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TJ-SP concede HC a homem mantido preso após contrair Covid-19

Prisão domiciliar

TJ-SP concede HC a homem mantido preso após teste positivo para Covid-19

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Com base na Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, o desembargador João Morenghi, da 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedeu prisão domiciliar a um homem que testou positivo para Covid-19 e também é portador de cardiopatia crônica, portanto, integra o grupo de risco da doença.

TJ-SP concede HC a homem mantido preso após teste positivo para Covid-19

O Habeas Corpus foi impetrado pela Defensoria Pública de São Paulo, que citou a Recomendação 62/2020 do CNJ. Além disso, segundo a Defensoria, o delito pelo qual o paciente foi condenado não envolve o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa (tráfico privilegiado) e sua condenação já previa o cumprimento da pena em regime aberto.

Apesar de dizer que a Recomendação 62/2020 do CNJ não possui efeito vinculante, o desembargador João Morenghi reconheceu ser inegável que o paciente se encaixa nos requisitos ali enumerados. Pela análise dos documentos juntados pelo impetrante, Morenghi concluiu que o preso integra o grupo de risco da Covid-19, está infectado e cometeu crime sem emprego de violência ou grave ameaça à pessoa.

“Diante disso, é de cautela aguarde o paciente em liberdade a superior consideração da 12ª Câmara Criminal. Suficiente, por ora, a transferência para o regime domiciliar”, disse o desembargador. 

HC 2088562-53.2020.8.26.0000

 é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 17 de maio de 2020, 10h41

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Reske e Pereira: Lei 13.994/20 e cerceamento de defesa

A propagação do vírus da Covid-19 será, por certo, um dos acontecimentos mais marcantes deste século. Ela trouxe a necessidade de adaptação dos indivíduos frente às adversidades e uma reflexão acerca da organização de um mundo globalizado.

Nesse sentido, vários setores da sociedade acabaram reinventando-se para prosseguir, minimamente, com as sua atividades. Exemplo disso foi o próprio Poder Judiciário que, embora já contasse com os incentivos do Conselho Nacional de Justiça para impulsionar o uso dos meios eletrônicos para resolução de conflitos, teve que se adaptar para que isso se tornasse uma realidade nos processos.

Uma das medidas tomadas foi a orientação dos tribunais para que as audiências fossem realizadas por meio virtual, para assim corroborar a necessidade do distanciamento social e, concomitantemente, preservar a duração razoável do processo.

Entretanto, no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, havia um impeditivo, visto que a Lei 9099/95 não trazia a disciplina para a realização de audiências à distância pelo uso dos meios digitais.

Assim, foi promulgada, no dia 24 de abril de 2020, a Lei 13.994/20, que busca regular a ocorrência de audiências de conciliação no formato não presencial, valendo-se dos recursos digitais para realizá-la. De proposição do deputado Luiz Flávio Gomes (PSB-SP), a lei já tramitava no Congresso Nacional desde 2019, mas sua aprovação e sanção foram realizadas em um momento oportuno para auxiliar nas medidas tomadas pelo judiciário para continuação das atividades em meio a pandemia.

No cenário dos Juizados Especiais Cíveis, a conciliação é um método valorizado e de extrema importância no seu rito. A conciliação pode ser caracterizada como um método autocompositivo, no qual um terceiro intervém para auxiliar as partes a comporem e solucionarem litígio incidente entre elas. Nos juizados, segundo o artigo 22 da Lei 9.099/95, ela será conduzida pelo juiz togado, leigo ou o conciliador.

Sua notoriedade pode ser percebida pela visualização do artigo 20 da Lei 9.099/95, no qual é previsto que os efeitos da revelia incidirão sobre o réu que não comparecer à audiência, mesmo sem apresentar defesa. Segundo Felippe Rocha [1], a conciliação foi o foco inicial para instituição de um Juizado de Pequenas Causas no Brasil, na década de 80, por mais que já houvesse previsão constitucional desde 1934.

No contexto da nova lei, a possibilidade da realização da audiência de conciliação por todos os meios de transmissão de sons e imagens em tempo real foi introduzida pelo § 2º no artigo 22 da Lei 9.099/95, ainda sinalizando, no mesmo dispositivo, que o resultado desta audiência deverá ser reduzido a escrito para que, se houver composição, seja homologada pelo juiz e torne-se um título executivo. O grande problema da nova norma foi a alteração realizada no artigo 23 da lei dos juizados.

Segundo a nova redação da norma, se houver recusa do demandado de participar da audiência ou o seu simples não comparecimento, o juiz togado proferirá sentença e resolverá a demanda. No primeiro cenário, é compreensível e não deve haver discussão acerca a consequência da incidência dos efeitos da revelia (artigo 20) perante a atitude do réu de recusar-se a comparecer à audiência. A controvérsia gira em torno da disposição acerca do não comparecimento.

O legislador, nessa oportunidade, deixou o dispositivo de uma maneira aberta, o que pode ocasionar consequências processuais indevidas a certos indivíduos. Vejamos, se analisarmos pelo espectro da internet, no Brasil, segundo PNAD Contínua TIC 2018 do IBGE [2], um quinto dos brasileiros ainda não tem acesso à rede mundial de computadores, o que já seria um empecilho caso o demandado estivesse enquadrado nesta estatística.

Além disso, a mesma pesquisa demonstra que, dos brasileiros que têm acesso à internet, um quarto deles não a utiliza e 41,6% dessas pessoas fizeram isso porque não sabiam usar a ferramenta. Assim, levando em consideração que os indivíduos podem postular sem o intermédio de um procurador e que, caso haja um constituído, não se recomenda o seu encontro por conta da Covid-19, percebe-se outra situação que poderia trazer consequências processuais não isonômicas ao demandado.

Ainda, não há nenhuma previsão acerca dos problemas que podem ocorrer para o acesso à audiência, tais como incompatibilidade do sistema, instabilidade da conexão, entre outros; muito menos sobre dificuldades que o conciliador possa ter por conta das ferramentas disponíveis no ambiente virtual ou sua adaptação a ele, mas sendo esse assunto cabível em uma análise posterior.

Ocorre que, identificadas essas problemáticas, a não resolução delas poderia vir a causar prejuízo à parte que, porventura, não tenha conseguido comparecer à audiência de conciliação de maneira virtual. Esse prejuízo é conflitante, porém, com alguns preceitos constitucionais, tais como o contraditório e o próprio direito à prestação jurisdicional.

Ademais, caso configurem-se tais prejuízos e persistam, a ideia de um processo célere e eficaz cairia, pois poderia ser alegado um cerceamento de defesa da parte, ensejando, inclusive, a nulidade da sentença produzida após o trâmite processual, o que de fato acarretaria em uma nova movimentação da máquina pública e uma consequente aplicação de recursos financeiros para tal.

Entende-se que em situações excepcionais é necessário tomarmos medidas extraordinárias. Entretanto, essas medidas não podem extrapolar uma garantia processual e constitucional de qualquer cidadão que busca a prestação jurisdicional para a resolução de uma demanda.

Destarte, é possível uma atualização legislativa nesse sentido, configurando ao demandado a oportunidade de justificar a sua ausência nas audiências por meios não presenciais, deixando seu deferimento a encargo do juiz. Assim não haveria, em grande parcela dos casos, prejuízo aos integrantes do processo por conta de nulidades futuras, bem como corrobora com a duração razoável do processo.

De igual maneira, para orientação daqueles indivíduos que não tenham a expertise no manuseio das plataformas eletrônicas, deve-se levantar a hipótese de um comunicado, feito pelos tribunais, apresentando uma explicação básica acerca da adoção dessa nova ferramenta processual, como também o método de utilização dos meios não presenciais passíveis de adoção pelos juizados.

Isso posto, a medida legal de estabelecer videoconferências em conciliações conduzidas pelos Juizados Especiais Cíveis é de extrema valia e necessidade, sendo aplicada em um momento oportuno. Contudo, embora os juizados tenham por preceito básico criar um ambiente para a conciliação dos litigantes, por meio de um procedimento menos formal, baseado na oralidade e celeridade, não se pode descartar as garantias constitucionais e a realidade da população brasileira na adequação do rito.

Com isso, deverá haver uma constante análise nesse sentido, não deixando com que haja o cerceamento de defesa do demandado e, futuramente, uma inclusão de um dispositivo legal que, de alguma maneira, permita à parte justificar o motivo da sua ausência e, com o reconhecimento do juízo, o devido adiamento da audiência, sem que ocorram os efeitos previstos no artigo 20 da Lei 9.099/95.

 é graduando do curso Law Experience — Direito Integral FAE e membro do Grupo de Mediação e Conciliação da FAE.

 é graduando do curso Law Experience — Direito Integral FAE e membro do Grupo de Mediação e Conciliação da FAE.

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Villa-Nova e Simon: O STF e as ramagens constitucionais

Os autores do presente artigo discutem entre si questões da democracia e da Constituição há duas décadas. Entre produções acadêmicas esparsas e conversas pessoais, decidiram, sem vínculos institucionais específicos, desenvolver um projeto de pesquisa conjunto, que já produziu alguns resultados. O curioso é que, inicialmente, acordos de conteúdo levavam a desacordos sobre modelos e métodos de avaliação constitucional e institucional. Essa situação passamos a denominar, amistosamente, “os dois lados da moeda”.

O debate que aqui propomos corresponde à primeira parte da reflexão e consiste em exemplo do resultado dessa dialética: concordâncias de conteúdo, com discordâncias de foco de análise, que levaram a posições conjuntas, divididas em exposições que expressam o ponto inicial de cada um, que confluiu para abordagens comuns em dois aspectos.

Ambos os textos nasceram de uma troca de mensagens (não sigilosa, nem insuspeita, frise-se!) de Whatsapp. O que, a partir deste ensaio, se lê é uma espécie de Carta aos cidadãos escrita a quatro mãos. Certamente, poucos, nos dias de hoje, ainda recebem ou escrevem cartas. A dinâmica dialógica da comunicação “epistolar”, contudo, segue viva. Em tempos de tantas polarizações, parece que perdemos a capacidade de enxergar as fronteiras do consenso e do dissenso.

O consenso é importante porque permite chegar ao ponto comum de encontro de qualquer discussão  em especial aquelas que envolvam temas polêmicos. O dissenso, de igual modo, é crucial para que percebamos que, num ambiente democrático, a pluralidade e a diferença de ideias e de pensamentos precisa ser respeitada – sob pena de que a tirania esfaqueie a democracia. Em tempos de acirramento político e esgarçamento do desafio de escuta e de interação, os dois artigos propõem uma abordagem complementar sobre o papel do Supremo Tribunal Federal.

O primeiro lado da moeda (enfrentado neste artigo) envolve a exposição constitucional (isto é, do jurídico ao político) de tema que assumiu grande notoriedade e polêmica nos últimos dias: pode o STF suspender, em caráter liminar (ou transitório), ato de nomeação de diretor da Polícia Federal (Alexandre Ramagem) praticado pelo Presidente da República (Jair Bolsonaro)?

O segundo lado (em outro artigo a ser publicado em breve) abarca a apresentação dos dilemas institucionais (isto é, do político, ao jurídico) do mesmo assunto, a partir de reflexão constitutivamente complementar: até quando o STF conseguirá manter sua pretensão de controle da política, unicamente com base em decisões monocráticas e sem definição clara e estável de posicionamento da Corte?

À primeira vista, as duas perguntas podem parecer encaminhar problemas e abordagens idênticos. Não o são fazem. Em comum, além da figura da autoridade que praticou o ato questionado (o Presidente da República), há alusão a diferentes “Alexandres” – um é o delegado que teria sido nomeado por Jair Bolsonaro; outro, o Ministro que decidiu, em caráter provisório, a questão.

Realizado o preâmbulo, uma menção que perpassa ambos os textos – e que, aqui, respeitosamente, endereçamos à leitora e ao leitor como alerta preliminar (disclaimer). Trata-se de frase atribuída a outro Alexandre, conhecido pelo epíteto de “o Grande”: “Lembre-se que da conduta de cada um depende o destino de todos”. Essa reflexão segue viva e com repercussão em plena ebulição diante da apresentação de pedido de reconsideração, pela Advocacia-Geral da União (AGU), na última sexta-feira. No mesmo dia 08 de maio, o pleito do Governo Federal foi, uma vez mais, monocraticamente afastado pelo Ministro Relator.

As ramagens constitucionais da nomeação de diretor da PF: do direito, à política
Virou tema de debate nacional a decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes no Mandado de Segurança (MS) n. 37.097/DF, impetrado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Na ação, questiona-se o ato do Presidente da República (PR) de nomear Alexandre Ramagem Diretor-Geral da Polícia Federal (DGPF) por desvio de finalidade (o ato seria para benefício pessoal, não para a boa organização e ação da PF), tendo-se por base notícias na mídia, declarações do ex-Ministro Sérgio Moro (com divulgação – parcial ou editada — de mensagens de celular) e falas do próprio governante.

O furor deu-se porque a decisão do Ministro do STF impede ato discricionário do PR, alegando-se a interferência do Judiciário no Executivo. Alguns críticos compararam com decisões anteriores do STF sobre nomeação de ministros de estado, seja para defender a decisão, seja para criticá-la, o que trouxe à tona os casos das nomeações de Lula; de Cristiane Brasil; de Moreira Franco e, mais recentemente, no próprio governo Bolsonaro, de Ricardo Salles. Outros, que descobriram o problema da interferência do Judiciário em outros poderes só após 1º de janeiro de 2019, resolveram, circunstancialmente (para dizer o mínimo), defender a independência dos poderes.

Dentre os que defendem a decisão, os principais argumentos são a existência do desvio de finalidade e o precedente de Lula, exigindo-se coerência “jurisprudencial” por parte do STF. Mais refinados são os argumentos dos que a criticam. Os principais são: erros anteriores do STF não validam os presentes (e não há decisão colegiada sobre o assunto); a nomeação do DGPF é ato político discricionário do PR, assim como o é o de nomeação de ministros de estado; decisões judiciais precisam atentar para limites jurídicos, não sendo legítimas decisões baseadas em moralismos particulares ou convicções pessoais de magistrados; o mandado de segurança demanda prova pré-constituída que comprove direito líquido e certo, não meros indícios, falas particulares, prints de mensagens e notícias e opiniões da mídia; o cargo em comento depende da proximidade e confiança do PR, bastando que o nomeado cumpra os requisitos legais formais.

Do lado dos que defendem a decisão, os argumentos apresentados na opinião pública (e, também, na opinião publicada) são fáceis de afastar: é necessária a comprovação fática do desvio de finalidade, já que há presunção de legalidade e legitimidade dos atos do poder público; e dois erros não fazem um acerto. Já com relação às críticas ao impedimento para que Ramagem fosse nomeado DGPF, é necessário aprofundar um pouco a análise.

No que concerne à discricionariedade, o caso da nomeação de DGPF não é, do ponto de vista estritamente jurídico, o mesmo daquele de nomeação de ministro de estado. Há que se considerar a diferença entre ato de Chefe de Governo e ato de Chefe da Administração Pública Federal. A nomeação de ministro de estado é ato político livre do Presidente da República, porque diz respeito à sua escolha pessoal sobre quem vai direcionar as políticas voltadas para uma pauta de governo, cabendo ao ministro e ao Presidente a responsabilidade por atingir os resultados pretendidos, conforme linha político-ideológica vitoriosa em processo eleitoral. Como no presidencialismo o governo é independente do Legislativo, não cabe veto ou interferência na escolha. A razão de ser da liberdade está na independência da linha de governo para atingir resultados políticos para os quais o Presidente da República foi eleito e a previsão está no art. 84, I, da CF. Ressalte-se que, para os demais cargos com previsão constitucional expressa para indicação e nomeação pelo Presidente da República, há, ao menos em tese, o controle do Senado Federal, o que reforça o fato de a livre nomeação e exoneração de ministros de estado se justificar pela liberdade de escolha para realização de política e programa de governo.

Outra é a situação do DGPF. A PF é órgão de segurança pública cuja finalidade está prevista na CF (art. 144), mas organização e carreira são de reserva legal. Assim, é a Lei n.º 9.266/1996 (art. 2º-C), não a CF, que prevê a competência do PR. Ademais, polícia, com função investigativa e repressiva, é típica atividade administrativa, órgão de execução, nunca de elaboração e definição de políticas públicas ou de governo. No âmbito da segurança pública essa a competência do Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP), aliás, ministério ao qual a PF está subordinada (art. 2º-A da Lei n º. 9.266/1996). A indicação do DGPF pelo PR é, portanto, ato administrativo, decorrente da função de chefe da administração pública federal, não ato político. Afinal, compete ao PR “exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal” (art. 84. II, da CF).

Quer isso dizer que, se ato político só poderia ser controlado no seu critério objetivo de realização (competência e requisitos constitucionais e legais para exercício de cargos de livre nomeação), o ato administrativo é controlável em sua motivação, não podendo desviar de sua finalidade legal e constitucional. Daí que a decisão do Min. Alexandre de Moraes é de controle de legalidade, com base nos princípios constitucionais da Administração Pública, não de típica escolha política de ministro de Estado pelo PR.

Definida a possibilidade de controle da nomeação do DGPF, cabe considerar o cabimento de MS para o ato em discussão. É perfeitamente legítimo discutir se o MS é ação constitucional apropriada e se o PDT defende direito líquido e certo seu, de seus integrantes ou de sua finalidade partidária (art. 21 da Lei n. 12.016/2009 – apesar de isso não ter sido considerado em situações anteriores similares), mas não cabe discutir a possibilidade de controle do desvio de finalidade de ato do chefe da Administração Pública.

Resta discutir se a decisão poderia ser concedida liminarmente e como fica a questão probatória. Nesse ponto, os que defendem a insuficiência de provas precipitam-se, porque afirmam não haver prova suficiente do desvio de finalidade sem nem mesmo terem analisado o processo (como sabem que a prova é insuficiente?). E esquecem que o requisito da concessão de liminar é plausibilidade do direito (é possível controlar desvio de finalidade de atos do chefe da Administração Pública e pode ser que ele tenha ocorrido no caso) e o risco na demora do provimento (suspeita-se que o PR quer usar a indicação do DGPF para impedir investigação contra si e seus familiares). Ora, como manter a eficácia de ato que pode ser voltado para bloquear investigação contra o próprio produtor do ato? Seria o mesmo que manter no cargo Senador acusado de usar a função para impedir investigação contra si, sob o argumento simplório de não interferir nas prerrogativas de integrante de outro poder. Algo, aliás, que, estranhamente, o Supremo chegou a assegurar em sua jurisprudência recente.

É importante lembrar, ainda, que a decisão do Min. Alexandre de Moraes não anulou a nomeação do DGPF, suspendeu sua eficácia diante de indícios de desvio de finalidade e dos riscos derivados da eventual demora no julgamento final da ação. Também não indicou como fundamento a suposta amizade ou proximidade do nomeante com o nomeado, mas o possível uso do poder de nomear para atingir finalidade espúria.

Pode-se discutir a legitimidade para o mandado de segurança, se há prova do desvio de finalidade, se haveria, ou não, urgência no julgamento do MS (caso o ato não fosse revogado), se seria necessário o contraditório prévio e a análise cuidadosa do corpo probatório juntado aos autos (discutindo-se a sua suficiência), ou ainda, a legitimidade da própria forma pela qual a decisão foi tomada (em caráter individual ou monocrática), tendo em vista tanto as decisões anteriores (Lula, Cristiane Brasil, Moreira Franco e Ricardo Salles), como também as competências já estabelecidas quanto a fatos similares ou conexos à nomeação de Ramagem. Todas essas questões serão abordadas na segunda parte dessa reflexão, no artigo que se seguirá à publicação deste, com avaliação de aspectos institucionais relacionados ao conjunto de atos decisórios praticados até aqui pelo STF e seus ministros. Do que foi dito até aqui, não se pode negar, contudo, que o ato está, em princípio, dentro da esfera do que se denomina controle externo de legalidade quanto aos atos da Administração, pelo Judiciário, e que a hipótese de suspensão liminar era, no mínimo, plausível, da perspectiva constitucional (jurídico-política).

Henrique Smidt Simon é advogado, doutor em Direito, Estado e Constituição pela Faculdade de Direito da UnB; professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos Humanos, Cidadania e Violência do UniEURO; e professor da graduação em Direito da Escola de Direito de Brasília do Instituto de Direito Público (EDB/IDP); professor da graduação em Direito do UniCEUB.

Daniel Augusto Vila-Nova é advogado, doutorando em Ciência Política pelo Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense (ICHF/UFF); mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB; e professor da pós-graduação em Direito da EDB/IDP.

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Auxílio pode ser penhorado para quitar pensão alimentícia

Em SC

Auxílio emergencial da Covid-19 pode ser penhorado para quitar pensão alimentícia

Um juiz de Santa Catarina determinou a penhora de 30% de cada parcela do auxílio emergencial de um homem para o pagamento de pensão alimentícia.

Instituído pela Lei 13.982, de 2 de abril de 2020, e regulamentado pelo Decreto 10.316, de 7 de abril de 2020, o auxílio emergencial tem por objetivo fornecer proteção a dezenas de categorias no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

O recurso de R$ 600 tem natureza jurídica de benefício assistencial temporário. De acordo com o Código de Processo Civil, os vencimentos e remunerações são impenhoráveis. A exceção é a penhora para o pagamento de prestação alimentícia.

“Assim, tendo em vista que a obrigação alimentícia é indeclinável, pois de caráter emergencial e vital, e ante a exceção à impenhorabilidade prevista em lei, entende-se no caso em comento pela possibilidade da penhora do auxílio emergencial que eventualmente venha o executado a receber”, anotou o magistrado em sua decisão. O processo tramita em segredo de justiça. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-SC.

Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2020, 13h46

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Fachin reverte decisão que cita astronautas para negar domiciliar

Negar cautelar diversa da prisão com base em considerações pessoais e sem que haja fundamentação idônea não satisfaz a necessidade de motivação das decisões judiciais, bem como afronta precedentes vinculantes da Suprema Corte.

Fachin concedeu, de ofício, ordem para que mulher seja colocada em regime domiciliar

 

Com base nesse entendimento o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, determinou que mulher detida em prisão superlotada seja colocada em regime domiciliar. A decisão, de ofício, foi proferida na última sexta-feira (8/5). 

Fachin reverteu decisão do desembargador Alberto Anderson Filho, da 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. O magistrado paulista negou pedido da Defensoria Pública, que solicitou a domiciliar a partir da Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça, orientação que tem como objetivo conter o avanço da Covid-19 nas penitenciárias.

Para o desembargador, “dos cerca de 7.780.000.000 habitantes do Planeta Terra, apenas três: Andrew Morgan, Oleg Skripocka e Jessica Meier, ocupantes da estação espacial internacional, o primeiro há 256 dias e os outros dois há 189 dias, portanto há mais de seis meses, por ora não estão sujeitos à contaminação pelo famigerado coronavírus”.

Ofício

Fachin não conheceu do recurso ajuizado pela Defensoria no STF, sob o argumento de que não cabe à corte conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do STJ que indeferiu liminar.

Segundo Fachin, entretanto, é possível conceder ordem de ofício, já que “no caso dos autos, a apontada ilegalidade pode ser aferida de pronto”. 

“Considerações pessoais do magistrado acerca ‘das pessoas do Planeta Terra’ que não estariam suscetíveis à contaminação do vírus, e ‘o argumento de risco de contaminação pela Covid-19 é de todo improcedente e irrelevante’; além de não servirem à adequada motivação de decisões judiciais, por se relacionarem à impressão pessoal do julgador acerca da temática, vão na contramão das atuais recomendações sanitárias sanitárias sobre a matéria e também contrariam a diretriz traçada pelo CNJ”, disse Fachin. 

O ministro também afirmou que “as decisões das instâncias ordinárias ainda contrariam o comando da Súmula Vinculante 56, pois mesmo reconhecendo a existência de superlotação carcerária na unidade prisional, e a impossibilidade de resguardar a integralidade dos direitos aos presos do regime semiaberto, abstiveram-se de adotar qualquer medida paliativa, a fim de mitigar o excesso na execução”. 

Príncipes

Para apoiar sua afirmação de que apenas astronautas estão livres da Covid-19, o desembargador do TJ-SP afirmou que três príncipes contraíram a doença. 

“Inúmeras pessoas que vivem em situação que pode ser considerada privilegiada, tais como: o príncipe Albert de Mônaco, o príncipe Charles da Inglaterra, primeiro da ordem de sucessão do trono, o presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre etc. foram contaminados e estão em tratamento”.

A fundamentação chegou a ser alvo da Corregedoria Nacional de Justiça, que instaurou pedido de providências contra o desembargador, dando 15 dias para que ele enviasse esclarecimentos sobre a decisão. 

Clique aqui para ler a decisão

HC 184.010