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Carlos Abrão: 15 anos da Lei de Recuperação e Falências

Pajardi, saudoso jurista italiano, diria que vivemos um tempo da falência da falência, exatamente o contraponto que veio a ser instaurado a partir da pandemia na economia. O Diploma nº 11.101/05 teve o principal e inegável mérito de encontrar uma solução legal a fim de que o estado de crise empresarial fosse superado, porém, o grande teste da legislação teve início em 2015, com a entrada de grandes companhias em recuperação judicial, e a derrocada maior aconteceu por força da operação “lava jato”.

Numa escala vetor e de valores, a legislação necessita alteração, não como se apresenta na conjuntura atual, mas pensada, refletida e adaptada. Pequenas e médias empresas não têm fluxo de caixa para pagamentos elevados do administrador e demora excessiva no processamento, a recuperação extrajudicial se revelou tímida e pouco adstrita aos interesses do empresário em dificuldade financeira.

Tínhamos uma lei muito divorciada do seu contexto, mas com o avanço da pandemia o quadro mudou drasticamente, setores como turismo e aviação foram arrebentados e a recuperação não se fará de forma esperada, comércio bem reduzido, aumentando o eletrônico, e uma complicação enorme no setor de serviços. Precisamos destruir os nós que demonstram formalismo e transformar a recuperação em procedimento, e não simples processo municiado de recursos que sobem às instâncias e paralisam a recuperação.

Boa a entrada do produtor rural na recuperação, preenchidos os seus requisitos, mas o que assistimos é a universalização da recuperação invadindo escolas, estabelecimentos de ensino, e até atividades sem fins lucrativos e sem registro de comércio. O futuro marca-se incerto e indeterminado, mas a grande incógnita é, não apenas a mudança legal, marco revolucionário, mas a efetiva aplicação pela Justiça na interpretação dos aspectos de soerguimento da empresa.

Entendemos que o rastro de boa-fé tem sido deixado de lado, raros os casos de afastamento do controlador ou dos maus administradores, e no mais das vezes não podemos conviver com planos que excedem o tempo de duração, sejam constantemente alterados e signifiquem o calote, nos quais a finalidade é de pagar apenas valor simbólico do macro endividamento. Estudos de viabilidade são necessários, não no início do requerimento e seu deferimento, mas o administrador judicial deve ser pró-ativo e evidenciar ao juízo as deformidades do plano e sua consequente impossibilidade de cumprimento.

Um vasto rosário de dúvidas nos identifica com uma legislação moderna mas ao mesmo tempo que se definha rápida e diariamente, na medida em que os problemas contemporâneos são muito mais do que falta de capital de giro ou de caixa, mas envolvem consumo, clientela, ponto, renegociação de luvas e do próprio locativo, já que muitos locadores não ensejam perdas, além do que shopping centers fechados meses a fio terão que abrir mão de participação e mudarão substancialmente as estruturas para se evitar aglomeração mantendo permanente higienização, a exemplo de salas de cinema com menor frequência e público com distância mínima.

O treinamento e a especialização de magistrados é inadiável, a máquina judiciária precisa de investimentos e corpo técnico à altura, muitas cidades pequenas, cujos prefeitos concederam benefícios fiscais para atrair empresas naquelas localidades, o juízo é carente de infraestrutura, donde a circunscrição manteria ao menos um juízo empresarial especializado. A dialética rompe o momento de mera mudança do marco legal, mas sugere um conjunto de medidas para permitir que o devedor se recupere, mas ao mesmo tempo que o credor não seja o único sacrificado. A expressão fortuito ou força maior não pode ter o condão de reescrever completamente o contrato mediante cláusulas e condições que favoreçam apenas uma das partes, a acentuada elevação da moeda estrangeira preocupa aqueles que tem contratos de câmbio e ainda as operações de importação de produtos, já que somos dependentes de insumos. O decálogo produtivo e real do momento atual sinaliza a implementação de medidas tendentes à recuperação do negócio por meio de medidas legais estruturantes

A partir dessa catalogação e consubstanciando o problema maior de não sobrecarregar a máquina judiciária, é essencial não decapitar empresas ou trucidar empresários de forma maquiavélica. A propósito, e considerando a forma sazonal de muitos setores afetados pelo momento de paralisação, temos a ponderar o seguinte:

1) Prazo de 90 dias finda a pandemia para reestruturação amigável;

2) Intervenção das câmaras setoriais para incremento das medidas profiláticas;

3) Devedores que se socorrerem da autofalência poderão ter continuidade automática dos seus negócios com novo ciclo de vida empresarial;

4) Setorialmente as entidades de classe fariam um relatório sobre o reaquecimento econômico e a expectativa de alteração de planos extrajudiciais;

5) Suspensão de todos os processos em curso e de obrigações vencidas por até 180 dias;

6) Pedidos coletivos por setor para fins e efeitos da recuperação judicial obtendo-se uma sentença coletiva que poderia ter execução singular na hipótese de não cumprimento dos padrões globais definidos pelo juízo;

7) Aumento do período de blindagem para as empresas envolvendo sócios e garantes solidários;

8) Convolação de parte substancial da dívida em participação no negócio sem repercutir na responsabilidade solidária ou subsidiária na hipótese de quebra;

9) Pedidos de recuperação durante o período pós pandemia poderão ser publicizados pela rede mundial e registrados na Junta Comercial para conhecimento de terceiros e respectivas impugnações;

10) Contrapartida da redução dos prazos destinados à recuperação de micro e médias empresas até três anos e grandes companhias, cinco anos.

O modelo francês, que tem peculiaridades e maior adaptabilidade, fornece ferramentas para diversas extensões de recuperação, bem diferente da legislação brasileira; chegou o momento e o tempo assim preside que devemos marchar a passos largos para a reconstrução da economia, do cenário do fomento empresarial e prudencialmente de regras inovadoras em termos de possibilitar que empresas saudáveis não se submetam ao regime de extinção fruto da quebra. E uma das conclusões vitais a qual chegamos é que até a pandemia o número de recuperações nos últimos 15 anos superou 25 mil pedidos e doravante o quadro será sombrio no sentido de maior número de quebras e menor recuperação.

Em tempo de recessão, depressão e falta de consumo com a real perda do poder aquisitivo, o Diploma 11.101/05 encerrou um ciclo auspicioso, cabe aos brasileiros vocacionados permitir que a fundação não seja abalada para redimensionar normas econômicas e jurídicas, instrumentos seguros para que não tenhamos terremotos ou tsunamis que causem graves problemas sociais. E para tanto já estamos no limite de buscarmos reformular a lei sem ambicionar milagres econômicos ou recuperações impossíveis, mas pluralmente uma racionalidade maior dentro do contexto adverso contingenciado por um contexto imprevisível e duração indeterminada.

Arregacemos as mangas das camisas e mudemos o que é possível para o monitoramento constante do que pode ser aperfeiçoado e melhorado em termos de ferramentas em prol da atividade produtiva.

 é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, doutor pela USP com especialização em Paris, professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg e autor de obras e artigos.

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Fernando Mendes: Ministro Marco Aurélio, 30 anos de STF

Quem é do meio jurídico certamente já ouviu uma história que, embora não verdadeira, ficou folclórica porque se encaixa perfeitamente ao bom humor de sua personagem principal. Um jovem advogado, acompanhado de seu cliente, entra em um elevador e, surpreso, encontra o Ministro Marco Aurélio. Querendo aproveitar a oportunidade para impressionar o cliente, não pensa duas vezes e pergunta: “E aí, Ministro Marco Aurélio, quais são as novidades?”.  Ao que o ministro responde: “Novidade, novidade para mim é essa nossa intimidade”. É impossível não tentar reconstruir a cena mentalmente imaginando a resposta do ministro na entonação de voz que lhe é característica.

Quando fui convidado pela ConJur para escrever esse artigo logo lembrei dessa história pelo fato de ela, de alguma forma, simbolizar o bom humor e espontaneidade que caracterizam o modo com qual o Ministro Marco Aurélio tem atuado nesses 30 anos no Supremo Tribunal Federal, completados no último sábado (13/6).

Ao longo desses últimos dias, várias personalidades do mundo jurídico usaram este espaço para expressar a importância do Ministro Marco Aurélio para a história do Supremo Tribunal Federal, em particular, e do Direito brasileiro, no geral. Vou tentar não ser repetitivo e procurar fazer um recorte e, de tudo o que poderia ser dito em relação ao papel do Ministro Marco Aurélio no STF, chamar a atenção para dois aspectos de sua trajetória profissional que, como juiz federal que sou, me marcam e me servem de modelo: a coerência e o bom humor e espontaneidade no exercício da judicatura.

A coerência da atuação jurisdicional do Ministro Marco Aurélio fez com que ele ficasse durante muito tempo conhecido como “o voto vencido”. Em entrevista que deu à ConJur por ocasião dos seus 25 anos de STF, o ministro afirmou que antes de os julgamentos serem transmitidos pela TV Justiça “(…) certamente deviam imaginar: ‘esse rapaz não entende de nada. Ele está sempre vencido, quase sempre isolado’. Mas fiquei vencido porque tenho, e sempre tive, uma forma de atuar a partir apenas da minha ciência e consciência e da minha formação humanística. E sou muito voluntarioso, como sempre fui, em toda a vida. E não me falta coragem de levantar o dedo e exteriorizar o que penso sobre a matéria em discussão” [1].

A divergência no plenário do Supremo Tribunal Federal é salutar. Se não pela máxima de Nelson Rodrigues recentemente citado pelo ministro em um de seus votos, quando reconheceu que “o subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos” [2], e para quem “toda unanimidade é burra” por tornar as decisões tomadas mais ponderadas.

Em artigo em que estudam a importância dos votos vencidos na história Suprema Corte Americana, Gabriel Wedy e Juarez Freitas [3] relatam que está demonstrado estatisticamente que a possibilidade de dissenso tende a produzir decisões mais ponderadas nos órgãos colegiados do Poder Judiciário americano. Segundo os autores “nas Cortes Federais, por exemplo, compostas de três membros por painel de julgamento, tal fenômeno pode ser comprovado. Quando as decisões são tomadas por painéis compostos apenas por democratas ou só por republicanos, existe boa chance de decisões extremadas no sentido de posições ora liberais, ora conservadores, muito mais radicais do que seriam se os juízes decidissem a causa sozinhos. É que três magistrados ao pensarem em uníssono (liberais ou conservadores), sofrem a propensão de radicalizar se não receberem o contraponto de visão divergente”.

No Brasil ainda não são estudados, com a importância que mereceriam, os chamados votos divergentes no Supremo Tribunal Federal [4]. Nos Estados Unidos, por exemplo, o tema provoca grandes reflexões e importantes obras foram escritas sobre os chamados dissents

Mark Tushnet [5] ao estudar o tema e perguntar “por que divergir?”, lembra que na tradição do Direito Constitucional americano os grandes dissenters, como John Marshal Harlan, Oliver Wendell Holmes, Willian O. Douglas, são celebrados por uma razão clara: foram capazes de ver além de seu tempo e foram reconhecidos pela sabedoria de suas visões constitucionais que destoavam de entendimentos majoritários que acabaram sendo superados.

Dos muitos temas que poderiam ser lembrados em que o voto divergente do Ministro Marco Aurélio acabou, posteriormente, formando a posição majoritária, destacarei dois: o que reconheceu a inconstitucionalidade da proibição da progressão de regime na Lei de Crimes Hediondos e o que impediu a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado.

Exemplo do primeiro voto é o proferido no julgamento do HC 69.657-1, julgado em 18/12/92, há quase 28 anos, em que o ministro afirmou que “Por sinal, a Lei 8.072 ganha, no particular, contornos contraditórios. A um só tempo dispõe sobre o cumprimento da pena no regime fechado, afastando a progressividade, e viabiliza o livramento condicional, ou seja, o retorno do condenado à vida gregária antes mesmo do integral cumprimento da pena e sem que tenha progredido de regime”.

Muito embora esse posicionamento tenha sido vencido à época, foi mais pelo papel que os ministros entendiam que cabia ao Supremo Tribunal Federal e menos pela concordância que tinham com a regra que impedia a progressividade de regime. Tanto que o ministro Francisco Rezek, naquele julgamento, afirmou que “(…) também aqui me parece-me que o raciocínio do relator é o mais percuciente e sensato. Mas não somos uma casa legislativa. Não temos autoridade que tem o legislador para estabelecer a melhor disciplina. Nosso foro é corretivo, e só podemos extirpar do trabalho do legislador ordinário bem ou mal avisado, primoroso ou desastrado aquilo que não pode coexistir com a Constituição.

Quase 14 anos depois, em 23/2/2006, entendendo que essa regra não podia mais coexistir com a Constituição que era a mesma —, o STF deferiu, por 6 a 5, o pedido do HC 82.959 em favor do paciente reconhecendo a inconstitucionalidade do artigo 2º, §1º, da Lei nº 8.072/1990, pela violação do princípio constitucional da isonomia e da individualização da pena.

O segundo tema que merece ser lembrado é a questão da prisão a partir da decisão de segundo grau. Meu posicionamento pessoal sempre foi pela possibilidade do cumprimento da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado e esse foi o entendimento que prevaleceu no STF por mais de 20 anos depois da Constituição Federal de 1988, sendo modificado no julgamento do HC 84.078, em 5/2/2009. Essa foi interpretação que também defendi ao longo dos anos na diretoria da Ajufe, em nome da necessidade de um sistema penal que respeite o devido processo legal mas que seja efetivo e que acabou sendo vencida no julgamento das ADCs 43, 44 e 54, em 7/11/2019. E exatamente por pensar diferente é que faço questão de homenagear e reconhecer a coerência e a integridade do Ministro Marco Aurélio na discussão desse tema.

Ao votar no HC 72.077-3, em 14/2/95, há mais de 25 anos, o ministro afirmou que “Por tais razões, reafirmando a minha crença no texto da Carta Política da República, que em boa hora o Dr. Ulisses Guimarães apontou como Carta Cidadã, no que homenageante da proteção dos que vivem em sociedade conta as garras, por vezes impiedosas, do Estado, conheço do recurso interposto e o provejo, a fim de, assegurar ao Recorrente a liberdade, a proteção quanto ao não vir cumprir a sentença até que se opere a coisa julgada e, portanto, venha à balha a certeza sobre a culpa, o que pressupõe a preclusão maior, a teor do princípio insculpido no inciso LVII do rol das garantias constitucionais. É como voto na espécie, conclamando os componentes da Turma a uma reflexão sobre o enfoque até aqui prevalente”.

O voto divergente, ainda que de modo indireto, é o caminho democrático que se abre para a revisão da decisão majoritária.

De acordo com Mark Tushnet, “as divergências podem importar, mas de forma bastante indireta: a divergência pode ser encampada por um movimento social porque a expressa algo que o movimento já tem em sua visão constitucional; a visão constitucional do movimento social pode afetar um partido político e seus candidatos; candidatos bem-sucedidos podem nomear juízes e ministros pelas visões constitucionais que defendem; e esses novos juízes podem concluir que a divergência até agora, talvez anos no passado — forneça um relato melhor de nossa Constituição do que a opinião majoritária” [6].

A segunda característica marcante da atuação do ministro é o seu bom humor e espontaneidade no exercício da judicatura, o que atribuo à genuína satisfação e alegria que sente ao desempenhar, a cada dia, o papel de juiz.

E por essa razão termino este texto lembrando de um episódio que afirmo que é verdadeiro porque o presenciei. Como presidente da Ajufe, estava acompanhando uma tarde a sessão da 1ª Turma do STF em razão de uma ação de interesse da associação estar pautada. Durante o julgamento de um dos processos, um advogado visivelmente alterado, sem que se possa saber exatamente o porquê —, ao concluir sua sustentação oral, quis fazer um elogio ao Ministro Marco Aurélio. Mas o fez de forma tão desconexa e atabalhoada que pareceu muito mais que estava lançando uma suspeição contra o ministro. Criou-se um clima de apreensão porque não se imaginava a reação que o ministro teria. Mas ele nada falou. Coube ao ministro Luiz Fux, que presidia a sessão, advertir o advogado pelo absurdo que ele tinha dito. O advogado, aparentemente surpreso e revoltado com a bronca que levou, deixou o plenário aos berros dizendo, “mas eu só quis elogiar o ministro, dizendo que ele é honesto”. Mas não acabou por ai, não. Ânimos serenados e o julgamento de um outro caso iniciado, uma jovem advogada, após o Ministro Marco Aurélio ler o relatório, começou a fazer a sustentação oral e foi interrompida pelo ministro em razão de um questão técnica. Ela estava defendendo o mérito de um mandado de segurança quando estava em julgamento apenas a possibilidade da intervenção do representado, na qualidade de terceiro. Após alguma discussão entre os ministros, foi autorizado que a advogada concluísse a sustentação oral. Finalizada, o Ministro Marco Aurélio começou a votar e, para surpresa e espanto de todos os presentes, foi abruptamente interrompido pela advogada, que disse: “não é isso, o senhor está votando errado”.

Se o ministro havia conseguido ouvir calado a confusão criada pelo primeiro advogado, não perdeu a oportunidade de se manifestar com bom humor sobre os dois fatos pitorescos daquela tarde dizendo: “Presidente, hoje eu já fui chamado de honesto nesta tribuna. Agora a jovem advogada, ao que parece, pretende me ensinar a votar. Então seria melhor que ela assumisse a relatoria e concluísse o voto”.

Ao que tudo indica, o Ministro Marco Aurélio seguiu à risca a lição de Confúcio: “Escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nenhum dia na tua vida.”.

 é juiz federal e ex-presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

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Confirmado recebimento de denúncia por atraso em prestação de contas

Prefeitura de Pau dos Ferros (RN)
Marcos Elias de Oliveira Júnior/Wikipedia

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, rejeitou embargos de divergência apresentados contra acórdão da 6ª Turma pelo ex-prefeito de Pau dos Ferros (RN) Leonardo Nunes Rêgo e manteve a decisão que determinou o recebimento da denúncia por crime de responsabilidade em razão de atrasos reiterados na prestação de contas do município.

O relator dos embargos, ministro Ribeiro Dantas, invocando precedente da ministra Laurita Vaz (HC 249.835), afirmou que o atraso na prestação de contas configura o crime previsto no artigo 1º, VI, do Decreto-Lei 201/1967, e que o eventual dolo da conduta terá de ser apurado durante a instrução do processo.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte havia rejeitado a denúncia por considerar que as contas atrasaram, mas foram apresentadas, o que afastaria a ideia de que o então prefeito teve a intenção de não cumprir a lei. A decisão foi reformada pela 6ª Turma.

Nos embargos de divergência, a defesa sustentou que o acórdão da 6ª Turma divergiu de dois julgados da 5ª Turma em casos similares, nos quais se entendeu que o mero atraso da prestação de contas, quando não houver lesão à moralidade administrativa ou aos recursos públicos, não configura crime de responsabilidade.

Dinstinção

O ministro Ribeiro Dantas, no entanto, destacou que, no caso do ex-prefeito de Pau dos Ferros, os atrasos aconteceram reiteradamente e sem justificativa durante os quatro anos em que ele esteve no cargo, diferentemente do que ocorreu nos precedentes citados pela defesa.

“Em análise detida dos autos, é possível constatar que os atrasos na prestação de contas por parte do representante do poder executivo local eram reiterados, conforme se percebe do próprio acórdão do Tribunal de Justiça. Além disso, não há justificativa demonstrada para esses atrasos”, afirmou.

Para o ministro, como não houve apenas um mero atraso na prestação de contas, é possível concluir que, ao menos para efeito de recebimento da denúncia, estão presentes elementos passíveis de caracterizar o dolo.

Ribeiro Dantas afirmou ainda que, segundo a jurisprudência do STJ, a verificação do elemento subjetivo do crime de responsabilidade (no caso, o dolo) é conclusão que decorre da instrução do processo, razão pela qual não se pode trancar antecipadamente a ação penal. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

EREsp 1.195.566 

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Pesquisa defende aproximação entre teoria e prática jurisdicional

Diminuir o abismo entre teoria e prática jurídica é o desafio de uma pesquisa desenvolvida pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul.

Pesquisa defende aproximar teorias sobre como os juízes deveriam decidir e preocupações com os limites institucionais 

Segundo o autor da pesquisa, o doutorando Ziel Ferreira Lopes, normalmente existe um abismo entre essas duas dimensões do Direito. Os modelos teóricos costumam ser tratados por seus críticos como idealismo inútil. Enquanto isso, questões práticas são vistas como pura questão gerencial, deixando de lado a qualidade das decisões e a necessidade de sua legitimação.

O pesquisador acredita que essa forma de tratar o Direito ignora que as teorias da interpretação são elaboradas a partir da prática e para melhorar a prática; e que a efetividade da jurisdição pressupõe algum nível de justificação para que seja racionalmente aceitável. Portanto, as duas dimensões devem ser levadas em conta pelos juristas.

Nesse sentido, Lopes combina referências na interpretação jurídica com métodos de análise institucional, para combater a discricionariedade judicial de modo efetivo. A tese de doutorado, intitulada “Onde habita o juiz Hércules? Uma aproximação entre teorias da interpretação e questões institucionais”, foi orientada pelo jurista Lenio Streck.

Partindo das obras de autores como Ronald Dworkin, Cass Sunstein e Adrian Vermeule, reconstrói seus debates, analisa criticamente seus argumentos e propõe uma combinação de algumas de suas ideias. Propõe, também, algumas diretrizes para novas pesquisas sobre o tema, de modo que juristas possam dialogar sobre ele de maneira mais produtiva.

Além do professor Streck, participaram da arguição os professores Otavio Luiz Rodrigues Jr. (USP), Carlos Bolonha Pereira das Neves (UFRJ), Anderson Vichinkeski Teixeira (Unisinos) e José Rodrigo Rodriguez (Unisinos). Em breve, o trabalho estará disponível para acesso online na biblioteca de teses da Unisinos. Também será publicada uma versão ampliada nos próximos meses.

O trabalho contou com financiamento do CNPq-BR. Ziel Ferreira Lopes é membro da Dasein – núcleo de estudos hermenêuticos, e do grupo de pesquisa Hermenêutica jurídica, coordenados por seu orientador. A banca de defesa foi realizada na última quinta-feira (28/5), e a gravação em vídeo pode ser conferida aqui:

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