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Aras: Homenagem aos 30 anos de Supremo do ministro Marco Aurélio

No último sábado, dia 13 de junho de 2020, o ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello completou 30 anos de Supremo Tribunal Federal e, quase um mês depois, dia 12 de julho, completará 74 anos de idade.

Nascido no Rio de Janeiro, bacharelou-se na Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, formando-se em 1973, onde concluiu o mestrado e iniciou sua festejada vida profissional.

Foi advogado, Membro do Ministério Público do Trabalho, do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª região e do Tribunal Superior do Trabalho. 

Sua atividade judicante teve início em 1978, quando ingressou no TRT da 1ª Região. Em 1981, foi indicado Ministro do Tribunal Superior do Trabalho com 35 anos de idade, de onde saiu nove anos depois para assumir o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Como declarou certa vez, sua passagem pela Justiça do Trabalho lhe exprimiu essa sensibilidade maior no proceder e na arte de julgar conflitos de interesses.

Seu nome passou a ser cogitado para o Supremo ainda na década de 80, época em que começavam a aportar ao Tribunal Constitucional importantes questões trabalhistas, cujo ramo da Justiça nunca antes tivera um representante na cúpula do Poder Judiciário.

Em 13 de junho de 1990, a sociedade brasileira foi agraciada com sua posse no Supremo Tribunal Federal, em vaga decorrente da aposentadoria do ministro Carlos Madeira.

Foi presidente do STF de 2001 a 2003, razão pela qual exerceu a Presidência da República no ano de 2002 por quatro vezes. Também exerceu o cargo de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Em todas essas oportunidades, coordenou atividades de modernização, que promoveram o aprimoramento da Justiça e a construção de uma sociedade melhor para todos.

Em uma de suas passagens pela Presidência da República, sancionou a Lei nº 10.461, de 17 de maio de 2002, que criou a TV Justiça, um marco da transparência na história do Poder Judiciário brasileiro.

O anteprojeto de lei saiu do gabinete do Ministro e em apenas oito meses efetivamente foi aprovado in recordum tempore, com a sanção presidencial do próprio ministro, então exercendo a Presidência da República.

Outro passo à modernização e aprimoramento da democracia brasileira foi dado pelo ministro em 1996, quando no Tribunal Superior Eleitoral, ocasião em que realizou a primeira eleição pelo sistema eletrônico de votação, processo iniciado por seu antecessor, o Ministro Carlos Velloso.

Sua Excelência também principiou o trâmite para a adoção do sistema biométrico, porquanto os primeiros cadastramentos de eleitores foram feitos já em sua Presidência.

É um dos mais notáveis juristas de nosso país, defensor das liberdades individuais, das garantias constitucionais e do Estado Democrático de Direito, permeado pelo cumprimento da Constituição e das leis.

Nunca hesitou em demonstrar seu raciocínio jurídico na defesa de direitos fundamentais, ainda que dissidente dos demais membros da Corte, assim o fazendo com relevantes argumentos e refinadíssimo humor e, ainda quando vencido, rendendo-se à colegialidade, mas marcando posição!

Em sua posse na Presidência do STF, o ministro Celso de Mello o comparou ao Juiz Oliver Wendell Holmes Jr., da Suprema Corte americana, que defendia o direito de greve e a função social da propriedade em votos datados da década de 1920 e de 1930. À frente do seu tempo, restava vencido naquele momento.

O decano do STF ainda destacou que nos votos vencidos, “reside, muitas vezes, a semente das grandes transformações”. E nada é mais poderoso que uma ideia cujo tempo chegou, dizia Vitor Hugo!

Desde sua posse na Suprema Corte, o ministro Marco Aurélio Mello inaugurou forma singular de divergir, estimulando a atividade judicante nacional a inovar e a construir novos caminhos, para além da trajetória tradicional.

Atuando com espontaneidade e ciente de que o colegiado é um somatório de forças distintas, em que os membros se complementam mutuamente, buscou seguir suas convicções.

Um dos mais emblemáticos casos ocorreu no julgamento do HC nº 82.424/RS, do editor Siegfried Ellwanger contra condenação imposta pela Justiça gaúcha, por ter publicado livros considerados antissemitas.

Ministro Marco Aurélio instigou a reflexão, recordando Hans Kelsen, que afirmava a construção da democracia com o respeito aos direitos das minorias, eis que essas, um dia, poderão influenciar a opinião da maioria:

E venho adotando esse princípio diuturnamente, daí a razão pela qual, muitas vezes, deixo de atender ao pensamento da maioria, à inteligência dos colegas, por compreender, mantida a convicção, a importância do voto minoritário.

Aplicando a reflexão ao caso concreto, o ministro divergiu da maioria dos seus pares na Suprema Corte ao reconhecer que o autor possuía ideia preconceituosa em relação aos judeus e que ideias preconceituosas deveriam sim ser combatidas, contudo não a partir da proibição da divulgação dessas ideias.

Na guarida da liberdade de expressão, um dos temas mais caros ao espírito libertário do ministro homenageado, registrou que se pode não concordar com o que o paciente escreveu, mas deve-se defender o direito que ele tem de divulgar o que pensa, parafraseando Voltaire.

Alçando a democracia à necessária relevância, o ministro considerou que não é o Estado que tem de impor a censura para proteger a sociedade, mas a própria sociedade a realiza, ao formar suas conclusões.

A marca de sua dissidência tem sido propulsora da evolução do pensamento jurídico brasileiro, ao trazer um novo olhar sobre questões jurídicas e constitucionais importantes em sua constante dialética, relevante a dinâmica do Direito.

Essa divergência converge com os posicionamentos minoritários da sociedade e representa o papel contramajoritário inerentes às atribuições da Corte Constitucional.

Com os casos complexos e as questões demasiadamente controvertidas, é dificultoso alcançar a unanimidade. Nesse contexto é que o ministro exterioriza a posição da minoria e impede que um determinado segmento da sociedade deixe de ser representado.

Em voto memorável, no qual reconheceu o direito dos participantes da Marcha da Maconha, o ministro Marco Aurélio ressaltou a importância da divergência e o “elemento comunicativo” pluralista posto na doutrina de Jürgen Habermas.

O consenso ético resultante da homogeneidade que existia nas sociedades pré-industriais não existe mais, de modo que as decisões públicas não podem ser justificadas com fundamento nesse acordo global de natureza ética entre os cidadãos. Ao contrário: nas sociedades contemporâneas, os indivíduos discordam veementemente sobre um leque variado de assuntos.

Destacou, portanto, que a concepção política de Habermas ressalta a primazia do processo democrático na construção de um direito legítimo, baseado no pluralismo de ideais, o qual inclui, por conseguinte, posicionamentos divergentes e minoritários, e rechaça a argumentação baseada em verdades apriorísticas.

Por causa de tão destacadas fundamentações é que a publicação do seu voto é hoje aguardado com ansiedade: uma pelos colegas, diante da profundidade e do apuro técnico de seus entendimentos, duas, pelos advogados, cientes de que a decisão não será unânime e na certeza de que outro caminho jurisprudencial é possível.

À vista de suas dissenting opinions, o ministro e decano Celso de Mello, certa feita, fez referência ao Ministro Pisa e Almeida.

Em 1892, o Supremo Tribunal Federal negou pedido de habeas corpus impetrado por Rui Barbosa em favor de vítimas, incluído o poeta Olavo Bilac, de atos arbitrários do marechal Floriano Peixoto, que presidia o país.

A tese defendida por Rui Barbosa era a de que, cessado o estado de sítio, deveriam cessar automaticamente todas as restrições dele decorrentes. Ocorre que o pedido foi negado e o único juiz que acolheu a pretensão foi o Ministro Pisa e Almeida. Entretanto, seis anos depois, o STF reviu sua jurisprudência e acolheu a tese anteriormente defendida por Rui Barbosa e acatada por Pisa e Almeida.

Atualmente, essa tese solitária no longevo 1892 consta do artigo 141 da Constituição de 1988.

“Há quem me julgue perdido, porque ando a ouvir estrelas. Só quem ama tem ouvido para ouvi-las e entendê-las”, diria o ourives poeta.

Com o ministro Marco Aurélio, o exato similar ocorreu: muitas das teses por ele defendidas e minoritárias converteram-se, com o tempo, em jurisprudência da Corte.

Como exemplos emblemáticos, merecem citações a declaração de inconstitucionalidade da prisão do depositário infiel, a inconstitucionalidade da cláusula de barreira e da proibição da progressão de regime aos condenados por crimes hediondos.

Mas não são apenas votos divergentes que permeiam a atividade do ministro Marco Aurélio: sua primorosa forma de argumentar por vezes levou a Corte ao acatamento unânime de suas teses, como na declaração de constitucionalidade, pelo Plenário do STF, da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), editada com a intenção de coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres.

O ministro Marco Aurélio foi relator das duas ações que discutiam a norma (ADI nº 4.424 e ADC nº 19) e consignou em seu voto a situação de vulnerabilidade da mulher, contexto em que a lei se presta a mitigar a realidade de discriminação social e cultural que, enquanto existir no país, legitima a adoção de medidas compensatórias, por promover a igualdade de gêneros.

Assim também no julgamento do HC nº 91.952, oportunidade em que o Plenário do STF recebeu pedido para anular júri, tendo em vista que o réu permaneceu algemado durante todo o julgamento o relator ministro Marco Aurélio votou no sentido de que é necessária a preservação da dignidade do acusado, como prevê o artigo 5º da Constituição Federal, de forma que as algemas deveriam ser usadas apenas em casos excepcionais.

Neste julgamento, unânime, os ministros decidiram editar a Súmula Vinculante 11, que entrou em vigor em 23 de agosto de 2008, a qual reflete o posicionamento de Sua Excelência e deve ser seguida necessariamente pelas demais instâncias do Judiciário.

Para além de suas posições jurídicas, o ministro é marca da precisão ortográfica do discurso. A liturgia que denota o rigor gramatical e a precisão linguística são sua distinção.

Sabe-se que, desde a época da Procuradoria do Trabalho, expressa-se sem escrever, utilizando-se de um gravador para que depois a manifestação seja transcrita.

Em razão do desempenho eficiente em sua fala é que menciona que “o segredo de gravar é não querer ver o que você já gravou. Se ficar retroagindo a fita, você se perde, e, ao invés de ganhar tempo, perde tempo. A gravação é uma marcha”.

Tal prática imprime a certeza de que um ministro não é um juiz, mas a voz do Judiciário. No caso do ministro Marco Aurélio, a voz pautada no primoroso discurso de distinta precisão e contínua evolução.

Durante os últimos 30 anos, ficou registrada que o envolvimento do ministro Marco Aurélio nas discussões do Supremo Tribunal Federal fez a Justiça se modernizar e se moldar à Constituição Federal de 1988.

A higidez do texto constitucional é uma conquista que não se realiza por si só, ou por um ato 13 só. É o resultado de valores compartilhados, de dedicação, da tolerância e do pluralismo de ideias.

É notória a magnífica contribuição do ministro, cuja trajetória luminosa o coloca entre os maiores juristas brasileiros de todos os tempos. Seu incessante atuar com visão e coragem na defesa incansável dos direitos fundamentais, da segurança jurídica e das liberdades, reflete o brilhantismo em sua carreira, a par de revelar o ser humano sensível, fervoroso torcedor do Flamengo!

Da vigilância constante é que se alcança o equilíbrio, pari passu, com o processo civilizatório sob o pálio da Constituição Federal. “O preço da liberdade é a eterna vigilância”, segundo Thomas Jefferson.

Parabéns ministro Marco Aurélio por esses 30 anos de vigorosa atuação na Suprema Corte do Brasil, que retratam uma caminhada esplêndida e nos inspiram a continuar na perseverança de concretização da Constituição, no seio da Suprema Corte brasileira.

Antônio Augusto Brandão de Aras é Procurador-Geral da República, doutor em Direito Constitucional, e professor da Faculdade de Direito da UnB.

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Anistia pode ser anulada mesmo depois de cinco anos da concessão

Mãos abanando

Anistia pode ser anulada mesmo decorrido o prazo de cinco anos da concessão

De acordo com o Supremo Tribunal Federal, é possível rever a concessão de anistia mesmo após o prazo decadencial de cinco anos previsto na Lei 9.784/1999. Com base nesse entendimento, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça negou um mandado de segurança a um ex-cabo da Aeronáutica que pretendia obter o cancelamento da anulação de anistia concedida a ele em 2003. Ele desejava o restabelecimento da anistia porque recebia reparação econômica mensal.

Og Fernandes deu o voto decisivo no julgamento do mandado de segurança
TSE

No mandado de segurança, o ex-militar relatou que em 2011 foi criado um grupo de trabalho interministerial para reexaminar as anistias embasadas na Portaria 1.104/1964 e que no ano seguinte saiu a decisão que anulou sua anistia. Ele alegou, então, que o benefício não poderia ser cancelado nove anos após a sua concessão por ter ocorrido a estabilização da relação jurídica, existindo, portanto, o direito adquirido. O ex-cabo argumentou também que o ato administrativo juridicamente perfeito é inviolável.

Autor do voto que prevaleceu no julgamento da 1ª Seção, o ministro Og Fernandes afirmou que o STF reconheceu que a Administração Pública pode anular a concessão de anistia. O Supremo fixou a tese de que “no exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas”.

O ministro disse ainda que o STF deixou claro que a Administração pode anular o ato de anistia mesmo depois de decorrido o prazo decadencial quando fica evidenciada violação direta ao texto constitucional. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Clique aqui para ler a decisão

MS 19.070

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Revista Consultor Jurídico, 3 de junho de 2020, 12h05

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Classificação indicativa de idade não tem caráter obrigatório

A classificação indicativa de idade para exibição de programas de TV tem caráter apenas informativo, conforme já determinado pelo Supremo Tribunal Federal. Com base nesse entendimento, a Rádio e Televisão Bandeirantes escapou de pagar uma indenização por danos morais coletivos por causa da exibição de um filme não recomendado para menores de 18 anos em horário diferente do indicado pelo Ministério da Justiça. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça inocentou a emissora no recurso de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal.

A Bandeirantes saiu vencedora de uma ação que se arrastava desde 2007
Reprodução

A disputa na Justiça teve início em 2007, quando a Bandeirantes exibiu o filme “Um drink no inferno”, não recomendado para menores de 18 anos, às 22h15 — o horário indicado pelo Ministério da Justiça era a partir das 23h. Por causa disso, o MPF entrou com a ação, alegando que a exibição do filme antes do horário recomendado causou dano moral à sociedade por expor crianças e adolescentes a conteúdo inadequado.

Além disso, o MPF afirmou que a emissora já havia exibido outros filmes — “Terras perdidas”, “Amor maior que a vida” e “Uma questão de família”, entre outros — em horários que não condiziam com a classificação indicativa.

A ação foi julgada improcedente na primeira e na segunda instâncias e o MPF não teve melhor sorte no recurso apresentado ao STJ. A Terceira Turma considerou que a condenação de uma emissora de tevê por danos morais é possível, desde que sejam feridos de forma expressiva valores e interesses fundamentais. De acordo com os ministros que julgaram a ação, não foi o que aconteceu com a Bandeirantes no caso.

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, citou a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 2.404, que deixou claro que a classificação indicativa é apenas uma forma de ajudar os pais a decidir o que seus filhos devem ver, sem caráter obrigatório. O STF entendeu na ocasião que as emissoras estão amparadas pela liberdade de comunicação social.

“Assim, a aludida liberdade deve abranger a possibilidade de exibição de qualquer programa, independentemente do seu conteúdo ou da sua qualidade, cabendo somente à emissora decidir sobre a sua grade horária”, argumentou Bellizze.

O ministro, por outro lado, afirmou que a liberdade de expressão das emissoras não é absoluta e que, sendo assim, elas podem responder judicialmente por uma eventual conduta abusiva. Para ele, no entanto, isso não ocorreu no caso da Bandeirantes.

“A conduta da emissora não foi capaz de abalar de forma intolerável a tranquilidade social dos telespectadores, bem como seus valores e interesses fundamentais”, disse o relator, que mencionou que o MPF não juntou aos autos reclamações de telespectadores contra a exibição do filme.

Quanto aos outros filmes exibidos pela Bandeirantes em horário fora da classificação indicativa, o ministro levou em conta o fato de uma dessas exibições ter ocorrido por falha técnica, outra porque houve reclassificação do filme pelo Ministério da Justiça e, nas demais situações, a emissora cortou cenas consideradas impróprias. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Leia aqui a íntegra do acórdão

REsp 1840463