das vezes, esse tipo de crime consuma-se com a conivência e até mesmo colaboração dos pais.

Conforme bem analisado em valiosa cartilha do Ministério Público Federal Procuradoria da República em Mato Grosso do Sul (MPF, 20- -), o abuso e a exploração sexual deixam marcas para a vida toda. As vítimas de violência sexual infantil sofrem danos físicos, podem contrair doenças venéreas e até engravidar. Além desses malefícios, os maiores danos decorrentes da violência sexual afetam a alma das crianças e adolescentes, que não conseguem se relacionar com outras pessoas, tonando-se retraídas, agressivas, sem autoestima, com tendências à depressão e ao suicídio.

Esses males impõem-nos o dever de ficarmos atentos aos primeiros sinais de que a criança e/ou adolescente sofreram violência sexual.

Entre os sinais é possível destacar: criança alegre e afetuosa que se torna retraída, triste, chorosa, irritada, agressiva, passa a ter pesadelos e sono agitado, começa a falar palavrões e a realizar gestos obscenos, demonstra demasiado interesse pelos órgãos genitais, apresenta baixo rendimento escolar, começa a ter medo de ir a lugares dos quais gostava e costumava frequentar, apresenta vermelhidão ou lesões nos órgãos genitais e sujeira incomum nas roupas íntimas, entre outras características (MPF, 20- -).

A ação ou a omissão de submeter crianças e adolescentes à exploração sexual configura crime com pena de reclusão de quatro a dez anos e multa, além de perda de bens e valores utilizados na prática criminosa em favor do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente da unidade da federação em que o crime se verificou. Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a submissão da criança ou adolescente à exploração sexual, consoante prevê o artigo 244-A e § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Relevante dizer também que a Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho e o Decreto nº 6.481/2008 estabelecem que a utilização, a demanda e a oferta de criança para fins de exploração sexual, produção de pornografia ou atuações pornográficas estão entre as piores formas de trabalho infantil Lista TIP.

Outrossim, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Consolidação das Leis do Trabalho proíbem o trabalho de adolescentes em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social (ECA, artigo 63, III; CLT, artigos 403, parágrafo único, e 405, II).

Portanto, para evitar os traumas e a fissura que os atos de violência sexual provocam na alma das crianças e dos adolescentes, é preciso que atuemos de forma preventiva, adotando providências como orientar as crianças no sentido de que ninguém deve tocar suas partes íntimas (aquelas que, na menina, são cobertas pelo biquíni e, no menino, pela sunga); a não ficar sozinhas na companhia de estranhos; a gritar por socorro quando alguém tentar tocar suas partes íntimas; a não ficar sozinhas em banheiros públicos e com pessoas alcoolizadas, enfim, a proteger-se (MPF, 20- -). Necessário, também, que pais e responsáveis ou, quando estes também de alguma forma forem coniventes, cúmplices, quaisquer outros, familiares ou não, velem para que tais exposições não ocorram e supervisionem, ainda, acessos à internet e às redes sociais.

É preciso, por fim, que para vivificar o princípio da proteção integral e absolutamente prioritária que deve ser devotada a crianças e adolescentes (artigo 227 da CRFB e ECA), o Estado e a sociedade (também a comunidade, com ideia de maior proximidade), bem como a família, organizem-se para evitar que crianças e adolescentes sejam vítimas de atos (comissivos ou omissivos) de violência sexual, a fim de assegurar-lhes o desenvolvimento físico, moral, psíquico e social para que desenvolvam todas as suas capacidades e habilidades na mais absoluta plenitude, tão necessárias para o exercício de uma vida adulta saudável e realizada.

Não fique em silêncio. Denuncie. Disque 100.

“Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes”. (Abraham Lincoln)

 

Referências bibliográficas:

BRASIL, CÂMARA DOS DEPUTADOS. PL 267/1999. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23MAR1999.pdf#page=10>. Acesso em: 16/5/2020.

BRASIL, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes: Marcas para a vida toda. Procuradoria da República em Mato Grosso do Sul, [20- -], [S.l.: s.n.].

 é juiz do Trabalho substituto do TRT da 15ª Região e coordenador do Juizado Especial da Infância e Adolescência (JEIA) de Presidente Prudente (SP).

 é juiz do Trabalho aposentado do TRT da 15ª Região e ex-coordenador do Juizado Especial da Infância e Adolescência (JEIA) de Presidente Prudente (SP).