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OAB-SC cria central para dar suporte a advogados trabalhistas

A OAB-SC criou um mecanismo para ajudar os advogados a receber informações sobre os indeferimentos de adiamento de audiências de instrução virtuais no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. A Central de Apoio à Advocacia Trabalhista vai dar suporte aos profissionais do Direito que estão enfrentando dificuldades para realizar seu trabalho durante a epidemia da Covid-19.

O presidente da OAB-SC, Rafael Horn, pretende ajudar os advogados do Estado
Divulgação/OAB-SC

Um grande número de advogados em Santa Catarina tem tido problemas com as audiências virtuais porque é comum que o jurisdicionado, a testemunha ou os procuradores das partes tenham dificuldades de acesso à internet, ou mesmo não disponham do equipamento necessário para isso. Por essa razão, o presidente da OAB-SC, Rafael Horn, deseja que seja criada uma norma nacional para regulamentar esse assunto.

“Somos favoráveis à implementação de um protocolo nacional de segurança sanitária e de tecnologia da informação para a realização de atos virtuais, que estabeleça regras e orientações objetivas a serem observadas para sua realização e respeite o devido processo legal, a segurança jurídica e as prerrogativas da advocacia. Enquanto não houver protocolo, não há como obrigar a advocacia e o jurisdicionado a participar das audiências de instrução virtuais”, argumentou Horn.

A OAB catarinense reivindica que a retomada das audiências virtuais de instrução que demandem oitiva de partes e testemunhas seja facultativa, garantindo a realização apenas quando houver concordância dos jurisdicionados. A entidade argumenta que a Resolução 322/2020 do Conselho Nacional de Justiça, editada na segunda-feira (1º/6), prevê a possibilidade de audiências mistas para preservar a segurança sanitária e da prova.

O presidente da OAB-SC participou de uma reunião virtual com juízes do Estado para tentar obter um consenso sobre as audiências trabalhistas virtuais.

“Buscamos sensibilizar a magistratura trabalhista sobre o que traz angústia para a advocacia. Infelizmente, a tecnologia ainda não está disponível a todos os advogados, partes e testemunhas”, disse Horn. “A magistratura está aberta ao diálogo, contando com espírito de cooperação e ética acima de tudo para que fique agradável para todos”, afirmou a juíza trabalhista Maria Beatriz Vieira da Silva Gubert.

Nesta semana também foi criado o Comitê Interinstitucional de Suporte à Advocacia Trabalhista na Pandemia Covid-19, grupo que reúne representantes de diversos segmentos do Direito trabalhista para fazer a gestão dos casos e dar orientação aos profissionais sobre como proceder na Justiça do Trabalho. Com informações da assessoria de imprensa da OAB-SC.

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Mayara Mariano: Medidas tributárias decorrentes da Covid-19

Em virtude da pandemia da Covid-19, o Brasil vem enfrentando séria crise desde o mês de março, em diversos setores, mas principalmente nos econômico e sanitário. Desta forma, para equalizar as proporções e reflexos provenientes deste grave cenário, o governo federal, através de medidas de enfrentamento, tenta buscar soluções paliativas para minimizar os impactos financeiros.

As empresas são as que mais estão sentindo os impactos advindos da crise. Muitas delas, as que não são classificadas como essenciais, estão sem funcionamento há mais de 60 dias, sem gerar receita, o que preocupa a economia do país. Mediante isso, medidas tributárias passaram a ser adotadas para auxiliar os contribuintes no enfrentamento da crise, a seguir seguem algumas ações já implantadas:

1) Suspensão de novos protestos das certidões de dívida ativa no Estado de São Paulo

Através da Portaria SUBG/CTF-2, publicada em 20 de março, a Procuradoria Geral do Estado suspendeu por 90 dias todos os novos protestos de certidões de dívida ativa no Estado de São Paulo;

2) Prorrogação do pagamento dos tributos do Simples Nacional

Foi prorrogado por seis meses os pagamento dos tributos em âmbito do Simples Nacional através do Comitê Gestor do Simples Nacional. No entanto, os impostos estaduais e municipais, tais como ICMS e ISS, serão prorrogados por três meses. Foi prorrogado também o prazo para a entrega das declarações DEFIS e DAS-Simei para 30 de junho;

3) Prorrogação da validade das certidões negativas e positivas com efeito de negativa

A validade das certidões negativas e dos débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União (CND) e certidões positivas com efeitos de negativa de Débitos Relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União (CPEND) foi prorrogada por 90 dias em 24 de março;

4) Programa emergencial de manutenção do emprego e da renda — MP 936/2020

Possibilidade de suspensão ou redução do contrato de trabalho entre empregador e empregado, possibilitando que durante este período o empregador possa reduzir a carga horária e salário do funcionário ou suspender o contrato de trabalho, preservando o recebimento do seguro desemprego aos empregados CLT;

5) Recolhimento das contribuições Pis, Pasep e Cofins

Foi prorrogado o vencimento da Contribuição Previdenciária Patronal, do PIS e da Cofins relativo às competências de março e abril para o prazo de vencimento dos mesmos tributos devidos nas competências de julho e setembro, respectivamente, nos termos da Portaria nº 139/2020;

6) Transação Extraordinária

De acordo com a portaria Nº 9.924/2020, a medida possibilitou condições para transação extraordinária na cobrança da dívida ativa da União, em virtude dos efeitos da pandemia causados pela Covid-19. Referida transação possibilita o parcelamento do devedor em até cem parcelas, obedecidos os critérios individuais de cada devedor;

7) Imposto de Renda

Foi prorrogado o prazo para realização da entrega da Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física, que se encerraria na data do dia 30 de abril, para 30 de junho;

8) Adiamento e parcelamento do FGTS dos trabalhadores

Foi adiado o pagamento parcelado do depósito do FGTS dos trabalhadores, que poderá ser feito a partir de julho, em seis parcelas fixas;

9) Redução do IOF sobre operações de crédito

O governo reduziu a zero por 90 dias a cobrança do IOF sobre as operações de crédito. O benefício vale para operações contratadas entre 3 de abril e 3 de julho;

10) Redução de IPI de produtos médico-hospitalares

O governo zerou até 30 de setembro as alíquotas de IPI sobre artigos de laboratório e farmácia, luvas, máscaras e produtos utilizados na prevenção da Covid-19.

Assim, de forma a superar os desafios causados pela pandemia, o governo vêm concedendo progressivamente auxílios que visam a auxiliar os contribuintes a enfrentar a crise, através da manutenção do emprego, da geração de renda e do equilíbrio econômico.

Portanto, é muito importante que as empresas e contribuintes estejam bem orientados sobre os caminhos que podem percorrer, de modo a manter mesmo durante a crise alternativas que podem contribuir para salvaguardar seus negócios.

 é advogada especialista em Direito Tributário e sócia do escritório Mariano Santana Advogados.

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Jenifer dos Anjos: A deterioração dos direitos trabalhistas

“O curso da história mostra que quando o governo cresce, a liberdade diminui”

Thomas Jefferson

Estamos enfrentando uma pandemia, momento delicado em relação à vida da população e também à tentativa de que a economia do país sobreviva a essa crise. Compreende-se que várias medidas deverão ser adotadas para que os empregos sejam mantidos, famílias continuem com seu sustento e a crise financeira não se agrave. Porém, faz-se necessário “abrirmos os olhos” em relação às medidas provisórias em vigor que tratam de direitos trabalhistas, em especial a MP 927/20 e como as mudanças na legislação têm deteriorado os Direitos Trabalhistas.

O intuito desse artigo é refletir sobre a flexibilização referente à compensação de horas laborais e como isso poderá afetar a vida dos trabalhadores, em especial aqueles sem conhecimento de seus direitos, visto que vivemos em um país de dimensão continental, não sendo as mesmas condições encontradas pelos empregados e empregadores de um extremo ao outro do país.

Bezerra Leite [1] (2017) diz que o banco de horas é um neologismo utilizado para denominar um novo instituto de “flexibilização” da jornada de trabalho, que permite a compensação do excesso de horas trabalhadas em um dia com a correspondente diminuição em outro dia, sem o pagamento de horas extras.

A Constituição Federal no seu artigo 7°, inciso XIII, prevê a “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.

O texto constitucional esta claro em relação à compensação de horário, deverá ter a participação do sindicato, seja por acordo coletivo ou convenção coletiva. Destaca-se ainda que o inciso XXVI do mesmo artigo menciona o “reconhecimento das convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho”. Constar em nossa Carta Magna demonstra ser inquestionável a importância dessas duas ferramentas em prol da proteção e da defesa dos direitos dos empregados.

A CLT, por meio do artigo 59, caput e §§ 2°, 5° e 6°, após a reforma trabalhista, flexibilizou ainda mais a utilização do banco de horas.

O caput do artigo 59 expressa que a duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo. Já podemos observar a inclusão do acordo individual, retirando a exclusividade da atuação do sindicato nessa questão.

O §2° dispensa o pagamento das horas extraordinárias se por força de acordo coletivo ou convenção coletiva o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, a soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.

O §5° vai além, estipula ser válido o banco de horas de que trata o § 2° do artigo 59 se houver acordo entre empregado e empregador, apenas exigindo que seja formalizado por escrito e as horas sejam compensadas no prazo máximo de seis meses.

O §6° estabelece ser lícito o regime de compensação de jornada por acordo individual, tácito ou escrito para a compensação no mesmo mês. Em outras palavras, não se faz necessário constar em documento escrito, para esse tipo de compensação ser válida, devido à utilização da palavra “tácito” nesse parágrafo.

Com a publicação da Medida Provisória 927, de 22 de março de 2020, o banco de horas passou a ser regrado conforme o seguinte texto:

“Artigo 14   Durante o estado de calamidade pública a que se refere o artigo 1º, ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até 18 meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

§ 1º  A compensação de tempo para recuperação do período interrompido poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder dez horas diárias.

§ 2º  A compensação do saldo de horas poderá ser determinada pelo empregador independentemente de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo (grifo da autora)

 Cessare Beccaria [2] em 1764 já dizia que “em toda a sociedade humana, há um esforço tendendo continuamente a conferir a uma parte o auge do poder e da felicidade e a reduzir a outra à extrema fraqueza e miséria”.

Utilizamos as palavras de Beccaria para demonstrar que a cada alteração da legislação a situação do empregado foi deteriorada, fragilizada, estando o seu tempo cada vez mais a mercê do empregador e afastando a proteção dos seus pares, na figura do sindicato. 

Ao dispensar a negociação coletiva, sendo ela convenção ou acordo, exacerba ainda mais o afastamento às normas constitucionais e a exposição do lado mais vulnerável, o empregado, visto que se sente intimidado a aceitar o “acordo” com medo de perder o emprego e muitas vezes esse medo é utilizado intencionalmente como ferramenta para obter a concordância, isso nos casos em que a validade da alteração somente seria realizada com a aceitação do empregado, não sendo essa a disposição do §2º do artigo 14 da MP 927/20.

Conceder tanto poder ao empregador para dispor de como será utilizado o tempo do seu empregado, excedendo o que já lhe é permitido e ainda com lapso temporal de 18 meses, é submeter o empregado a um ano em meio sem o recebimento de horas extras, visto que muitos empregadores utilizarão essa ferramenta apenas para aumento de sua lucratividade e de modo legal esquivar-se do pagamento das horas extraordinárias e o acréscimo constitucional (artigo 7°, inciso XVI).

O empregado tem o direito de receber pecuniariamente as horas extraordinárias laboradas, acrescidas do adicional de no mínimo 50%. Já na utilização do banco de horas, as horas ficam “elas por elas”, não há acréscimo, sendo o elo da corrente mais uma vez prejudicado.

O receio de que os direitos trabalhistas sofram mutação pós MP 927 é latente, não podemos duvidar de que essa flexibilização possa querer perpetuar e se estenda de maneira sutil e silenciosa, a ponto de ter mais uma vez a legislação trabalhista se distanciado do que prescreve a Constituição Federal, a ponto de que a deturpação chegou a um estágio que algumas pessoas possam cogitar a possibilidade da retirada o artigo sétimo da Constituição Federal, tamanha disparidade em relação ao que é preceituado e o que realmente é praticado.

“Se o poder de interpretar as leis for um mal, a obscuridade neles deve ser outra, pois o primeiro é consequência do segundo. O mal será ainda maior se as leis escritas em uma linguagem desconhecida pelo povo que, ignorante das consequências de suas ações, torna-se necessariamente dependente de uns poucos, que são intérpretes das leis, em vez de serem públicas e gerais, tornam-se privadas e particulares. (…) Sem leis escritas, nenhuma sociedade jamais terá uma forma fixa de governo, no qual o poder é investido como um todo e não parcialmente e onde as leis não sejam alteradas senão pela vontade da maioria nem corrompida pela força de interesses privados. A experiência e a razão nos mostram que a probabilidade e a certeza das tradições humanas diminuem à medida que se distanciam de suas fontes”(BECCARIA, 2012, p. 20)

 


[2] BECCARIA, Cessare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Hunter Books, 2012, p. 9

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Jhonny Prado: Benefícios fiscais devem ser concedidos em período eleitoral

Sabe-se que o ordenamento jurídico brasileiro traz uma série de limitações para o gestor público no último ano do seu mandato, visando a impedir o tão recorrente uso da máquina pública como forma de propaganda eleitoral antecipada. Sucede que, na esteira do que vem acontecendo no resto do mundo, o Brasil atravessa um dos momentos mais difíceis que a memória recente nos traz. Em decorrência da pandemia causada pela Covid-19, estudos apontam queda do PIB brasileiro em até 6% [1] para o ano de 2020. Grandes municípios, como o de Porto Alegre, estimam queda de arrecadação em até 60% do estimado para o corrente ano. Empresas, independentemente do porte, estão encontrando dificuldades em manter seus quadros de funcionários, muitas estão enfrentando dificuldades financeiras, diante da paralisação das atividades, em decorrência da quarentena que foi determinada em todo o território nacional.

Nesse cenário é que surge a dúvida: é possível que agentes políticos municipais, diante da crise generalizada enfrentada, concedam benefícios fiscais no ano das eleições municipais?

Para o deslinde da dúvida jurídica submetida à análise, imperiosa se faz a análise do artigo 73 da Lei nº 9.504/1997, que dispõe sobre as condutas vedadas aos agentes públicos em período eleitoral:

“Artigo 73 São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

§10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa”.

O supramencionado artigo é o mais importante para o objeto do presente estudo, trazendo uma série de condutas vedadas aos agentes públicos no ano da eleição, período que se convencionou chamar de calendário eleitoral. Decorre do §10 do a referido texto legal que, no ano relativo ao pleito, fica proibida a distribuição de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública. Assim, pode-se afirmar que, em regra, a Lei 9.504/1997 é obstáculo a ter-se, no ano das eleições, para o implemento de benefício fiscal referente à dívida ativa do município. Contudo, como não poderia ser diferente, não se trata de regra absoluta.

Com efeito, as referidas vedações possuem uma razão de ser: afastar a conduta do agente público que se vale dos bens e mecanismos da Administração Pública para desigualar a disputa a seu favor, em decorrência do cargo público ocupado. “A interpretação teleológica do preceito revela a impossibilidade de a máquina administrativa ser manipulada com vistas a conquistar simpatizantes para determinada candidatura”. (TSE. Consulta 1531-69/DF. Relator: ministro Marco Aaurélio. 20/9/2011).

Pode-se dizer que a regra geral prevista no dispositivo só é aplicável em situações de normalidade, não sendo a simples prática da conduta que se amolde àquela descrita no texto legal que caracterizará, inexoravelmente, conduta vedada, exigindo-se, nas palavras do TSE, “em qualquer das situações, é necessário que tais irregularidades possuam uma mínima correlação, um liame, com o pleito eleitoral” (RO nº 9-80 e RO nº 3230-08, relator ministro Henrique Neves, DJE de 12/5/2014).

Deveras, nem toda conduta praticada pelo gestor público que se subsumir àquela prevista na moldura normativa, merecerá reprimenda do ordenamento jurídico, exigindo-se do agente público o dolo específico de se beneficiar diretamente daquele ato na corrida eleitoral ou, ao menos, que seu ato seja capaz de afetar a igualdade da disputa (Recurso Especial Eleitoral nº 3289-97.2014.616.0000) [2].

Sucede que, afora as condutas que possam configurar promoção pessoal ou causar desiquilíbrio ao pleito eleitoral, ao gestor deve ser assegurada todas as demais atribuições para gerir a máquina pública, podendo lançar mão de todos os instrumentos disponíveis para o melhor desenvolvimento das necessidades públicas, visando à consecução do interesse público. Com efeito, o legislador não é capaz de antever o cenário ao qual estarão submetidos os destinatários da norma, devendo, por essa razão, a aplicação da regra geral ficar restrita à situação de normalidade, tendo em vista que, a depender das circunstâncias fáticas, poderá ser exigido do administrador funções proativas destinadas à solução da crise social, que, numa primeira análise, ficaria em uma linha tênue entre a conduta necessária e a vedada pela lei eleitoral.   

Não foi por outro motivo que o próprio texto legislativo trouxe, expressamente, uma ressalva: “os casos de calamidade pública, de estado de emergência e os programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior”. Deveras, nesses casos, seria ilógico impor limitações ao gestor público que o impeçam de adotar medidas políticas e sociais que conduza a situação novamente à normalidade. Seria, em outras palavras, submeter toda a população aos efeitos deletérios da crise, pelo simples medo do uso eleitoral da máquina pública. Em última análise, mediante uma interpretação teleológica da norma, seria um contrassenso, tendo em vista que geraria um desequilíbrio eleitoral reverso, para o ocupante do cargo público, diante da imposição de limitações ilógicas perante a realidade posta, impedindo-o de solucionar a situação emergencial, transformando-o no capitão do naufrágio. A aplicação da vedação no caso concreto transformaria a norma no mal para o qual pretendia ser o remédio. Assim, tendo em vista o fim para o qual a norma foi criada, a interpretação para a sua aplicação absoluta deve ser afastada.

Nesse contexto, de pronto, pode-se afirmar que, verificada a existência da exceção de calamidade pública, duas condutas vedadas descritas no artigo 73 da Lei n.º 9.504/97, restarão legalmente permitidas, quais sejam: a) a realização de transferência voluntária de recursos da União aos estados e municípios, e dos estados aos municípios nos três meses que antecedem o pleito; e b) assim como a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública. Trata-se de interpretação inafastável do texto legal, extraída da simples leitura, tendo em vista que a hipótese é expressamente prevista como exceção. Em que pese a clareza da previsão, no atual cenário brasileiro, a dúvida é pertinente. O gestor zeloso, preocupado em seguir os ditames legais e atento à possibilidade de ter sua conduta tida como não autorizada pelos órgãos de controle, tende a se deparar com o dilema. André Cyrino e Gustavo Binenbojm tratam do referido dilema enfrentado pelo administrador público, fazendo uma pertinente crítica ao controle desenfreado que se tem exercido no Brasil, na tendência de se limitar cada vez mais a atuação do gestor público. Vale a transcrição do seguinte trecho:

‘Somente o administrador médio está confortável e seguro. Sem tal clarividência, no entanto, os incentivos ao administrador público que quiser ser honesto serão de adoção de postura estritamente burocrática, em sua pior conotação. Será um sujeito preso a ritos e cautelas que tendem a gerar paralisia decisória. É o apagão das canetas, como se tem referido. Um quadro de temor e inação”. (Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 203-224, nov. 2018.)

No entanto, o momento exige do administrador público uma atuação proativa, de boa governança e gestão eficiente (artigo 37, CF), destinada ao afastamento da crise, à preservação do mínimo existencial e da vida humana. Diante do delicado momento que se atravessa, não há como cogitar que a vontade geral, para a qual os representantes são eleitos para fazer prevalecer (artigo 1, parágrafo único da CF), seja pela inanição do administrador. Há que se fazer uma ponderação dos valores envolvidos, merecendo prevalecer os direitos fundamentais dos cidadãos, previstos no artigo 5 da CF, bem como a busca do pleno emprego, a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna (artigo 170, da CF). 

Nessa esteira, o STF, reconhecendo a situação de excepcionalidade e realizando a referida ponderação de valores, na ADI 6357, afastou a exigência de diversos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal durante a situação de crise, tendo em vista que sua aplicação, no momento, seria incompatível com a Constituição Federal.

Desse modo, salvo melhor juízo, pode-se afirmar, com segurança, que a atual situação está abarcada pela exceção legal. A situação de calamidade foi reconhecida pelas três esferas federativas, pelo menos nos principais centros urbanos. Pode-se citar como exemplo o Decreto Legislativo nº 06/2020, no âmbito da União, que reconheceu o estado de calamidade pública no país (ademais, anteriormente, a Portaria n.º 188/2020 já havia declarado Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, que, salvo melhor juízo, já seria suficiente para enquadramento na ressalva legal). Estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, bem como os municípios São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, também reconheceram em seus territórios o estado de calamidade. Inafastável, portanto, a conclusão pelo preenchimento do pressuposto exigido no §10º do artigo 73 da lei 9.504/97.

Do mesmo modo, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é pacífica em reconhecer plena aplicabilidade à exceção supramencionada, conforme se demonstrará a seguir:

“Agravo regimental. Recurso especial. Eleições 2012. Prefeito. Ação de impugnação de mandato eletivo. Abuso de poder político. Artigo 22 da lc 64/90. Conduta vedada a agente público. Artigo 73, § 10, da Lei 9.504/97. Calamidade pública. Reexame fático-probatório. Desprovimento.

Inexiste, no caso, afronta ao artigo 275 do Código Eleitoral, porquanto a Corte Regional manifestou-se sobre a tempestividade do recurso eleitoral interposto pelos agravados.

O TRE/PA, em análise do conjunto fático-probatório, entendeu que o programa assistencialista temporário criado durante as cheias do Rio Xingu, no Pará, em 2012, impunha-se diante de estado de necessidade e calamidade pública, afastando, dessa forma, conduta vedada a agente público (artigo 73, § 10, da Lei 9.504/97) e abuso de poder político (artigo 22 da LC 64/90). Para modificar essa conclusão, é imperioso, como regra, reexame de fatos e provas, vedado na via extraordinária, nos termos da Súmula 7/STJ.

Agravo regimental não provido.” (Recurso Especial Eleitoral nº 79973, Acórdão, relator ministro Herman Benjamin, Publicação:  DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 25/05/2016, Página 51)

Na mesma esteira, julgou a Consulta n° 56-39.2014.6.00.0000; o Ac de 25/9/2014 no AgR-REspe nº 5410280, relator ministro Henrique Neves e o Ac de 15/2/2007 no AgRgREspe nº 25.980, relator ministro Gerardo Grossi.

Realizando a mesma interpretação, diversos municípios concederam benefícios fiscais aos seus administrados, como Belo Horizonte, que por meio do Decreto 17.308/2020 dispôs sobre medidas excepcionais de diferimento tributário para a redução dos impactos sobre a atividade econômica do município causados pelas ações de contenção da pandemia ocasionada pela Covid-19; a prefeitura de Niterói, que concedeu a ampliação dos prazos para recolhimento do ISS, por meio da resolução SMF n. 44; a prefeitura de São Paulo, que expediu diversos atos normativos concedendo benefícios fiscais aos seus contribuintes, podendo-se citar como exemplo a Lei Municipal n.º 17324/2020, Decreto 59.293/2020 e 59.326/2020. Esses são apenas alguns exemplos de atos normativos expedidos por administrações municipais, mesmo dentro do calendário eleitoral, visando a contornar a crise gerada pela pandemia do coronavírus. 

Assim, a adoção de medidas assistenciais e de amparo aos munícipes, como a distribuição de alimentos, cestas básicas, etc., bem como a previsão e estabelecimento de alguns benefícios tendentes a mitigar os prejuízos causados pela pandemia, como a concessão de benefícios fiscais, podendo ser consubstanciada, por exemplo, pela prorrogação do prazo de pagamento de tributos; a postergação dos prazos para a entrega das obrigações acessórias; a concessão de moratória; a previsão de parcelamento dos impostos de sua competência e, até mesmo, a isenção de taxas e tarifas, entre outras medidas possíveis. Trata-se, na verdade, de meros exemplos, trazidos em abstrato, em que a atuação da Administração Pública restaria acobertada pela ressalva legal, desde que utilizados com razoabilidade e em respeito às formalidades legais exigidas para a respectiva instituição do benefício.

Vale ressaltar, por fim, que os benefícios concedidos devem guardar estrita relação com o enfrentamento e superação da crise, vedando-se toda e qualquer conduta que possa configurar desrespeito ao princípio da impessoalidade, previsto no artigo 37 da CF. Para tanto, é recomendável a fixação de critérios objetivos para a concessão dos benefícios, evitando-se, ao máximo, a atribuição de benefícios a grupos específicos, sem que haja discrímen razoável ou fundamentação relevante. É recomendável, também, a adoção de instrumentos que assegurem a transparência das condutas adotadas, permitindo aos órgãos de controle eleitoral, a fiscalização definida no § 10 do artigo 73 da norma de regência.

Diante do exposto, entendo, embasado na literalidade do texto legal, bem como na jurisprudência pacífica do Tribunal Superior Eleitoral, que as medidas adotadas visando ao afastamento da crise, sobretudo no atual cenário em que a situação de calamidade é mundialmente reconhecida, não só devem ser permitidas, como revelam-se um poder-dever do gestor público diligente.

O momento é de flexibilização da burocracia administrativa, do apego à legalidade estrita, entendendo a relação circular existente entre o Direito e a realidade, de modo a permitir que os agentes políticos dos poderes das três esferas federativas consigam contornar a grave e inesperada situação. Tal condução deverá sempre ter como pano de fundo a Constituição Federal e sempre sob vigilância (necessária e moderada) dos controles internos, externos e popular. 

 é procurador do município de Porto Alegre e integrante da força-tarefa do município para o combate à Covid-19.