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Reintegração de área ocupada por indígenas no RS é suspensa

Indígenas estão no parque desde 2016, após terem sido expulsos de outras áreas
Ricardo Stuckert

A reintegração da posse de área do Parque Municipal João Alberto Xavier — no município de Carazinho (RS) —, ocupada por indígenas da etnia Kaingang, foi suspensa pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região havia acolhido o pedido do município, em sede de liminar, para que a área fosse reintegrada no prazo de 30 dias corridos, sob pena de desocupação forçada.

No pedido de Suspensão de Liminar (SL) 1.216, o Ministério Público Federal (MPF) apontava risco de grave lesão à ordem e à segurança públicas, caso a determinação do TRF-4 fosse executada. Destacou que o grupo de indígenas da etnia Kaingang, que reside na área desde 2016, é formado por 183 pessoas, entre eles idosos, gestantes e crianças.

Segundo o MPF, há uma situação de extrema vulnerabilidade social, em razão do grupo não dispor de local para habitação. Esse contexto levou os indígenas, após sucessivos deslocamentos resultantes de ordens de desocupação proferidas em ações de reintegração de posse anteriores, a se abrigarem, provisoriamente, no Parque Municipal João Alberto Xavier da Cruz, até que sobrevenha a conclusão do processo de identificação e delimitação de território no Município de Carazinho.

O MPF também defendeu que a decisão do TRF-4 não contribui para a composição do litígio e agrava a situação, pois os Kaingang procurarão outra área para ocupar. Desse modo, a suspensão da decisão amenizaria os efeitos do conflito até a solução definitiva para alocação dos indígenas, que somente acontecerá com o encerramento do processo judicial de demarcação.

De acordo com o ministro Dias Toffoli, o risco de dano à integridade dos indígenas é patente, pois a medida de reintegração é imediata e não foram estabelecidos critérios mínimos para assegurar a realocação dos grupos Kaingang com segurança, dignidade e respeito à cultura indígena.

“Independentemente de o Poder Público ser ou não o causador da mora para a conclusão do processo demarcatório ou da observância das normas ambientais pelos indígenas, a reintegração liminar de posse não pode acontecer a qualquer custo, mormente sem ponderar as peculiaridades dos indivíduos envolvidos (idosos, gestantes e crianças)”, destacou.

Para Toffoli, caso cumprida a ordem, haverá risco de grave lesão não só à ordem e à segurança públicas, como também a interesse superior legalmente protegido: o direito dos indígenas à terra e à garantia de sua sobrevivência física e cultural. “Há que se considerar que a proteção social, antropológica, econômica e cultural conferida aos índios pela Constituição Federal, preconizada em seu artigo 231, tem como tema central em debate e pressuposto fundamental para sua aplicação a garantia à terra e o vínculo estabelecido entre essa e as comunidades indígenas”, concluiu. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

Clique aqui para ler a decisão

SL 1.216 (RS)

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Leonardo Carvalho: Riscos trabalhistas na volta das atividades

Com base nos preceitos legais da Constituição Federal do Brasil, do Código Civil e da CLT, temos que o empregador responde por danos que causar aos seus trabalhadores e a terceiros, os quais podem ser classificados como decorrentes de responsabilidade objetiva ou responsabilidade subjetiva.

Diferencia-se a responsabilidade subjetiva da responsabilidade objetiva em razão de que esta última dispensa a demonstração de culpa pelo causador do dano. Em outras palavras, na responsabilidade objetiva, se foi comprovado o dano e o nexo entre a conduta e o acometimento da Covid-19, pouco importa se houve culpa exclusiva do trabalhador, culpa concorrente ou culpa exclusiva da empresa para a configuração de sua responsabilidade civil. Essa discussão inclusive já foi pacificada pelo Superior Tribunal Federal por meio do Tema 932.

Portanto, indaga-se: ocorrendo o acometimento da Covid-19 pelos empregados que estejam laborando no estabelecimento, quais são as implicações trabalhistas?

Após a declaração de pandemia pelo Decreto Legislativo nº 6 de 20 de março de 2020, diversas normas jurídicas foram publicadas, entre elas a Medida Provisória 927/2020. Ela dispôs em seu artigo 29 que não se consideram como doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores pela Covid-19.

Ao se caracterizar como doença ocupacional equiparada a acidente de trabalho, o empregado, quando afastado por mais de 15 dias pela Previdência Social, adquire estabilidade de 12 meses e, na hipótese de permanecer com alguma sequela ou vir à óbito, poderá ensejar responsabilidade civil do empregador.

Através de inúmeras ações de inconstitucionalidade ajuizadas no STF, o plenário suspendeu a eficácia do artigo 29 da MP 927/2020. Portanto, prevalecem os preceitos legais anteriores à MP 927/2020.

Dito isso, caso um empregado que labore em uma empresa cuja natureza da atividade implica na exposição ao risco de contrair a Covid-19, isto é, responsabilidade objetiva, como ocorre com empregados de hospitais, presume-se que houve doença ocupacional decorrente de acidente de trabalho, caso demonstrado apenas o nexo causal.

Em atividades cuja responsabilidade é subjetiva, permanece a necessidade de demonstrar, além do nexo causal, se houve ou não culpabilidade.

Diante do que foi mencionado, vejamos sugestões de práticas a serem adotadas para mitigar os riscos de caracterização de doença ocupacional, equiparada a acidente de trabalho, sob o argumento de que inexistiu nexo causal, culpa exclusiva do empregador ou culpa concorrente: I) documentar por meio de políticas, comunicados ou memorandos, todos os processos adotados pelo empregador, com ampla divulgação no ambiente laboral; II) treinar os empregados sobre as medidas adotadas, com registro de presença na participação do treinamento; III) revezar o teletrabalho entre equipes, para que nem todas as equipes permaneçam juntas no local de trabalho; IV) instalar proteções e reposicionar os empregados em linhas de produção, ambiente de vendas, balcões, posto de atendimento; V) remanejar filas, salas de espera, recepção, entre outras hipóteses que possam resultar em agrupamento de pessoas; VI) estimular o uso de videoconferências, em contraponto às reuniões presenciais; VII) distribuir os novos equipamentos de proteção individual e coletiva, como pontos de utilização do álcool em gel, máscaras faciais como parte do uniforme, proteção para os pés e produtos para a higiene de equipamentos do dia a dia; VIII) divulgar regulamentos para o uso das áreas comuns como copa, lounge, salas de reuniões, provadores, banheiros e elevadores; IX) acelerar processos de automação face o momento de maior aceitação pelos clientes; X) criar protocolos de higienização de insumos e produtos manuseados pelos empregados; XI) agendar atendimento aos clientes e segmentar, na medida do possível, grupos de risco; e XII) medir temperatura dos trabalhadores para orientar o afastamento.

Caberá principalmente ao empregador evitar a demonstração de culpa exclusiva ou concorrente. Caso inexista exame laboratorial, a demonstração do dano é fragilizada, podendo-se caracterizar por inúmeras doenças similares, reforçando tese de defesa. No mesmo sentido, fica prejudicada a configuração de nexo causal daqueles que não estão comparecendo ao local de trabalho.

Por fim, adotadas as referidas medidas, face ao cenário atual de contaminação comunitária, haverá robusta documentação para eximir o empregador de culpa ou mesmo nexo causal, vez que se demonstraria terem sido adotadas as medidas preventivas. Embora não tenhamos posicionamento jurisprudencial sobre casos concretos, as medidas preventivas serão fundamentais para a mitigação dos riscos de configuração de doença ocupacional, equiparada a acidente de trabalho, com a consequente responsabilização civil no caso de óbito ou sequelas pelo empregado.

Leonardo da Costa Carvalho é sócio das áreas trabalhista e previdenciária do escritório BVA Advogados.

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Jenifer dos Anjos: A deterioração dos direitos trabalhistas

“O curso da história mostra que quando o governo cresce, a liberdade diminui”

Thomas Jefferson

Estamos enfrentando uma pandemia, momento delicado em relação à vida da população e também à tentativa de que a economia do país sobreviva a essa crise. Compreende-se que várias medidas deverão ser adotadas para que os empregos sejam mantidos, famílias continuem com seu sustento e a crise financeira não se agrave. Porém, faz-se necessário “abrirmos os olhos” em relação às medidas provisórias em vigor que tratam de direitos trabalhistas, em especial a MP 927/20 e como as mudanças na legislação têm deteriorado os Direitos Trabalhistas.

O intuito desse artigo é refletir sobre a flexibilização referente à compensação de horas laborais e como isso poderá afetar a vida dos trabalhadores, em especial aqueles sem conhecimento de seus direitos, visto que vivemos em um país de dimensão continental, não sendo as mesmas condições encontradas pelos empregados e empregadores de um extremo ao outro do país.

Bezerra Leite [1] (2017) diz que o banco de horas é um neologismo utilizado para denominar um novo instituto de “flexibilização” da jornada de trabalho, que permite a compensação do excesso de horas trabalhadas em um dia com a correspondente diminuição em outro dia, sem o pagamento de horas extras.

A Constituição Federal no seu artigo 7°, inciso XIII, prevê a “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.

O texto constitucional esta claro em relação à compensação de horário, deverá ter a participação do sindicato, seja por acordo coletivo ou convenção coletiva. Destaca-se ainda que o inciso XXVI do mesmo artigo menciona o “reconhecimento das convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho”. Constar em nossa Carta Magna demonstra ser inquestionável a importância dessas duas ferramentas em prol da proteção e da defesa dos direitos dos empregados.

A CLT, por meio do artigo 59, caput e §§ 2°, 5° e 6°, após a reforma trabalhista, flexibilizou ainda mais a utilização do banco de horas.

O caput do artigo 59 expressa que a duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo. Já podemos observar a inclusão do acordo individual, retirando a exclusividade da atuação do sindicato nessa questão.

O §2° dispensa o pagamento das horas extraordinárias se por força de acordo coletivo ou convenção coletiva o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, a soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.

O §5° vai além, estipula ser válido o banco de horas de que trata o § 2° do artigo 59 se houver acordo entre empregado e empregador, apenas exigindo que seja formalizado por escrito e as horas sejam compensadas no prazo máximo de seis meses.

O §6° estabelece ser lícito o regime de compensação de jornada por acordo individual, tácito ou escrito para a compensação no mesmo mês. Em outras palavras, não se faz necessário constar em documento escrito, para esse tipo de compensação ser válida, devido à utilização da palavra “tácito” nesse parágrafo.

Com a publicação da Medida Provisória 927, de 22 de março de 2020, o banco de horas passou a ser regrado conforme o seguinte texto:

“Artigo 14   Durante o estado de calamidade pública a que se refere o artigo 1º, ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até 18 meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

§ 1º  A compensação de tempo para recuperação do período interrompido poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder dez horas diárias.

§ 2º  A compensação do saldo de horas poderá ser determinada pelo empregador independentemente de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo (grifo da autora)

 Cessare Beccaria [2] em 1764 já dizia que “em toda a sociedade humana, há um esforço tendendo continuamente a conferir a uma parte o auge do poder e da felicidade e a reduzir a outra à extrema fraqueza e miséria”.

Utilizamos as palavras de Beccaria para demonstrar que a cada alteração da legislação a situação do empregado foi deteriorada, fragilizada, estando o seu tempo cada vez mais a mercê do empregador e afastando a proteção dos seus pares, na figura do sindicato. 

Ao dispensar a negociação coletiva, sendo ela convenção ou acordo, exacerba ainda mais o afastamento às normas constitucionais e a exposição do lado mais vulnerável, o empregado, visto que se sente intimidado a aceitar o “acordo” com medo de perder o emprego e muitas vezes esse medo é utilizado intencionalmente como ferramenta para obter a concordância, isso nos casos em que a validade da alteração somente seria realizada com a aceitação do empregado, não sendo essa a disposição do §2º do artigo 14 da MP 927/20.

Conceder tanto poder ao empregador para dispor de como será utilizado o tempo do seu empregado, excedendo o que já lhe é permitido e ainda com lapso temporal de 18 meses, é submeter o empregado a um ano em meio sem o recebimento de horas extras, visto que muitos empregadores utilizarão essa ferramenta apenas para aumento de sua lucratividade e de modo legal esquivar-se do pagamento das horas extraordinárias e o acréscimo constitucional (artigo 7°, inciso XVI).

O empregado tem o direito de receber pecuniariamente as horas extraordinárias laboradas, acrescidas do adicional de no mínimo 50%. Já na utilização do banco de horas, as horas ficam “elas por elas”, não há acréscimo, sendo o elo da corrente mais uma vez prejudicado.

O receio de que os direitos trabalhistas sofram mutação pós MP 927 é latente, não podemos duvidar de que essa flexibilização possa querer perpetuar e se estenda de maneira sutil e silenciosa, a ponto de ter mais uma vez a legislação trabalhista se distanciado do que prescreve a Constituição Federal, a ponto de que a deturpação chegou a um estágio que algumas pessoas possam cogitar a possibilidade da retirada o artigo sétimo da Constituição Federal, tamanha disparidade em relação ao que é preceituado e o que realmente é praticado.

“Se o poder de interpretar as leis for um mal, a obscuridade neles deve ser outra, pois o primeiro é consequência do segundo. O mal será ainda maior se as leis escritas em uma linguagem desconhecida pelo povo que, ignorante das consequências de suas ações, torna-se necessariamente dependente de uns poucos, que são intérpretes das leis, em vez de serem públicas e gerais, tornam-se privadas e particulares. (…) Sem leis escritas, nenhuma sociedade jamais terá uma forma fixa de governo, no qual o poder é investido como um todo e não parcialmente e onde as leis não sejam alteradas senão pela vontade da maioria nem corrompida pela força de interesses privados. A experiência e a razão nos mostram que a probabilidade e a certeza das tradições humanas diminuem à medida que se distanciam de suas fontes”(BECCARIA, 2012, p. 20)

 


[2] BECCARIA, Cessare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Hunter Books, 2012, p. 9

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Opinião: A MP 936 e sua aplicabilidade no âmbito da OAB

1. A Medida Provisória 936/2020 e os excluídos do Programa de Preservação do Emprego e da Renda

Diante do avanço da pandemia de Covid-19, visando à adoção de medidas maximizadoras das formas de proteção do emprego para enfrentamento desse mal, o Governo Federal publicou, em 2/4/20, a Medida Provisória 936/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que tem como objetivos primordiais: a) a preservação do emprego e renda; b) a garantia da continuidade das atividades laborais e empresariais; e c) a redução do impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.

Como medidas do programa foram previstas a redução de jornada de trabalho, com proporcional redução de salários, com duração limitada a 90 (noventa) dias, e a suspensão temporária do contrato de trabalho, com prazo limite de 60 (sessenta) dias. A participação do Governo foi definida a partir da criação do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEPER), que terá incidência nas hipóteses em que o empregador, visando à proteção dos postos de trabalho, adotar uma dessas medidas contempladas na MP 936/2020.

O subsídio do governo para custeio do programa será destinado ao empregado, em prestações mensais, a partir da data do início da redução da jornada de trabalho e, proporcionalmente, da redução de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho, necessitando, para tanto, que empregador e empregado firmem acordo individual ou coletivo, conforme o caso, devendo, no prazo de dez dias, contado da celebração desse instrumento, informar ao Ministério da Economia da adesão ao programa, com o que o Governo terá o prazo de trinta dias para pagamento da primeira parcela.

A MP, no entanto, excluiu do programa os empregados, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em órgãos da administração pública direta e indireta, de empresas públicas e de sociedades de economia mista, inclusive às suas subsidiárias, e de organismos internacionais.

Além desses, foram também excluídos os ocupantes de cargo ou emprego público, cargo em comissão de livre nomeação e exoneração ou titular de mandato eletivo; ou em gozo de benefício de prestação continuada do Regime Geral de Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social, ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 124 da Lei nº 8.213/1991 (direito adquirido); do seguro-desemprego, em qualquer de suas modalidades; e da bolsa de qualificação profissional de que trata o artigo 2º-A da Lei n° 7.998/1990.

Considerando as reconhecidas peculiaridades das atividades exercidas pela Ordem dos Advogados do Brasil, as quais serviram para lhe conferir tratamento diferenciado no tocante à sua personalidade jurídica, importa-nos avaliar o alcance da exclusão em destaque no que atine a essa entidade, cujas funções não se limitam à representação de uma classe profissional.

2. O julgamento da ADI 3.026/DF
No julgamento da ADI 3.026/DF, ao examinar a constitucionalidade do artigo 79, § 1º, da Lei 8.906/94, o Supremo Tribunal Federal afastou a natureza autárquica da Ordem dos Advogados do Brasil, atribuindo-lhe a qualidade de prestadora de serviço público independente, categoria singular no rol das personalidades jurídicas elencadas no ordenamento jurídico pátrio. Nessa medida, pode-se afirmar que a natureza jurídica da OAB é própria, singular ou, para se utilizar uma expressão muito comum na doutrina, em situações desse jaez, esta entidade possui natureza sui generis.

A decisão em referência teve por relator o, então, Ministro Eros Grau e foi plasmada nos pressupostos de que (i) a OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União; (ii) A OAB não está incluída na categoria de “autarquias especiais”, hoje chamadas “agências”; (iii) a OAB não está sujeita ao controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada; (iv) a OAB não possui relação ou dependência com qualquer órgão público; e (v) a OAB não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional, por possuir finalidade institucional[1].

Vale lembrar que o julgamento da ADI 3.026/DF seguiu em compasso com a decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União na AC 1.765/2003[2], amparada em decisão anterior proferida pelo extinto Tribunal Federal de Recursos, de 1951[3], a partir do que se entendeu que o Conselho Federal e os Conselhos Seccionais da OAB estão desobrigados à prestação de contas perante o TCU[4].

Nos autos da ADI 3.026/DF também foi consignado parecer da lavra de Ives Gandra da Silva Martins, no qual assentara a ausência de natureza tributária das contribuições destinadas à OAB, não se inserindo na regra constitucional do artigo 149, ressaltando a posição diferenciada que a OAB mantém dentro do Sistema Constitucional (artigo 133 da CRFB/88), além de, em razão de sua autonomia e função, não ser um instrumento de atuação da União.

Em recente julgado, ao analisar o Mandado de Segurança 36.376, impetrado pelo Conselho Federal da OAB contra acórdão do TCU que, no julgamento de processo administrativo, entendeu que a entidade deveria prestar-lhe contas, o Supremo Tribunal Federal, em decisão da lavra da Ministra Rosa Weber, deferiu liminar para suspender os efeitos da decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), por entender que determinação da Corte de Contas contraria “linhas basilares de entendimento jurisprudencial” consolidado no âmbito do STF.

Nesse sentido, inquestionável que o entendimento jurisprudencial consolidado segue a linha de que a Ordem dos Advogados do Brasil possui personalidade jurídica singular, não integrando a Administração Pública.

3. As medidas previstas na MP 936/2020 e sua incidência na OAB
Na linha dos argumentos acima expendidos, a menos que a Medida Provisória tivesse feito essa expressa menção ao indicar os excluídos do programa ali implementado, tal exclusão não alcança a Ordem dos Advogados do Brasil.

Observe que a exclusão que nos interessa tocar para a análise da especial situação da OAB, alcançou os órgãos da administração pública direta e indireta. Sendo certo que a OAB, como acima vastamente explicitado, não integra tal estrutura, a ela não se aplica a regra excludente em referência.

Nesse passo, desde que a adoção das medidas implementadas pela MP n. 936/2020, de redução de jornada, com proporcional redução de salário, ou suspensão temporária dos contratos de trabalho tenham por escopo o alcance dos objetivos implementados pelo Programa ali criado, quais sejam: a) a preservação do emprego e da renda; b) a garantia da continuidade das atividades laborais e patronais; e c) a redução do impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública, tais medidas mostram-se passíveis de implementação no âmbito das seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, bem assim da OAB Nacional.

Esclareça-se, todavia, que essas medidas estão atreladas a razões de ordem econômica a lhes respaldar, de maneira que é pressuposto para a sua devida implantação, que tem por elemento basilar a boa-fé nas relações contratuais, eventual crise financeira a impactar os cofres das entidades.

No caso da OAB e suas seccionais, que sobrevivem, basicamente, das contribuições dos advogados, o impacto orçamentário, em uma circunstância como essa, é inequívoco, seja pelos investimentos em tecnologia que a situação de pandemia lhes impõe, seja pela fragilidade financeira que a suspensão das atividades do Judiciário está a impor aos advogados, impactando, por conseguinte, em suas reservas financeiras e no aumento da inadimplência das anuidades.

Cyntia Possídio é advogada, sócia de Castro Oliveira Advogados, mestra em Direito pela UFBA, Conselheira Seccional da OAB-BA.