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Raquel Gallinati: Segurança das crianças na quarentena

O último dia 18 foi o Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Essa data foi criada para ser um alerta sobre a vulnerabilidade dos menores frente aos riscos de abusos e exploração e atualmente, em meio à quarentena forçada pela pandemia da Covid-19, ganha uma importância ainda maior.

Pode parecer um contrassenso, mas é na intimidade do lar onde as crianças estão confinadas que reside também o maior risco de abusos sexuais contra elas.

Em 2019, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos apresentou relatório afirmando que quase 90% dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes são registrados no ambiente familiar.

Em 2018, o Disque 100, telefone do ministério para atender casos dessa natureza, recebeu 17.093 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes. Desse total, 13.418 foram de abuso e as demais direcionadas à exploração sexual.

Pelos registros, 73,4% das vítimas foram meninas e 18,6%, meninos. Os outros percentuais não continham identificação do sexo. Mas isso não significa que existe um perfil de risco. A violência sexual contra a infância pode atingir a todos, sem distinção de gênero ou condição social.

Sem a denúncia, é impossível para a polícia saber o que ocorre dentro de cada lar. Por isso, a prevenção assume papel ainda mais importante.

É preciso ter atenção redobrada sobre as crianças. Mudanças de comportamento e humor podem ser indícios de que algo não vai bem.

Também é fundamental ensinar as crianças desde cedo sobre a necessidade de proteger seu corpo. Abraços e beijos em outras pessoas, mesmo que conhecidas, não devem ser forçados.

Outro fator aumenta o risco na quarentena: a internet. Mesmo que a criança esteja protegida em ambiente seguro, o perigo pode estar nas mãos dela, no smartphone.

Utilizada como entretenimento, a rede expõe as crianças aos criminosos. Eles podem entrar em contato via redes sociais e estar cometendo abuso com mensagens impróprias ou solicitando o envio de fotos, por exemplo.

A criança pode estar sendo vítima silenciosamente mesmo sentada no sofá, ao lado dos pais.

Na Espanha, por exemplo, foi registrado aumento de 25% nos downloads de material pornográfico infantil em março, segundo dados divulgados pela Europol.

Essa é uma atividade criminosa que, como o vírus, coloca todo o mundo em risco, independentemente de distâncias ou fronteiras.

Para evitar o problema, os pais devem orientar bem seus filhos sobre os perigos de contato com desconhecidos na internet e, periodicamente, verificar seus celulares e computadores.

Quando os cuidados não impedem o crime, todos os que tiverem conhecimento de casos de violência contra crianças ou adolescentes podem denunciar pelo Disque 100.

Vizinhos, amigos e familiares não podem se omitir. Todas as delegacias de polícia do Estado de São Paulo estão aptas a receber as denúncias e agir.

Se tiver conhecimento de um caso de violência, rompa o isolamento, coloque uma máscara e vá até uma delegacia. A segurança de nossas crianças pode depender disso.

Raquel Gallinati é presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia de São Paulo.

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Fabrício Dias: Incontrovérsia e eficácia imediata da sentença

Após muitos debates acerca da dotação de eficácia imediata à sentença, o Código de Processo Civil de 2015 optou pela negativa, a apelação continua a ter efeito suspensivo, salvo algumas exceções estabelecidas pelo § 1º do artigo 1.012.

Todavia, é possível vislumbrar uma hipótese não prevista no citado dispositivo em que a sentença pode produzir efeito imediato: incontrovérsia em relação à totalidade ou a parte do pedido.

Comecemos pela primeira situação.

Quando o réu não apresenta contestação, é decretada sua revelia e presumem-se verdadeiras as alegações do autor, permitindo ao juiz o julgamento antecipado do mérito, nos termos do artigo 355, inciso II, do Código de Processo Civil.

Seria um contrassenso que a apelação tivesse efeito suspensivo nessa hipótese. O artigo 311, inciso IV, do código possibilita a concessão (a nosso ver inclusive de ofício, como defendemos em outro artigo) da tutela de evidência, quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”. Sabe-se que a tutela de evidência retira o efeito suspensivo da apelação (CPC, artigo 1.012, § 1º, V).

Se o réu é revel ele sequer apresentou prova contraposta à do autor, salvo na hipótese do artigo 349. E se o juiz profere o julgamento antecipado do mérito é porque não estão presentes os obstáculos do artigo 345. A ratio do inciso IV do artigo 311 verifica-se com ainda mais força quando o réu não contesta.

Passemos para a segunda situação.

A incontrovérsia quanto à parcela do pedido autoriza o julgamento antecipado parcial do mérito, conforme estabelece o artigo 356, inciso I, do Código de Processo Civil.

Importante fazer aqui um parêntese que contribui para a conclusão sobre a eficácia imediata da sentença. É vedado e configura litigância de má-fé “deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso” (CPC, artigo 80, I). Não se consegue imaginar como o réu poderia recorrer sem violar esse dispositivo.

Voltando ao cerne da questão, o recurso contra a decisão interlocutória que julga antecipada e parcialmente o mérito é o agravo de instrumento, que não possui efeito suspensivo. O simples fato de o pronunciamento judicial ser uma sentença quando era possível o julgamento antecipado parcial de mérito não pode deixar o autor à espera do julgamento da apelação que vier a ser interposta.

Isso pode acontecer de duas maneiras: a) há parcela incontroversa e o magistrado deixa de proferir julgamento antecipado parcial do mérito, deixando por resolver toda a demanda após a instrução, na sentença; e b) há parcela incontroversa e quanto à outra parte não há necessidade de instrução (presença simultânea dos incisos I e II do artigo 355), quando então a demanda será resolvida em julgamento antecipado total do mérito, por sentença.

Nesses casos, quanto ao capítulo da sentença que decidiu sobre a parcela incontroversa, a produção de efeitos será imediata. No tocante ao item “a”, não é porque o magistrado deixou para decidir essa parcela na sentença, e não antes por decisão interlocutória, que o autor ficará prejudicado. Em relação ao item “b”, a impossibilidade de julgar parcialmente o mérito por decisão interlocutória já que é caso de julgamento antecipado de todo o mérito também não pode maleficiar o autor. Há de se interpretar sistematicamente o Código.

Por fim, ainda é possível concluir que os argumentos apresentados para essa segunda situação servem para fundamentar a primeira, pois a revelia não deixa de ser uma incontrovérsia (total) em relação ao pedido. A mens legis é possibilitar a eficácia imediata da sentença que julga pedido incontroverso.

A interpretação sistemática do Código de Processo Civil evidencia, portanto, outras hipóteses além daquelas dispostas no § 1º do artigo 1.012 em que o recurso de apelação não terá efeito suspensivo. Assim, retira-se dos ombros do autor o ônus do tempo no processo cuja possibilidade de reversão da decisão é remota (primeira situação) e naquele em que já houve o trânsito em julgado do capítulo (segunda situação), conferindo-se efetividade à tutela jurisdicional.