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Severi, Maito e Moyses: Os direitos humanos das mulheres

Ficar em casa. Essa é uma das principais orientações de governos e de organismos internacionais de saúde para o enfrentamento à pandemia da Covid-19. Mas essa recomendação não é algo simples de ser cumprido para muitas pessoas e grupos sociais. Como se manter em casa, por exemplo, quando não se tem acesso à moradia, ou quando a diminuição da renda decorrente das medidas de distanciamento social impacta negativamente na capacidade de se manter em dia o contrato de aluguel?

A ONU Mulheres, por exemplo, publicou um documento [1] em março de 2020 alertando para a necessidade de que os poderes públicos considerassem a dimensão de gênero, em perspectiva interseccional, na gestão da situação de emergência da Covid-19, a fim de mitigar os efeitos desproporcionais das medidas de distanciamento social sobre a vida das mulheres e meninas. Já temos acompanhando o efeito da redução da atividade econômica sobre as trabalhadoras informais, por exemplo. Muitas mulheres, chefes de família, perderam seu meio de subsistência imediatamente e tiveram um acréscimo da carga de trabalho não remunerado relacionada ao cuidado de familiares.

A incorporação da perspectiva de gênero no processo de tomada de decisão pública, em todos os processos de tomada de decisão, já era uma exigência decorrente da Lei Maria da Penha e dos diversos tratados internacionais de direitos humanos das mulheres, antes da pandemia se instalar. Mas vamos deixar para outro momento a discussão sobre o grau de compromisso com o qual os poderes públicos brasileiros vinham realizando tal empreitada antes da pandemia provocada pelo novo coronavírus se instalar. Aqui, nosso interesse é discutir uma das respostas recentes do sistema de Justiça sobre revisão temporária de contrato de aluguel. Entendemos que ela buscou levar a sério as consequências econômicas extremas que mulheres chefes de família estão enfrentando em tempos de pandemia e constitui um tipo de resposta do sistema de Justiça que pode servir de referência tanto na decisão de outros casos semelhantes, quanto na expansão do uso da abordagem de gênero na análise de casos judiciais em outras áreas do Direito.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP), procurada por uma mulher, chefe de família, ingressou com uma ação judicial de revisão contratual com pedido de tutela provisória de urgência cumulado com interdito proibitório de despejo. Por meio da atuação das defensoras Gabriele Estábile Bezerra e Carolina Gurgel Lobo, o processo tramitou perante a 2ª Vara Cível do Foro Regional VII Itaquera do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. A ação buscou garantir o direito à moradia da família, na qual a mãe, única responsável por suas duas filhas menores, ficou desempregada como consequência das medidas de distanciamento social e, por isso, não conseguia mais arcar com o aluguel de sua moradia em sua totalidade, pois única fonte de renda da família passou a ser a pensão alimentícia recebida por uma de suas duas filhas. Como locatária do imóvel em que reside, ela havia pedido ao locador uma diminuição temporária do valor de R$ 1 mil referente à prestação do aluguel. Além de não aceitar qualquer acordo, o locador ameaçou expulsar a mulher e as filhas à força caso ela não pagasse o valor previsto.

As defensoras embasaram o pedido nas chamadas teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva (artigos 317, 478 e 480 do Código Civil). A primeira prevê, como medida de garantia da justiça contratual, que o valor das prestações de uma obrigação possa ser corrigido judicialmente, quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier uma desproporção entre o valor devido no ato da contratação e o momento de sua execução. A teoria da imprevisão admite a revisão ou resolução do contrato em caso de acontecimento superveniente e imprevisível que desequilibre a base econômica do negócio, impondo a uma das partes uma obrigação excessivamente onerosa.

O contrato em questão estava vigente desde novembro de 2019 e tinha o prazo de duração de um ano, portanto, não cumpria o requisito de três anos de vigência previsto na lei do inquilinato (Lei nº 8.245/1991) para a revisão judicial do aluguel. Por isso, foram invocadas as teorias acima apontadas, considerando que a pandemia da Covid-19 e a consequente perda do emprego da inquilina são acontecimentos supervenientes e imprevisíveis que desequilibraram a base econômica do aluguel, impondo-lhe uma obrigação impossível de ser adimplida nas atuais circunstâncias.

O juiz Antonio Marcelo Cunzolo Rimola, reconhecendo a situação excepcional em que se encontram a autora do pedido e sua família, deferiu, liminarmente, a diminuição do aluguel, no valor de 30% do valor original, e concedeu o interdito proibitório para assegurar a posse da locatária no imóvel. A decisão, ao mesmo tempo em que assegurou o direito de moradia da família, reconheceu também a necessidade de manutenção de algum valor a título de aluguel, para que o proprietário não tenha prejuízos desproporcionais. Não há, na decisão, menção explícita de que o juiz tenha feito uso da abordagem de gênero na apreciação do caso. Mas, ao analisarmos a resposta judicial sob essa perspectiva, podemos perceber um tipo de juízo que dirigido a assegurar a garantia do direito à igualdade e não-discriminação.

No Brasil, a maioria da população que vive abaixo da linha da pobreza é composta de mulheres negras e chefes de família [2]. Em 2018 [3], a participação das mulheres no mercado de trabalho era quase 20% inferior à dos homens e, além disso, das mais de 6,2 milhões de pessoas desempregadas, 4,5 milhões eram mulheres. Em relação aos rendimentos das pessoas ocupadas [4], as mulheres, de um modo geral, recebem 78,7% do valor dos rendimentos dos homens e as mulheres negras, 44,4% do valor dos rendimentos dos homens brancos. Aliado a essa situação há o fato de que, segundo o CNJ [5], no ano de 2011 cerca de 5,5 milhões de crianças e adolescentes não tinham o nome do pai no registro de nascimento. São esses grupos de mulheres, portanto, que possivelmente sofrerão os efeitos econômicos extremos da pandemia.

Há diversas perspectivas jurídicas feministas que, há muito tempo, têm desenvolvido críticas profundas aos modelos de tomada de decisão com base em raciocínios puramente abstratos, essencialistas ou formulados em modelos de opostos duais. Em substituição, elas sugerem modelos de tomada de decisão que partem das experiências sociais de exclusão das mulheres ou de outros grupos e categorias vulneráveis para a construção de verdades situadas contextualmente que possam diminuir a arbitrariedade. Há, nesse campo, muitos modelos críticos que ajudam a revelar aspectos de um problema jurídico que os métodos tradicionais tendem a ignorar.

A autora Katharine Bartlett [6] é conhecida por sistematizar alguns destes métodos, classificando-os da seguinte maneira: 1) a “pergunta pela mulher”, que consiste tentar compreender quais as implicações de determinada norma ou decisão para as mulheres afetadas, levando em consideração outros marcadores da diferença que se interseccionam com o gênero; 2) o “raciocínio prático feminista”, que, à semelhança da razão prática aristotélica, busca a atenção às múltiplas particularidades de cada caso, que podem determinar novas interpretações de regras e princípios abstratos (no caso da razão prática feminista, explicitamente, busca-se a atenção a dimensões e perspectivas não representadas por teorias e raciocínios jurídicos tradicionais, que geralmente refletem uma estrutura de subordinação feminina); e 3) o “aumento da consciência”, que consiste em compartilhar experiências individuais, de modo a ser possível encontrar padrões que emergem destas e teorizar a respeito destes, em uma relação dialética entre teoria e prática.

Na decisão mencionada, a pergunta pela mulher foi realizada, ao se considerar a condição socioeconômica concreta da autora e os efeitos desproporcionais que a manutenção dos termos do contrato ou do seu rompimento trariam para a mulher e filhos em meio à atual crise sanitária. As particularidades do caso foram o suporte para organização da argumentação jurídica realizada pelas defensoras e acatadas pelo juiz responsável pela análise do caso. Além de atender às especificidades do caso concreto, a decisão também amplia os contornos das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva e se coloca como um precedente importante tanto para outros casos similares, quanto para a discussão sobre os direitos das mulheres.

A aplicação de uma perspectiva de gênero na tomada de decisão judicial permite explicar como as relações entre as pessoas são perpassadas pelo poder e como a desigualdade no exercício do poder gera violência e discriminação. Uma decisão judicial que toma como ponto de partida a situação de maior vulnerabilidade das mulheres, que se encontram hoje expostas às consequências econômicas mais severas da gestão da crise sanitária, contribui, sem dúvida, para evitar a perpetuação da violência e para ampliar a consciência jurídica em favor do respeito ao princípio da igualdade e não-discriminação.

 


[1] Ver: ONU Mulheres. Gênero e Covid-19 na América Latina e no Caribe: dimensões de gênero na resposta. ONU Mulheres, março de 2020. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ONUMULHERES-COVID19_LAC.pdf?fbcl id=IwAR0EEDjzesLlTMu4tHG7P5hvBwZ_aDbnY0bPnZ4LMC2RTNrRGDlbz71OuZ4.

[6] Publicado em Harvard Law Review, v. 103, n. 4, fevereiro de 1990. Tradução de Diego Aranda. BARTLETT, Katharine. Métodos Legales Feministas. Seminario de Integración en Teoría General del Derecho: Feminismo y Derecho. 2008.

 é professora no curso de graduação e no programa de pós-graduação da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP) e coordenadora do Centro de Estudos em Direito e Desigualdades (CEDD) da FDRP-USP.

Juliana Fontana Moyses é advogada, mestra pela FDRP-USP, doutoranda na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e professora no Centro Universitário Unifafibe.

Deíse Camargo Maito é advogada, mestra pela FDRP-USP e doutoranda na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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A MP 966 e seus efeitos sobre a responsabilidade dos agentes públicos

Fomos quase todos, que trabalhamos o Direito, surpreendidos nesta quinta (14/5) com a publicação da Medida Provisória nº 966, de 13 de maio de 2020, a qual dispôs sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da Covid-19.

Sua edição provocou um imediato alvoroço em juristas, políticos e na imprensa dado o regramento que nela foi sistematizado em relação ao assunto. O que me proponho, numa análise primeira e ainda bem horizontal do citado diploma normativo, é demonstrar que, no relativo à responsabilidade civil, possivelmente, muito desse rebuliço não resista a uma averiguação mais conjuntural.

Sem fazer trocadilhos com algo que é por natureza sério e que se torna ainda mais importante mercê do quadro de crise sanitária por qual passamos, mas talvez aqui se possa dizer tal como na famosa peça teatral do Bardode Avon: much ado aboutnothing (muito barulho por nada).  É que, repito, no que concerne à responsabilidade civil, realmente, as disposições da MP pouco alteram a ordem das coisas existentes. Distinta pode ser, é verdade, a questão no pertinente à responsabilidade administrativa, mas essa já uma questão para os doutos dessa seara do direito…

A Medida Provisória tem como âmbito de incidência material as hipóteses descritas em seu art. 1º, que reproduzo adiante: “Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de: I – enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da Covid-19; e II – combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da Covid-19”.

Note-se, de pronto, que ela não muda a responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º, da CF/88, a qual continua incólume, pois baseada no risco administrativo. A MP apenas disciplina, no caso da responsabilidade civil, como se dará a ação regressiva ali também prevista.

Para o particular em si, ela tem, com efeito, pouco efeito prático até por força do que restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 1.027.633/SP, julgado com repercussão geral em  agosto do ano passado (Tema 940). A tese fixada pelo STF na ocasião reafirma a orientação pretoriana da Corte prestigiando a doutrina da dupla garantia, pela qual a regra do art. 37, § 6º, estabeleceria uma garantia para a vítima, facultando-lhe ação indenizatória, mas também outra garantia, agora para o agente público, pela qual apenas a pessoa jurídica de direito público a cujo quadro funcional pertence é que seria legitimada para ingressar com a demanda regressiva. Na prática, o que ela faz é retirar da vítima a possibilidade de ingressar com ação contra o agente autor do dano. É sob tal ótica, portanto, que se aborda a polêmica (?) MP.

A isenção excepcional de responsabilidade em decorrência do quadro de transitoriedade normativa que vivemos em virtude da pandemia global e que poderia afastar a ação regressiva  somente se justifica: a) nesse específico quadro de excepcionalidade; b) para atos que especificamente digam respeito a atos públicos relativos destinados ao enfrentamento da emergência sanitária ou de combate aos seus efeitos econômicos sociais. Veja-se, não foi em vão o uso do adjetivo específico e do advérbio especificamente na mesma frase: a repetição teve por fundamento dizer que qualquer forma de interpretação extensiva da MP n. 966/20 deve ser tida por indevida e inválida.

Alguém poderá objetar, com boa razão, inclusive, que a afirmação acima se revela de pouca eficiência em razão da extensão previamente indeterminada dos termos empregados: enfrentamento da emergência sanitária e combate aos seus efeitos econômicos e sociais. Correto?

A resposta é tanto sim como não. Sim, a MP valeu-se de fato de termos amplos; porém, não, isso não é propriamente uma novidade. Toda e qualquer norma é — e deve ser — passível de interpretação jurídica. Desde o Direito Romano é sabido existir uma dialética inerente, inevitável mesmo, entre a lei e o juiz, tendo a doutrina por mediadora Assim, por mais amplos e abertos que tenham sido os termos da MP, parece ser relativamente fácil concluir que sua incidência deve abranger tão somente casos restritos associadas às práticas de saúde ou decisões com repercussão econômica/social pelos órgãos estatais, especialmente os decisórios.

Um exemplo tão simples como elementar para facilitar a compreensão: poderia um policial militar se eximir de contender com um criminoso que acabou de roubar um hospital, público ou privado, ao argumento de que estaria acobertado pela MP n. 966/20? Por certo que não! Em primeiro lugar, na situação ilustrada trata-se de profissão onde o agente estatal assume perante a sociedade em geral um dever de cuidado e proteção os quais, por si somente, já afastariam a incidência do texto normativo dentro da ideia de aplicação contida a que me referi acima. Não pode o policial militar, o bombeiro, o guarda municipal, mas também o servidor da Previdência, o  funcionário da agência de um banco público — aliás, aqui já seria uma outra questão, a de se saber se a MP seria aplicável a eles… —  deixar de atuar e bem desempenhar suas funções sob suas escusas.

Por outro lado, e ainda em prol da ideia de campo limitado de sua incidência, parece restar implícito que a atuação que fica imunizada é a relativa a atos estatais que demandem uma escolha baseada nas opiniões técnicas existentes, como fica expresso § 1º, do art. 1º. Sendo essencialmente polêmica a questão, peço antecipadas desculpas pelos que pensam de forma contrária, mas é mais que apropriada a referência nesse momento. Se, com razão, se cobra que o Estado aja nesse momento gravoso, de modo até mais firme e presente, parece ser de alguma razoabilidade considerar que o agente público seja chamado a responder com seu patrimônio por uma decisão que ele possa ter tomado e que, posteriormente, não se revele adequada, apenas em situações também extraordinárias.

A questão está no cerne das discussões da responsabilidade civil na área sanitária desde o quartel final do Século 20 e ainda hoje suscita, como agora, debates vivazes entre juristas. As consequências deletérias da sociedade de risco[2], rebotalho implacável de suas inúmeras comodidades, impôs mudanças as mais profundas na responsabilidade civil. Mais assertiva e proativa, ela ampliou seu espectro e forma de ser. Ainda no campo onde se cruzam saúde humana e responsabilidade civil, o grande problema é que os danos causados se ocultam sob o manto de uma postergação de efeitos. Basta rememorar, aliás em um passado não tão remoto, dos danos infundidos pela talidomida. Não eram previsíveis em sua origem, revelaram-se desastrosos.

Coloquemos todos esses ingredientes em nossa sopa de Wuhan. Imagine-se a delicada situação pela qual passam os profissionais de saúde e outros técnicos da área econômica que precisam tomar decisões, mas que em um futuro também não tão distante, sejam confrontados com evidências no sentido de que tais técnicas acarretaram danos à saúde, ou financeiros àqueles para os quais foram administrados quando, ao momento em que foram praticados, as evidências técnicas apontavam para sua correção. Não se afigura ponderável a regra sob tal contexto? Vou além, não parece justa mesmo!?

Em uma emissora de televisão, enquanto acabava de escrever o parágrafo acima, escutei exatamente que a MP foi fruto de uma postulação de servidores dos ministérios da Economia e da Saúde diante das circunstâncias acima mencionadas. O temor, como referido, é mais que justificado pela expansão da responsabilidade civil, que cada vez mais tende a ter seus filtros de contenção diminuídos na já difundida imagem de Anderson Schreiber. A propósito, não há que se temer, nem mesmo meramente, a regra constante do § 2º, do art. 1º, da MP n. 966/20 quando diz que “o mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público.”

Se a intenção do artigo foi outra, sequer vem ao caso, porque ele, no ponto, seria até dispensável. Nos termos do § 6º, do art. 37, da CF/88, o agente responde civilmente apenas por imputação subjetiva, não objetiva. Logo, realmente, o nexo de causalidade por si somente não implica responsabilidade. Ainda assim, a Medida Provisória n. 966 traz consigo o debate de importantes questões como: a) poderia o legislador ordinário definir a ação regressiva do § 6º, do art. 37, dispondo que ela somente poderia ser exercida pelas pessoas jurídicas de direito público autonomamente ou a título de dolo ou de culpa? b) seria o resgate da conhecida e por muitos já abandonada doutrina da tripartição da culpa?

Respondendo ao momento sim para ambas indagações espero em breve poder aqui retornar para aborda-las de maneira mais adequada e com o devido fundamento jurídico. Só me resta, para encerrar, agradecer ao professor Otavio Luiz Rodrigues Junior e todos os co-editores desta prestigiada coluna a oportunidade uma vez mais conferida de dividir minhas opiniões com seus leitores.  

Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-TorVergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).

[2] A expressão sociedade de risco (Risikogesellschaft) criada por UlrichBeck põe em evidência o fato de que os perigos produzidos pela civilização moderna não podem mais ser definidos no espaço ou no tempo. Cf. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo global. 2. ed. Tradução de Jesús Alborés Rey. Madrid: Siglo XXI de España, 2006, passim.

Bruno Leonardo Câmara Carrá é juiz federal; doutor em direito civil (USP); professor nos cursos de graduação e pós-graduação em sentido estrito (mestrado acadêmico) da UNI-7; foi pesquisador visitante nas Universidade de Bolonha, Paris V e Oxford.

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A proteção e a responsabilidade do agente público de tempos de Covid

A convite do professor associado da USP Otavio Luiz Rodrigues Júnior, que conduz diversos projetos exitosos, entre eles esta prestigiosa coluna de “Direito Civil Atual”, na ConJur, passa-se a analisar a edição da Medida Provisória (MP) nº 966, de 13 de maio.

São Tomás de Aquino estudou de maneira profunda a prudência, aduzindo que:

Há três atos de razão referentes ao agir humano: o primeiro, deliberar; o segundo, julgar; o terceiro, comandar. Os dois primeiros correspondem a atos do intelecto especulativo, que são inquirir e julgar, pois a deliberação é um tipo de inquirição. Mas o terceiro é próprio do intelecto prático, enquanto operativo, porque a razão não pode comandar o que não pode ser feito pelo homem. […] Portanto, […] à prudência, como virtude principal, se ligam, como virtudes secundárias, eubulia, que ajuda a bem deliberar, mais synesis e também gnome, partes da potência judicativa[1].

A responsabilidade, ao contrário do que a maioria dos doutrinadores de Direito Administrativo pensa, tem a sua origem no Direito Civil e, ainda hoje, são as bases normativas deste Direito que justificam a responsabilidade civil do agente público perante o Estado.

Nada mais justo, portanto, do que relembrar São Tomás de Aquino e reverenciar o Direito Civil.

Inicialmente, faz-se necessário deixar claro que neste artigo não se aborda a responsabilidade civil do Estado trazida pelo §6 do artigo 37 da CF/88, pois a Medida Provisória n. 966, de 13.5.2020, trata da responsabilidade do agente público perante o Poder Público nas demandas de regresso e na esfera funcional.

Neste artigo, apesar de a MP tratar de todos os agentes públicos, tomar-se-á como referência de corte uma espécie de agente público: o servidor público federal.

Não há falar, conforme já decidiu o STF no Recurso Extraordinário 1.027.633/SP, na possibilidade do cidadão ajuizar diretamente ação indenizatória ou qualquer outra relacionada à reparação diretamente contra o agente público, fazendo-se necessário o ajuizamento contra a pessoa jurídica de direito público da qual ele faz parte, a fim de que, se condenada a pessoa jurídica e constado o dolo ou a culpa, seja descontado o valor ou ajuizada ação contra o agente público pelo Poder Público (Direito de Regresso). Trata-se do princípio da dupla proteção.

O agente público ficará protegido das ações temerárias que tenham como objetivo minar a sua imparcialidade na atuação e o cidadão ficará protegido, pois, ainda que o patrimônio do preposto do Estado seja insuficiente para cobrir os seus prejuízos, o do Estado, certamente, não o será.

Ora, o direito de regresso do Poder Público contra o agente público, por mais incrível que pareça, não é tratado pelo Direito Administrativo e sim pelo Direito Civil e com base na análise da existência de prudência ou não na atuação daquela pessoa física que representa ou presenta o Estado.

Não é o §6º do art. 37 da CF/88 nem são as regras dos art. 121 a 182 da Lei n. 8.112/90 que tratam da responsabilidade civil do agente público perante o Estado nas demandas regressivas e sim os art. 186 e 187 c/c o art. 927 do CC[2].

O Direito Civil é o instrumento que assegura a análise subjetiva da conduta que deve ser pautada na prudência tomista, na perícia,na devida atenção e na ausência de dolo.

Já a responsabilidade administrativa dos servidores públicos federais é tratada pela Lei n. 8.112/90. As esferas cível e administrativa são independente e podem coexistir, na forma do art. 125 da mencionada lei. E o agente público também responderá pelo ilícito funcional.

Feita essa introdução, tem-se que, em 13.5.2020, foi editada a Medida Provisória n. 966, cujo objeto é dispor sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da Covid-19.

Aquele repositório normativo deixa claro que trata de dois tipos de responsabilidade, quais sejam: a civil e a administrativa.

O seu artigo 1º já começa exigindo não apenas a culpa simples, pautada na imprudência, negligência ou imperícia, mas imputando responsabilidade civil ou administrativa somente no caso de erro grosseiro e dolo.

A pandemia declarada pela OMS com base nos critérios do Regulamento Sanitário Internacional, acordado na 58ª Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde, em 23 de maio de 2005, exige, de fato, uma mitigação das responsabilidades civil e administrativa dos agentes públicos, visto que a excepcionalidade que lhe é inerente reduz a capacidade humana de exercer o seu ofício com a prudência descrita pelos tomistas.

O ser humano, em condições normais, é falível, comete diversos erros, sendo certo que deve ser adotada em relação aos agentes públicos a Teoria dos Riscos da Atividade Administrativa.

Assim como, no Direito do Trabalho, existe a Teoria do Risco da Atividade Econômica, existe também, no desempenho da atividade estatal, o Risco da Atividade Administrativa.

Os agentes públicos são seres humanos suscetíveis a índices aceitáveis de erros que podem ser extraídos de uma média de falhas cometidas em uma determinada atividade durante um período.

Esses índices de erros não podem ser imputados aos agentes públicos, portanto fazem parte do Risco da Atividade Administrativa imputável ao Poder Público que se utiliza de seres humanos, falíveis por natureza, para a consecução dos seus fins.

A responsabilidade administrativa apresentada pelas regras da Lei n. 8.112/90 e a responsabilidade civil do agente público dos art. 186 e 187 c/c o art. 927, todos do CC, não consideraram as variações do Risco da Atividade Administrativa. Por isso, veio a Medida Provisória em estudo para afirmar que o risco aumentou[3] e que esse aumento deve ser suportado pelo Estado e não pelo servidor público.

O seu texto é bem curto e elucidativo em relação a essa escolha. In verbis:

Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de:

I – enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19; e

II – combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19.

§1º A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e somente se configurará:

I – se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou

II – se houver conluio entre os agentes.

§2º O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público.

Art. 2º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.

Art. 3º Na aferição da ocorrência do erro grosseiro serão considerados:

I – os obstáculos e as dificuldades reais do agente público;

II – a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público;

III – a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência;

IV -as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público; e

V – o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia dacovid-19e das suas consequências, inclusive as econômicas.

Art. 4º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Mitigou-se claramente a culpa, exigindo-se a culpa qualificada pelo erro grosseiro com elevado grau de imperícia, imprudência e negligência para a responsabilização, impediu-se a responsabilização automática, relativizou-se o nexo de causalidade e foram listados elementos contextuais para a caracterização do erro grosseiro.

Dessa forma, Kant deve ter sido lembrado pelos redatores da MP em estudo, pois o ser humano é um fim em si mesmo e falha constantemente. O Poder Público não pode esquecer que os seus agentes públicos não são máquinas programadas para o desempenho das atividades estatais e que os erros pautados no critério do homem médio fazem parte do seu Risco da Atividade Administrativa.

Por fim, deve ser agradecida a ajuda dos colegas Vítor Cássio, João Dourado, Rogério Costa, Daniel Carvalho e da colega Wedja Bezerra, membros do Grupo de Estudos sobre Esgotamento da Instância Administrativa da Universidade do Estado da Bahia, e deve ser dito que o presente texto foi elaborado com base na liberdade de cátedra estabelecida nos incisos II e III do art. 206 da CF/88 e apenas, e tão somente, no exercício do cargo público de docente.

Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-TorVergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).

 


[2]COUTO, Reinaldo. Curso de direito administrativo / Reinaldo Couto. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

[3]BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade / Ulrich Beck; tradução Sebastião Nascimento. 2. ed. (2011), 2. reimpr. (2016). São Paulo: Editora 34, 2016.

 é procurador-chefe da União na Bahia, advogado da União e professor de Direito Administrativo da Universidade do Estado da Bahia.

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Eugenio Pacelli: Inconstitucionalidade voluntariosa e norma oculta

Sabemos todos a clareza do texto do artigo 37, §6º, da Constituição da República, que prevê a responsabilização do Estado (também) pelos danos causados por seus agentes, garantido o direito de regresso contra o servidor que tenha agido com culpa ou dolo.

Consta na LINDB, com as alterações da Lei 12.376/10 e, sobretudo, da de nº 13.655/18, que “na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados” (artigo 22, caput), e que o agente público “responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro (artigo 28).

Eis que chega a Medida Provisória 966, de 13 de maio último, para dispor sobre a responsabilização de agentes públicos por ação ou omissão em atos relacionados com a pandemia da Covid-19.

Dando de barato a viabilidade do instrumento normativo escolhido, dado que não conseguimos atinar para a urgência (artigo 62, CF) de modificação das regras vigentes (dolo ou culpa), cabem algumas considerações sobre a tal MP, sobre a norma oculta ou misturada que veio dali, e, segundo nos parece, carregada de inconstitucionalidade.

Anote-se, para logo, que o critério de cronologia na vigência de normas legais não permitiria a invalidação de sanções por atos praticados antes da nova regra, na medida em que não se estaria falando em abolitio criminis e tampouco de Direito Penal, quando, por muito mais razões, seria incabível a edição de MP.

Se estiver correta essa premissa, a aludida medida provisória traz também uma confissão de responsabilidade anterior, por atos manifestamente contrários às soluções técnicas defendidas pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde, no que toca à recomendação da política de distanciamento social como prevenção de expansão da Covid-19. Isso a despeito e tudo bem considerado dos efeitos obviamente deletérios na economia mundial.

Estamos a dizer, então, da canhestra (passe o eufemismo) tentativa de legitimar, como excludente de responsabilidade administrativa e civil, ações ou omissões que se declarem fundadas no combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da Covid-19 (artigo 1º, II, MP 966).

A ver com olhos a tal norma o resultado seria: tudo que eu fizer motivado pela preservação da economia, incluindo a abertura ampla e irrestrita de todos os estabelecimentos de produção e de consumo, estaria excluído do dolo ou do erro grosseiro.

Ocorre que o Brasil adota a política pública do distanciamento social, independentemente de saber os riscos à economia. Essa é a decisão técnica, que sequer poderia ser questionada como grosseiramente equivocada, por se encontrar atrelada ao governo federal e se encontrar na mesma linha decisória de quase todos os países do mundo, além da OMS.

Aquele administrador ou membro do Executivo que descumpre as normas e diretrizes do Ministério da Saúde atua com dolo. Se o particular abrir seu comércio, em favor da preservação da economia, caberá discutir o âmbito de sua responsabilização pelo poder público. Mas não é disso que estamos a tratar.

O chefe do Executivo confessa, então, que todos os atos de combate aos efeitos sociais e econômicos praticados por agentes públicos, antes da MP 966, eram (e ainda são) manifestamente ilegais! E passíveis de responsabilização!

Mas a tal MP tem outro propósito e não teme as respostas da lei e do Direito. Está se preparando para outra política pública na Saúde.

Ao acabar esse texto, a imprensa informa o pedido de demissão do ministro da Saúde. Essa, a pedido mesmo.

 é mestre e doutor em Direito. Advogado, ex-procurador regional da República no Distrito Federal. Relator-Geral da Comissão de Anteprojeto do Novo Código de Processo Penal, instituída pelo Senado da República.

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Adriana Rizzotto: O uso da tecnologia na Suprema Corte

Em tempos de Covid-19, a Suprema Corte dos Estados Unidos passou a trabalhar remotamente e decidiu adiar as sessões de março e abril, citando precedentes de adiamentos por motivo de saúde pública, causados pela epidemia da gripe espanhola, em outubro de 1918, e surtos de febre amarela, em agosto de 1793 e 1798.

Naquelas priscas eras, entretanto, inexistiam os avanços tecnológicos disponíveis para a Suprema Corte atual, que, em movimento inédito, aclamado como “histórico’ pela mídia especializada, reagendou, para maio deste ano, a sustentação oral remota de dez processos por meio do sistema de conferência telefônica, com transmissão pública de áudio, em tempo real, no canal aberto C-SPAN.

O novo protocolo estabelece que advogados e procuradores receberão telefonemas simultâneos, no dia da sessão, às 9h15, para instruções e esclarecimentos finais. O áudio será suspenso e às 9h50 participantes serão transferidos para a conferência telefônica principal, com os nove ministros da Suprema Corte, programada para iniciar, pontualmente, às 10h.

Advogados e procuradores terão dois minutos para falar sem interrupção por perguntas, que serão inicialmente formuladas pelo presidente da corte, seguido pelos demais ministros, por ordem de antiguidade. Essa hierarquia rígida na ordem dos questionamentos também é inédita na Suprema Corte norte-americana, em que interrupções de sustentações orais para perguntas e comentários são frequentes e a palavra é utilizada livremente pelos julgadores, sem ordem estabelecida.  

Audiências por telefone não são novidade em tribunais norte-americanos, mas representam quebra de tradição, sem precedentes, em uma corte constitucional icônica e categoricamente impermeável às novas tecnologias. Sessões de sustentação oral na Suprema Corte norte-americana têm presença pública limitada, não podem ser fotografadas, nem filmadas; o áudio é divulgado posteriormente, no sítio eletrônico da corte; debates entre julgadores são sempre travados de forma reservada, longe do escrutínio público.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal se posicionou na vanguarda no uso de tecnologia e na publicidade conferida aos seus julgamentos, transmitidos ao vivo em redes abertas de TV, rádio e internet, sem edições, nem filtros. Transparência passou a ser a nossa tradição.

Em razão da súbita necessidade de distanciamento social decorrente da pandemia da Covid-19, ajustes precisaram ser efetuados nos procedimentos do STF. Sessões de julgamento em ambiente presencial foram substituídas por videoconferências em tempo real, implementadas com a ferramenta Cisco Webex, com transmissão ao vivo pelo canal do STF no YouTube. Sustentações orais e debates ocorrem de forma simultânea durante as videoconferências, cuja dinâmica de funcionamento é relativamente semelhante a das sessões presenciais.

Julgamentos virtuais em ambiente eletrônico, com início às sextas-feiras, já existiam no STF desde 2007, mas tiveram a competência consideravelmente ampliada. A sistemática de tramitação virtual de processos também foi aprimorada para facilitar o acompanhamento pela sociedade e assegurar, de forma mais efetiva, o direito ao contraditório e a ampla defesa.

No plenário virtual, debates são travados de forma consecutiva. Por meio do sistema de peticionamento eletrônico do STF, advogados e procuradores podem enviar arquivos de sustentação oral (em vídeo ou áudio) até 48 horas antes do início do julgamento, bem como realizar esclarecimentos sobre aspectos fáticos da causa, enquanto aberta a sessão.

Arquivos enviados pelas partes são automaticamente disponibilizados no sistema de votação dos ministros e no sítio eletrônico do STF, durante a sessão de julgamento. Ministros somente conseguem acessar o campo de votação após terem acessado os arquivos com as sustentações orais do processo.

Iniciado o julgamento virtual, o relator insere relatório e voto no ambiente eletrônico e os demais julgadores têm até cinco dias úteis para se manifestar, sendo o silêncio interpretado como acompanhamento tácito do relator. Votos são disponibilizados na íntegra, na medida em que lançados. Ministros podem mudar o seu convencimento e alterar os respectivos votos enquanto a sessão estiver aberta no sistema, sendo que eventuais edições no texto são exibidas em destaque, na plataforma eletrônica.

As referidas adaptações no processamento e julgamento de processos no STF representam importante conquista da cidadania brasileira. Além da considerável redução de custos operacionais e continuidade na entrega da prestação jurisdicional durante a emergência sanitária, o acesso ao STF foi democratizado. Julgamentos por videoconferência e plenário virtual são céleres e viabilizam rigorosa paridade de armas, fundamental para o bom combate processual, ao possibilitar sustentação oral por advogados desprovidos de recursos financeiros para viajar a Brasília. Ministros do STF têm flexibilidade para participar de todas as sessões de julgamento, independentemente de estarem fisicamente no Distrito Federal.

O enfrentamento da Covid-19 constitui teste de resiliência, não apenas humana, mas também institucional. Neste momento excepcional, a habilidade de ser flexível, superar adversidades e adotar novas práticas promove o fortalecimento de nossa Suprema Corte, que certamente não será a mesma após essa experiência transformadora. Resta-nos especular: superada a pandemia, como será o novo normal do STF?

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Mais três estados receberão valores do fundo da “lava jato”

Realocar o dinheiro previsto para ajudar no combate de queimadas ao combate ao coronavírus não acarretará descontinuidade de ações ou programas estaduais. Além disso, a medida vai ao encontro de uma necessidade premente que ameaça a vida e a integridade física da população dos Estados.

Para Moraes, realocação do dinheiro não gera descontinuidade de ações
Carlos Moura / SCO / STF

Com esse entendimento, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, autorizou a destinação de parte do fundo da “lava jato” para os Estados do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso.

A homologação foi assinada nesta quarta-feira (13/4) e prevê que o dinheiro ajudará a custear ações de enfrentamento à epidemia do coronavírus (Covid-19). No início de abril, o ministro já havia autorizado a destinação de R$ 32,7 milhões para o Acre. 

“A emergência causada pela pandemia do Covid-19 exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as medidas possíveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde”, afirma o ministro.

De acordo com o processo, o Maranhão informou que os valores repassados “ainda não tiveram sua execução iniciada, ‘por diversas dificuldades administrativas, em especial o desenvolvimento de processos de formulação e de estruturação das ações a serem realizadas de acordo com a destinação específica atribuída a esses recursos'”.

Da mesma forma, o Tocantins indicou que a execução das ações originalmente previstas como destinação desses recursos, combate às queimadas, “ainda não se iniciaram, ao passo que há forte demanda de recursos para a aquisição de insumos para os serviços de saúde e demais ações de enfrentamento à pandemia de coronavírus”.

Já o Mato Grosso afirmou que os valores repassados “não foram efetivamente despendidos pela Administração”, o que justificaria a aplicação do dinheiro em atividades relacionadas à saúde.

Moraes acolheu os pedidos e determinou ainda que os Estados comprovem o uso efetivo do montante autorizado.

Origem do dinheiro

O dinheiro provém de de  acordo firmado para destinar R$ 1 bilhão para os incêndios florestais da Amazônia e R$ 1,6 bilhão para a educação, cuja homologação aconteceu em setembro.

Originalmente, o acordo foi assinado entre a Petrobras e os procuradores da “lava jato” e previa a criação de um fundo a ser administrado pelo Ministério Público Federal para investir genericamente em “projetos de combate à corrupção”. O acordo gerou o montante de R$ 2,6 bilhões, que seria depositado na conta da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Depois de demonstradas diversas irregularidades, o fundo bilionário foi suspenso pelo ministro Alexandre de Moraes.

ADPF 568

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MP-MT cria ajuda de custo a seus membros durante epidemia

O procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, José Antônio Borges Pereira, editou nesta segunda-feira (4/5) ato administrativo que institui ajuda de custo a procuradores, promotores e servidores do Ministério Público do estado. 

Ajuda de custo é para pagamento de despesas com saúde durante epidemia
 Jarun Ontakrai

Segundo o Ato Administrativo 924/20, procuradores e promotores do MP do estado receberão R$ 1 mil por mês, enquanto demais servidores poderão solicitar vale de R$ 500 mensal. 

Atualmente o MP conta com 249 membros, entre procuradores e promotores, além de 862 servidores. Caso todos os funcionários sejam beneficiados, o custo será de R$ 680 mil por mês. 

O ato estabelece que os valores sejam usados apenas no pagamento de despesas com saúde e de caráter indenizatório, “por meio de ressarcimento parcial”.

Caso os valores transferidos aos servidores e membros do MP sejam superiores aos gastos com planos ou seguros de saúde, o beneficiário deverá destinar o dinheiro a “despesas profiláticas de prevenção a saúde”. Nesse caso, o ato não deixa claro como será feita a prestação de contas.

Para se inscrever, será necessário apenas declaração afirmando que os postulantes não recebem nenhum outro auxílio desta natureza e apresentar comprovante de inscrição em planos ou seguros de saúde. 

CNMP pede suspensão

O Conselho Nacional do Ministério Público encaminhou nesta terça-feira (5/5) pedido de instauração de procedimento de controle administrativo para apurar eventuais violações ao artigo 37 da Constituição Federal, que trata da remuneração dos servidores públicos e verbas adicionais. 

O documento, enviado ao procurador-geral da República, Augusto Aras, é assinado pelo conselheiro Valter Shuenquener de Araújo. Além da instauração de procedimento de controle administrativo, ele pede a suspensão do ato do MP-MT. 

“Como é cediço, o Brasil e o mundo passam por uma grave crise sanitária e econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus. Nesse contexto, não me parece minimamente razoável, no atual cenário de crise mundial, a elevação de dispêndios públicos pelo órgão ministerial, mediante a criação de indenização a membros e servidores do Parquet”, afirma o conselheiro do CNMP. 

Ainda segundo ele, “tendo em vista a urgência e os impactos negativos que o ato poderá causar, entendo conveniente a análise urgente sobre o cabimento da suspensão imediata do ato que implementa o pagamento da rubrica em questão”.

Outro lado

Em nota à imprensa, o MP-MT afirmou que os recursos usados na ajuda de custo estão previstos no orçamento de 2020, não sendo dispêndio financeiro extra. Diz, ainda, que outras instituições, como Tribunais de Justiça, concedem a mesma ajuda de custo. 

Confira nota na íntegra:

Ministério Público do Estado de Mato Grosso vem a público esclarecer os motivos pelos quais instituiu, por meio do Ato Administrativo 924/2020/PGJ, da Procuradoria-Geral de Justiça, uma Ajuda de Custo para despesas com saúde aos servidores e membros da instituição.

O referido Ato Administrativo tem como lastro o artigo 32 da Lei 9.782, de 19  de julho de 2012, ou seja, a concessão de tal benefício estava legalmente autorizada desde aquela data. Tanto é assim, que outras instituições públicas já concederam a mesma ajuda de custo aos seus integrantes, como ocorre no Tribunal de Justiça, que paga a seus servidores, bem como o Ministério Público Federal a seus membros e servidores.

 Os recursos necessários para o pagamento do benefício estão previstos no Orçamento do exercício de 2020 do MP-MT, ou seja, não se trata de um dispêndio financeiro sem lastro orçamentário que venha a exigir o aporte de suplementações ou remanejamento orçamentário, e estava planejado antes mesmo da pandemia.

 Por fim, torna-se relevante esclarecer que projeto de lei já aprovada pelo Senado Federal e que deve também receber aprovação da Câmara dos Deputados, além de instituir ajuda financeira a Estados e Municípios pra fazer frente à pandemia do Novo Coronavírus, também vai congelar até o final de 2021 os subsídios de todos os servidores públicos das esferas federal, estadual e municipal, razão pela qual a ajuda de custo teve que ser regulamentada agora.

Clique aqui para ler o ato administrativo

Clique aqui para ler procedimento do CNMP

Ato Administrativo 924/20