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Pedro Schuch: Suspensão dos tributos na calamidade pública

O novo coronavírus trouxe, junto com a crise sanitária, a crise econômica. Com as medidas de isolamento, as demandas por mercadorias e serviços diminuíram de forma abrupta, o que, por consequência, afetou sobremaneira as receitas das empresas brasileiras.

Diante desse quadro, os contribuintes passaram a encarar uma situação delicada, na qual seria necessário conservar seu caixa para pagamento de suas obrigações, sobretudo as obrigações com seus colaboradores. Grande parte das empresas brasileiras, portanto, passou a encarar a necessidade de decidir entre pagar os tributos ou a folha de pagamento. Por isso, tornaram-se frequentes ações pleiteando a suspensão dos tributos durante este período.

O Ministério da Fazenda, em 2012, editou a Portaria nº 12/2012, a qual previu a possibilidade de suspensão dos tributos em caso de calamidade pública:

“Artigo 1º — As datas de vencimento de tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), devidos pelos sujeitos passivos domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, ficam prorrogadas para o último dia útil do 3º (terceiro) mês subsequente”. 

Com fulcro nesta determinação, os contribuintes foram ao Poder Judiciário solicitar a suspensão dos tributos federais.

Entretanto, ainda houve espaço para a apreciação de outros argumentos. Um dos pontos mais sensíveis nesta discussão toda diz respeito à “teoria do fato do príncipe”. Na prática, os contribuintes atribuíram aos decretos estatais de fechamento das atividades econômicas a qualidade de ato praticado pelo ente estatal que impede o cumprimento da obrigação tributária. Portanto, temos os entes estatais impedindo o funcionamento da atividade econômica e, ao mesmo tempo, cobrando os tributos dos contribuintes.

Por fim, foi invocada também a Constituição Federal para sustentar o pedido dos contribuintes. A Constituição Federal enumera em seu artigo primeiro que a República Federativa do Brasil, enquanto Estado de Direito, tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores do trabalho e da livre iniciativa:

“Artigo 1º — A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I a soberania;

II a cidadania;

III a dignidade da pessoa humana;

IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

V pluralismo político”.

No artigo 3º da CF/88, estão listados os objetivos fundamentais da República. Dois desse objetivos são erradicar a pobreza e garantir o desenvolvimento nacional.

“Artigo 3º — Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II garantir o desenvolvimento nacional;

III erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Com o amadurecimento das discussões sobre a suspensão de tributos, percebeu-se que o Poder Judiciário passou a ignorar a Portaria do Ministério da Fazenda nº 12/2012, com a alegação de que tal dispositivo infralegal necessita de lei que a regulamente, o que não aconteceu. 

Entretanto, em diversos casos o Judiciário vem se manifestando no sentido de preservar os mandamentos da Constituição Federal, concedendo a suspensão dos tributos quando o pagamento dos mesmos acarreta o atraso no pagamento de fornecedores e, sobretudo, o atraso no pagamento de obrigações trabalhistas, devendo a empresa fazer prova pré-constituída do alegado.

E assim entendeu o Tribunal Regional Federal da 2ª Região em julgamento do Agravo de Instrumento nº 5003596-11.2020.4.02.000/RJ:

“Com efeito, tal atuação deve se dar de forma excepcional, caso a caso, e mesmo assim quando ficar efetivamente demonstrado o abalo financeiro, com risco concreto à subsistência da empresa, à manutenção de empregos e à própria continuidade da prestação do serviço e/ou fornecimento de bens, devendo o interessado comprovar tratar-se de micro ou pequena empresa, que não está demitindo funcionários e que possui histórico de cumprimento dos deveres tributários, não sendo devedor contumaz do fisco, dentre outros elementos necessários a demonstrar a efetiva necessidade do pleito e que não ficaram evidenciados nos presentes autos”.

Portanto, a simples existência da portaria do Ministério da Fazenda que prevê a suspensão dos tributos em caso de decretação da calamidade pública não tem sido acolhida pelo Poder Judiciário como fundamento para a sua suspensão. Por outro lado, a comprovação de danos à atividade empresarial, de impossibilidade de pagamento de fornecedores e colaboradores tem sido motivo para a suspensão das cobranças.

 é advogado, coordenador de Consultoria Tributária do escritório Stürmer & Wulff Advogados, pós-graduado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e membro da rede internacional IR Global e da rede internacional GGI.

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CNJ já editou 25 normas para adequar atividades durante epidemia

As restrições impostas à Justiça até o momento pela pandemia da Covid-19 têm exigido do Conselho Nacional de Justiça atualizações frequentes das normas administrativas que regem o funcionamento dos tribunais. No último dia 7/5, por exemplo, o CNJ pôde flexibilizar a retomada da contagem dos prazos processuais nas localidades afetadas por medidas de confinamento total (lockdown).

CNJCNJ atualiza normas para enfrentar efeitos da epidemia de coronavírus no Judiciário

A medida resulta do monitoramento permanente do Comitê para o acompanhamento e supervisão das medidas de prevenção ao contágio pelo novo coronavírus, instituído pelo presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, em 16 de março, e coordenado pelo corregedor Nacional de Justiça, ministro Humberto Martins.

A Resolução CNJ 318 foi apenas um dos 25 atos administrativos editados pelo Conselho em função do enfrentamento à pandemia, conforme explicou o conselheiro André Godinho aos magistrados e especialistas que participaram do IV Encontro da Rede de Cooperação Jurídica, por videoconferência. Com a resolução, editada dois dias após o início do lockdown da região metropolitana de São Luís, a primeira medida dessa natureza decretada pela Justiça no país, o CNJ se antecipou à perspectiva de decretação de confinamento total em outras regiões.

Como a medida excepcional impede o livre acesso de magistrados, servidores da Justiça, membros do Ministério Público, defensores públicos, procuradores e advogados a locais de trabalho, como fóruns, gabinetes e escritórios de advocacia, o normativo do CNJ suspende novamente a contagem dos prazos processuais nas unidades da Federação onde a autoridade estadual competente decretar o confinamento máximo. A suspensão valerá enquanto durar o bloqueio.

Os prazos de todas as ações judiciais haviam sido suspensos no dia 19 de março, mas no último dia 4 maio, por determinação do Conselho, os processos que tramitam em meio virtual voltaram a ser contados normalmente. Dois dias após o início do confinamento total de São Luís, em 5 de maio, o CNJ aprovou nova resolução para determinar a suspensão dos prazos nas localidades  afetadas por essas restrições de deslocamento.

De acordo com o texto do normativo, pretende-se equilibrar “a natureza essencial da atividade jurisdicional e a necessidade de se assegurar condições mínimas para sua continuidade, compatibilizando-a com a preservação da saúde de magistrados, servidores, agentes públicos, advogados e usuários em geral”.

No balanço dos trabalhos do Comitê apresentado nesta quarta-feira (13/5), o conselheiro Godinho afirmou que, desde o início da pandemia, 242 processos administrativos envolvendo alguma questão relacionada à propagação da Covid-19 foram apresentados ao CNJ. São consultas em que os tribunais manifestam dificuldades de entendimento sobre os normativos, procedimentos de controle administrativo sobre trâmites relativos ao andamento dos processos, entre outros.

Um deles foi uma questão de ordem proposta pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, que obteve do Plenário do CNJ autorização para suspender os prazos de seus processos virtuais e físicos até o dia 31 de maio. A decisão atendeu ao contexto de agravamento da pandemia no estado fluminense. A suspensão da contagem dos prazos também pode ser concedida individualmente, de acordo com a Resolução CNJ 318, a tribunais que comprovarem que estão sob restrições de locomoção semelhantes às determinadas por um confinamento total, mesmo que a medida não tenha sido decretada formalmente.

A norma possibilita a mesma exceção a cortes que tenham jurisdição sobre mais de uma unidade da Federação. A jurisdição do Tribunal Regional da 1ª Região, por exemplo, se estende por 13 estados e o Distrito Federal.

Ouvidoria

O conselheiro André Godinho, que também é o Ouvidor do Conselho Nacional da Justiça, relatou que a pandemia também movimenta o setor responsável por receber demandas da população. “A Ouvidoria do CNJ registra 2.683 atendimentos realizados desde a reação do Judiciário à pandemia”, disse o conselheiro ouvidor. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.