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Lucena de Castro: Coronavírus e teoria da imprevisão

O cenário econômico é catastrófico, com atividades interrompidas, especialmente de autônomos, micro e pequenos empresários. E dúvidas surgiram: como ficam os contratos postergados no tempo, que sejam de trato sucessivo, de execução diferida ou apenas meras prestações, tais como locação, financiamento imobiliário e royalties da franquia?

Questões às quais propomos lançar algumas reflexões, sujeitas a críticas, sugestões e eventuais modificações relativas aos contratos no Direito Civil, não englobando as relações consumeristas ou públicas.

O direito contratual brasileiro acolheu três princípios concebidos pelos romanos: a) livre manifestação de vontade; b) força obrigatória (pacta sunt servanda); e c) relatividade dos efeitos. Muito mais do que princípios, transformaram-se em dogmas.

A força obrigatória impediu qualquer possibilidade de alteração da relação contratual que não fosse pela vontade expressa dos envolvidos. Nenhum evento externo deveria ser considerado a ponto de modificar as prestações avençadas, pouco se importando com qualquer desequilíbrio posterior, caberiam aos contratantes se precaverem e estipularem as condições para isso.

E eis que surgiram duas grandes guerras mundiais.

Entre 1914 a 1945, a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais alteraram, por completo, as relações políticas, econômicas, financeiras, sociais e, obviamente, contratuais. As pessoas foram convocadas a lutar, as comunicações foram interrompidas, estradas e rodovias, fechadas, bens e serviços, desapropriados ou requisitos pelo Estado, não havia matéria prima ou mercadorias, desapareceu a mão de obra, as moedas foram depreciadas e os preços aumentaram.

Como cumprir os contratos nessas circunstâncias?

Leis excepcionais e transitórias foram promulgadas na França e na Itália, que relativizaram a força obrigatória, ora suspenderam contratos, ora concederam moratória, ora permitiram a resolução.

Percebeu-se que a legislação não disciplinou, de forma genérica, abstrata e prévia, como ficariam as relações contratuais diante de eventos externos não previstos em momento de normalidade, posteriores à contratação, e que tornariam a prestação impossível de cumprir. A doutrina tinha arraigada a ideia da inalterabilidade do contrato, o princípio do pacta sunt servanda impregnou a mente e a alma do jurista.

Perguntou-se, então, o seguinte: é justo admitir a resolução ou revisão do contrato pela superveniência de acontecimentos imprevisíveis por ocasião do vínculo e que alteraram o estado de fato no qual ocorreu a convergência de vontade? Ao longo do século XX os juristas buscaram respostas.

A doutrina estrangeira recorreu à jurisprudência dos tribunais eclesiásticos e às lições dos pós-glosadores e identificou a existência de uma cláusula implícita: a cláusula rebus sic stantibus.

Por ela, nos contratos que dependem de um fato futuro, que não nascem e se encerram imediatamente, o vínculo se entende mantido desde que permaneça o estado de fato vigente à época da estipulação, de tal sorte que, modificado o ambiente objetivo, por circunstâncias supervenientes e imprevistas, a força obrigatória não será preservada. Essa cláusula faz parte da vida, desempenha papel social, econômico e jurídico, e é coadjuvante da paz social.

Com base nela, os italianos denominaram de teoria da superveniência, enquanto os franceses, de teoria da imprevisão, esta última acolhida pelos doutrinadores em todo mundo. Assim, pela teoria da imprevisão, se ocorrer um evento futuro, não previsível pelas pessoas no momento da relação contratual, mas que torna impossível seu cumprimento, a prestação será inexigível.

Georges Ripert explicou o que ocorreu na França durante as duas guerras: “Por que se admitiu sem dificuldade esta intervenção judicial? É porque aqui o desequilíbrio do contrato é completo. Sinalagmático, tem duas faces; uma obrigação desaparece, a outra fica sem causa. Conserva a sua forma jurídica porque foi legitimamente criada, mas o juiz deve suprimi-la, revendo o contato concluído”.

A doutrina foi trazida ao Brasil por Arnoldo Medeiros da Fonseca na obra “Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão”, publicada pela primeira vez em 1932.

Foi a partir dela que se estruturou o caso fortuito e a força maior como excludentes de responsabilidade. Constatou-se que a possibilidade de cumprir a prestação é elemento essencial da obrigação. Uma relação obrigacional é formada por sujeito, objeto, prestação e possibilidade (artigo 104, II, do Código Civil).

E, assim, o Código Civil estabeleceu: “Artigo 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.

Há diferença entre caso fortuito e força maior?
A doutrina estrangeira diferenciou quanto à origem, previsibilidade, oponibilidade, etc. Na doutrina brasileira há certo consenso de que o caso fortuito é evento imprevisível e, por isso, inevitável, enquanto a força maior é evento previsível, mas inevitável. Todavia, o artigo 393 do Código Civil conferiu tratamento idêntico, não havendo motivo para diferenciação.

Quais os requisitos para configuração?
1º requisito: Elemento externo.

Arnoldo Medeiros da Fonseca dizia que não podia haver ato culposo do devedor, mas advertiu sobre o cuidado em acolher a expressão “culpa” por se tratar de palavra polissêmica. Aqui, utilizou-a no sentido de não ser comportamento do devedor, ou seja, a relação deve ser atingida por fato alheio aos envolvidos.

2º requisito: Inevitabilidade.

A imprevisibilidade não é mais o elemento essencial. Foi a partir dela que a teoria foi construída, mas se desenvolveu para reconhecer que, na verdade, deve ser inevitável, ainda que as partes tentem, serão atingidas pelo evento. Assim, por exemplo, no Brasil era previsível que a pandemia da Covid-19, identificada na China em dezembro, atingiria o país, ou seja, era previsível, porém inevitável.

3º Requisito: Impossibilidade de cumprir.

O evento externo e inevitável deve tornar a prestação impossível de cumprir. Mas que tipo de impossibilidade? Segundo a doutrina, pode ser objetiva ou subjetiva.

Na objetiva, a análise recai sobre o objeto, analisando-se se seria possível cumprir a prestação para qualquer pessoa, não apenas para aquele devedor; na subjetiva, a perspectiva é do sujeito, limitada à pessoa e aos seus meios, devendo ser real, séria e intransponível, pois, do contrário, haveria mera dificuldade, como ocorre com o devedor desempregado que não consegue cumprir sua prestação.

Segundo Arnoldo Medeiros da Fonseca, deve-se analisar, no caso concreto, se há “impossibilidade absoluta ou objetiva, seja permanente ou temporária, total ou parcial, natural ou jurídica”.

Quais as consequências em se reconhecer o caso fortuito ou a força maior para essas relações contratuais?
Segundo o artigo 393, do Código Civil, o devedor não responderá pelos prejuízos resultantes do caso fortuito ou força maior. A prestação deixará de existir? Ou a prestação permanece, mas não haverá mora? Quem possui financiamento imobiliário perante uma instituição financeira, deixará de dever as prestações dos meses de março e abril, por exemplo?

Na responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (artigo 927 do Código Civil), que não é objeto dessa análise, a doutrina afirma ser causa de exclusão do nexo causal, portanto, naquela espécie não haverá dever de indenizar (dever jurídico secundário).

Não é o caso da responsabilidade contratual!

O artigo 393 do Código Civil não deve ser interpretado de forma idêntica para a responsabilidade extracontratual e contratual, pois esta possui função social (artigo 421 do Código Civil e artigo 5º do Decreto-Lei nº 4.657/42) e paridade, ainda que relativa, entre os envolvidos, que se encontram em situações equivalentes.

No Direito Contratual, onde há vínculo prévio, Arnoldo Medeiros da Fonseca apresenta algumas propostas. Se a impossibilidade é total e permanente, dá-se a extinção do vínculo obrigacional, sem mora. Se apenas é total e temporária, mantém-se o vínculo e se retira a mora. Se for parcial, poderá o credor exigir parte da prestação.

Seguindo suas lições, se numa relação contratual a Covid-19 e a ordem de paralisação da atividade econômica for considerada como caso fortuito ou força maior, duas soluções se apresentam.

Na primeira, na perspectiva do vínculo, retira-se o direito potestativo do credor em rompê-lo unilateralmente em razão da falta de prestação do devedor, que se tornou impossível, porque não há mora. Mantém-se essa potestatividade apenas àquele que está diante da impossibilidade, para não agravar ainda mais sua situação econômica, se assim o desejar.

Na segunda, na perspectiva da prestação do devedor, analisando-se o caso concreto, se: I) a impossibilidade for total, postergam-se as prestações vencidas para outro momento; ou II) se parcial, reduz-se a prestação cumprindo-a em parte. A análise é caso a caso, repita-se.

Reconhecida a impossibilidade total ou parcial da prestação, não haverá mora pelo devedor e, por isso, não recairão as respectivas consequências, quais sejam: a) multa (artigo 408 do Código Civil), b) juros ou correção (artigo 389 do Código Civil), c) cláusula resolutiva (artigo 474 do Código Civil), d) busca e apreensão (artigo 3º do Decreto-Lei nº 911/69), e) leilão extrajudicial (artigo 27 da Lei nº 9.514/97), f) despejo (artigo 59 da Lei nº 8.245/91), etc. O devedor continuará obrigado ao pagamento das prestações que não adimpliu, suspendendo-se a exigibilidade.

Assim, por exemplo, num contrato de locação comercial, poderá o locatário obter a suspensão do pagamento do aluguel se a impossibilidade for total, ou obter sua redução, se for parcial. Em qualquer dos casos não haverá mora, portanto, não haverá resolução contratual ou despejo.

Mas quando serão exigidas as prestações que não foram cumpridas total ou parcialmente pelo devedor?
Mesmo que o recomeço da atividade econômica ocorra em maio, junho ou julho, a retomada não será imediata e os efeitos serão sentidos por um período indeterminado, e cada região do país sofrerá de forma diferente as suas consequências.

Poderia o juiz considerar o caso concreto, com base no artigo 375 do CPC. Mas faltaria previsibilidade.

Por essa razão, assume importante papel o Projeto de Lei Ordinária nº 1.179/2020, aprovado no Senado Federal, pendente de votação na Câmara dos Deputados, que relativizará diversas relações jurídicas e fixará como marco temporal da situação de emergência, para fins de caso fortuito e de força maior, entre os dias 20 de março a 30 de outubro. À vista desse prazo, a fim de se obter previsibilidade e segurança, seria considerado dentro desse interregno: março a outubro de 2020.

Apresentamos algumas propostas para os contratos postergados no tempo:
1ª proposta: Contratos postergados no tempo, com termo final.

 Assim ocorre com empréstimos, financiamentos de veículo ou imóvel, por exemplo, onde a última prestação é identificada. Se a última parcela for em novembro de 2022, todas as vencidas entre março a outubro de 2020 seriam exigíveis a partir de novembro de 2022, não imediatamente, mas na mesma periodicidade.

2ª proposta: Contratos postergados no tempo, mas com prestações finais entre os meses de março a outubro de 2020.

Imaginemos que um comprador de imóvel tenha adquirido o bem em vinte e quatro prestações mensais e sucessivas, e as duas últimas seriam nos meses de março e abril de 2020. Se configurado o caso fortuito ou força maior, o comprador pagaria essas duas prestações faltantes nos meses de novembro e dezembro de 2020.

3ª proposta: Contratos postergados no tempo, indeterminados.

Há contratos que são postergados no tempo e indeterminados, como em algumas locações. Nesses casos, as prestações entre março a outubro de 2020 seriam exigidas a partir de novembro, na mesma periodicidade, embora concomitantes com as futuras prestações.

Ademais, conforme dito acima, é possível considerar, a partir do caso concreto, que a impossibilidade se tornou parcial, de maneira que o devedor pode cumprir parte da prestação, embora não inteiramente. Nesses casos, seriam admitidas revisões contratuais, com base no caso fortuito, a fim de fixar as prestações, durante os meses de março a outubro de 2020, à sua realidade econômica.

Por fim, alguns registros necessários.

A teoria da imprevisão evoluiu e outras foram construídas para justificar a intervenção em relação privada. [1] Dessa maneira, foram criados o estado de perigo (artigo 156 do Código Civil), a lesão (artigo 157 do Código Civil) e a onerosidade excessiva (artigos 317 e 478 do Código Civil). Assim, apesar do caso fortuito/força maior e a onerosidade excessiva terem a mesma origem (cláusula rebus sic stantibus), são diferentes, pois naquela há impossibilidade da prestação pelo devedor, enquanto nesta a prestação é possível, mas houve desproporção com vantagem excessiva. Por essas razões, não se aplicam os artigos  317 e 478 do Código Civil.

A manifestação de vontade dos envolvidos sempre prevalecerá sobre todas as propostas acima apresentadas, motivo pelo qual a melhor forma de resolver os problemas nos contratos, caso ocorram, é com conciliação, mediação ou negociação pelos contratantes.        

REFERÊNCIAS
DA SILVA, Caio Mário Pereira. Instituições de Direito Civil. Vol. III. Forense: Rio de Janeiro, 2.004.

FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. Rio de Janeiro: Forense, 1.958.

OLIVEIRA, José Maria Leoni Lopes de. Novo Código Civil anotado. Vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2.003.

RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Campinas: Bookseller, 2.009.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2.006.

SIDOU, José Maria Othon. Resolução judicial dos contratos e contrato de adesão. Rio de Janeiro: Forense, 2.000.

TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado. Rio de Janeiro: Renovar, 2.004.

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Vieira Marins: Moratória parcial no apoio a insolventes

Em razão da pandemia da Covid-19, surgiram várias vozes externando preocupação com o desempenho da economia brasileira, em especial se o período de quarentena for prolongado ou se houver outros surtos da doença durante o ano. O posicionamento da imensa maioria dos economistas se dirige no sentido de que serão necessárias intervenções estatais amplas, principalmente no que tange à concessão de crédito com juros baixíssimos às pequenas e médias empresas, à liberação de dinheiro para pessoas de baixa renda (incluídos os trabalhadores informais) e à destinação de mais recursos para o SUS.

No âmbito federal, as medidas de intervenção na economia poderiam ser adotadas por meio de créditos extraordinários vinculados às despesas urgentes e imprevistas decorrentes da calamidade pública (artigo 41, III, da Lei n° 4.320/64), a qual, tendo em vista o Decreto Legislativo n° 6/2020 do Congresso Nacional, eximiria o administrador público do atingimento dos resultados fiscais (artigo 65, II, da LC n° 101/2000) da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei n° 13.898/2020). Já na esfera estadual e municipal, as autorizações de crédito extraordinário possivelmente esbarrariam na grave situação fiscal da maior parte dos governos subnacionais, os quais, além de, muitas vezes, arrecadarem menos do que o necessário para as suas despesas correntes, ainda possuem vultosas dívidas em relação à União as quais, ao que parece, serão suspensas temporariamente.

No que diz respeito aos municípios de pequeno porte do interior do país (considerados aqui aqueles com menos de 100 mil habitantes), ou mesmo aos de médio porte (no caso em tela, municípios com população entre 100 mil e 500 mil habitantes) que não façam parte de regiões metropolitanas ou que não sejam polos regionais, a autorização de créditos extraordinários pode se tornar ainda mais difícil de ser concretizada, ou mesmo ser insuficiente ante a gravidade da crise econômica local. Assim, a depender da análise contábil e econômico-financeira da administração pública municipal, surge a possibilidade de se utilizar um instrumento de desoneração tributária diferente para tentar manter em atividade as empresas locais: a moratória acompanhada de remissão parcial do crédito tributário.

Tendo em vista que a atual pandemia, provavelmente, provocará a pior crise econômica desde a “quebra da Bolsa” de 1929, o mero parcelamento do crédito tributário poderá ser insuficiente para que contribuintes localizados em pequenos e médios municípios do interior do país se mantenham ativos economicamente em especial, se forem prestadores de serviço. Isto é, diante da magnitude da crise econômica, e não obstante a liberação de recursos oriunda do Governo Federal (a qual se afasta das políticas ultraliberais anteriores), pessoas jurídicas e empreendedores individuais poderão se encontrar no limiar da insolvência, mesmo que governos locais ofereçam moratórias em seu favor.

Surge, então, a figura da moratória acompanhada da remissão parcial do crédito tributário: além de se promover o parcelamento da dívida do Imposto sobre Serviços (ISS), nascida durante os meses anteriores e concomitantes à pandemia, concede-se o perdão de parte da dívida tributária. Aplicar-se-iam, portanto, as regras dos artigos 152 a 155-A do CTN, bem como do artigo 172 do mesmo diploma legal, em especial dos seus incisos I e IV, que tratam, respectivamente, da situação econômica do sujeito passivo e das condições peculiares de determinada região do território da entidade tributante.

Por óbvio, a concessão da moratória acompanhada da remissão parcial do crédito tributário dependeria não só de uma lei específica a respeito do tema como também de análises contábeis e financeiras a serem executadas pelo governo local. Contudo, em caso de resposta positiva da administração tributária municipal, o instrumento jurídico a ser adotado possuiria plena compatibilidade com o Código Tributário Nacional.

Já no que se refere ao artigo 14 da LC n° 101/2000 (LRF), a prefeitura municipal teria de apresentar estudos financeiros que demonstrassem que, diante da paralisação da economia local por força da calamidade pública, a inicial renúncia de receita não seria propriamente uma renúncia de fato, uma vez que os contribuintes, em razão de estarem impedidos de desenvolver suas atividades empresariais, não teriam como gerar faturamento e renda capazes de cumprir com suas obrigações legais ordinárias (incluídas, obviamente, as tributárias). A estimativa do impacto orçamentário-financeiro, por conseguinte, teria de demonstrar que, no período em debate, sequer haveria a perspectiva de arrecadação tributária do ISS, tendo em vista a alta probabilidade de “quebra” das empresas em decorrência da calamidade pública (o que geraria perdas de receita tributária não só no exercício orçamentário atual, mas também nos seguintes).

Por fim, alguns poderiam questionar a proposta de moratória acompanhada de remissão parcial do crédito tributário ao afirmar que se trataria de mais um exemplo de “guerra fiscal”, contrariando o artigo 88 do ADCT (incluído pela EC n° 37/2002). Contudo, não haveria a possibilidade de “guerra fiscal”, pois não há de se falar em disputa entre governos subnacionais por investimentos privados quando se está diante de uma calamidade pública. Vale dizer, há situações em que, seja por uma questão de fato ou de direito, simplesmente não é possível a ocorrência de competição tributária sendo este justamente o caso de pandemias que gerem a decretação de calamidade pública.

A hipótese em debate também poderia ser entendida como um benefício fiscal concedido em caráter emergencial e transitório, tendo por objetivo apenas enfrentar uma situação excepcional, sem que haja o intuito de promover a transferência de investimentos privados localizados em outros municípios. Nesse aspecto, vale lembrar os desastres ambientais ocorridos no município de Mariana, em novembro de 2015, no município de Brumadinho, em janeiro de 2019, na Amazônia Legal, em agosto de 2019, e na costa da Região Nordeste, em outubro de 2019, os quais demonstram como pequenas e médias empresas locais, profissionais autônomos e empresários individuais podem ser gravemente afetados por situações extremas e excepcionais, as quais têm o potencial de tornar insolventes comerciantes, prestadores de serviço, pecuaristas, agricultores, pescadores e até mesmo pequenas indústrias.

 é procurador da Fazenda Nacional, Mestre e Doutor em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ.