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Carlos Abrão: 15 anos da Lei de Recuperação e Falências

Pajardi, saudoso jurista italiano, diria que vivemos um tempo da falência da falência, exatamente o contraponto que veio a ser instaurado a partir da pandemia na economia. O Diploma nº 11.101/05 teve o principal e inegável mérito de encontrar uma solução legal a fim de que o estado de crise empresarial fosse superado, porém, o grande teste da legislação teve início em 2015, com a entrada de grandes companhias em recuperação judicial, e a derrocada maior aconteceu por força da operação “lava jato”.

Numa escala vetor e de valores, a legislação necessita alteração, não como se apresenta na conjuntura atual, mas pensada, refletida e adaptada. Pequenas e médias empresas não têm fluxo de caixa para pagamentos elevados do administrador e demora excessiva no processamento, a recuperação extrajudicial se revelou tímida e pouco adstrita aos interesses do empresário em dificuldade financeira.

Tínhamos uma lei muito divorciada do seu contexto, mas com o avanço da pandemia o quadro mudou drasticamente, setores como turismo e aviação foram arrebentados e a recuperação não se fará de forma esperada, comércio bem reduzido, aumentando o eletrônico, e uma complicação enorme no setor de serviços. Precisamos destruir os nós que demonstram formalismo e transformar a recuperação em procedimento, e não simples processo municiado de recursos que sobem às instâncias e paralisam a recuperação.

Boa a entrada do produtor rural na recuperação, preenchidos os seus requisitos, mas o que assistimos é a universalização da recuperação invadindo escolas, estabelecimentos de ensino, e até atividades sem fins lucrativos e sem registro de comércio. O futuro marca-se incerto e indeterminado, mas a grande incógnita é, não apenas a mudança legal, marco revolucionário, mas a efetiva aplicação pela Justiça na interpretação dos aspectos de soerguimento da empresa.

Entendemos que o rastro de boa-fé tem sido deixado de lado, raros os casos de afastamento do controlador ou dos maus administradores, e no mais das vezes não podemos conviver com planos que excedem o tempo de duração, sejam constantemente alterados e signifiquem o calote, nos quais a finalidade é de pagar apenas valor simbólico do macro endividamento. Estudos de viabilidade são necessários, não no início do requerimento e seu deferimento, mas o administrador judicial deve ser pró-ativo e evidenciar ao juízo as deformidades do plano e sua consequente impossibilidade de cumprimento.

Um vasto rosário de dúvidas nos identifica com uma legislação moderna mas ao mesmo tempo que se definha rápida e diariamente, na medida em que os problemas contemporâneos são muito mais do que falta de capital de giro ou de caixa, mas envolvem consumo, clientela, ponto, renegociação de luvas e do próprio locativo, já que muitos locadores não ensejam perdas, além do que shopping centers fechados meses a fio terão que abrir mão de participação e mudarão substancialmente as estruturas para se evitar aglomeração mantendo permanente higienização, a exemplo de salas de cinema com menor frequência e público com distância mínima.

O treinamento e a especialização de magistrados é inadiável, a máquina judiciária precisa de investimentos e corpo técnico à altura, muitas cidades pequenas, cujos prefeitos concederam benefícios fiscais para atrair empresas naquelas localidades, o juízo é carente de infraestrutura, donde a circunscrição manteria ao menos um juízo empresarial especializado. A dialética rompe o momento de mera mudança do marco legal, mas sugere um conjunto de medidas para permitir que o devedor se recupere, mas ao mesmo tempo que o credor não seja o único sacrificado. A expressão fortuito ou força maior não pode ter o condão de reescrever completamente o contrato mediante cláusulas e condições que favoreçam apenas uma das partes, a acentuada elevação da moeda estrangeira preocupa aqueles que tem contratos de câmbio e ainda as operações de importação de produtos, já que somos dependentes de insumos. O decálogo produtivo e real do momento atual sinaliza a implementação de medidas tendentes à recuperação do negócio por meio de medidas legais estruturantes

A partir dessa catalogação e consubstanciando o problema maior de não sobrecarregar a máquina judiciária, é essencial não decapitar empresas ou trucidar empresários de forma maquiavélica. A propósito, e considerando a forma sazonal de muitos setores afetados pelo momento de paralisação, temos a ponderar o seguinte:

1) Prazo de 90 dias finda a pandemia para reestruturação amigável;

2) Intervenção das câmaras setoriais para incremento das medidas profiláticas;

3) Devedores que se socorrerem da autofalência poderão ter continuidade automática dos seus negócios com novo ciclo de vida empresarial;

4) Setorialmente as entidades de classe fariam um relatório sobre o reaquecimento econômico e a expectativa de alteração de planos extrajudiciais;

5) Suspensão de todos os processos em curso e de obrigações vencidas por até 180 dias;

6) Pedidos coletivos por setor para fins e efeitos da recuperação judicial obtendo-se uma sentença coletiva que poderia ter execução singular na hipótese de não cumprimento dos padrões globais definidos pelo juízo;

7) Aumento do período de blindagem para as empresas envolvendo sócios e garantes solidários;

8) Convolação de parte substancial da dívida em participação no negócio sem repercutir na responsabilidade solidária ou subsidiária na hipótese de quebra;

9) Pedidos de recuperação durante o período pós pandemia poderão ser publicizados pela rede mundial e registrados na Junta Comercial para conhecimento de terceiros e respectivas impugnações;

10) Contrapartida da redução dos prazos destinados à recuperação de micro e médias empresas até três anos e grandes companhias, cinco anos.

O modelo francês, que tem peculiaridades e maior adaptabilidade, fornece ferramentas para diversas extensões de recuperação, bem diferente da legislação brasileira; chegou o momento e o tempo assim preside que devemos marchar a passos largos para a reconstrução da economia, do cenário do fomento empresarial e prudencialmente de regras inovadoras em termos de possibilitar que empresas saudáveis não se submetam ao regime de extinção fruto da quebra. E uma das conclusões vitais a qual chegamos é que até a pandemia o número de recuperações nos últimos 15 anos superou 25 mil pedidos e doravante o quadro será sombrio no sentido de maior número de quebras e menor recuperação.

Em tempo de recessão, depressão e falta de consumo com a real perda do poder aquisitivo, o Diploma 11.101/05 encerrou um ciclo auspicioso, cabe aos brasileiros vocacionados permitir que a fundação não seja abalada para redimensionar normas econômicas e jurídicas, instrumentos seguros para que não tenhamos terremotos ou tsunamis que causem graves problemas sociais. E para tanto já estamos no limite de buscarmos reformular a lei sem ambicionar milagres econômicos ou recuperações impossíveis, mas pluralmente uma racionalidade maior dentro do contexto adverso contingenciado por um contexto imprevisível e duração indeterminada.

Arregacemos as mangas das camisas e mudemos o que é possível para o monitoramento constante do que pode ser aperfeiçoado e melhorado em termos de ferramentas em prol da atividade produtiva.

 é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, doutor pela USP com especialização em Paris, professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg e autor de obras e artigos.

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Sistema registral precisa favorecer utilização de garantias mobiliárias

É indubitável que a racionalização e a modernização das garantias mobiliárias facilitarão seu uso, ampliarão o acesso ao crédito e favorecerão a economia [1]. Tal é sobremodo importante pois, em tempos de pandemia, há que se aumentar o crédito e reduzir seu custo. A utilização de bens móveis (veículos, máquinas equipamentos, estoques etc.), como garantia na obtenção de crédito é valiosa para empresas de qualquer porte. Contudo, é especialmente benéfica para médias, pequenas e microempresas, cujo patrimônio é composto em grande parte por bens móveis, atualmente pouco utilizados como contrapartida de garantia; em grande parte por ser o sistema registral brasileiro, extremamente intrincado e defasado. Tendo em vista que as empresas de menor porte representam cerca de 40% do PIB brasileiro, a economia beneficiar-se-ia consideravelmente se esse segmento empresarial tivesse acesso a crédito barato e fácil. Na prática, há dificuldades tanto para os tomadores quanto para os cedentes de crédito, dificuldades essas transferidas diretamente ao custo da transação financeira via incremento dos juros.

Os interessados em oferecer bens móveis em garantia encontram, mormente, as seguintes dificuldades: I) inscrição e cancelamento de garantia não estarem necessariamente sujeitas a um procedimento padronizado, podendo variar dependendo tão-somente do cartório de registro; II) descumprimento injustificado de prazos pelos participantes do sistema atual de registro, que podem, também, variar de estado federado para estado, atrasando transações quando o mesmo tomador de recursos possui bens dispersos territorialmente; e III) complexidade do cálculo e falta de uniformidade nos valores a serem pagos pelos usuários, além da existência de gastos desnecessários causados pelo duplo registro de bens, que ocorre tanto por insegurança quanto ao lugar correto quanto pela falta de interoperabilidade entre as centrais estaduais de todo o país.

Do prisma dos cedentes de crédito, o sistema atual também impõe desafios limitantes, com  lentidão, onerosidade e insegurança jurídica dos registros, visíveis especialmente pela dificuldade de se obter informações completas e atualizadas sobre a situação dos bens usados como garantia. Mudanças poderiam superar tais dificuldades se fossem implementadas, eficiente e celeremente.

Inúmeros documentos oriundos de organizações internacionais sugerem a adoção de sistema de registro centralizado, eletrônico e de baixo custo: a Lei Modelo Interamericana de Garantias Mobiliárias da OEA (Washington, 2002), a Lei Modelo de Garantias Mobiliárias da UNCITRAL (Viena, 2016), a Convenção sobre Garantias Internacionais Incidentes sobre Equipamentos Móveis da UNIDROIT (Cidade do Cabo, 2001) e seus protocolos aeronáutico e MAC (mineração, agricultura e construção).

A Lei Modelo de Garantias Mobiliárias da OEA e a da UNCITRAL trazem conceitos de garantia amplos, bem adaptados à realidade atual, permitindo que qualquer coisa possa ser dada em garantia. De fato, podem ser usados como garantia uma coisa individualmente considerada ou um conjunto de bens e direitos, específicos ou de categorias genéricas, ou mesmo todos os bens móveis do devedor, presentes ou futuros, corpóreos ou incorpóreos, suscetíveis de um valor pecuniário, quer no momento da transação, quer no futuro. Tal acrescenta flexibilidade e deixa de lado conceitos frios e rígidos que limitam o uso de garantias.

Além disso, ambas as leis incorporam a ideia de registro eletrônico e remoto acessíveis por senha. As buscas podem ser realizadas pelo nome do devedor e, em alguns casos, permite-se fazer um pré-registro sem necessidade de o contrato de garantia já estar assinado ou o crédito já ter sido outorgado pelo credor. Em tais sistemas, o registro de garantias é bem simples, sendo realizado por meio de formulários que pressupõem apenas cinco dados relevantes dos usuários (sem necessidade de outros documentos comprobatórios, a não ser o contrato de garantia em si): I) nome e endereço do garantidor; II) valor máximo garantido, em vez de valor fixo (vantagem importante em países com inflação alta); III) nome e endereço do credor garantido; IV) descrição dos bens, que pode ser geral ou específica (útil no registro de bens fungíveis ou de bens futuros); e V) nome dos devedores.

A implementação de um registro centralizado, com acesso em um único ponto da internet, resolveria vários dos desafios. Registro central significa uma base central a que se conectariam todas as unidades de serviços do país; ou seja, cartórios, ofícios e centrais. Dessa forma, evitar-se-ia o duplo registro. Em havendo acesso ágil e indiscriminado a certidões e informações, qualquer interessado poderia fazer uso do sistema, inclusive o menos instruído. Além disso, a operação seria mais célere, pois todas as informações estariam em um único local, barateando-se o custo de due diligence e acelerando a análise de riscos pelo cedente do crédito; agilizando a chegada dos recursos ao bolso do tomador. A centralização implicaria também em padronização. Seriam superadas as atuais diferenças entre os estados federados, permitindo interoperabilidade entre as centrais estaduais e os cartórios locais. Ajudaria, ademais, na interconexão das unidades de registro de bens móveis com o Poder Judiciário e outros órgãos da administração pública. Por fim, o registro centralizado será útil caso o Brasil ratifique o Protocolo MAC, a fim de conseguir oferecer e registrar garantias sobre bens móveis de alto valor nos setores de mineração, agricultura e construção a nível internacional.

Abandonando-se o uso de papel, uma plataforma de registro eletrônico ensejaria economia apreciável na operação e guarda dos documentos, aumentando a segurança, velocidade e acessibilidade, inclusive em regiões, atualmente, fora do alcance de cartórios, ou de difícil acesso. Qualquer usuário teria o mesmo nível de informação, utilizando seu próprio telefone celular. Os benefícios, em muito, superam os desafios de instalação, manutenção e sigilo, que por sua vez estão ainda começando a ser tratados com maior profundidade pelo legislador.

Registro de baixo custo, a ser adotado, necessita possuir dois predicados: barato o suficiente para atrair os usuários a aceder, embora hábil para que os cartórios obtenham lucro razoável. Para aumentar o número de operações e reduzir gastos individuais é imperativo haver: I) procedimentos homogêneos na fixação dos emolumentos; II) a publicação de tabelas claras; e III) custo de registro de uma transação suscetível de ser orçado prévia e rapidamente.

Com um registro central eletrônico e de baixo custo todos os envolvidos ganham. O aumento no número de transações significaria mais emolumentos para os cartórios, mais juros para os credores e mais crédito para os tomadores injetarem em seus empreendimentos, favorecendo emprego e arrecadação, com um mecanismo pautado na publicidade dos atos e na segurança jurídica.

A proposta acima não exigiria demasiado esforço das autoridades e participantes envolvidos. O Brasil já tem inclusive experiências positivas na utilização de registros públicos únicos e centralizados, como é o caso do Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB), usado para registrar hipotecas sobre aeronaves; e a ratificação pelo Brasil da Convenção sobre Garantias Internacionais Incidentes sobre Equipamentos Móveis e respectivo protocolo, firmados na Cidade do Cabo, em 2001, que faculta registros eletrônicos e centrais, bem como mecanismos de execução das garantias.

Além disso, o Brasil pode se beneficiar da experiência de vários dos países de América Latina [2] que têm adotado esses modelos e reformado seu sistema de garantias mobiliárias. Com isso haveria aumento considerável do fluxo de comércio internacional na região e possível integração por ter um sistema de registro comum.

A crescente necessidade de acesso a capital, em tempos de pandemia, fez com que algumas ideias, anteriormente lançadas, começassem a ser cogitadas. A mais recente foi a possível criação de plataforma de Consulta Unificada de Restrições e Garantias (CURG) que permitiria justamente centralizar as informações sobre garantias e restrições de bens dos cartórios de RTD, RI, Central Nacional de Indisponibilidade de Bens CNB baseada em buscas pelo identificador pessoal (CPF, CNPJ).

As mudanças acima são necessárias para simplificar, agilizar e aproveitar ao máximo a alta capacidade produtiva, hoje desperdiçada pela burocracia, atraindo investidores nacionais e estrangeiros e impulsionando a economia. Um sistema menos complexo certamente gerará muitas oportunidades a todos os envolvidos.

P.S.: O presente artigo segue as linhas mestras e a fundamentação da conferência da professora Constanza Bodini feita no Programa de Conferências online do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes), em 6 de junho de 2020.

 

[1] Rodas, João Grandino. “Facilitar o uso de garantias mobiliárias incrementaria a economia”. ConJur, 4 de junho de 2020. Publicado em https://www.conjur.com.br/2020-jun-04/olhar-economico-facilitar-uso-garantias-mobiliarias-incrementaria-economia.

[2] Peru, Guatemala, Honduras, Salvador, Panamá, Costa Rica, Colômbia e México.

 é sócio do Grandino Rodas Advogados, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), professor titular da Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

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Ricardo Fraga: Dois meses de distanciamento social

Alguns aprendizados, nestes dois meses iniciais. O primeiro deles, com profissionais da medicina, é a expressão “distanciamento social”, ao invés de “isolamento” ou mesmo “quarentena”. Em itens adiante, o registro de outros aprendizados, coincidentes com estes dias, por acaso ou necessariamente nestes.

Desde logo, a lembrança de sabedorias anteriores. Na condição de juiz do Trabalho, com 20 anos em salas de audiência, no primeiro grau, e dez anos em sessões de julgamento, no segundo grau, um sentimento mais forte do que qualquer estudo de Economia ou áreas afins. Trata-se do sentimento, bem internalizado, de que não estamos em um sistema econômico minimamente planificado ou com previsibilidades.

Aqui, a grande maioria das empresas pequenas e médias não possuem “capital de giro” para um segundo ou terceiro mês sem funcionamento.

Dito de outro modo, aqui, “desacelerar” é bem difícil para a grande maioria das pequenas e médias empresas. Um piscar de esperança vem de colega observador, atento ao que ocorre em salas de audiências e realidade próxima, juiz Luis Carlos Pinto Gastal, o que se registra no parágrafo seguinte.

Provavelmente, muitas pequenas e médias empresas possam “retomar” o funcionamento com mais facilidade. Isso porque dependem mais dos conhecimentos e trabalho humano organizado do que do capital investido e do sistema financeiro. Isso, por óbvio, não exclui eventuais necessidades de maior apoio, inclusive creditício, das autoridades públicas, como lembrado pelo advogado Antonio Escosteguy Castro, em debates virtuais desses dias.

Desde logo, sobre a elevada financeirização de nossas economias, lembrem-se os estudos e alertas de Ladislau Dowbor em “O Capitalismo se Desloca – novas arquiteturas sociais”, São Paulo: Sesc, 2020, e também em entrevista.

Ntep Nexo Técnico Epidemiológico
Ocorrida, casualmente, nestes dias, a decisão do Supremo Tribunal Federal, na Adin (ação direta de inconstitucionalidade) número 3931, tem enorme relevância.

A subnotificação dos acidentes e das doenças do trabalho existe em quase todos os países, ao que se tenha notícia. No Uruguai, havia significativa solução contra as subnotificações, com a previsão de fundo nacional, ajustado anualmente, com base no número de doenças e acidentes do ano anterior. Mesmo assim, mais recentemente, foi necessário o auxílio do Direito Penal, com novas regulamentações. Apontado em livro de Ney Fayet Júnior Dos Acidentes de Trabalho: (sociedade de) Risco, Proteção dos Trabalhadores e Direito Criminal”.

Aqui se buscou o auxílio dos conhecimentos da estatística. Aqui, agora e, já antes, quando não deferida a liminar, existe a necessidade de exame da situação mais abrangente na qual inserida a doença ou acidente em julgamento. O contexto do caso em exame tem de ser examinado.

Em Direito processual probatório é inovação, desde muito, não vista. Nenhum dos anteriores conceitos deste ramo do Direito são suficientes para se perceber, inteiramente, o que está sendo construído. Por óbvio, os demais fatos e circunstâncias do caso concreto, igualmente, serão examinados, até mesmo, com os outros anteriores aprendizados do direito processual probatório.

Uniformização da jurisprudência
A urgência da necessidade de uniformização da jurisprudência é cada vez maior. Isso decorre de certa peculiaridade nossa, maior e/ou diferente de outros países.

Aqui, do Poder Judiciário se espera que cumpra diversas funções, de promotor da paz social, de corretor de injustiças, de um dos principais instrumentos para os aperfeiçoamentos civilizatórios, entre outros, acaso o antes indicado não seja tudo, inclusive com provável exagero.

Já superamos os debates sobre súmula vinculantes, contemporâneos à reforma do Poder Judiciário, Emenda Constitucional 45. Eram pretensões com pouco acerto, alimentadas pela imprensa leiga. De certo modo, confundia-se a função jurisdicional com a legislativa, como se fosse viável “julgar casos concretos em abstrato”. Em outro texto, buscou-se compreender aquele momento, “Quais Súmulas?”, com Luiz Alberto de Vargas.  

Viveu-se breve período de aprendizados bem mais ricos e superiores. Ao tempo da Lei 13.015, um pouco antes da entrada em vigência do atual Código de Processo Civil, Lei 13.105, o Direito Processual do Trabalho, mais uma vez na história, avançava mais do que o Direito Processual comum. Entre outros tantos estudos, o e-book “NCPC – Próximos do Segundo Ano”, de que participamos a partir da prática judiciária

Após a revogação da mencionada Lei 13.015 pela Lei 13.467, ficamos com os regramentos do CPC, agora atual, apenas. Muito haverá de ser construído. Estamos menos próximos da experiência do Direito Processual da Europa, civil law, e ainda não absorvemos os aprendizados de organização do Judiciário nos Estados Unidos.

Nestes primeiros dias de distanciamento social, leu-se o recente escrito de Estevão Mallet no prefácio do livro “Precedentes no Processo do Trabalho – Teoria Geral e Aspectos Controvertidos” (coordenadores Cesar Zucatti Pritsch, Fernanda Antunes Marques Junqueira, Flavio da Costa Higa e Ney Maranhão, São Paulo: Thomson Reuters e Revista dos Tribunais, 2020, página 11), no sentido de que: “Há que até diga ser impossible to draw a rigid line, a priori, between rationes decidendi and obitter dicta. (…) Em outros casos, especialmente em julgamentos colegiados, a decisão pode resultar de conclusões convergentes, decorrentes de fundamentos divergentes”.

Ora, na situação acima observada é difícil e mesmo equivocado ficar nos limites das práticas contemporâneas às edições de súmulas.

Provavelmente estejamos em condições de nos distanciar o mais possível das antigas práticas contemporâneas às elaborações de súmulas. Nas duas opções adiante, apresentadas de modo bem resumido, certamente, a segunda será a mais adequada:

a) primeiro decidir que irá vincular e depois examinar a(s) situação(ões);

b) primeiro examinar a(s) situação(ões) e depois, se possível, afirmar que irá vincular.

A efetiva contribuição nossa ao Direito Processual e à organização da Justiça poderá ser esta. Julgar o caso concreto, com toda dedicação, inclusive do tempo disponível. No restante, apenas e no máximo, anunciar as prováveis decisões em casos futuros, de conformidade com suas semelhanças, iguais, médias ou totais. Tudo isso respeitando, sempre, a determinação da inafastabilidade da jurisdição, Constituição, artigo 5º, inciso XXXV.

Despedidas em Números Elevados
Integrando a SDC (Secção de Dissídios Coletivos) do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, alguns aprendizados novos. Assim como os demais integrantes, tenho realizado algumas audiências virtuais de mediação coletiva.

Nessas audiências virtuais, um dos temas mais frequentes é o das despedidas e suspensões dos contratos. Acaso outro tivesse sido o resultado do julgamento, no Supremo Tribunal Federal, da Adin 6363 (relator original Ricardo Lewandowski) certamente ainda bem maior seria o número destas mediações coletivas, denominadas “pré-processuais” em outras regiões.

Nessas ocasiões, alguma semelhança com debates anteriores aos dias atuais. Registramos estas controvérsias anteriores no livro “Perguntas e respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista volume 1″ (coordenadores Ricardo Calcini Luiz e Eduardo Amaral de Mendonça).

O novo artigo 477-A, da CLT, inserido pela Lei 13.467, estabelece que:

“Artigo. 477-A  — As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.

A realidade, inclusive anterior aos dias de pandemia, vinha demonstrando que as despedidas em número expressivo, no maior das vezes, são inviáveis sem o contato com alguma instância da sociedade, para além da empresa. No mínimo, a autoridade policial vinha sendo chamada.

Em 2018 e 2019, no maior número de vezes, fomos procurados pelas entidades sindicais de trabalhadores. Já fomos procurados, por outro lado, pelas próprias empresas. Em mais de uma situação, fomos procurados por ambas as partes.

Nessas situações anteriores, eram mais frequentes algumas soluções, tais como:

a) diminuição do número de despedidas;

b) previsão de planos de demissão voluntária;

c) estabelecimento de cronograma das despedidas;

d) exame das estabilidades legais e normativas;

e) elastecimento de benefícios tais como planos de saúde e alimentação.

Agora temos a nova figura da suspensão temporária dos contratos, trazida por medida provisória ainda não examinada no Congresso Nacional ao tempo destes linhas.

A atenção e o cuidado com as realidades atuais exigirão mais de todos. Já se viu o debate sobre manutenção de grupo de discussão, de todos os trabalhadores, em aplicativo, virtual, sobre eventual venda de máquinas de empresa de porte médio.

Em caso mais anterior aos dias atuais, de empresa de transportes urbanos, estabeleceu-se a apresentação de balancetes diários, ao tempo das três ou quatro semanas das negociações coletivas.

Em debates mundiais, já se viram novas regulamentações registradas em “The regulation of collective dismissals: Economic rationale and legal practice” (Mariya Aleksynska, Angelika Muller, OIT Organização Internacional do Trabalho, maio de 2020), lembrado pelo advogado e professor Estevão Mallet.

Atuação não menor, nem mesmo numericamente
Os exemplos antes mencionados bem confirmam a necessidade da Justiça do Trabalho, mais ainda em dias de pandemia. O Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, assim, omo outros, tem divulgado os números de suas atividades em primeiro e em segundo grau.

Pessoalmente, tenho atuado na totalidade das tarefas em quarentena, com números acima de mil, cuidado e dedicação não menores do que em dias antes considerados normais.

Na 3ª Turma do TRT-RS, assim como nas demais, têm sido significativos os números de julgamentos e de sessões.

Nesta 3ª Turma são sessões virtuais e por videoconferência, também denominadas telepresenciais, transmitidas online, estas segundas, assim como eram as sessões presenciais:

a) https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/301474;

b) https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/305454;

c) https://www.youtube.com/channel/UChbGL3ivkqi1Cl3Aba2U6Cg/videos

Em todas essas iniciativas, a confirmação de certa convicção. A Constituição e a realidade nos levam, satisfatória e obrigatoriamente, a um Direito Processual mais participativo. Sobre o tema, o texto escrito com o irmão juiz de Direito, “Salas de audiências por 60 anos”.

Futuro
Chegaremos aos dias futuros com os aprendizados do passado. Chegaremos ali, igualmente, depois de termos vivido os dias presentes.

É de todo lúcida certa afirmativa no sentido de que “é necessário ‘achatar a curva’ do empobrecimento geral da massa trabalhadora, formal e informal”, de Fernando Brito, em 12/4/2020.

Por ora, no momento de escrever estas linhas, ao menos algumas dúvidas existem. Acima de tudo, não se tem certeza sobre a duração dos dias atuais.

Alguns aspectos e situações dos dias atuais talvez persistam mais do que outros. Os anos próximos já foram mencionados em documentos de algumas universidades. Entre tantos:

a) “Harvard muito além de 2020″ 

b) Cambridge aulas presenciais bem mais adiante.

Por ora, no momento de escrever estas linhas, ao menos, algumas quase certezas existem. É crescente o interesse de todos pela melhor organização do trabalho remoto ou teletrabalho.

As empresas maiores, mais do que as medias e pequenas, já têm número expressivo de experiências incipientes, ao menos em algumas de suas atividades. Nesse rumo, com exagero visível, todavia indicativo de rumo e buscas, estudo sobre novas mentalidades.

Pesquisas mais recentes e bem elaboradas, seguramente, nos farão melhor conhecer a realidade.

No âmbito do Poder Judiciário, já se tem novo quadro desde momentos um pouco anteriores:

a) Noticia

b) Alteração de fevereiro de 2020; e

c) Resolução 74.

Estamos próximos, inclusive, de um dos maiores programas de renda mínima do Ocidente. O valor de R$ 600, ainda que não expressivo e com inúmeras demoras, terminou alcançando 50 milhões de pessoas. Nos Estados Unidos, existe benefício bem superior, alcançando número um pouco menor de trabalhadores.

Desejamos acreditar que não seremos quase meio milhão de brasileiros a menos, apesar de documento de outra universidade, a de Oxford.

Haveremos de ouvir os sons da próxima primavera. Haveremos de ouvir os belos sons das Vozes da Primavera, valsa de Johann Strauss Jr.

 é desembargador do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul.

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Lívia Machado: Recuperação judicial pode salvar empresas

Opinião

Recuperação judicial é uma solução imediata e capaz de salvar empresas

Por 

O cenário momentâneo trouxe dificuldades para pequenas, médias e grandes empresas. Mesmo que as políticas públicas, as ações em saúde e todos os esforços da comunidade internacional contribuam para reduzir os impactos da crise gerada pela pandemia da Covid-19, as consequências serão inevitáveis.

E isso não expressa um pessimismo. Pelo contrário, os empreendedores brasileiros estão esperançosos e batalhando pelos seus negócios. A vontade de prosperar é igual ou maior do que aquela observada no período antes da descoberta da Covid-19, mas os efeitos da paralisação de algumas atividades chegarão a todos. O empresariado deve esperar o pior ocorrer para tomar uma decisão? É certo que não. É preciso aproveitar as oportunidades que a legislação oferece para que os empreendimentos possam permanecer em atividade.

A verdade é que ainda existem mecanismos capazes de salvaguardar as empresas nacionais, como a recuperação judicial (RJ), regulamentada pela lei Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. E, durante a pandemia, várias decisões de magistrados nacionais deram esperança a esses negócios. É o caso dos adiamentos de assembleias-gerais de credores, prorrogações da suspensão de execuções e arrestos de bens propostos por credores, proibições de fiscalizações por parte de administradores judiciais, medidas protetivas para impedir cortes no fornecimento de água, energia e gás encanado e ainda possibilidades para parcelamentos e prorrogações de dívidas.

É certo que ninguém, nem mesmo os advogados, gostaria que os empresários estivessem nessa situação e pessoa alguma queria ver o mundo, consequentemente o Brasil, em meio a uma pandemia sem precedentes e que colocará em xeque negócios, empregos e a situação socioeconômica de milhões de brasileiros. É preciso pensar, porém, que, enquanto uma solução definitiva no campo da ciência não é encontrada, não dá para tapar o sol com a peneira.

A Lei da Recuperação Judicial existe e a corrente ainda está a favor do empresariado. Apesar de não ser o cenário desejado por muitos, a RJ pode ser uma solução imediata e capaz de salvar empresas. É uma forma de preservar o patrimônio de uma vida toda e ainda beneficiar trabalhadores, com preservação de emprego e renda. Afinal de contas, a crise passa, mas os negócios podem permanecer sendo fonte de desenvolvimento para o país.

Lívia Maria Machado F. Queiroz é advogada especialista em recuperação judicial e associada ao escritório Mestre Medeiros — Advogados Associados.

Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2020, 11h01

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Opinião: CNJ acerta ao dar celeridade a falências

O impacto resultante da adoção das necessárias medidas de isolamento durante a pandemia de Covid-19 já pode ser sentido pelas empresas, sobretudo as pequenas e médias, e também tem repercussões jurídicas que já podem ser conhecidas.

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça editou um ato normativo (de número 0002561-26.2020.2.00.000) contendo orientações aos juízes para criar condições especiais, durante a crise sanitária, para as empresas em processos de falência e recuperação judicial. As decisões nesse tipo de processo, afirma o CNJ, devem ser priorizadas.

A necessidade de proteger a saúde financeira das empresas e do mercado brasileiro justifica a recomendação feita pelo CNJ e demonstra que a cúpula do Judiciário está atenta às necessidades reais do país. Trata-se de um ato normativo que vêm, felizmente, para garantir eficácia e celeridade aos procedimentos de recuperação judicial.

As orientações em questão estão, cabe lembrar, alinhadas com o conteúdo da resolução 313/2020/CNJ, que estabeleceu, no âmbito do Poder Judiciário, o regime de Plantão Extraordinário, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo coronavírus, e garantir o acesso à Justiça neste período emergencial. As recomendações, salvaguardam os Órgãos Jurisconsultos, na medida que autorizam a condução processual das recuperações judiciais de forma célere, garantindo a eficácia das tutelas jurisprudenciais pretendidas nas ações dessa natureza.

O ato normativo tem por finalidade mitigar dos efeitos econômicos decorrentes das medidas recomendadas pelas autoridades sanitárias e governamentais para o controle da pandemia. Ele visa, portanto, a sugerir medidas voltadas à modernização e à efetividade da atuação do Poder Judiciário nos processos de recuperação empresarial e de falência.  

De forma objetiva, as medidas propostas orientam, topicamente, os juízos para a adoção de procedimentos voltados para a celeridade dos processos de recuperação empresarial e de decisões que tenham por objetivo primordial a manutenção da atividade empresarial, com direto impacto na circulação de bens, produtos e serviços essenciais à população, e na preservação dos postos de trabalho e da renda dos trabalhadores.

Cabe, aqui, elencar as recomendações do CNJ para os casos de falência e recuperação judicial:

•    Priorizar a análise e decisão sobre levantamento de valores em favor dos credores ou empresas em Recuperação judicial; 

•    Suspender a realização das Assembleias Gerais de Credores presenciais agendadas, autorizando a realização de reuniões virtuais quando necessária para a manutenção das atividades empresariais da devedora e para o início dos pagamentos aos credores; 

•    Prorrogar o período de suspensão previsto no art. 6º da Lei de Falências quando houver a necessidade de adiar a Assembleia Geral de Credores; 

•    Autorizar a apresentação de plano de recuperação modificativo quando comprovada a diminuição na capacidade de cumprimento das obrigações em decorrência da pandemia da Covid19, incluindo a consideração, nos casos concretos, da ocorrência de força maior ou de caso fortuito antes de eventual declaração de falência (Lei de Falências, art. 73, IV); 

•    Determinar aos administradores judiciais que continuem a promover a fiscalização das atividades das empresas em Recuperação Judicial, de forma virtual ou remota, e a publicar na Internet os Relatórios Mensais de Atividade; e 

•    Avaliar com cautela o deferimento de medidas de urgência, despejo por falta de pagamento e atos executivos de natureza patrimonial em ações judiciais que demandem obrigações inadimplidas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6 de 20 de março de 2020.

Janildo Maiga Azevedo de Souza é advogado do Rueda & Rueda Advogados e especialista em direito empresarial e contratos.

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Vieira Marins: Moratória parcial no apoio a insolventes

Em razão da pandemia da Covid-19, surgiram várias vozes externando preocupação com o desempenho da economia brasileira, em especial se o período de quarentena for prolongado ou se houver outros surtos da doença durante o ano. O posicionamento da imensa maioria dos economistas se dirige no sentido de que serão necessárias intervenções estatais amplas, principalmente no que tange à concessão de crédito com juros baixíssimos às pequenas e médias empresas, à liberação de dinheiro para pessoas de baixa renda (incluídos os trabalhadores informais) e à destinação de mais recursos para o SUS.

No âmbito federal, as medidas de intervenção na economia poderiam ser adotadas por meio de créditos extraordinários vinculados às despesas urgentes e imprevistas decorrentes da calamidade pública (artigo 41, III, da Lei n° 4.320/64), a qual, tendo em vista o Decreto Legislativo n° 6/2020 do Congresso Nacional, eximiria o administrador público do atingimento dos resultados fiscais (artigo 65, II, da LC n° 101/2000) da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei n° 13.898/2020). Já na esfera estadual e municipal, as autorizações de crédito extraordinário possivelmente esbarrariam na grave situação fiscal da maior parte dos governos subnacionais, os quais, além de, muitas vezes, arrecadarem menos do que o necessário para as suas despesas correntes, ainda possuem vultosas dívidas em relação à União as quais, ao que parece, serão suspensas temporariamente.

No que diz respeito aos municípios de pequeno porte do interior do país (considerados aqui aqueles com menos de 100 mil habitantes), ou mesmo aos de médio porte (no caso em tela, municípios com população entre 100 mil e 500 mil habitantes) que não façam parte de regiões metropolitanas ou que não sejam polos regionais, a autorização de créditos extraordinários pode se tornar ainda mais difícil de ser concretizada, ou mesmo ser insuficiente ante a gravidade da crise econômica local. Assim, a depender da análise contábil e econômico-financeira da administração pública municipal, surge a possibilidade de se utilizar um instrumento de desoneração tributária diferente para tentar manter em atividade as empresas locais: a moratória acompanhada de remissão parcial do crédito tributário.

Tendo em vista que a atual pandemia, provavelmente, provocará a pior crise econômica desde a “quebra da Bolsa” de 1929, o mero parcelamento do crédito tributário poderá ser insuficiente para que contribuintes localizados em pequenos e médios municípios do interior do país se mantenham ativos economicamente em especial, se forem prestadores de serviço. Isto é, diante da magnitude da crise econômica, e não obstante a liberação de recursos oriunda do Governo Federal (a qual se afasta das políticas ultraliberais anteriores), pessoas jurídicas e empreendedores individuais poderão se encontrar no limiar da insolvência, mesmo que governos locais ofereçam moratórias em seu favor.

Surge, então, a figura da moratória acompanhada da remissão parcial do crédito tributário: além de se promover o parcelamento da dívida do Imposto sobre Serviços (ISS), nascida durante os meses anteriores e concomitantes à pandemia, concede-se o perdão de parte da dívida tributária. Aplicar-se-iam, portanto, as regras dos artigos 152 a 155-A do CTN, bem como do artigo 172 do mesmo diploma legal, em especial dos seus incisos I e IV, que tratam, respectivamente, da situação econômica do sujeito passivo e das condições peculiares de determinada região do território da entidade tributante.

Por óbvio, a concessão da moratória acompanhada da remissão parcial do crédito tributário dependeria não só de uma lei específica a respeito do tema como também de análises contábeis e financeiras a serem executadas pelo governo local. Contudo, em caso de resposta positiva da administração tributária municipal, o instrumento jurídico a ser adotado possuiria plena compatibilidade com o Código Tributário Nacional.

Já no que se refere ao artigo 14 da LC n° 101/2000 (LRF), a prefeitura municipal teria de apresentar estudos financeiros que demonstrassem que, diante da paralisação da economia local por força da calamidade pública, a inicial renúncia de receita não seria propriamente uma renúncia de fato, uma vez que os contribuintes, em razão de estarem impedidos de desenvolver suas atividades empresariais, não teriam como gerar faturamento e renda capazes de cumprir com suas obrigações legais ordinárias (incluídas, obviamente, as tributárias). A estimativa do impacto orçamentário-financeiro, por conseguinte, teria de demonstrar que, no período em debate, sequer haveria a perspectiva de arrecadação tributária do ISS, tendo em vista a alta probabilidade de “quebra” das empresas em decorrência da calamidade pública (o que geraria perdas de receita tributária não só no exercício orçamentário atual, mas também nos seguintes).

Por fim, alguns poderiam questionar a proposta de moratória acompanhada de remissão parcial do crédito tributário ao afirmar que se trataria de mais um exemplo de “guerra fiscal”, contrariando o artigo 88 do ADCT (incluído pela EC n° 37/2002). Contudo, não haveria a possibilidade de “guerra fiscal”, pois não há de se falar em disputa entre governos subnacionais por investimentos privados quando se está diante de uma calamidade pública. Vale dizer, há situações em que, seja por uma questão de fato ou de direito, simplesmente não é possível a ocorrência de competição tributária sendo este justamente o caso de pandemias que gerem a decretação de calamidade pública.

A hipótese em debate também poderia ser entendida como um benefício fiscal concedido em caráter emergencial e transitório, tendo por objetivo apenas enfrentar uma situação excepcional, sem que haja o intuito de promover a transferência de investimentos privados localizados em outros municípios. Nesse aspecto, vale lembrar os desastres ambientais ocorridos no município de Mariana, em novembro de 2015, no município de Brumadinho, em janeiro de 2019, na Amazônia Legal, em agosto de 2019, e na costa da Região Nordeste, em outubro de 2019, os quais demonstram como pequenas e médias empresas locais, profissionais autônomos e empresários individuais podem ser gravemente afetados por situações extremas e excepcionais, as quais têm o potencial de tornar insolventes comerciantes, prestadores de serviço, pecuaristas, agricultores, pescadores e até mesmo pequenas indústrias.

 é procurador da Fazenda Nacional, Mestre e Doutor em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ.