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Opinião: Debate qualificado sobre custos da Justiça

Recorrentemente, o Poder Judiciário brasileiro é posicionado, em contraste ao de outros países, como excessivamente custoso à sociedade. Dentre os principais elementos utilizados para endossar essa posição estão tanto as despesas totais do Poder em relação ao PIB quanto o valor dos subsídios dos Magistrados brasileiros.

Com o intuito de aprofundar o debate envolvendo os custos com o Poder Judiciário brasileiro e discutir não apenas essas variáveis como também outras capazes de contribuir para melhor compreensão do tema, serão discutidos alguns aspectos envolvendo custos e demais peculiaridades desse Poder.

Espera-se trazer à tona novos elementos que contribuam para que a discussão não se limite aos números constantemente reavivados envolvendo despesa total em relação ao PIB e valor absoluto de subsídios da Magistratura — os quais são importantes, mas insuficientes para se compreender todas as questões que orbitam o Poder Judiciário brasileiro e explicam, em grande medida, o seu custo para a sociedade.

O custo do Poder Judiciário
II.1 Despesas do Poder Judiciário em relação ao PIB
Recentemente, a imprensa repercutiu a informação de que o Poder Judiciário brasileiro representaria um custo equivalente a 2% do PIB quando, em contraste, os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) teriam esse valor na média de 0,5%[1]. Outros valores recorrentemente utilizados são os de um trabalho envolvendo dados de 2014[2], em que se atingiu o patamar de 1,3% do PIB para as despesas do Judiciário brasileiro.

Trata-se, entretanto, de uma reflexão que coliga elementos cuja associação é insuficiente para uma análise verdadeiramente qualificada do custo do Poder Judiciário brasileiro para a sociedade.

Essa insuficiência se dá na medida em que se estabelece, a partir da associação do custo do Poder Judiciário a uma variável de mensuração da atividade econômica, uma correlação que induz ao pensamento equivocado de que o Poder deve ser limitado a essa atividade. E que, portanto, seus custos deveriam resguardar alguma medida de proporcionalidade em relação à produção econômica – algo que é no mínimo bastante questionável.

A avaliação do custo do Poder Judiciário, mais do que ter em vista o elemento produtivo/econômico, precisa levar em consideração o elemento humano/cidadão. Este deve ser o parâmetro fundamental para avaliação quanto ao seu custo para a sociedade.

Uma alternativa viável, capaz de associar os custos do Judiciário a uma variável que melhor expresse o cidadão como detentor de direitos, é aquela que correlaciona esses custos ao quantitativo absoluto da população sobre a qual se exerce a jurisdição. Ou seja, uma relação de custo per capita do Poder Judiciário.

Afastam-se, dessa forma, distorções causadas pelo desenvolvimento econômico, que posiciona alguns países em vantagem aos demais na capacidade de agregar valor aos seus produtos e serviços. Diante dessa realidade, quanto maior a riqueza que essa sociedade produz, menor será a dimensão do custo dessa Justiça. E quanto menos riqueza produzir — caso dos países em desenvolvimento, como o Brasil — maiores serão as dimensões daquele custo.

Há ainda um agravante: a Justiça, como elemento a manter coeso o tecido social, é necessária quanto maiores os conflitos existentes nessa sociedade – caso corrente dos países em desenvolvimento. Mais ainda o caso brasileiro, em que se convive com a realidade de ser um dos países mais desiguais do mundo.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Brasil é o sétimo país mais desigual do mundo[3] e tem a segunda maior concentração de renda do planeta[4]. Há, assim, um contexto de desigualdade e assimetrias na sociedade brasileira que se espraia na existência de conflitos de toda ordem, notadamente no âmbito trabalhista, previdenciário, econômico, criminal e consumerista. Conflitos os quais chegam diariamente para o escrutínio do Poder Judiciário, que não pode se esquivar de resolvê-los. Necessário, portanto, que se estabeleça um comparativo a envolver a despesa per capita com o Poder Judiciário, e não essa despesa como fração do PIB.

Entretanto, mesmo que se empunhe esse indicador que correlaciona as despesas do Judiciário como fração do PIB, é preciso não perder de vista que essa forma de avaliação vem demonstrando uma evolução positiva com o suceder dos anos para o caso brasileiro.

A partir dos dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) quanto ao Produto Interno Bruto[5] e aqueles disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) envolvendo a despesa total do Poder Judiciário[6], verifica-se que, ano após ano, o custo do Poder em relação ao PIB vem caindo paulatinamente: de 1,93% do PIB em 2009 para 1,37% do PIB em 2018, em uma queda média de 0,06 pontos percentuais a cada ano.

Figura 1 – Despesas totais do Poder Judiciário brasileiro em relação ao Produto Interno Bruto, em % (dados do IBGE e do CNJ)

Mesmo com os problemas apontados para essa variável, sua análise para a série histórica atesta que o Judiciário brasileiro vem apresentando custos cada vez menores quando vistos como fração do PIB nacional.

II.2 Despesas Per Capita do Sistema de Justiça
A visualização do custo do Poder Judiciário per capita é uma forma mais qualificadas de analisar o custo desse Poder. Trata-se, aliás, de uma mensuração usada pela Comissão Europeia para Eficiência da Justiça (CEPEJ)[7] quando a intenção é estabelecer um comparativo entre os países. Os dados da CEPEJ encampam todo o Sistema de Justiça, envolvendo assim Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública.

O comparativo do Brasil com outros países, sobretudo da União Europeia, feito a partir de dados da CEPEJ[8] e do CNJ[9] para o ano de 2016 (ano em que há disponibilidade dos dados), indica que o valor do Brasil[10] (150,1 euros/habitante) está muito próximo aos valores da Alemanha (121,9 euros/habitante), Países Baixos (119,2 euros/habitante) e Suécia (118,6 euros/habitante). E mesmo inferior a países como Suíça (214,8 euros/habitante) e Luxemburgo (157,3 euros/habitante).

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[11] também traz informações quanto à evolução do custo per capita (contudo, especificamente do Poder Judiciário): desde 2012, os valores têm estado estáveis na faixa entre R$ 400,00 e R$ 455,00 (Figura 2).

Figura 2 – Gastos per capita com o Poder Judiciário brasileiro abrangendo despesas totais, despesas totais excetuando inativos e pensionistas e despesas apenas com inativos e pensionistas (CNJ)

Verifica-se, assim, que o Sistema de Justiça brasileiro apresenta uma relação próxima a de países como Alemanha, Países Baixos e Suécia. E que, especificamente para o Poder Judiciário, os valores de gasto per capita estão há pelo menos quatro anos estabilizados – havendo tendência de queda.

III. Elementos para um discussão qualificada
III.1 Volume de processos: a sobrecarga dos tribunais brasileiros
Um primeiro aspecto a ser refletido quando se deseja avaliar os custos do Poder Judiciário brasileiro envolve a análise de casos novos que são propostos todos os anos para seu escrutínio. Isso porque esse volume, evidentemente, é o que determinará a necessidade de nomeação de mais Magistrados e servidores para a prestação jurisdicional – sem perder de vista que os dispêndios em termos de recursos humanos correspondem a 90,8% das despesas totais do Poder[12].

Para melhor compreensão dessa sobrecarga, um comparativo com a situação de outros Sistemas de Justiça é interessante. Para tanto, com o fito de tornar a comparação mais acertada (comparação esta já difícil em razão dos países terem grandes diferenças quanto à forma de concatenação de sua ordem legal), opta-se pela análise de casos novos em termos de ações decorrentes das relações de trabalho — dado disponível de maneira mais homogênea entre os países analisados e, portanto, com uma maior adequação a serem comparados entre si.

Lembrando que as demandas trabalhistas corresponderam a cerca de 21% do número total de casos novos que ingressaram no Poder Judiciário brasileiro em 2019[13]. Representam, assim, a matéria com maior acervo de processos nesse Poder.

A avaliação envolveu três países europeus com legislação trabalhista considerada protetiva e com uma atuação sindical avaliada como bastante intensa: França[14], Alemanha[15] e Espanha[16]. São países também populosos, com economias bem diversificadas, à semelhança da situação brasileira. A razão encontrada entre número de casos novos e a população de cada país atesta a sobrecarga brasileira: os magistrados do Brasil têm aproximadamente de duas a dez vezes mais casos novos por ano do que seus pares (Tabela 1) .

Tabela 1 – Casos novos em matéria trabalhista em países selecionados e sua relação por cem mil habitantes

Trata-se de um nível de demanda que inevitavelmente exige a ampliação de todo o aparato institucional (mais gastos com infraestrutura, Magistrados, servidores e recursos materiais), o qual acarretará custos maiores para toda a sociedade.

Outra dimensão importante nesse debate envolvendo o excesso de judicialização diz respeito ao modelo vigente no Brasil de pagamento de custas e emolumentos e a forma como esse tipo de disposição pode induzir a um maior uso do Poder Judiciário — em detrimento de métodos autocompositivos.

Para além disso, o volume arrecadado com o pagamento de custas judiciais e emolumentos, necessários para a consecução da prestação jurisdicional e dos serviços que lhe são inerentes e conexos, representa arrecadação capaz de reduzir o dispêndio do contribuinte com o Poder, direcionando-o um pouco mais para o usuário — aquele que realmente faz uso da máquina jurisdicional.

No Brasil, a arrecadação com custas judiciais e emolumentos em relação à despesa total da Justiça, nos últimos dez anos, oscilou entre 10 e 13% de acordo com o CNJ[17], sem uma tendência definida (Figura 3).

Figura 3 -Arrecadação com custas judiciais e emolumentos em relação à despesa total do Poder Judiciário, em % (CNJ)

Os dados do Cepej[18] disponíveis para outros países, relativos ao ano de 2016 (Figura 4), ajudam a compreender melhor a situação brasileira – e mesmo refletir se existiria espaço para mudanças. Esses dados, de quando o Brasil apresentava uma arrecadação com custas e emolumentos em relação à despesa total da Justiça no patamar de 11% (dados de 2016), situam o Brasil em posição inferior à média (19%) e mediana (14%) europeias.

Figura 4 – Custas em relação à despesa total do Poder Judiciário, em 2016 (CEPEJ e CNJ)

A comparação da arrecadação brasileira com aquela de países selecionados, em matéria de custas judiciais e emolumentos, atesta sua similitude ao valor amealhado por países como Rússia (12%) e Itália (11%), mas ainda distante dos valores arrecadados pela Alemanha (43%), Portugal (25%) e Inglaterra (19%).

Dados levantados pelo CNJ em 2019[19] a partir de simulação para obtenção do valor de custas judiciais a serem pagas para causas com valores distintos nos diversos Tribunais do país atestaram duas circunstâncias: a grande variabilidade no valor de custas, seja dentro de um mesmo Tribunal, seja entre Tribunais distintos; e o valor irrisório cobrado em diversos Tribunais do país.

Quanto a essa percepção de grande variabilidade, percebe-se que, para um valor de causa de R$ 20.000,00, as custas entre os Tribunais oscilam mais de 1.900%, de R$ 100,00 (Justiça Federal) a R$ 2.001,52 (TJ do Piauí). Para um valor de causa de R$ 1.000.000,00, as custas entre os tribunais oscilam mais de 8.100%, de R$ 372,22 (STJ) a R$ R$ 30.718,00 (TJ do Rio Grande do Sul). Dentro de um mesmo Tribunal, há casos em que não há qualquer oscilação (STF e STJ), ou mesmo em que essa oscilação é irrisória (TJDFT, de 25%) ou profunda (7.100% no TJ do Tocantins e 3.170% no TJ do Rio Grande do Sul).

O caso da Justiça Federal é emblemático: 12,85% dos casos novos no país em 2019 foram peticionados perante essa Justiça. Nela, a cobrança das custas processuais tanto iniciais quanto recursais é feita com base no valor da causa, definida em patamares máximos e mínimos. Excetuada a Justiça do Trabalho, em que o valor mínimo é igual a zero, os valores das custas recursais mínimas na Justiça Federal (R$ 5,32), incluindo depósitos, são os menores do país[20].

Há, assim, grande discrepância em relação ao valor de custas judiciais quando comparados os diversos tribunais do país. Esse potencial de incremento arrecadatório pode ser ilustrado no caso emblemático envolvendo o setor bancário.

Estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2012[21] trouxe, para o ano de 2011, a lista dos maiores litigantes nas Justiças Estadual, Federal e do Trabalho. Os bancos ocupavam a primeira posição na Justiça Estadual, a segunda posição na Justiça Federal e a terceira posição na Justiça do Trabalho. Contabilizando-se esses três ramos do Poder Judiciário, os bancos ocupavam a posição de segundo maior litigante nacional, perdendo tão somente para o Setor Público Federal.

Constituindo-se o setor bancário como segundo maior litigante nacional, e demarcando-se a lucratividade do setor, que em 2019 alcançou R$ 81,51 bilhões apenas com os quatro maiores bancos do país (com uma média anual, de 2010 a 2018, situada em 50,37 bilhões)[22], seria plausível cogitar um incremento em termos de custas judiciais para setores específicos da sociedade que demandam mais a jurisdição.

Um formato de transferir aos usuários do Poder Judiciário uma parte maior dos custos com o Poder, hoje em sua quase integralidade posto ao encargo do contribuinte. A reflexão acerca da reformulação do pagamento de custas judiciais e emolumentos, atraindo-o para uma sistemática capaz de proporcionar aos Tribunais do país maiores fonte de receitas, perfilha-se assim tanto interessante quanto necessária.

Ainda mais em razão dos efeitos que essa medida pode proporcionar em termos de redução dos níveis de judicialização: na medida em que o acesso à Justiça se torna mais caro àqueles que podem, de fato, pagar, incentiva-se a busca pelos métodos autocompositivos (como mediação e conciliação). Algo que repercutirá em uma redução de novos casos – e, assim, na redução de custos do próprio Poder Judiciário brasileiro.

III.2 Qualidade das leis: o “cipoal” normativo em matéria tributária
A qualidade e a precisão da legislação produzida pelo Congresso Nacional interfere profundamente na quantidade de ações judiciais existentes no país – e, portanto, na posterior necessidade de alocação de recursos materiais, financeiros e humanos para que o Poder Judiciário consiga absorver esse volume de demandas e fazer a devida prestação jurisdicional.

Ao tempo que ao Poder Legislativo é franqueado não legislar, ao Poder Judiciário é vedado não decidir. Ou seja, enquanto o Poder Legislativo não tem obrigação quanto à produção normativa ou mesmo quanto à sua qualidade, o Poder Judiciário tem o dever de prestar a jurisdição e fazê-la da melhor maneira possível – isso a partir do arcabouço legal de que dispõe.

Exemplo emblemático de uma matéria cuja produção normativa revela esse desafio posto sob responsabilidade do Sistema de Justiça – e que confronta qualquer critério de razoabilidade, conflagrando contribuintes e Estado a um grande volume em termos de litigância – é o direito tributário.

No bojo dos debates envolvendo a prometida reforma tributária, o Presidente da Câmara dos Deputados, explicitando sua posição favorável a uma simplificação da legislação tributária, chegou a publicar em suas redes sociais[23]:

Brasil editou 363 mil normas tributárias desde 1988! Sim, você não leu errado. Nessa barafunda tributária, entre siglas e centenas de milhares de normas, todos perdem.

Ao comentar os problemas que a complexidade da legislação tributária proporciona em termos de judicialização, o Ministro do STJ, João Otávio de Noronha[24], destaca que essa característica de nosso arcabouço normativo em matéria tributária — agravado pelo fato de que a própria Secretaria de Receita Federal tem autonomia para edição de normas que interpretam a legislação tributária — eleva o nível de litigiosidade e provoca uma judicialização excessiva no país.

Ao se analisar o número de casos novos em matéria tributária na Justiça Estadual, na Justiça Federal e no Superior Tribunal de Justiça[25], percebe-se a dimensão das ações tratando de matéria tributária e a carga que isso representa para o desempenho dos Tribunais. Entre 2014 e 2019, casos novos tratando de matéria tributária abrangeram entre 10,42% e 12,72% do volume total de casos novos nesses Tribunais (Figura 6).

Figura 6 – Fração de casos novos em matéria tributária sobre total de casos novos, nas Justiças Estadual, Federal e no STJ (CNJ)

Há, portanto, a necessidade de que as leis tenham qualidade — qualidade essa que se espraia nessas três dimensões: simplicidade, clareza e, acima de tudo, transparência. Elementos a partir dos quais será possível o estabelecimento de um arcabouço legal confiável, que inspire segurança jurídica e, assim, menos suscetível a questionamentos – e, caso inevitável o litígio, a opção pelas vias de autocomposição e arbitragem poderá ser avaliada como um caminho mais promissor, uma vez o arcabouço legal simplificado.

 é juiz federal e ex-presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

 é sócio-fundador do escritório Malta Advogados, professor de Direito Imobiliário da Universidade de Brasília (UnB) e secretário-geral da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB.

Lazarini de Almeida é sócio do escritório Malta Advogados.

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Curso do CNJ para formar mediadores já tem lista de espera

Com lista de espera de mais de 1.200 inscritos, o novo curso de capacitação para os futuros mediadores e conciliadores dos tribunais brasileiros via Ensino à Distância (EAD) já é considerado um sucesso pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli. Inicialmente previsto para ter 350 vagas, estão inscritos 760 alunos de dez estados brasileiros.

Foram abertas vagas para os Tribunais de Justiça de Alagoas, Amazonas, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo. “A tecnologia está sendo colocada a serviço do fomento da cultura da pacificação, por meio da formação de pessoas capazes de promover a solução dialogal de conflitos”, destacou Toffoli.

Coordenador do grupo de trabalho criado pela Portaria 139/2018 para desenvolver o curso a distância de capacitação de mediadores judiciais, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Marco Aurélio Gastaldi Buzzi afirmou que o curso poderá suprir a carências de profissionais nos estados.

“Muitos não estavam realizando a audiência de conciliação pela ausência desse profissional. Percebi, então, que o curso de mediadores é imprescindível para a consolidação da política pública de estímulo aos métodos alternativos de solução de conflitos”, disse Buzzi.

Curso com tutoria

As aulas serão ministradas à distância entre os dias 18 de maio e 26 de junho de 2020. São 40 horas/aulas e haverá o acompanhamento por um tutor. Ao final, os alunos serão capazes de empregar adequadamente os métodos consensuais de solução de conflitos, em especial a conciliação e a mediação no âmbito judicial, com vistas à pacificação social e ao amplo acesso à justiça.

Depois de concluir essa etapa teórica, haverá uma parte presencial das aulas, que será realizada em cada estado, em um cronograma ainda a ser definido. Após a conclusão desse curso, a proposta é abrir uma nova turma para abranger os demais estados. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.

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As doenças ocupacionais em tempos de pandemia

Dois fatos jurídicos chamaram a atenção nos últimos dias em plena pandemia, e serão capazes de gerar impactos trabalhistas e previdenciários nas empresas. Um deles foi a revogação da MP 905, que criou o Contrato Verde e Amarelo, e o outro foi a decisão do Supremo no julgamento de sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) ajuizadas contra a MP 927 por entidades representativas de trabalhadores e partidos políticos, que suspendeu a eficácia do artigo 29 da referida medida provisória.

Acidentes de trajeto e a natureza acidentária
Em relação ao primeiro deles, nos referimos especificamente ao artigo 51 da MP 905, que revogou uma série de dispositivos legais, entre eles o artigo 21, inciso IV, alínea “d”, da Lei 8.213/91, que assim dispõe:

“Artigo 21  Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta lei:

(…)

 IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:

(…)

d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”.

Importante salientar que, com a Reforma Trabalhista ocorrida em 2017, houve alteração no § 2º do artigo 58 da CLT, excluindo do tempo à disposição do trabalhador justamente o período de percurso da residência até o local de trabalho:

“Artigo 58 A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

(…)

§ 2º — O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador”.

Ademais, antes mesmo do advento da Lei 13.467/17, o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) já havia entendido pela ausência de controle ou influência do empregador sobre os seus empregados quanto aos acontecimentos que ocorrem no percurso de ida e volta do trabalho. Tanto é verdade que houve uma alteração na metodologia de cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) através da Resolução 1.329/17, que retirou o acidente de trajeto do seu cômputo a partir de 2018.

O FAP é um multiplicador composto anualmente pelo Ministério da Economia com base nos dados dos dois anos anteriores e no histórico acidentário das empresas. É calculado por estabelecimento comercial e aplicado em conjunto com o Risco Ambiental do Trabalho (RAT), que são alíquotas de tarifação coletiva por subclasse econômica que variam de 1% a 3%, conforme o risco oferecido aos trabalhadores. O RAT, por sua vez, é incidente sobre a folha de salários das empresas para custear aposentadorias especiais e benefícios decorrentes de acidentes de trabalho.

Pela metodologia do FAP, as empresas que registrarem maior número de acidentes ou doenças ocupacionais pagam mais o RAT. Por outro lado, existe uma bonificação das empresas que registram menos acidentes e doenças ocupacionais, sendo possível reduzir até pela metade a tributação.

Tanto em razão da decisão do CNPS, quanto pela nova legislação trabalhista, parte da doutrina passou a entender que o artigo 21, IV, “d”, da Lei 8.213/91, teria sido tacitamente revogado pela Lei 13.467/17, já que a legislação previdenciária não poderia conceituar como de trabalho um acidente de trajeto em contradição com a própria legislação trabalhista, que após a Lei Reformista afastou esse percurso como sendo tempo à disposição do empregador.

Sendo assim, a MP 905 veio para trazer segurança jurídica e pacificação social diante das discussões que já se iniciavam em razão da existência de normas colidentes, já que a conceituação acidentária de um determinado acidente é capaz de gerar algumas consequência de ordem social e fiscal.

Como já existe norma do próprio CNPS afastando o efeito fiscal do acidente de trajeto, conforme vimos acima, com a revogação da MP 905 pelo Presidente da República, o trabalhador que vier a sofrer acidente durante o trajeto, portanto, voltará a ter garantidos alguns dos seus direitos sociais acidentários: I) estabilidade por 12 meses após a cessação do auxílio-doença decorrente de acidente de trajeto; e II) depósitos do FGTS durante o período de licença por acidente do trabalho, devido em decorrência da Lei 8.036/90.

Sendo assim, podemos dizer, neste cenário, que as alterações normativas conduziam para o entendimento de que o acidente de trajeto não deveria ser considerado como acidente de trabalho e a MP 905, em certa medida, pacificava essa questão ao revogar o dispositivo ultrapassado e colidente com novo entendimento. Estava, finalmente, afastada a necessidade de pensar a questão pelo prisma da hierarquia entre as normas. Com sua revogação, volta-se o debate e se faz ainda mais urgente a atuação legislativa para adequação do arcabouço jurídico.

2  Ônus da prova e a Covid-19
Já em relação ao artigo 29 da MP 927, que estabeleceu que os casos de contaminação pelo coronavírus não seriam considerados como equiparados a doenças ocupacionais, exceto quando comprovado o nexo de causalidade, traz luz a outro tipo de discussão: aquela que gira em torno a tecnicidade das decisões.

Durante a vigência do referido dispositivo, em outras palavras, haveria a necessidade de demonstração que a contaminação do empregado pela Covid-19 se deu em razão de alguma ação ou omissão do empregador durante o exercício das funções dos empregados.

Entrementes, após recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) nas ADIs em que se discute a constitucionalidade da MP 927 frente à pandemia de Covid-19, foi acolhida pelo plenário a suspensão da eficácia do artigo 29 e, com essa decisão, a demonstração de que a contaminação do empregado por Covid-19 não se trata de doença ocupacional passou, doravante, a ser ônus de prova, em tese, de parte do empregador. Contudo, propõe-se aqui que a solução da controvérsia passe pelo enfrentamento da legislação previdenciária.

Com efeito, o artigo 19 da Lei 8.213/91 define o acidente do trabalho como sendo aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Imputa-se à empresa, portanto, na forma da lei, a responsabilidade pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.

Já o artigo 20 do mesmo diploma legal equipara a acidente de trabalho: I) a doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo órgão ministerial; e II) a doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente. (g.n.)

Assim sendo, apenas em caso excepcional, nos exatos termos do § 2° do citado artigo 20, a Previdência Social deve considerar como acidente do trabalho a doença não incluída na relação oficial por ela elaborada. E, mais, necessário fazer constar que resultou a doença das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente.

O § 1° do artigo 20 da lei previdenciária, por sua vez, elenca taxativamente as causas que não devem ser consideradas ocupacionais, assim prevendo:

“§ 1º — Não são consideradas como doença do trabalho:

a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produza incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição”. (g.n.)

De outro norte, o artigo 21 da Lei 8.213/91 enquadra como acidente de trabalho a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade e, mais, o artigo 21-A atribui à perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a competência para caracterizar a natureza acidentária de incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico.

Fazendo a hermenêutica com os dispositivos acima citados, podemos concluir que, via de regra, a Covid-19 poderia ser tratada como doença do trabalho nos termos do artigo 20 da Lei 8.213/91, que exige a demonstração de que a ela foi adquirida em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente. Como regra geral, contudo, não há uma presunção iuris tantum de estabelecimento de nexo em razão de pandemia. Pelo contrário, existe uma exclusão legal prevista nos casos de doenças endêmicas.

Dito disso, em relação ao coronavírus e à pandemia da Covid-19, é correto afirmar o afastamento da presunção de que a doença não seja ocupacional, podendo, porém, o empregado acometido pela Covid-19, se houver prova nesse sentido, ser considerado como doente ocupacional, invertendo-se o ônus da prova.

Para tanto, seguem as definições de “surto”, “epidemia”, “pandemia” e “endemia”, todas elas extraídas do site do Núcleo do Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes, que é uma parceria entre a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e o Ministério da Saúde [1]:

Surto: Acontece quando há um aumento inesperado do número de casos de determinada doença em uma região específica. Em algumas cidades, a dengue, por exemplo, é tratada como um surto, e não como uma epidemia, pois acontece em regiões específicas (como um bairro).

Epidemia: Uma epidemia irá acontecer quando existir a ocorrência de surtos em várias regiões. A epidemia a nível municipal é aquela que ocorre quando diversos bairros apresentam certa doença; a nível estadual ocorre quando diversas cidades registram casos; e a nível nacional quando a doença ocorre em diferentes regiões do país. Exemplo: em fevereiro de 2020, 20 cidades tinham decretado epidemia de dengue.

Pandemia: A pandemia, em uma escala de gravidade, é o pior dos cenários. Ela acontece quando uma epidemia se estende a níveis mundiais, ou seja, se espalha por diversas regiões do planeta. Em 2009, a gripe A (ou gripe suína) passou de uma epidemia para uma pandemia quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) começou a registrar casos nos seis continentes. E, em 11 de março de 2020, a Covid-19 também passou de epidemia para uma pandemia.

Endemia: A endemia não está relacionada a uma questão quantitativa. É uma doença que se manifesta com frequência e somente em determinada região, de causa local. A febre amarela, por exemplo, é considerada uma doença endêmica da região norte do Brasil.

Neste atual contexto, sempre oportuno lembrar das lições do pensador e filósofo chinês Confúcio, falecido em 479 a.C., que deixou registrada em sua obra a importância do estudo do passado para fins de previsão dos acontecimentos futuros. Tal pensamento não poderia fazer mais sentido quase 2,5 mil anos depois de sua morte, afinal, enfrentamos hoje uma situação semelhante àquela que vivemos em 2009, na pandemia de H1N1.

Aliás, acerca da pandemia de H1N1, em decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, nos autos do processo RR-100800-30.2011.5.17.0009, ficou estabelecido o nexo de causalidade entre o H1N1 e as atividade de uma enfermeira empregada num determinado hospital de combate ao câncer. O voto do relator, ministro José Roberto Freire Pimenta, foi no sentido de que nas circunstâncias específicas do processo, em que a empregada era técnica de enfermagem e foi acometida por doença de fácil contaminação, o hospital, ao sustentar o afastamento do nexo de causalidade, atraiu para si o ônus de provar o contrário, e não o fez.

Naquele processo, inclusive, a reclamante sustentou que a ex-empregadora teria sido negligente quanto às medidas de segurança e de prevenção. Além disso, afirmou que o hospital não prestou a assistência necessária. E, ainda, invocou subsidiariamente a teoria do risco da atividade explorada pela reclamada para caracterizar a responsabilidade objetiva do empregador.

A defesa, ao contrário, foi no sentido de que não haveria responsabilização do empregador em situação de pandemia, tanto é verdade que, à época, mobilizou-se até mesmo o poder público no combate à propagação do vírus H1N1. Além do mais, sustentou o hospital a ausência de prova de que a trabalhadora tivesse contraído o vírus no ambiente de trabalho.

Entrementes, a decisão proferida pelo TRT, e confirmada pelo TST, definiu que a empresa explorava atividade de risco (agentes biológicos diversos) e que, por isso, deveria responder objetivamente pelo dano causado aos herdeiros da trabalhadora, que veio a falecer. Valeu-se, ainda, do disposto no artigo 2º da CLT, segundo o qual o empregador assume os riscos do negócio.

Em outras palavras, mesmo não havendo nos autos informação segura se o agente agressor (vírus H1N1) realmente adveio do ambiente insalubre em que trabalhava a enfermeira, também não havia como descartá-lo em razão do risco inerente à atividade exercida pelo hospital em relação à exposição de seus trabalhadores aos agentes biológicos. Logo, o hospital atraiu para si o ônus de prova pela exclusão do nexo causal em razão da aplicação da responsabilidade objetiva, cuja culpa patronal é presumida quando o empregado labora em atividade de risco.

Bem por isso, como aqui pensamos, comprovada a não observância das regras de segurança, por conduta negligente da empresa, colocando em risco a integridade física dos seus empregados, há nexo causal apto a imputar a responsabilidade empresa pela ocorrência da doença ocupacional. Contudo, se na particularidade do caso, por exemplo, ficar evidenciada a culpa exclusiva da vítima por ter contraído Covid-19, naturalmente rompe-se o nexo de causalidade, afastando o coronavírus como doença equiparada a acidente do trabalho.

Pelo exposto, em situação semelhante à que vivemos hoje, no passado, a visão era no sentido de que havia de ser demonstrado o nexo de causalidade para fins de aplicação da natureza acidentária à contaminação de empregado por doença pandêmica. Ressalva feita, porém, às situações em que determinada empresa exercesse algum tipo de atividade que, por sua própria natureza, pudesse se presumir a exposição do trabalhador ao vírus, como é o caso das atividades hospitalares em geral. Hipótese essa em que, excepcionalmente, inverter-se-ia o ônus probante em razão da teoria do risco.

Em arremate, conquanto o artigo 29 da MP 927 tenha sido suspenso por decisão Plenária do E. STF, entendemos que a visão da Justiça do Trabalho no passado (H1N1) deve ser aplicada no atual momento (Covid-19). Logo, deve-se exigir, regra geral, o nexo de causalidade, na forma do que dispõe a Lei 8.213/91, para fins de justificar o coronavírus como doença equiparada a acidente do trabalho. Pensamento em sentido contrário, em nossa visão, seria imputar prova impossível (negativa) às empresas que, na forma da lei, devem fazer provas de fatos positivos (v.g., tomadas de medidas preventivas no meio ambiente laboral). A presunção de culpa empresarial, porém, só deve ser admitida em casos de atividades de risco, e não essenciais reconhecidas atualmente pelas autoridades públicas, a exemplo dos profissionais de saúde que laborem em hospitais.

 é mestre em Direito pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, especialista nas Relações Trabalhistas e Sindicais, organizador do e-book digital “Coronavírus e os Impactos Trabalhista” (Editora JH Mizuno), palestrante e instrutor de eventos corporativos “in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe.

Maurício Pallotta é advogado atuante na área trabalhista individual e coletiva empresarial, sócio fundador do escritório Pallotta, Martins e Advogados e da STLaw, palestrante, instrutor in company, mestre em Direito do Trabalho e Seguridade Social pela Universidade de São Paulo e especialista em Direito Previdenciário Empresarial.

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Justiça nega pedido para decretação de lockdown em Pernambuco

Separação dos Poderes

Justiça nega pedido do MP para decretação de lockdown em Pernambuco

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Cabe ao Executivo, e não ao Judiciário, estabelecer medidas a serem adotadas no combate ao coronavírus. Com esse entendimento, a 1ª Vara da Fazenda Pública de Recife negou, nesta terça-feira (6/5), pedido do Ministério Público estadual para decretar bloqueio total das atividades (lockdown) em Pernambuco e na capital.

Justiça de Pernambuco entendeu que Executivo que deve adotar medidas de combate ao coronavírus
Reprodução

O MP argumentou que o estado e o município não vêm desenvolvendo ações capazes de reduzir a curva de contágio da Covid-19. Por isso, a promotoria pediu a ampliação das medidas de isolamento social.

Em sua decisão, o juiz Breno Duarte afirmou que o Judiciário não deve interferir em políticas públicas. A seu ver, cabe ao Executivo decidir, com base em dados científicos, que medidas tomar para conter a propagação do coronavírus.

De acordo com o julgador, uma decisão judicial que decretasse o lockdown afrontaria o princípio federativo e da separação dos poderes.

Clique aqui para ler a decisão

Processo 0021639-42.2020.8.17.2001

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico, 7 de maio de 2020, 14h19