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Severi, Maito e Moyses: Os direitos humanos das mulheres

Ficar em casa. Essa é uma das principais orientações de governos e de organismos internacionais de saúde para o enfrentamento à pandemia da Covid-19. Mas essa recomendação não é algo simples de ser cumprido para muitas pessoas e grupos sociais. Como se manter em casa, por exemplo, quando não se tem acesso à moradia, ou quando a diminuição da renda decorrente das medidas de distanciamento social impacta negativamente na capacidade de se manter em dia o contrato de aluguel?

A ONU Mulheres, por exemplo, publicou um documento [1] em março de 2020 alertando para a necessidade de que os poderes públicos considerassem a dimensão de gênero, em perspectiva interseccional, na gestão da situação de emergência da Covid-19, a fim de mitigar os efeitos desproporcionais das medidas de distanciamento social sobre a vida das mulheres e meninas. Já temos acompanhando o efeito da redução da atividade econômica sobre as trabalhadoras informais, por exemplo. Muitas mulheres, chefes de família, perderam seu meio de subsistência imediatamente e tiveram um acréscimo da carga de trabalho não remunerado relacionada ao cuidado de familiares.

A incorporação da perspectiva de gênero no processo de tomada de decisão pública, em todos os processos de tomada de decisão, já era uma exigência decorrente da Lei Maria da Penha e dos diversos tratados internacionais de direitos humanos das mulheres, antes da pandemia se instalar. Mas vamos deixar para outro momento a discussão sobre o grau de compromisso com o qual os poderes públicos brasileiros vinham realizando tal empreitada antes da pandemia provocada pelo novo coronavírus se instalar. Aqui, nosso interesse é discutir uma das respostas recentes do sistema de Justiça sobre revisão temporária de contrato de aluguel. Entendemos que ela buscou levar a sério as consequências econômicas extremas que mulheres chefes de família estão enfrentando em tempos de pandemia e constitui um tipo de resposta do sistema de Justiça que pode servir de referência tanto na decisão de outros casos semelhantes, quanto na expansão do uso da abordagem de gênero na análise de casos judiciais em outras áreas do Direito.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP), procurada por uma mulher, chefe de família, ingressou com uma ação judicial de revisão contratual com pedido de tutela provisória de urgência cumulado com interdito proibitório de despejo. Por meio da atuação das defensoras Gabriele Estábile Bezerra e Carolina Gurgel Lobo, o processo tramitou perante a 2ª Vara Cível do Foro Regional VII Itaquera do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. A ação buscou garantir o direito à moradia da família, na qual a mãe, única responsável por suas duas filhas menores, ficou desempregada como consequência das medidas de distanciamento social e, por isso, não conseguia mais arcar com o aluguel de sua moradia em sua totalidade, pois única fonte de renda da família passou a ser a pensão alimentícia recebida por uma de suas duas filhas. Como locatária do imóvel em que reside, ela havia pedido ao locador uma diminuição temporária do valor de R$ 1 mil referente à prestação do aluguel. Além de não aceitar qualquer acordo, o locador ameaçou expulsar a mulher e as filhas à força caso ela não pagasse o valor previsto.

As defensoras embasaram o pedido nas chamadas teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva (artigos 317, 478 e 480 do Código Civil). A primeira prevê, como medida de garantia da justiça contratual, que o valor das prestações de uma obrigação possa ser corrigido judicialmente, quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier uma desproporção entre o valor devido no ato da contratação e o momento de sua execução. A teoria da imprevisão admite a revisão ou resolução do contrato em caso de acontecimento superveniente e imprevisível que desequilibre a base econômica do negócio, impondo a uma das partes uma obrigação excessivamente onerosa.

O contrato em questão estava vigente desde novembro de 2019 e tinha o prazo de duração de um ano, portanto, não cumpria o requisito de três anos de vigência previsto na lei do inquilinato (Lei nº 8.245/1991) para a revisão judicial do aluguel. Por isso, foram invocadas as teorias acima apontadas, considerando que a pandemia da Covid-19 e a consequente perda do emprego da inquilina são acontecimentos supervenientes e imprevisíveis que desequilibraram a base econômica do aluguel, impondo-lhe uma obrigação impossível de ser adimplida nas atuais circunstâncias.

O juiz Antonio Marcelo Cunzolo Rimola, reconhecendo a situação excepcional em que se encontram a autora do pedido e sua família, deferiu, liminarmente, a diminuição do aluguel, no valor de 30% do valor original, e concedeu o interdito proibitório para assegurar a posse da locatária no imóvel. A decisão, ao mesmo tempo em que assegurou o direito de moradia da família, reconheceu também a necessidade de manutenção de algum valor a título de aluguel, para que o proprietário não tenha prejuízos desproporcionais. Não há, na decisão, menção explícita de que o juiz tenha feito uso da abordagem de gênero na apreciação do caso. Mas, ao analisarmos a resposta judicial sob essa perspectiva, podemos perceber um tipo de juízo que dirigido a assegurar a garantia do direito à igualdade e não-discriminação.

No Brasil, a maioria da população que vive abaixo da linha da pobreza é composta de mulheres negras e chefes de família [2]. Em 2018 [3], a participação das mulheres no mercado de trabalho era quase 20% inferior à dos homens e, além disso, das mais de 6,2 milhões de pessoas desempregadas, 4,5 milhões eram mulheres. Em relação aos rendimentos das pessoas ocupadas [4], as mulheres, de um modo geral, recebem 78,7% do valor dos rendimentos dos homens e as mulheres negras, 44,4% do valor dos rendimentos dos homens brancos. Aliado a essa situação há o fato de que, segundo o CNJ [5], no ano de 2011 cerca de 5,5 milhões de crianças e adolescentes não tinham o nome do pai no registro de nascimento. São esses grupos de mulheres, portanto, que possivelmente sofrerão os efeitos econômicos extremos da pandemia.

Há diversas perspectivas jurídicas feministas que, há muito tempo, têm desenvolvido críticas profundas aos modelos de tomada de decisão com base em raciocínios puramente abstratos, essencialistas ou formulados em modelos de opostos duais. Em substituição, elas sugerem modelos de tomada de decisão que partem das experiências sociais de exclusão das mulheres ou de outros grupos e categorias vulneráveis para a construção de verdades situadas contextualmente que possam diminuir a arbitrariedade. Há, nesse campo, muitos modelos críticos que ajudam a revelar aspectos de um problema jurídico que os métodos tradicionais tendem a ignorar.

A autora Katharine Bartlett [6] é conhecida por sistematizar alguns destes métodos, classificando-os da seguinte maneira: 1) a “pergunta pela mulher”, que consiste tentar compreender quais as implicações de determinada norma ou decisão para as mulheres afetadas, levando em consideração outros marcadores da diferença que se interseccionam com o gênero; 2) o “raciocínio prático feminista”, que, à semelhança da razão prática aristotélica, busca a atenção às múltiplas particularidades de cada caso, que podem determinar novas interpretações de regras e princípios abstratos (no caso da razão prática feminista, explicitamente, busca-se a atenção a dimensões e perspectivas não representadas por teorias e raciocínios jurídicos tradicionais, que geralmente refletem uma estrutura de subordinação feminina); e 3) o “aumento da consciência”, que consiste em compartilhar experiências individuais, de modo a ser possível encontrar padrões que emergem destas e teorizar a respeito destes, em uma relação dialética entre teoria e prática.

Na decisão mencionada, a pergunta pela mulher foi realizada, ao se considerar a condição socioeconômica concreta da autora e os efeitos desproporcionais que a manutenção dos termos do contrato ou do seu rompimento trariam para a mulher e filhos em meio à atual crise sanitária. As particularidades do caso foram o suporte para organização da argumentação jurídica realizada pelas defensoras e acatadas pelo juiz responsável pela análise do caso. Além de atender às especificidades do caso concreto, a decisão também amplia os contornos das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva e se coloca como um precedente importante tanto para outros casos similares, quanto para a discussão sobre os direitos das mulheres.

A aplicação de uma perspectiva de gênero na tomada de decisão judicial permite explicar como as relações entre as pessoas são perpassadas pelo poder e como a desigualdade no exercício do poder gera violência e discriminação. Uma decisão judicial que toma como ponto de partida a situação de maior vulnerabilidade das mulheres, que se encontram hoje expostas às consequências econômicas mais severas da gestão da crise sanitária, contribui, sem dúvida, para evitar a perpetuação da violência e para ampliar a consciência jurídica em favor do respeito ao princípio da igualdade e não-discriminação.

 


[1] Ver: ONU Mulheres. Gênero e Covid-19 na América Latina e no Caribe: dimensões de gênero na resposta. ONU Mulheres, março de 2020. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ONUMULHERES-COVID19_LAC.pdf?fbcl id=IwAR0EEDjzesLlTMu4tHG7P5hvBwZ_aDbnY0bPnZ4LMC2RTNrRGDlbz71OuZ4.

[6] Publicado em Harvard Law Review, v. 103, n. 4, fevereiro de 1990. Tradução de Diego Aranda. BARTLETT, Katharine. Métodos Legales Feministas. Seminario de Integración en Teoría General del Derecho: Feminismo y Derecho. 2008.

 é professora no curso de graduação e no programa de pós-graduação da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP) e coordenadora do Centro de Estudos em Direito e Desigualdades (CEDD) da FDRP-USP.

Juliana Fontana Moyses é advogada, mestra pela FDRP-USP, doutoranda na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e professora no Centro Universitário Unifafibe.

Deíse Camargo Maito é advogada, mestra pela FDRP-USP e doutoranda na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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Carf analisa os efeitos da postergação no lançamento

Precedente indica que efeitos da postergação podem ser considerados durante o curso do processo

Hoje nos debruçaremos sobre o entendimento do Carf firmado em precedente da 1ª Turma da CSRF (Câmara Superior de Recursos Fiscais) que analisou os efeitos da postergação no lançamento, ainda que não considerados pela autoridade fiscal no momento da formalização da exigência, incluindo-se a discussão quanto ao ônus probatório nessas situações.

Trata-se do Acórdão nº 9101-004.212[1], julgado na sessão de 04 de junho de 2019, em processo cujo lançamento dizia respeito à exigência de IRPJ decorrente de compensação indevida de prejuízo fiscal de períodos anteriores.

Antes de adentrarmos no cerne da decisão, convém fazermos uma breve síntese sobre o tema.

A matéria é tratada no atual art. 285 do RIR/2018[2] e basicamente determina que, quando receitas, rendimentos, custos ou deduções, ou ainda reconhecimento de lucro, forem registrados no período de apuração incorreto somente redundará em lançamento nas hipóteses em que houver postergação do pagamento de imposto para período de apuração posterior ao que seria devido, ou quando redundar em redução indevida do lucro real. Já tendo havido recolhimento de imposto decorrente desse registro equivocado, o lançamento da diferença deverá ser realizado pelo valor líquido, depois de deduzido o imposto já pago, sem prejuízo da cobrança de multa moratória e juros de mora pelo prazo em que tiver ocorrido a postergação.

Retornando ao citado precedente, na parte que interessa ao presente estudo, o acórdão em recurso voluntário nº 1402-00.534 havia dado provimento ao apelo do contribuinte concluindo que como o lançamento não havia levado em consideração a ocorrência de postergação, não caberia aos julgadores aperfeiçoar o lançamento.

A PGFN apresentou recurso especial citando dois paradigmas em que o entendimento firmado permitiria que, ainda que o lançamento não tivesse levado em consideração a hipótese de postergação, seus efeitos poderiam ser aplicados em sede de julgamento, a depender de prova que caberia ao contribuinte trazer aos autos.

Nesse ponto, o recurso da PGFN foi admitido por unanimidade de votos.

Relembramos que o mérito do lançamento era que o contribuinte, no ano de 1997, tendo apurado lucro real no período, o compensou em percentual superior ao limite fixado em lei (30%) com prejuízos fiscais apurados em períodos anteriores.

O relator do acórdão em análise concluiu ter havido falha no lançamento, uma vez que o excesso de compensações no ano de 1997 poderia ter sido compensado nos anos seguintes, o que redundou em recolhimento a maioria de IRPJ nesses períodos, fato não observado pela autoridade fiscal autuante no momento da lavratura do auto de infração, ou seja, deveria o Fisco ter exigido o tributo sob a forma de postergação, nos termos do art. 273 do RIR/99 (atual art. 285 do RIR/2018). Segundo o voto do relator, esse dispositivo não deixaria dúvidas sobre o procedimento a ser adotado pelo Fisco, e que a inobservância dessa regra não poderia ser classificada como mero erro de cálculo passível de correção pelas instâncias julgadoras, mas sim em erro material que levaria à nulidade da exigência.

A discussão travada no âmbito do colegiado ensejou a necessidade de votações sucessivas, a teor do que dispõe o art. 60 do Anexo II do RICARF[3]: em primeira votação, o relator, acompanhado por uma conselheira, encaminhou seu voto por negar provimento ao recurso da Fazenda Nacional, três conselheiros votaram por lhe dar provimento integral, ou seja, restabelecer integralmente a exigência, e outros três por lhe dar provimento parcial para que os cálculos referentes à postergação fossem executados em sede de liquidação da decisão. Em segunda votação, novamente só dois conselheiros votaram por negar provimento ao recurso da PGFN, prevalecendo o provimento parcial ao recurso, cuja redação do voto vencedor ficou a cargo da Conselheira Edeli Pereira Bessa.

O voto condutor do aresto, nesse ponto, iniciou citando a aplicação do enunciado nº 36 da Súmula Carf ao caso concreto, verbis:

Súmula Carf nº 36: A inobservância do limite legal de trinta por cento para compensação de prejuízos fiscais ou bases negativas da CSLL, quando comprovado pelo sujeito passivo que o tributo que deixou de ser pago em razão dessas compensações o foi em período posterior, caracteriza postergação do pagamento do IRPJ ou da CSLL, o que implica em excluir da exigência a parcela paga posteriormente. (Vinculante, conforme Portaria MF nº 383, de 12/07/2010, DOU de 14/07/2010). Acórdãos Precedentes:

Acórdão nº 103­22679, de 19/10/2006 Acórdão nº 105­16138, de 08/11/2006 Acórdão nº 105­17260, de 15/10/2008 Acórdão nº 107­09299, de 05/03/2008 Acórdão nº 108­09603, de 17/04/2008.

A partir da redação desse enunciado, concluiu a conselheira redatora que “seria válido interpretar que referido enunciado, ao condicionar a exclusão da parcela paga posteriormente à comprovação pelo sujeito passivo que o tributo que deixou de ser pago em razão dessas compensações o foi em período posterior, afasta a possibilidade de se imputar ao Fisco o dever de aferir eventuais compensações futuras dos prejuízos ou das bases negativas disponibilizados com a glosa, cabendo ao sujeito passivo prová­las ao longo do processo administrativo”.

Com o intuito de comprovar essa tese, o voto vencedor passou a analisar os paradigmas que deram ensejo à edição da referida súmula.

No primeiro precedente, Acórdão nº 103-22.679, destacou-se que nas infrações decorrentes da inobservância da limitação na compensação de prejuízos fiscais ou bases negativas de CSLL de períodos anteriores, a exigência de ofício, impondo a limitação dessa compensação a 30% do lucro real ou base de cálculo – apurados antes dessa compensação –implica o direito à utilização em períodos futuros dos valores não compensados pela trava imposta, ensejando ainda a caracterização de possível postergação do pagamento de IRPJ ou CSLL.

Faço aqui um parêntese: para que essa compensação venha a ocorrer, nos períodos posteriores, necessariamente, o contribuinte deve ter apurado lucro real ou base de cálculo de CSLL positiva e não possuir saldos de prejuízos fiscais ou de base de cálculo negativa de CSLL suficientes para compensar 30% desses resultados. Portanto, além do pagamento de IRPJ e CSLL nesses períodos, essas são condições necessárias para caracterização da postergação.

Retornando ao Acórdão nº 103-22.679, o voto ora em análise destacou que, naquele precedente, concluiu-se que embora a recorrente tivesse arguido em sua peça recursal a ocorrência de postergação, não teria trazido aos autos qualquer documento que permitisse atestar o resultado auferido nos períodos posteriores e de que forma esses afetariam a exigência em discussão naqueles autos, rejeitando, assim, o pedido do reconhecimento de postergação no caso concreto.

Já no Acórdão nº 105-16.138, a exigência dizia respeito ao ano-calendário de 1995 em que o contribuinte também não obedecera à limitação de 30% na compensação do lucro real com prejuízos fiscais de períodos anteriores. Nesse precedente, o lançamento, realizado em 1999, também não levou em consideração a possível existência de postergação entre o ano de 1995 e o de 1998. Em sede de impugnação/recurso voluntário, o contribuinte anexou aos autos as declarações transmitidas ao Fisco relativas aos anos-calendário de 1996 e 1999. Em relação à primeira, o voto condutor daquele precedente chamou a atenção para o fato de o contribuinte ter apurado valores positivos de lucro real e base de cálculo de CSLL sem ter procedido à compensação de até 30% desses valores com os prejuízos fiscais de períodos anteriores, acabando por recolher, nos períodos posteriores, IRPJ e CSLL que compunham parte da exigência em discussão naqueles autos (relativa ao ano-calendário de 1995), ou seja, o contribuinte houvera comprovado, ao menos parcialmente, a existência de postergação. Em relação aos anos-calendário de 1997 e 1998 o contribuinte não trouxe qualquer prova aos autos, e, embora tivesse juntado aos autos a DIPJ de 2000 (referente ao ano-calendário de 1999), como o lançamento foi realizado naquele próprio ano, não haveria que se falar em postergação. Desse modo, o recurso do contribuinte foi provido parcialmente a fim de se reconhecer a postergação relativa aos pagamentos de IRPJ e CSLL já realizados no ano de 1996.

No Acórdão 105-17.260, por sua vez, mais uma vez a existência de postergação não foi acatada em razão de o contribuinte não ter trazido aos autos “comprovação inequívoca de que o imposto que deixou de ser pago relativamente ao ano-­calendário foi, em período subsequente e antes do lançamento de oficio, devidamente quitado”.

Outro precedente da Súmula Carf nº 36 foi o Acórdão nº 107-09.299, em que, a comprovação da postergação se deu por meio da apresentação de provas trazidas aos autos pelo contribuinte em sede de recurso, ou seja, a autoridade fiscal autuante sequer averiguou a ocorrência de postergação no momento do lançamento. Nesse caso, foi dado provimento ao recurso para excluir do lançamento o valor de CSLL já recolhido em razão da comprovação da postergação.

O último precedente analisado foi o Acórdão nº 108-09.603, em que, após o contribuinte apresentar indícios da postergação, em sede de diligência buscou-se sua comprovação inequívoca. Corroborada a alegação do contribuinte, entendeu-se que, em razão da decadência, o lançamento não mais poderia ser alterado, cancelando-se a exigência em que se aplicariam os efeitos da postergação.

Após a análise dos precedentes que embasaram a edição da Súmula Carf nº 36, concluiu a redatora do voto em análise que os lançamentos foram validados quando o sujeito passivo não fez a prova da postergação, ao passo que, nas hipóteses em que houve evidência suficiente de sua ocorrência, as exigências foram reduzidas proporcionalmente aos recolhimentos já efetuados em razão da postergação.

Desse modo, concluiu-se que o acórdão de recurso voluntário deveria ser reformado parcialmente admitindo-se, na liquidação do acórdão, a imputação proporcional dos tributos postergados, uma vez que o contribuinte, embora não houvesse anexado aos autos as DIPJ dos períodos posteriores, teria elaborado tabelas evidenciando o lucro real apurados nesses períodos e a consequente ocorrência de postergação.

Conforme se observa, nesse julgado a 1ª Turma da CSRF firmou o entendimento de que, ainda que a autoridade fiscal não considere os efeitos da postergação no lançamento, caso o contribuinte instrua seus recursos com a prova de sua ocorrência, a exigência pode ser reformada, não para cancelar o lançamento, e sim para deduzir os valores de IRPJ e de CSLL recolhidos de forma postergada entre o período imediatamente posterior à ocorrência do fato gerador e àquele anterior à formalização do lançamento.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas sim uma análise dos seus precedentes publicados no sítio virtual do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 é conselheiro presidente da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do Carf, auditor fiscal da Receita Federal, instrutor da Escola de Administração Fazendária (Esaf) e professor em cursos de especialização na Unisinos, Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUCRS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo.