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Imóvel em SP é desocupado mesmo com reintegração suspensa

“Agora, mais do que nunca, a nossa casa é o lugar mais seguro do mundo”, anuncia a incorporadora Vitacon, em seu site. Mas o reclame talvez não se aplicasse a todos. Isso porque, apesar de duas ordens judiciais terem suspendido uma reintegração de posse, ela conseguiu, por conta própria, que ocupantes de um imóvel localizado na Bela Vista, em São Paulo, deixassem o local. 

Polícia Civil acompanhou remoção
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

O caso foi relatado em uma peça do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, responsável pela defesa dos ocupantes. A proprietária dos imóveis é a incorporadora Vitacon, que havia acionado a Justiça para solicitar a remoção dos ocupantes. 

Segundo noticiou a ConJur em 18/3, inicialmente o juiz Alexandre Bucci, da 10ª Vara Cível de São Paulo, prorrogou a reintegração de posse dos imóveis, que ocorreria em 21 de março, para o dia 28 de abril. 

Posteriormente, a pedido da 7º Batalhão da Polícia Militar, a reintegração foi remanejada “para momento mais oportuno”, que seria definido depois que os riscos gerados pelo novo coronavírus diminuíssem. 

Ainda assim, a empresa conseguiu que os ocupantes deixassem o local, oferecendo R$ 1 mil às famílias que viviam nos cortiços instalados nas ruas Doutor Penaforte Mendes e Barata Ribeiro. 

O caso

Segundo a defesa dos ocupantes, a remoção teve início às 7h do último dia 15/5. Além disso, ainda de acordo com a defesa, viaturas da Polícia Civil estavam no local e os trabalhadores contratados pela empresa estavam munidos de ferramentas para destruir as residências e bens das famílias, inclusive das que não estavam no local. 

A presença das viaturas policiais e de pedreiros durante a ação é demonstrada por fotos anexadas ao relatório do Centro Gaspar Garcia, remetido ao juiz da 10ª Vara Cível de SP. 

Aproximadamente às 12h do dia 15/5, a incorporadora peticionou informando que “algumas famílias manifestaram intenção de desocupar os imóveis de forma voluntária, mediante o auxílio da requerente com as despesas de deslocamento”. 

“Vamos fornecer os meios necessários para a saída dos interessados, com a adoção de todos os cuidados necessários e seguindo as recomendações dos agentes de saúde em relação à Covid-19”, prossegue a peça, conjugando o verbo no plural.

Para o Centro Gaspar Garcias, a saída dos moradores já havia ocorrido quando o juízo foi informado a respeito. Seria, portanto, uma espécie de manobra, inclusive sem a adesão de parte dos ocupantes — alguns deles nem estariam presentes.

“Quando eles escreveram [ao juiz], todas as casas da rua Barata Ribeiro já estavam lacradas e parcialmente demolidas. As famílias já tinham se dispersado”, diz a defesa. “Famílias chegaram do trabalho e suas casas estavam parcialmente demolidas”, prossegue.

Cheques

Outro problema apontado pela defesa diz respeito à maneira como os pagamentos dos acordos foi feita. Moradores que receberam os cheques tiveram dificuldades para sacá-los, seja porque não tinham documentos pessoais (e os cheques seriam nominais), seja porque uma agência bancária não estaria aceitando esses cheques.

Segundo o Centro Gaspar Garcia, a confusão gerada para receber o numerário foi tão grande que até pessoas que não moravam nos imóveis ocupados acabaram recebendo o dinheiro. Embora tenham sido registrados problemas para sacar a quantia, os moradores acabaram conseguindo retirar os valores.

“Em momento nenhum a empresa demonstrou preocupação com a saúde dos envolvidos. Organizaram a remoção, geraram diversas aglomerações nas ruas, desrespeitando as medidas de isolamento social impostas no momento”, prossegue a defesa. 

Saída voluntária

Em nota enviada à ConJur, a incorporadora negou que o processo tenha ocorrido sem atenção aos cuidados de saúde e que moradores tenham sido retirados sem prévia adesão. 

“Desde o primeiro momento [os representantes da empresa] esclareceram que se tratava de uma desocupação voluntária, portanto, quem não quisesse não precisaria sair. O advogado transmitiu isso inúmeras vezes aos ocupantes, explicando a eles que eles tinham a opção de aceitar a ajuda para sair naquele momento ou permanecer no imóvel e aguardar o término da pandemia/efetivação da ordem de reintegração”, informou a empresa.

A Vitacon também disse ser falsa a afirmação de que houve intimidação. “Não se tem notícia de qualquer contato da Polícia Civil, que estava presente nas proximidades, com os ocupantes (nem houve pedido por parte da empresa que assim o fizesse)”. 

A incorporadora aproveitou para informar que nenhuma pessoa que apenas passava no local recebeu cheques por engano e que ao todo 37 famílias foram pagas para sair voluntariamente. 

Sem informar a defesa

Um dos pontos mais contestados pela defesa dos ocupantes é o fato de a Vitacon não ter informado previamente sobre o acordo de saída voluntária.

A empresa teria se comunicado diretamente com os ocupantes, sem avisar os advogados da outra parte, o que pode ser enquadrado como infração ética pelo Estatuto da OAB (artigo 34, VIII, da Lei 8.906/94).

“Em nenhum momento os requerentes se dignaram a comunicar a defesa constituída da intenção de realizar acordo para saída voluntária dos requeridos”, afirma o Centro Gaspar Garcia. Os advogados dos ocupantes também destacam que durante uma reunião, que ocorreu em 12 de fevereiro, uma das moradoras perguntou sobre a possibilidade de ajuda por parte dos proprietários. A resposta que recebeu da advogada foi que não haveria possibilidade”, prossegue a defesa.

Para o Centro Gaspar Garcia, a conduta desleal dos requerentes colocou em risco a integridade dos moradores e da própria defesa. “A postura ético-profissional impele a comunicação do advogado da parte contrária para buscar a autocomposição, evitando riscos à saúde e integridade física dos envolvidos e preservando o interesse dos litigantes”, afirma.

A empresa não se posicionou sobre o assunto. Disse apenas que os moradores assistidos pelo Centro Gaspar Garcia optaram pela saída voluntária. 

Mas também afirmou à reportagem: “Acredita-se que a maior parte dos invasores representados por este profissional [Centro Gaspar Garcia] já não mais estava na área invadida, quando da desocupação voluntária. Portanto, questiona-se a legitimidade do mesmo para falar genericamente em nome de todos os invasores”.

Ao ser informado sobre o modo como a remoção ocorreu, o juiz Alexandre Bucci disse que “conquanto sejam graves e lamentáveis os fatos narrados ao juízo, nada se pode presumir como verdadeiro para qualquer das narrativas beligerantes, de parte a parte, observando-se que o juízo está sendo comunicado apenas a posteriori quando aos fatos, sendo certo que eventual litigância de má fé será apurada apenas em sentença”. 

Polícia Civil

A reportagem procurou a Polícia Civil para saber se o acompanhamento ocorreu após chamado da incorporadora. Até a conclusão do texto, não houve resposta.

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TJ-GO suspende embargo de município para obra de condomínio

Considerando que há risco na demora e que o embargo de uma construção poderia causar danos irreversíveis, o desembargador Itamar de Lima, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, decidiu reformar decisão de primeiro grau e suspendeu a ordem de embargo dada pelo município de Bela Vista de Goiás para a obra de um condomínio de lotes.

Desembargador suspendeu embargo da prefeitura de Bela Vista de Goiás
123RF

No recurso, a empresa dona do empreendimento aponta que o município aprovou a execução de um condomínio de lotes exigindo, com fundamento no artigo 5º, §1º da Lei Municipal nº 1.863/19, a execução de obras correspondentes a 0,5% (meio por cento) da área destinada aos lotes.

A empresa alega que tal exigência é ilegal cita artigo precedente do Órgão Especial do TJ-GO, em situação análoga, de Ação Direta de Inconstitucionalidade que se questionava norma do município de Goiânia.

O advogado da empresa, Arthur Rios Júnior, afirma que “o embargo realizado pelo município atinge, desnecessariamente, a economia municipal, as contas públicas, os compradores do empreendimento, as empresas terceirizadas e os trabalhadores contratados para a execução das obras, importando ainda em violação à lei de liberdade econômica”.

Ao analisar o caso, o relator apontou que o embargo da obra é desproporcional em relação ao suposto descumprimento da obrigação por parte da agravante, já que há cláusula contratual dando ao município 28 terrenos do empreendimento, de forma que é razoável o deferimento da liminar para garantir a continuidade da obra.

“O perigo de demora no provimento final também está demonstrado, na medida em que o embargo da obra traz evidentes prejuízos ao agravante e às pessoas que dependem da concretização do empreendimento”, apontou.

O magistrado também determinou que o município se abstenha de impor embaraços à continuidade da obra, até julgamento final deste recurso, sob pena de medidas coercitivas a serem oportunamente fixadas.

Clique aqui para ler a decisão

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Lenio Streck: Operar uma unha não exige anistia geral!

Resumo: Fazendo uma ironia, diria que o Estado de defesa ou de sítio são necessários somente se for com o objetivo de combater os fascistas que querem fechar o STF e o Congresso e que acampam na frente do STF. Mas nem para isso — com sarcasmo ou sem sarcasmo — essas medidas de exceção são necessárias. Basta um grito e eles saem correndo.

O jornalista Sergio Rodas produziu bela matéria sobre lockdown aqui na Conjur. Necessitamos de Estado de Defesa ou de Sitio para limitar atividades e restringir direitos de ir e vir?

No lockdown, em regra, as pessoas só podem ir à rua para fazer compras em supermercados e farmácias ou trabalhar em atividades essenciais. O primeiro caso ocorreu no Maranhão. A Justiça ordenou, em 30 de abril, que o estado e o município de São Luís implementassem o lockdown na região metropolitana da capital. Isso porque as medidas de isolamento social têm sido insuficientes para conter a propagação do coronavírus. Houve outras decretações.

O constitucionalista Pedro Serrano disse: Embora a Constituição só autorize expressamente a restrição dos direitos de ir e vir e de reunião nos estados de defesa e de sítio, não é necessário decretar um deles para instituir o lockdown, porque tais regimes excepcionais se aplicam melhor a situações de violência e comprometimento da ordem pública, e não são necessários em crises sanitárias.

Na visão dele, mecanismos como os estados de emergência e de calamidade pública — instituído pelo Congresso — são suficientes para combater o coronavírus. Serrano diferencia um momento de legalidade extraordinária — como o que vivemos devido à epidemia — de um estado de exceção. A legalidade extraordinária é a forma como o Estado Democrático de Direito reage a uma situação emergencial. Mas não há anomia (ausência ou suspensão de leis e direitos), como no estado de exceção. Na legalidade extraordinária, o Estado segue submisso à legislação e deve criar o mínimo possível de novas leis.

A ideia, pois, é solucionar os problemas com base no ordenamento jurídico em vigor. Concordam com Serrano os professores Gustavo Binebojm, Carolina Fidalgo. E eu também.

Não vejo a necessidade de tomarmos medidas drásticas como Estado de Defesa ou de Sítio, quando podemos resolver o problema com medidas menos rigorosas. Devemos reagir à emergência sanitária com, no máximo, aquilo que Pedro Serrano e eu estamos chamando de legalidade extraordinária.

Estado de Defesa e de Sítio são para outro tipo de situação. A ordem ou a paz social está em jogo no Brasil? Claro que não. Fazendo uma ironia, diria que o Estado de defesa ou de sítio são necessários somente se for com o objetivo de combater os fascistas que querem fechar o STF e o Congresso e que acampam na frente do STF. Mas nem para isso com sarcasmo ou sem sarcasmo essas medidas de exceção são necessárias. Basta um grito e eles saem correndo.

Ora, restrições a direitos são próprias e comuns das e nas democracias. Liberdades de ir e vir são a todo momento restringidas. Eventos cívicos, desportivos e coisas do gênero fazem com que as pessoas possam ser impedidas de circular por determinados lugares. Portanto, não parece difícil sustentar a tese da decretação de lockdown nos moldes em que vem sendo feito no Brasil. Ninguém pode ser compelido a fazer algo a não ser em virtude lei quer dizer também “por decreto”. De lockdown. Sim.

Adotar medidas drásticas sempre é arriscado. Vai que alguns aprendizes de ditador gostem… Portanto, o bicho não é tão feio quanto parece. Uma unha do pé, para ser arrancada ou tratada, por vezes nem necessita de anestesia, Por vezes, pequena anestesia local resolve. Não parece adequado arriscar a vida do paciente com uma anestesia geral quando meios alternativos de evitar a dor do paciente se apresentem suficientes dentro do protocolo.

O engraçado ou bizarro é que, muita gente que defende autoritarismo ou até mesmo AI5 — em que a liberdade é quase-nada (nula, nenhuma) — colocam-se, na discussão do lockdown, contra a sua decretação sem o Estado de Defesa ou de Sitio. Dizem, muitos, que isso é “totalitarismo”. Alguns dizem que é coisa de comunista. Ou seja, se for decretado Estado de Sítio, pode. Aí não tem problema de as liberdades serem restringidas. O ruim é restringir, em uma pandemia, o direito de as pessoas saírem na rua para se contaminarem. Talvez muita gente defenda um direito fundamental à contaminação.

Numa palavra: Em termos legais-constitucionais, não há qualquer exigência de Estado de sítio ou de defesa para restringir o direito de ir e vir. Todos os dias essas restrições são feitas até por portaria. Aeroportos restringem, estádios, ruas etc. Leis restringem liberdades. Então, qual seria o problema de, em meio a uma pandemia, via legalidade extraordinária, restringir direitos para salvar vidas? Aliás, decretar Estado de Sítio ou de Defesa seria desproporcional. No sentido mais cru da palavra “proporcionalidade” (lá do Código Prussiano).

Cartas para a redação.

 é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados:
www.streckadvogados.com.br.