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Opinião: Acesso à Justiça em tempos de pandemia

Quais os impactos que a Covid-19 vem surtindo no acesso global à Justiça? Procurando responder a essa pergunta, a rede internacional de cooperação acadêmica reunida em torno do Global Access to Justice Project imprimiu esforços para coletar dados atualizados em mais de 51 países, objetivando esclarecer como o acesso das pessoas à justiça foi afetado em tempos de pandemia.

Como forma de viabilizar a coleta rápida e uniformizada de dados, a pesquisa utilizou a metodologia de questionário semi-estruturado, sendo as respostas apresentadas por pesquisadores do campo jurídico (e sócio-jurídico), profissionais de direito dos setores público e privado, diretores de instituições de assistência jurídica, funcionários públicos de elevado escalão e formuladores de políticas públicas de cada país analisado.

Em breve síntese, os resultados obtidos a partir do estudo comparativo dos questionários podem ser divididos em quatro grandes eixos: (i) visão geral sobre as medidas adotadas pelos diversos países; (ii) impactos em grupos vulneráveis; (iii) impactos nos sistemas judiciais; (iv) impacto nos sistemas de assistência jurídica.

No primeiro eixo, observou-se que todos os países analisados adotaram medidas para conter o avanço da contaminação pela Covid-19, valendo-se de recomendações sanitárias (100%), restrições à entrada de imigrantes (86%), interrupção das atividades escolares (94%), suspensão de serviços não essenciais (76%) e medidas de isolamento social (92%). Muito embora o relato acerca da capacidade estatal de manutenção do Estado de Direito em ordem a prevenir arbitrariedades (94%), constatou-se que em alguns locais a pandemia foi utilizada como pretexto para concentração do poder executivo estatal, restringindo direitos fundamentais dos cidadãos (25%). Cite-se, ademais, punições decorrentes do descumprimento das medidas de isolamento social, tais como multas (73%) e prisões (41%), bem como violações de direitos humanos a partir da violência policial e de detenções arbitrárias (31%).

No segundo eixo, verificou-se que a maioria dos países deixou de adotar medidas específicas para conter os impactos desproporcionais suportados por grupos vulneráveis. Alarmante, nesse sentido, a inexistência de ações setoriais para conter a violência doméstica e familiar suportada por mulheres em isolamento social (53%), além da ausência de alternativas habitacionais em prol de pessoas em situação de rua (63%). Grande parcela dos países também deixou de implementar políticas específicas de desencarceramento, tais como a soltura temporária de presos (49%) e o isolamento em celas individuais (72%). Por outro lado, foram identificadas restrições no que toca ao regime de visitas a pessoas encarceradas por familiares (92%). Doutro giro, constatou-se a maciça adoção de medidas de assistência socioeconômica em prol das populações hipossuficientes (86%), tais como a concessão de benefícios assistenciais, a desoneração de obrigações tributárias e a distribuição de auxílios financeiros.

Já a análise do terceiro eixo permitiu apurar um esforço mundial de reorganização dos serviços judiciários, levada a efeito pela majoritária adoção do trabalho remoto (73%) e suspensão temporária de audiências (69%), prazos processuais (49%) e atendimentos físicos (71%), salvo em casos considerados pelas legislações locais como urgentes. Em destaque, a tecnologia constituiu interessante ferramenta estatal para facilitar o acesso à justiça em tempos de pandemia (78%), sendo possível mencionar a distribuição digital de petições (33%), a realização on-line de videoconferências (53%), além do uso de call-centers (14%), aparelhos de telefonia celular (35%) e e-mail eletrônico (41%) para franquear a comunicação com jurisdicionados, advogados e defensores públicos.

Por fim, o quarto eixo evidenciou que os serviços de assistência jurídica também aderiram em grande medida ao trabalho remoto (53%) e ao uso de tecnologias (71%) para garantir a continuidade do atendimento à população. Excepcional, entretanto, foi a expansão dos critérios de admissibilidade (12%), a adoção de medidas de facilitação para novos casos (25%), o uso de métodos virtuais de resolução consensual de conflitos (8%) e a suplementação financeira dos serviços para atender as dificuldades surgidas (25%). Constatou-se, ademais, que a pandemia prejudicou a continuidade dos serviços de assistência jurídica na maioria dos países (51%), sendo possível prever até mesmo futuros cortes orçamentários em alguns países (25%), além de uma possível sobrecarga de trabalho em períodos pós-pandêmicos.

Não obstante muitas perguntas permaneçam sem resposta, parece claro que estamos enfrentando um marco histórico e não podemos ignorar suas implicações. Justamente por isso, este será o primeiro artigo de uma série destinada a avaliar o acesso à justiça em tempos de pandemia.

Clique aqui para acessar a pesquisa completa. O estudo também está disponível no site do Global Access to Justice Project.

Diogo Esteves é defensor público do estado do Rio de Janeiro, mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – FESUDEPERJ e de cursos preparatórios para a carreira da Defensoria Pública. Membro da Banca do XXV Concurso para Ingresso na Carreira de Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro.

 é defensor público do estado do Rio de Janeiro, mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), professor da Universidade Candido Mendes, da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e de cursos preparatórios para a carreira da Defensoria Pública.

Júlio Azevedo é defensor público no Estado de São Paulo, mestre em Direito pela Universidade de São Paulo e membro do Global Access to Justice Project.

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Banco deve parar descontos em conta de idosa vítima de golpe

A juíza Gláucia Barbosa Rizzo da Silva, do Cejusc de Brasília, determinou que a empresa BRB Cartões pare de efetuar os débitos de dívidas no cartão de crédito, bem como de encargos de cheque especial de uma idosa que foi vítima de golpe. 

Idosa foi vítima de golpe depois de receber ligação do número do banco e entregar seu cartão
Dollar Photo Club

De acordo com o processo, a idosa é viúva, pensionista e cliente do banco desde 1973. Ao receber uma ligação do número do BRB, foi informada de que, devido a medidas preventivas ao contágio do coronavírus, um funcionário do banco iria à sua casa para buscar seu cartão, pois teria havido um golpe em sua conta. 

A idosa alega ter sido atendida por uma pessoa uniformizada e com crachá e, por isso, prosseguiu com o procedimento de segurança e entregou seu cartão, picotado. Dias depois, foram efetuadas várias compras em seu cartão de débito e crédito, que somaram o valor de R$ 29,6 mil.

A advogada que atuou no caso, Isadora Dourado Rocha, do escritório Fonseca de Melo & Britto Advogados, sustentou que o golpe, além de causar “abalo emocional sem precedentes”, comprometeu a sobrevivência da idosa, “deixando-a em situação de vulnerabilidade”. 

Ao analisar o caso, a magistrada considerou que “o perigo é evidente, pois os débitos efetuados em seu cartão de crédito são de grande monta, reduzindo sobremaneira o saldo decorrente de seus proventos e afetando sua subsistência e de sua família”.

Além disso, determinou que o banco se abstenha de descontos na fatura de cartão de crédito e que o Banco BRB se abstenha de descontar os encargos de cheque especial. 

“Trata-se de um fortuito interno, ou seja, uma situação que não é estranha à atividade do banco, um risco do negócio. Trata-se de responsabilidade do banco uma vez que sua ação/omissão apresenta nexo causal direto com o ilícito perpetrado contra a senhora idosa”, afirmou.

0717733-20.2020.8.07.0016