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Direito, política, jovens e o futuro do Brasil

O Direito estimula os jovens ao estudo das regras de convivência social, da oratória e da negociação. Inequivocamente, leva mais às discussões, inconformismo e reivindicações do que o estudo dos cursos das ciências exatas, por exemplo, a engenharia.

Não por acaso, inúmeros personagens da história do Brasil eram graduados em Direito. A maioria dos presidentes da República, nada menos do que 19 em um total de 36, eram profissionais do Direito. Portanto, o mundo político brasileiro é pleno de pessoas da área jurídica.

E isto não se dá apenas na chefia do Poder Executivo federal. As pessoas que exercem posições políticas no Poder Executivo (prefeitos, governadores, secretários, presidentes de órgãos administrativos e outros) ou no Poder Legislativo (vereadores, senadores, deputados estaduais e federais) são, na sua maioria, da área jurídica.

Porém, nas Faculdades de Direito, os estudantes muitas vezes são aconselhados a desistir de tal projeto e optar por carreiras mais seguras, como as do Poder Judiciário, Ministério Público e outras. Na família, receberão pouco apoio, por vezes até ameaças de serem boicotados nas suas pretensões.

Essa má vontade geral contra os políticos ou, de forma genérica, contra a política, tem como resultado direto piorar a qualidade de nossos representantes. E o que a maioria das pessoas não percebe é que eles são o nosso retrato, nós é que os elegemos, nós é que os colocamos lá.

Não é justo, nem mesmo como brincadeira, que se dirija a alguém que manifesta interesse em ingressar na política com frases ofensivas. Tal postura infeliz só fará com que os bons desanimem e os maus se apoderem do poder público.

Portanto, quem deseja o melhor  para si e os seus descendentes, para sua cidade, estado ou para o Brasil, deve, como primeiro passo, escolher bons candidatos. Sempre pensando no interesse público e não nas vantagens que dele poderá obter, se acaso for eleito.

A segunda coisa a ser feita é estimular os jovens a participar da política. Mas aí é preciso mostrar as coisas boas que poderão fazer e as dificuldades que terão que enfrentar. Não estimular de uma maneira idílica, como fazem alguns pais que, ao invés de educar, exageram na proteção dos filhos, a ponto de deixá-los fora do mundo real.

Alguns terão dificuldades e logo desistirão. Acostumados a tudo receber e por nada lutar, policiados dia e noite, afastados das ruas e do transporte coletivo, são levados a crer que a vida será uma sucessão de braços abertos, beijinhos e chocolate Lindt. E não será. Os pais devem mostrar a realidade, as coisas boas e as ruins, a maldade humana e como esquivar-se dela.

Se não estiverem preparados, os jovens, assim que derem o primeiro passo na política e tiverem uma decepção, sairão apressadamente,  proclamando a todos que não se prestam a bandalheiras. Resultado: não resolverão nada, não ajudarão a si próprios, a sociedade ou o país.

É preciso respeitar os bons políticos, os que se dedicam realmente ao propósito de melhorar as coisas. Muitos generalizam, atacando os políticos em geral. É um erro.

A vivência por um ano e quatro meses em Brasília, em permanente contato com o Congresso, permitiu-me conhecer muita gente boa. Realmente, muitos querem o melhor para o Brasil e para isto se esforçam. É a eles que me refiro. Com os outros, creio que não devemos perder tempo.

Com relação aos realmente bem-intencionados, observo que eles também enfrentam dificuldades. Surgem todo tipo de pessoas e de interesses. Como reagir ao receber do colega que tanto admirava um pedido ilegal; como dizer a um parente que não pode dar um cargo em comissão ao seu filho que é totalmente favorável ao ócio, seja criativo, como sugere Domenico de Masi, ou mesmo sem qualquer criatividade; como negar ao amigo do pai, que o ajudou na campanha, proteção em um processo licitatório.

Ademais, fazer aprovar um projeto de lei não é uma coisa simples. É preciso ter o apoio dos colegas de partido, enfrentar os que se opõem à iniciativa, obter aprovação nas comissões do órgão legislativo e, por fim, não haver veto da chefia do Poder Executivo.

Assim, apoiar os bons com mensagens nas redes sociais, defendê-los quando atacados, prestigiá-los nas suas iniciativas e nos eventos públicos, é uma maneira de elevar o nível da política e dos políticos.

Da mesma forma, jamais transmitir a terceiros notícias flagrantemente falsas. Tolos as encaminham e depois afirmam saber que não eram verdadeiras. Não percebem que ao agir desta maneira estão colaborando para a divulgação, fazendo exatamente o que pretendiam os criadores das malsinadas fake news.

O Ministério Público e o Poder Judiciário têm um papel essencial neste posicionamento, deles se exigindo decisões com maturidade e visão de conjunto.

Desse modo, dar andamento a acusações destituídas de provas, ocasionando o massacre de um bom político na mídia, pode ser decisivo para levá-lo a retirar-se da vida pública. Dar seguimento a uma ação de improbidade administrativa, porque uma verba insignificante foi aplicada de forma equivocada, sem gerar prejuízo à administração, submetendo-o a uma ação de dez ou mais anos de duração, talvez seja o mais forte desestímulo a quem quer fazer o bem.

Poucos percebem, mas ao contrário do que era comum no passado, atualmente pouco se faz de concreto para que os jovens assumam, com retidão e competência, o futuro do Brasil. As futuras gerações só costumam ser lembradas quando se fala no direito que possuem de gozar um sadio meio ambiente.

É preciso mais. É preciso orientá-las e estimulá-las a assumir posições políticas e bem exercê-las. Mas isto não ocorrerá por milagre. É uma luta diária, contínua, à qual todos são chamados, especialmente os professores.

 é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

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Opinião: O julgamento privado de assuntos públicos

Já tivemos oportunidade, juntamente com João Pedro de Souza Mello [1], de tecer algumas reflexões demonstrando inconformismo com a radicalização dos julgamentos virtuais. Naquela oportunidade, debatíamos a inconstitucionalidade dos julgamentos secretos por ofensa à publicidade dos atos jurisdicionais.

Agora, na companhia de Marcelo Leal, trazemos à baila outra questão de relevo: os julgamentos em sessões por videoconferência. Desde já deixamos claro que, como não poderia deixar de ser, compreendemos e entendemos o momento excepcional pelo qual estamos passando a justificar medidas administrativas tendentes a viabilizar os trabalhos em todas as instâncias e, com o Poder judiciário, não poderia ser diferente.

O que nos chama a atenção é que essas providências são sempre construídas com esvaziamento ou dificuldades para que as partes, verdadeiras interessadas nos julgamentos, possam, de fato, influir na decisão que será tomada.

Talvez seja despiciendo dizer que, entre os princípios constitucionais/processuais, o da publicidade alcança relevo ímpar. Tanto que os membros da comissão responsáveis pela elaboração do atual Código de Processo Civil, na exposição de motivos, enalteceram que “prestigiando o princípio constitucional da publicidade das decisões, previu-se a regra inafastável de que à data de julgamento de todo recurso deve-se dar publicidade (todos os recursos devem constar em pauta), para que as partes tenham oportunidade de tomar providências que entendam necessárias ou, pura e simplesmente, possam assistir ao julgamento”.

Esse direito de que “pura e simplesmente, possam assistir ao julgamento” nos parece não ser condicionado a qualquer peticionamento ou requerimento. É adstrito, inclusive, ao dever de fiscalização de todo e qualquer ato praticado pelos agentes públicos, como decorrência lógica da democracia. No entanto, com o fechamento dos prédios públicos, em razão da quarentena pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 , medida necessária à proteção de todas e todos, não basta às partes, nos julgamentos de sessões por videoconferência, o simples acesso via YouTube.

O princípio da publicidade, por sua grandeza, requer outros estruturantes, inclusive para que a decisão proferida esteja de acordo com o escopo desenhado e garantido pela Constituição Federal. Sem os princípios da participação e da colaboração, por exemplo, a publicidade restringir-se-ia à mera possibilidade de, passivamente, assistir ao julgamento sem, contudo, a possibilidade de influir na construção da decisão, cuja consequência será, ante a tendência atual da adoção ao sistema precedentalista, imposto a todos os jurisdicionados [2]. “A colaboração no processo é um princípio Jurídico” [3] e, como tal, não pode sofrer mitigação justamente no ápice do procedimento materializado pelos julgamentos nos tribunais e “deve ser uma pauta constante na marcha procedimental, com influência significativa desde a propositura da demanda até a preclusão das vias recursais” [4].

Bem por isso, a regulamentação das sessões de julgamento por videoconferência não pode deixar as partes à deriva. Elas precisam de livre acesso à sala de julgamento via seus advogados, advogadas. Não se justifica ter esse direito apenas nos casos com sustentação oral. Alguns tribunais não permitem o acompanhamento pelos profissionais, devidamente nomeados pelas partes, nas sessões de julgamento de recursos nos quais não há previsão de defesa oral.

Em resumo, a parte fica sem assistência do profissional que contratou e outorgou poderes para lhe representar em todos os atos e termos do processo. Quem advoga, ainda que minimamente, nos julgamentos colegiados sabe que muitos pontos, denominados questões de fatos, podem ser dirimidos pelos procuradores no momento do julgamento. Ainda que o caso, à primeira vista, revele-se de simples solução, pode ocorrer, como não raramente ocorre, que seja necessário esclarecimento de fato relevantíssimo para o deslinde da causa. Nós mesmos já tivemos a oportunidade de explicar que denominado julgamento estava levando em consideração outra demanda, que nada dizia respeito à nossa e, com isso, evitou-se que o equívoco fosse convalidado em acórdão.

O acesso às sessões de julgamento por videoconferência deve ser conferido à parte interessada, de forma irrestrita e não somente como uma opção de, como mero espectador, assistir à cena, sem qualquer possibilidade de intervenção.

A questão toma maior gravidade quando se vê a amplitude de julgamentos virtuais que hoje admitem até que matéria de natureza penal seja julgada desta forma.

Pior do que isso é a possibilidade de que julgamentos que se iniciaram de maneira presencial sejam transformados em virtuais. É o que autoriza o artigo 5º-A da Resolução 642/19 do Supremo Tribunal Federal, alterada pela Resolução 669, de 19 de março de 2020, que dispõe: Artigo 5º — Os processos com pedidos de vista poderão, a critério do ministro vistor com a concordância do relator, ser devolvidos para prosseguimento do julgamento em ambiente virtual, oportunidade em que os votos já proferidos poderão ser modificados”.

Em outras palavras, a resolução permite que um julgamento iniciado presencialmente, mas interrompido por pedido de vista, retorne em mesa virtual, já sem o acompanhamento e participação do advogado, criando uma verdadeira quimera [5] jurídica.

Ainda que as sustentações orais já tenham sido realizadas, os advogados têm o direito de apresentar questões de fato, participando da construção da decisão, sob pena de tornar a advocacia numa atividade meramente cosmética.

Por isso, também não se coaduna com o processo justo a condicionante de que a parte só terá direito de acessar a sessão de julgamento por videoconferência se, com antecedência de 24 horas, realizar pedido de preferência, com indicação de que irá fazer um esclarecimento de fato. Isso porque, como já frisado, a restrição à publicidade do julgamento em virtude a pandemia não pode, em absoluto, impedir acesso “real” dos advogados(as) das partes cujo processo esteja pautado para ser julgado naquela sessão. O prévio pedido de esclarecimento de fato não pode ser o móvel condicionante a abrir as portas da “sala de julgamento por videoconferência”. Mesmo porque essa questão pode surgir, como de fato surge, somente no momento do julgamento, a exigir do profissional requerer o uso da palavra.

Por fim, é também altamente criticável o encaminhamento de sustentação oral por meio eletrônico. Retira-se da advocacia a única certeza de que os argumentos de defesa serão efetivamente considerados no julgamento, já que, pelo volume de trabalho dos tribunais, sabe-se que grande parte da demanda de um gabinete, ainda que sob a supervisão de ministro ou desembargador responsável, é desaguada pela massa de servidores e assessores.

Por isso, a sustentação oral ainda é o momento sagrado em que, finalmente, o advogado tem a certeza de que será ouvido pelos julgadores. Esta certeza se esmaece com o texto do artigo 5º A da Resolução 642/19 do STF, que assim dispõe:

Artigo 5º-A — Nas hipóteses de cabimento de sustentação oral previstas no regimento interno do tribunal, fica facultado à Procuradoria-Geral da República, à Advocacia-Geral da União, à Defensoria Pública da União, aos advogados e demais habilitados nos autos encaminhar as respectivas sustentações por meio eletrônico após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.

§ 1º — O advogado e o procurador que desejarem realizar sustentação oral em processos submetidos a julgamento em ambiente eletrônico deverão enviar formulário preenchido e assinado digitalmente, juntamente com o respectivo arquivo de sustentação oral.

§ 2º — O link para preenchimento do formulário e envio do arquivo eletrônico estará disponível na página principal do site do STF.

§ 3º — O arquivo eletrônico de sustentação oral poderá ser áudio ou vídeo, devendo observar o tempo regimental de sustentação e as especificações técnicas de formato, resolução e tamanho, definidos em ato da Secretaria Geral da Presidência, sob pena de ser desconsiderado”.

Se “há coisas, na democracia, que o constrangimento público impede” [6], por certo somente a possibilidade de participação efetiva das partes no julgamento garantirá, ao menos, que o julgamento se dê de acordo com “os fatos” postos sob o crivo do tribunal.

 é advogado, professor da Faculdade de Direito da UnB e pós-doutor pela Universidad Complutense del Madrid. Compôs a comissão de juristas responsável pela elaboração e acompanhamento do anteprojeto do novo CPC no Senado.

 é advogado criminalista no escritório Marcelo Leal Advogados Associados e mestre em Direito.

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Opinião: Nomeação de Ramagem no STF: o acerto jurídico da liminar

Texto em coautoria com outros advogados[1]

Não é de hoje que manifestamos nosso inconformismo contra o ativismo judicial que tem marcado a atuação de parte do Poder Judiciário. Direitos e garantias constitucionais têm sido constantemente violados, sob pretextos retóricos e messiânicos, abalando o nosso Estado Democrático de Direito.

Temos consciência plena do quanto fazem mal para a nossa jovem Democracia os processos acentuados de politização do Judiciário e de judicialização da política. Contra eles, inclusive, temos nos pronunciado frequentemente.

Não defendemos, com isso, o amesquinhamento do Poder Judiciário ou que ele abdique do seu dever de aplicar as leis ou de fiscalizar e fazer aplicar a nossa Carta Constitucional de 1988.

Por isso, no momento em que se discute a correção jurídica da decisão do Ministro Alexandre de Moraes, que concedeu liminar impedindo a posse de Alexandre Ramagem como Diretor-Geral da Polícia Federal, convém firmarmos nossa posição.

É um debate polêmico, que divide e incendeia a comunidade jurídica.

Entendemos que a decisão foi correta e adequada aos princípios constitucionais e às regras legais em vigor.

De acordo com a nossa Constituição, o Poder Judiciário pode e deve controlar a validade de atos administrativos, a partir de seus requisitos eminentemente jurídicos, mesmo reconhecida a liberdade de opção discricionária do administrador ao praticá-los.

No Estado de Direito, embora juízes estejam impedidos de adentrar ao campo valorativo decisório de mérito das competências administrativas, desde que sejam provocados legitimamente, poderão invalidar atos que ultrapassem esses limites de liberdade.

Uma das razões pelas quais juízes podem anular atos administrativos se dá quando estes são praticados em desacordo com a sua finalidade legal. Quer dizer: um ato administrativo deverá ser anulado sempre que o poder do administrador de praticá-lo tiver sido desviado da finalidade para a qual a lei admitia a sua prática. É o vício denominado de “desvio de poder”.

E foi o que inegavelmente ocorreu na nomeação em discussão. Um claro e inequívoco “desvio de poder”.

Ao ser contrastado pelas denúncias do ex-Ministro Sérgio Moro de que a nomeação de Ramagem visava a que a Polícia Federal atuasse de acordo com os interesses pessoais do Chefe do Executivo, em uma coletiva de imprensa e em outras manifestações, o próprio presidente confirmou esse fato, afirmando, inclusive, que já solicitara desse órgão a realização de uma diligência destinada a obter um depoimento em favor de um de seus filhos.

Essa intenção presidencial de retirar a atuação da PF dos trilhos legais foi confirmada por mensagens escritas divulgadas pelo próprio ex-ministro Sérgio Moro, ainda não contestadas, e, também, pela notória relação de amizade que o nomeado mantém com o núcleo da família Bolsonaro.

Não queremos dizer, com isso, que qualquer nomeação de um amigo para um cargo de confiança seja ilícita. Cargos de confiança existem para serem ocupados por pessoas que mantém uma relação de confiança com quem escolhe seus ocupantes. E é bom que seja assim.

O que se afirma é que é ilegal nomear-se alguém para cumprir uma missão ilícita, qual seja, a de fazer com que a Polícia Federal deixe de investigar parentes ou aliados do presidente da República , ou ainda, que esse órgão rompa com o dever legal de sigilo, prestando informações sobre investigações que, por lei, não podem ser prestadas.

Justamente por tal razão, não se afigura pertinente a pecha de incoerência da decisão liminar, por ter vedado a nomeação de Alexandre Ramagem para a Direção Geral da Polícia Federal, ao tempo em que o manteve no cargo de Diretor-Geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). À Polícia Federal, que detém atribuições de polícia judiciária, cabe resguardar o segredo quanto ao andamento de investigações em curso, mesmo ao presidente da República, e sobretudo quando se tratar de apurações que envolvam seus familiares. Isso diferencia a natureza do órgão em comparação com a Abin, cuja competência, aí sim, destina-se a suprir a cúpula governamental com elementos informativos necessários à tomada de decisões de gestão.

Nesse contexto, o rompimento do preceito constitucional da impessoalidade, admitido pelo próprio presidente, traduz fato incontroverso que enseja a avaliação da ocorrência do desvio de poder, facultando a impetração de mandado de segurança preventivo para conter o iminente ato abusivo.

Por isso, temos como acertada a decisão do Ministro Alexandre de Moraes.

Uma liminar não é uma decisão definitiva e deve ser concedida sempre que a aparência do direito é boa e a demora de uma decisão definitiva seja prejudicial.

Foi o que ocorreu, no caso, em face das próprias palavras do presidente e da urgência de se evitar a posse daquele que, declaradamente, receberia do presidente da República a missão de desviar a PF do seu dever de atuar de acordo com o princípio republicano.

Nos parece, assim, que a vedação da posse de Alexandre Ramagem na Direção-Geral da Polícia Federal distingue-se essencialmente da liminar que impediu a posse do ex-presidente Lula como ministro-chefe da Casa Civil no governo da presidenta Dilma Rousseff. Naquele caso, tudo derivou de um áudio ilicitamente divulgado pelo então juiz federal Sergio Moro que, apesar de imprestável como prova, induziu o STF a considerar haver uma tentativa de obstrução de justiça, num clima midiático que inibiu  o necessário choque de versões entre o que alguns pretendiam extrair do diálogo mantido e a própria explicação dada pela então chefe do Executivo. Isso eliminava, à época, ao nosso ver, a aparência da ilegalidade e a possibilidade daquela matéria ser discutida pela via do mandado de segurança.

Ou seja: embora no plano do direito possam parecer situações análogas, a nomeação feita por Dilma envolvia prova ilícita, contestada veementemente e, na soma, implicava , também,  versões fáticas discrepantes e ocultação intencional de fatos relevantes, manipulados com um objetivo conhecido e inconfessável.  A nomeação feita por Bolsonaro, por sua vez, diz respeito à prova lícita e à narrativa do próprio Presidente, confirmando o desvio de finalidade em que incorreu.

Entendemos, pois, que rejeitar nefastos ativismos ou abusos judiciais não significa defender que o Poder Judiciário deva deixar de cumprir, dentro da lei e da Constituição, a sua importante função de controlar atos administrativos abusivos praticados por um Chefe de Estado arbitrário e que ignora a lei, as instituições e os interesses públicos.

Este é o desafio.

 


[1]

Weida Zancaner, advogada, mestre em Direito e professora de Direito Administrativo. Membro do IDAP do IDID e do IBDA.

Fernando Hideo Lacerda, advogado criminalista, doutor e mestre em Direito.

 Marco Aurélio de Carvalho, sócio fundador do Grupo Prerrogativas e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Conselheiro do Sindicato dos Advogados de São Paulo. Sócio fundador do CM Advogados. Especialista em Direito Público

Carol Proner, advogada, professora de Direito Internacional da UFRJ, membro fundador da ABJD.

Fabiano Silva dos Santos, advogado, mestre e doutorando em direito pela PUC/SP.

Mauro de Azevedo Menezes, advogado, mestre em Direito Público pela UFPE, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.

José Eduardo Cardozo é advogado. Foi ministro da Justiça e Advogado Geral da União. Professor da PUC-SP, mestre em Direito e doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca (Espanha) e pela USP.