Categorias
Notícias

Borges: As controvérsias dos julgamentos virtuais do Carf

A pandemia que nos assola e tornou inviável o deslocamento de pessoas, bem como a realização de reuniões presenciais, tem afetado sobremaneira os julgamentos de questões tributárias nos tribunais administrativos, não havendo qualquer previsão para o restabelecimento do cenário que até então conhecíamos.

Após um primeiro momento de paralisação total das atividades e suspensão de prazos processuais, os colegiados paritários das esferas federal, estadual e municipal têm, por meio de recursos tecnológicos e disposições regimentais, retomado suas atividades institucionais, o que é salutar e necessário para a continuidade da prestação judicante a eles incumbida.

Contudo, existe uma grande preocupação de que essas sessões realizadas de forma remota assegurem aos contribuintes a irrestrita preservação dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.

Já se pode constatar na prática que muitos órgãos de julgamento estaduais e municipais em suas sessões remotas têm, de fato, disponibilizado amplo acesso aos patronos das causas por meio de participações ao vivo, seja para promover sustentações orais, seja para prestar qualquer esclarecimento pertinente à causa durante os debates. Há, inclusive, o cuidado de gravar a íntegra das reuniões virtuais para acesso por qualquer interessado, assegurando, assim, a transparência e a publicidade indispensáveis a julgamentos públicos.

Contudo, justamente o Carf, órgão administrativo federal de julgamento objeto de calorosos debates nos últimos anos, por questões das mais variadas espécies, sendo a mais recente a relativa à extinção do afamado voto de qualidade, optou por seguir um caminho alternativo que não se encontra em linha com os princípios aqui destacados.

Com a publicação da Portaria 10.786/2020, por meio da qual se anunciou a retomada dos julgamentos das Turmas Ordinárias e da Câmara Superior em sessões virtuais por meio do sistema videoconferência, além de não realizar sua transmissão em tempo real, disponibilizando o acesso as gravações após cinco dias úteis, o órgão vedou a interação ao vivo dos patronos dos contribuintes com os julgadores, que podem, no máximo, enviar suas sustentações orais gravadas.

É certo que por esse ato apenas foram permitidos julgamentos de causas com valor inferior a R$ 1 milhão na data de indicação para a pauta, ou, independentemente de valor, quando versem sobre matéria objeto de resolução do Carf ou de decisões vinculantes do STJ e do STF, cabendo sempre ao contribuinte a faculdade de solicitar a retirada de pauta para julgamento em sessão presencial.

Ora, se colegiados estaduais e municipais com muito menos verba e estrutura têm admitido a presença em tempo real dos defendentes das causas, bem como a transmissão ao vivo das sessões de julgamento, prestigiando os princípios da oralidade, da ampla defesa e da transparência, por que um órgão que se já se encontra tão desgastado em face de problemas internos e até mesmo conceituais quanto à sua finalidade opta por criar novas controvérsias em sua atuação?

Essa nova deliberação só serve para acentuar a impressão há muito tida pelos operadores do Direito de que, ao invés da desejada harmonia e cooperação mútua para solução de conflitos tributários, as recentes gestões diretivas deste órgão têm se deixado contaminar pelo cenário de polarização e antagonismos observados nas demais searas do poder público, criando um ambiente inóspito aos contribuintes que intencionem a preservação de seus direitos.

Categorias
Notícias

Pedro Schuch: Suspensão dos tributos na calamidade pública

O novo coronavírus trouxe, junto com a crise sanitária, a crise econômica. Com as medidas de isolamento, as demandas por mercadorias e serviços diminuíram de forma abrupta, o que, por consequência, afetou sobremaneira as receitas das empresas brasileiras.

Diante desse quadro, os contribuintes passaram a encarar uma situação delicada, na qual seria necessário conservar seu caixa para pagamento de suas obrigações, sobretudo as obrigações com seus colaboradores. Grande parte das empresas brasileiras, portanto, passou a encarar a necessidade de decidir entre pagar os tributos ou a folha de pagamento. Por isso, tornaram-se frequentes ações pleiteando a suspensão dos tributos durante este período.

O Ministério da Fazenda, em 2012, editou a Portaria nº 12/2012, a qual previu a possibilidade de suspensão dos tributos em caso de calamidade pública:

“Artigo 1º — As datas de vencimento de tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), devidos pelos sujeitos passivos domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, ficam prorrogadas para o último dia útil do 3º (terceiro) mês subsequente”. 

Com fulcro nesta determinação, os contribuintes foram ao Poder Judiciário solicitar a suspensão dos tributos federais.

Entretanto, ainda houve espaço para a apreciação de outros argumentos. Um dos pontos mais sensíveis nesta discussão toda diz respeito à “teoria do fato do príncipe”. Na prática, os contribuintes atribuíram aos decretos estatais de fechamento das atividades econômicas a qualidade de ato praticado pelo ente estatal que impede o cumprimento da obrigação tributária. Portanto, temos os entes estatais impedindo o funcionamento da atividade econômica e, ao mesmo tempo, cobrando os tributos dos contribuintes.

Por fim, foi invocada também a Constituição Federal para sustentar o pedido dos contribuintes. A Constituição Federal enumera em seu artigo primeiro que a República Federativa do Brasil, enquanto Estado de Direito, tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores do trabalho e da livre iniciativa:

“Artigo 1º — A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I a soberania;

II a cidadania;

III a dignidade da pessoa humana;

IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

V pluralismo político”.

No artigo 3º da CF/88, estão listados os objetivos fundamentais da República. Dois desse objetivos são erradicar a pobreza e garantir o desenvolvimento nacional.

“Artigo 3º — Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II garantir o desenvolvimento nacional;

III erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Com o amadurecimento das discussões sobre a suspensão de tributos, percebeu-se que o Poder Judiciário passou a ignorar a Portaria do Ministério da Fazenda nº 12/2012, com a alegação de que tal dispositivo infralegal necessita de lei que a regulamente, o que não aconteceu. 

Entretanto, em diversos casos o Judiciário vem se manifestando no sentido de preservar os mandamentos da Constituição Federal, concedendo a suspensão dos tributos quando o pagamento dos mesmos acarreta o atraso no pagamento de fornecedores e, sobretudo, o atraso no pagamento de obrigações trabalhistas, devendo a empresa fazer prova pré-constituída do alegado.

E assim entendeu o Tribunal Regional Federal da 2ª Região em julgamento do Agravo de Instrumento nº 5003596-11.2020.4.02.000/RJ:

“Com efeito, tal atuação deve se dar de forma excepcional, caso a caso, e mesmo assim quando ficar efetivamente demonstrado o abalo financeiro, com risco concreto à subsistência da empresa, à manutenção de empregos e à própria continuidade da prestação do serviço e/ou fornecimento de bens, devendo o interessado comprovar tratar-se de micro ou pequena empresa, que não está demitindo funcionários e que possui histórico de cumprimento dos deveres tributários, não sendo devedor contumaz do fisco, dentre outros elementos necessários a demonstrar a efetiva necessidade do pleito e que não ficaram evidenciados nos presentes autos”.

Portanto, a simples existência da portaria do Ministério da Fazenda que prevê a suspensão dos tributos em caso de decretação da calamidade pública não tem sido acolhida pelo Poder Judiciário como fundamento para a sua suspensão. Por outro lado, a comprovação de danos à atividade empresarial, de impossibilidade de pagamento de fornecedores e colaboradores tem sido motivo para a suspensão das cobranças.

 é advogado, coordenador de Consultoria Tributária do escritório Stürmer & Wulff Advogados, pós-graduado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e membro da rede internacional IR Global e da rede internacional GGI.