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Bruno Figueiredo: Negociação individual facilita fraudes

No último mês de abril, o STF decidiu que é permitido haver acordos individuais com redução de salário sem a participação dos sindicatos. Em duas semanas já se sentem os efeitos de tal decisão de forma devastadora.

O presidente Bolsonaro editou a MP nº 936 [1], que determina que pode haver redução de jornada com diminuição de salário em decorrência da pandemia da Covid-19. Tal MP prevê a possibilidade de acordos individuais, sem o acompanhamento dos sindicatos.

Não se poderia tratar desiguais de forma igual, o que resulta em um aprofundamento das desigualdades. O Brasil é um dos países com maior concentração de renda do mundo. Com os efeitos da pandemia, tal concentração tem se aprofundado ainda mais. E mesmo com garantias constitucionais, assim como versa o artigo 2º da CLT, que diz que o risco da atividade econômica é do empregador, na prática o que se nota é uma “coletivização dos riscos” e privatização dos lucros. A participação dos sindicatos, por si só, não resolveria a questão. Mas criaria um contraponto e possibilitaria, de fato, uma negociação.

O ministro Ricardo Lewandowski deu decisão em uma liminar, no processo ADI 6363 [2], na qual garantiu que os sindicatos deveriam ser informados pelas empresas sobre os acordos individuais, para poderem manifestar se teriam interesse em realizar acordos coletivos. Em não se manifestando, os acordos individuais seriam válidos. Essa decisão do ministro foi submetida ao julgamento do pleno do STF nos dias 16 [3] e 17 [4] de abril.

Enquanto a liminar de Lewandowski esteve em vigor, o que existiu foi que cada sindicato foi procurado por centenas de empresas. Foram montadas forças-tarefas para se negociar condições de trabalho. Pois se a empresa quer reduzir a jornada de trabalho, ela está funcionando. Para funcionar existem regras de segurança, como indicam OIT, OMS, Ministério Público, etc. O governo desmontou o antigo Ministério do Trabalho, que deveria fiscalizar tais condições. Portanto, os sindicatos passam a ter uma importância fundamental nessa fiscalização, que pode ser a diferença entre a vida e até a morte de milhares de pessoas. Vários sindicatos fizeram assembleias por meio de videoconferência, improvisaram mecanismos de votações por aplicativos, buscando de forma enfática manter um contato direto com suas bases.

O STF revogou a liminar por maioria, 7 a 3, impondo que os trabalhadores “livremente” negociem com seus patrões. Na prática, o STF negou a existência dos sindicatos, utilizando-se de toda leva de argumentos falaciosos, como por exemplo, que serão milhares de acordos e os sindicatos não poderão dar conta. Na verdade, a liminar dizia que se o sindicato não se manifestasse, o acordo seria validado. Mas vários sindicatos montaram operativos para atender a essa demanda, desde celebrar até fiscalizar os acordos.

A decisão do STF vai contra várias convenções da OIT, como por exemplo a Convenção nº 98 [5]. A OIT, diante da pandemia, tem sido enfática no sentido de reafirmar a necessidade dos sindicatos para que haja qualquer negociação coletiva. A decisão do Supremo também fere o que está expresso na Constituição Federal:

Artigo 7º — São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

VI irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

Artigo 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

VI é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”.

Portanto, não se trata de um exercício de lógica muito complexo. O texto é bem autoexplicativo. Premissa: o salário é irredutível. Salvo se houver acordo ou convenção coletiva. Portanto, há uma condição sine qua non, sem a qual não há validade. Para que haja acordo coletivo é necessário o sindicato.

Não se está aqui pedindo raciocínios lógicos muito elaborados. A simples leitura gramatical e a lógica aristotélica mais elementar conseguem expressar o problema. O malabarismo hermenêutico e jurídico aqui significa muito além da decisão em si. Sabe-se muito bem que não se trata de uma “excepcionalidade”, algo meramente transitório. Sabe-se que a situação aberta com a pandemia terá impactos de longo prazo. Trata-se de um objetivo, que é eliminar os sindicatos. Um retrocesso civilizatório de no mínimo dois séculos.

Durante a vigência da liminar dada pelo STF se observou nos sindicatos uma busca frenética das empresas por regularizar suas situações. Que buscavam fazer acordos, comprometendo-se com a segurança e a saúde dos trabalhadores. Mas tão logo houve a decisão da corte, as empresas passaram a esquivar-se dos sindicatos. De modo que chegam aos sindicatos diariamente denúncias anônimas, pois os trabalhadores têm medo de denunciar as empresas que na prática estão a falsificar acordos. Existem acordos realizados tratando da suspensão das atividades laborais, mas os trabalhadores são obrigados a trabalhar. Há ainda uma suposta redução de jornada, mas seguem ocorrendo horas extras, sem que se pague por elas.

Os sindicatos fazem denúncias, movem ações, mas infelizmente o Poder Judiciário não consegue chegar a tempo de salvar os trabalhadores desse incêndio, talvez chegue um dia com as cinzas já frias. Por outro, lado o governo federal atrasa todos os pagamentos. Assim, um amplo setor da população é empurrado para a fome e a miséria nesta pandemia.

O que o STF fez foi uma opção de classe atacando os mecanismos de organização da classe trabalhadora, enfraquecendo os sindicatos e, portanto, enfraquecendo também os empregados diante dos empregadores. Expondo um amplo número de categorias de trabalhadores não só à miséria, mas a graves riscos à saúde e à vida. Pois, por meio dos tais “acordos individuais”, já ocorre uma infinidade de ilegalidades e usurpação de direitos.

O Poder Judiciário fez uma opção consciente, em que a vida da classe trabalhadora não recebe qualquer proteção. Com tal opção, também expôs seus próprios limites para deter o arbítrio, não se propondo a ser o guardião da Constituição de 1988, mas apenas um guardião dos interesses de uma classe dominante. Diante da peste, da fome, da guerra social e da morte, os lucros estão protegidos, a vida dos trabalhadores não.

Bruno Figueiredo é advogado, especialista em Direito do Trabalho e integra a equipe do escritório Parahyba F T Advocacia Associada em parceria com o escritório Cezar Britto & Advogados Associados.

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Fachin reverte decisão que cita astronautas para negar domiciliar

Negar cautelar diversa da prisão com base em considerações pessoais e sem que haja fundamentação idônea não satisfaz a necessidade de motivação das decisões judiciais, bem como afronta precedentes vinculantes da Suprema Corte.

Fachin concedeu, de ofício, ordem para que mulher seja colocada em regime domiciliar

 

Com base nesse entendimento o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, determinou que mulher detida em prisão superlotada seja colocada em regime domiciliar. A decisão, de ofício, foi proferida na última sexta-feira (8/5). 

Fachin reverteu decisão do desembargador Alberto Anderson Filho, da 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. O magistrado paulista negou pedido da Defensoria Pública, que solicitou a domiciliar a partir da Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça, orientação que tem como objetivo conter o avanço da Covid-19 nas penitenciárias.

Para o desembargador, “dos cerca de 7.780.000.000 habitantes do Planeta Terra, apenas três: Andrew Morgan, Oleg Skripocka e Jessica Meier, ocupantes da estação espacial internacional, o primeiro há 256 dias e os outros dois há 189 dias, portanto há mais de seis meses, por ora não estão sujeitos à contaminação pelo famigerado coronavírus”.

Ofício

Fachin não conheceu do recurso ajuizado pela Defensoria no STF, sob o argumento de que não cabe à corte conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do STJ que indeferiu liminar.

Segundo Fachin, entretanto, é possível conceder ordem de ofício, já que “no caso dos autos, a apontada ilegalidade pode ser aferida de pronto”. 

“Considerações pessoais do magistrado acerca ‘das pessoas do Planeta Terra’ que não estariam suscetíveis à contaminação do vírus, e ‘o argumento de risco de contaminação pela Covid-19 é de todo improcedente e irrelevante’; além de não servirem à adequada motivação de decisões judiciais, por se relacionarem à impressão pessoal do julgador acerca da temática, vão na contramão das atuais recomendações sanitárias sanitárias sobre a matéria e também contrariam a diretriz traçada pelo CNJ”, disse Fachin. 

O ministro também afirmou que “as decisões das instâncias ordinárias ainda contrariam o comando da Súmula Vinculante 56, pois mesmo reconhecendo a existência de superlotação carcerária na unidade prisional, e a impossibilidade de resguardar a integralidade dos direitos aos presos do regime semiaberto, abstiveram-se de adotar qualquer medida paliativa, a fim de mitigar o excesso na execução”. 

Príncipes

Para apoiar sua afirmação de que apenas astronautas estão livres da Covid-19, o desembargador do TJ-SP afirmou que três príncipes contraíram a doença. 

“Inúmeras pessoas que vivem em situação que pode ser considerada privilegiada, tais como: o príncipe Albert de Mônaco, o príncipe Charles da Inglaterra, primeiro da ordem de sucessão do trono, o presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre etc. foram contaminados e estão em tratamento”.

A fundamentação chegou a ser alvo da Corregedoria Nacional de Justiça, que instaurou pedido de providências contra o desembargador, dando 15 dias para que ele enviasse esclarecimentos sobre a decisão. 

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HC 184.010

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Advogados pedem suspensão de audiência de instrução à distância

Dificuldade com tecnologias

Advogados pedem para TST suspender audiência de instrução à distância

Por 

O Conselho Federal da OAB e a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat) pediram ao Tribunal Superior do Trabalho que  sejam suspensas as audiências de instrução trabalhistas feitas à distância.

TST

Entidades apontam dificuldades na adaptação tecnológica para as demandas trabalhistas

O ofício foi enviado nesta terça-feira (5/5) para a presidente da corte trabalhista, ministra Maria Cristina Peduzzi. Nele, as entidades demonstram preocupação com as iniciativas para regular o funcionamento do Judiciário durante a epidemia do coronavírus.

A preocupação se justifica, dizem as entidades, “na medida em que, ao deixar a Justiça do Trabalho de tratar de forma específica a questão, abre-se a possibilidade de que condições e considerações as mais variadas possíveis sejam adotadas pelos Tribunais Regionais”.

Segundo os advogados, a própria Justiça tem dificuldade para adequar o momento vivido com conhecimentos de plataformas tecnológicas e suas configurações, adequações de sistemas, entre outros. “O que dizer das partes, que, em sua grande maioria, buscam a Justiça do Trabalho para recebimento de verbas de natureza alimentar que lhes foram subtraídas?” questionam.

De acordo com as entidades, “nem mesmo a advocacia está plenamente habilitada à imposição imediata de aceder as novas tecnologias em circunstâncias de restrição da aquisição regular desses bens”.

Clique aqui para ler o pedido

 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 5 de maio de 2020, 14h41