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Lucas Castro: A Convenção 190 da OIT e o ‘cercadinho’ do Planalto

Desde o início do seu mandato, o presidente da República costuma atender a simpatizantes políticos e a jornalistas nos momentos de sua entrada e saída no Palácio da Alvorada. Militantes e profissionais da imprensa têm sua entrada monitorada pelo Gabinete de Segurança Institucional e ficam separados uns dos outros e da comitiva presidencial por grades, sendo tal espaço popularmente conhecido como “cercadinho” do Planalto.

A relação entre presidente da República e imprensa nunca foi amistosa. Por sua iniciativa, assinaturas de jornais em unidades do governo federal foram canceladas [1], a renovação de concessão de emissora considerada inimiga sempre é questionada [2], além de sempre haver referências a uma perseguição midiática, desde as primeiras entrevistas após a eleição [3].

A publicação de notícias que desagradam ao chefe do Poder Executivo sempre resultam em desentendimentos entre este, militantes que o apoiam e os jornalistas que fazem a cobertura na entrada do palácio. Tais divergências já levaram ao proferimento de expressões como “cala a boca” [4], “imprensa lixo” [5] e “no dia que vocês tiverem compromisso com a verdade, eu falo com vocês de novo” [6] pelo presidente e seus seguidores, além de responder a perguntas com gestos indecorosos [7]. Até um humorista que faz imitações do chefe do Executivo federal foi levado ao local para responder às perguntas dos jornalistas, que recusaram a investida [8].

Em face das agressões perpetradas aos profissionais, diversos veículos de comunicação retiraram os trabalhadores daquele local [9], condicionando o retorno a garantias mínimas de segurança, de responsabilidade do Gabinete de Segurança Institucional, vinculado à Presidência da República.

Tais atos, praticados pelo presidente da República e por seus apoiadores, podem configurar assédio moral no âmbito do Direito do Trabalho? Antes de responder a tal pergunta, apresenta-se o conceito de assédio moral feito por Maurício Godinho Delgado como sendo a “conduta reiterada seguida pelo sujeito ativo no sentido de desgastar o equilíbrio emocional do sujeito passivo, por meio de atos, palavras, gestos e silêncios significativos que visem ao enfraquecimento e diminuição da autoestima da vítima ou a outra forma de tensão ou desequilíbrio emocionais graves” [10].

As ações trabalhistas que tratam de assédio moral levam à condenação dos empregadores, caso haja demonstração da existência dos pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam: a conduta comissiva ou omissiva do ofensor; o dano material ou imaterial; o nexo de causalidade; a culpa ou dolo, estes últimos nos casos em que não se trate de responsabilidade objetiva do empregador.

A Convenção 190 da OIT [11], que trata do assédio no mundo do trabalho, muda alguns conceitos que estavam consolidados na jurisprudência trabalhista. Em seu artigo 1°, define violência e assédio no mundo do trabalho como sendo uma gama de comportamentos e práticas inaceitáveis, ameaças ou apenas uma ocorrência única, que vise ou resulte em danos físicos, psicológicos ou sexuais. Não existe, portanto, a necessidade de reiteração da conduta ilícita, sendo configurado o assédio em apenas um único ato ilegítimo.

O artigo 2° da convenção define que a norma não protege apenas os trabalhadores investidos em uma relação de emprego, mas todos aqueles que militam no mundo do trabalho, independentemente da sua condição contratual, incluindo pessoas em treinamento, estagiários, aprendizes, ex-empregados, candidatos a emprego e os próprios empregadores.

O artigo 3° dispõe que o trabalhador pode ser vítima de assédio não apenas no local de trabalho físico tradicional, mas também em eventos relacionados ao trabalho e em espaços públicos, além de abranger todas as condutas que configurem assédio e todas as pessoas que tenham relação com tais atos (artigo 4°).

Não há, portanto, responsabilidade apenas dos empregadores na prevenção do assédio nas relações de trabalho, devendo autoridades públicas e militantes políticos respeitarem todos os trabalhadores que desempenham suas funções no “cercadinho” do Planalto, sejam seguranças, porteiros, zeladores motoristas e até os jornalistas, que não podem ser insultados em razão do teor das publicações feitas nos órgãos de comunicação, sob pena de responsabilização trabalhista, devendo os ofendidos com tais matérias seguir os ditames da Lei n° 13.188/2015, que trata do direito de resposta, e não ofender profissionais no exercício de seu mister.

Apesar de ainda não ter sido ratificada pelo Brasil, não há vedação ao uso dos conceitos introduzidos pela OIT na referida norma, pois não há conceito legal de assédio moral no ordenamento jurídico brasileiro e a CLT é clara ao dispor em seu artigo 8° que, na falta de disposições legais ou contratuais, a Justiça do Trabalho poderá decidir o caso utilizando o Direito comparado, no qual está incluso o direito transnacional, sendo a Convenção 190 da OIT, a partir de sua edição, a fonte normativa do assédio moral no âmbito das relações de trabalho.

 


[10] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019. Pág. 770.

Lucas Silva de Castro é juiz do Trabalho substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 16° Região (MA) e mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor).

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Classificação indicativa de idade não tem caráter obrigatório

A classificação indicativa de idade para exibição de programas de TV tem caráter apenas informativo, conforme já determinado pelo Supremo Tribunal Federal. Com base nesse entendimento, a Rádio e Televisão Bandeirantes escapou de pagar uma indenização por danos morais coletivos por causa da exibição de um filme não recomendado para menores de 18 anos em horário diferente do indicado pelo Ministério da Justiça. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça inocentou a emissora no recurso de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal.

A Bandeirantes saiu vencedora de uma ação que se arrastava desde 2007
Reprodução

A disputa na Justiça teve início em 2007, quando a Bandeirantes exibiu o filme “Um drink no inferno”, não recomendado para menores de 18 anos, às 22h15 — o horário indicado pelo Ministério da Justiça era a partir das 23h. Por causa disso, o MPF entrou com a ação, alegando que a exibição do filme antes do horário recomendado causou dano moral à sociedade por expor crianças e adolescentes a conteúdo inadequado.

Além disso, o MPF afirmou que a emissora já havia exibido outros filmes — “Terras perdidas”, “Amor maior que a vida” e “Uma questão de família”, entre outros — em horários que não condiziam com a classificação indicativa.

A ação foi julgada improcedente na primeira e na segunda instâncias e o MPF não teve melhor sorte no recurso apresentado ao STJ. A Terceira Turma considerou que a condenação de uma emissora de tevê por danos morais é possível, desde que sejam feridos de forma expressiva valores e interesses fundamentais. De acordo com os ministros que julgaram a ação, não foi o que aconteceu com a Bandeirantes no caso.

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, citou a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 2.404, que deixou claro que a classificação indicativa é apenas uma forma de ajudar os pais a decidir o que seus filhos devem ver, sem caráter obrigatório. O STF entendeu na ocasião que as emissoras estão amparadas pela liberdade de comunicação social.

“Assim, a aludida liberdade deve abranger a possibilidade de exibição de qualquer programa, independentemente do seu conteúdo ou da sua qualidade, cabendo somente à emissora decidir sobre a sua grade horária”, argumentou Bellizze.

O ministro, por outro lado, afirmou que a liberdade de expressão das emissoras não é absoluta e que, sendo assim, elas podem responder judicialmente por uma eventual conduta abusiva. Para ele, no entanto, isso não ocorreu no caso da Bandeirantes.

“A conduta da emissora não foi capaz de abalar de forma intolerável a tranquilidade social dos telespectadores, bem como seus valores e interesses fundamentais”, disse o relator, que mencionou que o MPF não juntou aos autos reclamações de telespectadores contra a exibição do filme.

Quanto aos outros filmes exibidos pela Bandeirantes em horário fora da classificação indicativa, o ministro levou em conta o fato de uma dessas exibições ter ocorrido por falha técnica, outra porque houve reclassificação do filme pelo Ministério da Justiça e, nas demais situações, a emissora cortou cenas consideradas impróprias. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Leia aqui a íntegra do acórdão

REsp 1840463