Categorias
Notícias

Governo sanciona lei que valida receitas para remédios de uso contínuo até fim da pandemia

O presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou a lei 14.028/20, que garante que o receituário médico ou odontológico de medicamentos sujeitos a prescrição e de uso contínuo tenha validade pelo menos enquanto perdurarem as medidas de isolamento para contenção da pandemia do coronavírus. A norma foi publicada no DOU desta terça-feira, 28.

t

O texto altera a lei 13.979/20, que passa a vigorar acrescida do seguinte art. 5º-B:

“Art. 5º-B. O receituário médico ou odontológico de medicamentos sujeitos a prescrição e de uso contínuo será válido pelo menos enquanto perdurarem as medidas de isolamento para contenção do surto da Covid-19.”

O disposto no caput não se aplica ao receituário de medicamentos sujeitos ao controle sanitário especial, que seguirá a regulamentação da Anvisa.

Leia a lei 14.028/20 na íntegra:

_________

LEI Nº 14.028, DE 27 DE JULHO DE 2020

Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para garantir que o receituário médico ou odontológico de medicamentos sujeitos a prescrição e de uso contínuo tenha validade pelo menos enquanto perdurarem as medidas de isolamento para contenção do surto da Covid-19, na forma que especifica.

O P R E S I D E N T E D A R E P Ú B L I C A

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º A Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 5º-B:

“Art. 5º-B. O receituário médico ou odontológico de medicamentos sujeitos a prescrição e de uso contínuo será válido pelo menos enquanto perdurarem as medidas de isolamento para contenção do surto da Covid-19.

§ 1º O disposto nocaputnão se aplica ao receituário de medicamentos sujeitos ao controle sanitário especial, que seguirá a regulamentação da Anvisa.

§ 2º (VETADO).”

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 27 de julho de 2020; 199º da Independência e 132º da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO

Eduardo Pazuello

 

_________

Para que o leitor encontre as notícias jurídicas específicas sobre coronavírus, reunimos todo o material em um site especial, constantemente atualizado. Acesse: www.migalhas.com.br/coronavirust

 




Categorias
Notícias

Laboratório é condenado porque remédio gera compulsão por jogos

Efeito colateral do remédio não constava da bula123RF

O STJ aumentou o valor da indenização imposta a um laboratório fabricante de um remédio que gera compulsão por jogos. A decisão é da 3ª Turma do corte. A empresa deverá pagar ao espólio da paciente. Ela usou a medicação para tratamento da doença de Parkinson e dilapidou todo o seu patrimônio em decorrência do efeito colateral da droga — esse efeito adverso não constava da bula na época em que ele foi utilizado.

Diagnosticada com Parkinson em 1997, a paciente passou a usar o medicamento Sifrol, cuja dose foi aumentada por recomendação médica em dezembro de 1999. No período de julho de 2001 a setembro de 2003, ela desenvolveu o chamado jogo patológico e acabou perdendo mais de R$ 1 milhão. A compulsão terminou tão logo o uso contínuo do medicamento foi suspenso.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou o laboratório a pagar danos morais e 45% da perda patrimonial, pois reconheceu a culpa concorrente da paciente por ter utilizado o remédio em dosagem maior do que a recomendada.

A ministra Nancy Andrighi, relatora dos recursos do laboratório e do espólio da paciente — que morreu no curso do processo —, afirmou que o caso deve ser resolvido com base no Código de Defesa do Consumidor, pois diz respeito a acidente de consumo, na modalidade fato do produto, uma vez que o medicamento não teria oferecido a segurança legitimamente esperada pelo usuário, em virtude da falta de informações sobre os riscos.

A relatora ressaltou que, no caso de medicamentos, o fabricante tem o dever de informar sobre o risco inerente ao seu uso, como previsto no artigo 9º do CDC — cuja violação caracteriza defeito do produto e gera a responsabilidade objetiva do fornecedor pelo dano causado.

“O fato de um medicamento causar efeitos colaterais ou reações adversas, por si só, não configura defeito do produto se o usuário foi prévia e devidamente informado e advertido sobre tais riscos inerentes, de modo a poder decidir, de forma livre, refletida e consciente, sobre o tratamento que lhe é prescrito, além de ter a possibilidade de mitigar eventuais danos que venham a ocorrer”, disse.

Segundo a ministra, ficou comprovado no processo que o jogo patológico — doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde — foi efeito colateral do medicamento e que tal risco não constava da bula naquela época (atualmente, contudo, a bula alerta sobre essa possibilidade).

A ministra considerou ainda que a culpa concorrente do consumidor não está elencada nas hipóteses que excluem a responsabilidade do fabricante, previstas no parágrafo 3º do artigo 12 do CDC. Para ela, a responsabilidade por eventual superdosagem ou por problemas com interação medicamentosa não pode recair sobre o paciente que segue estritamente as recomendações do seu médico — como no caso.

Ao afastar a culpa concorrente, Nancy Andrighi determinou o pagamento integral dos danos materiais. Levando em conta que a vítima tinha doença de Parkinson e que, por causa da compulsão, deixou de trabalhar como advogada quando já estava com mais de 50 anos, “fase de maior dificuldade de retorno ao mercado de trabalho”, a ministra aumentou o valor dos danos morais de R$ 20 mil para R$ 30 mil. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

REsp 1.774.372

Categorias
Notícias

Presgrave e Ogusuku: A cloroquina judiciária para a Covid-19

Vivemos um tempo de exceção, tempo em que aflora a criatividade para os novos instrumentos na tentativa de restabelecer a normalidade e salvar a vida em todos sentidos. A busca pela vacina ou um remédio ao coronavírus é incessante, e experiências com diversos medicamentos são feitas sem qualquer estudo prévio sobre sua efetividade e “custo-benefício” dos efeitos colaterais. A medicação que ficou mais famosa recentemente é a cloroquina, medicamento usado para tratamento de malária, amebíase, artrite e lúpus[iii]. Foi aplicada em diversos pacientes sem se ter qualquer evidência científica acerca de sua eficácia[iv].

No Poder Judiciário não tem sido diferente. Para tentar conciliar o isolamento social com a manutenção do funcionamento do judiciário, muitas novidades têm sido apresentadas ao jurisdicionado e à advocacia.

Nos processos eletrônicos, cujos prazos retomaram o curso no último 4 de maio, a “cloroquina” encontrada pelos Tribunais para a Sars-Cov-2 é a da comunicação virtual. Despachos e sustentações orais à distância e audiências telepresenciais inovam a forma pelas quais os atos processuais são materializados. O uso da tecnologia dos meios de comunicação telepresenciais têm sido usados em larga escala, sem que os estudos e testes necessários a aferir sua eficiência e viabilidade fossem devidamente realizados.

Assim como na medicina a cloroquina se revela controversa com relação à efetividade no combate aos vírus, a prática de atos processuais de maneira virtual também se mostra controversa, e os efeitos colaterais, da mesma forma, podem se mostrar perversos, desequilibrando a relação de custo-benefício da sua utilização.

O primeiro ponto que chama a atenção é o fato de que nem todas as pessoas no Brasil, inclusive advogados, dispõem de tecnologia, de acesso à tecnologia e de conhecimento para o uso da tecnologia. O emprego da tecnologia na Justiça de forma imoderada produzirá a exclusão dos pobres, os que não tem acesso às redes, da Justiça. Será a nova onda de acesso à justiça[v].

Não foi por outro motivo que o Conselho Nacional de Justiça editou as Resoluções 313, 314 e 318, no sentido de que (i) não vivemos tempos de normalidade; (ii) o judiciário, fechado, funciona em regime de plantão extraordinário; (iii) sempre que receber da advocacia a simples comunicação da impossibilidade da prática de um ato o mesmo deve ser sobrestado.

É direito de todos aqueles que participam do processo, o acompanhar e participar dos julgamentos nos Tribunais. A pandemia e o isolamento social não justificam qualquer tipo de alteração nas garantias básicas estabelecidas pela Constituição Federal à advocacia e ao jurisdicionado.

Conforme dito, a implementação de audiências e julgamentos totalmente virtuais se deu em meio à pandemia e sem que fossem realizados estudos e testes avaliativos, tampouco foram os atores processuais munidos das ferramentas necessárias à sua utilização.

E aí cabe uma relevante advertência: nem todos os advogados possuem estrutura para a realização de audiências e sustentações orais à distância neste momento, especialmente considerando a recomendação de isolamento social que impede a utilização regular de espaços públicos e/ou compartilhados de trabalho.

Aos que não dispõem de acesso à tecnologia ou às condições necessárias à realização adequada de sustentações orais à distância é assegurado o direito ao reaprazamento do julgamento, para uma futura pauta presencial. Tal direito decorre das garantias asseguradas à advocacia (art. 133 da CF/88 e art. 7º, IX e X, da Lei 8.906/94).

Tornar obrigatória a sustentação oral eletrônica num momento de isolamento, além de inconstitucional e ilegal, pode significar um crime, na medida que impõe o deslocamento do profissional para locais que tenham recursos tecnológicos e materiais adequados, mas que apresentam risco de contaminação.

Não por outra razão o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu máxima cautela aos magistrados para determinar a prática dos atos nos processos eletrônicos, eis as regras vigentes:

(i) os atos processuais que eventualmente não puderem ser praticados pelo meio eletrônico ou virtual, por absoluta impossibilidade técnica ou prática a ser apontada por qualquer dos envolvidos no ato, devidamente justificada nos autos, deverão ser adiados e certificados pela serventia, após decisão fundamentada do magistrado. (§ 2º do art. 3º da Resolução CNJ nº 314);

(ii) eventuais impossibilidades técnicas ou de ordem prática para realização de determinados atos processuais admitirão sua suspensão mediante decisão fundamentada. (§ 1º do art. 6º da Resolução CNJ nº 314);

(iii) os prazos processuais para apresentação de contestação, impugnação ao cumprimento de sentença, embargos à execução, defesas preliminares de natureza cível, trabalhista e criminal, inclusive quando praticados em audiência, e outros que exijam a coleta prévia de elementos de prova por parte dos advogados, defensores e procuradores juntamente às partes e assistidos, somente serão suspensos, se, durante a sua fluência, a parte informar ao juízo competente a impossibilidade de prática do ato, o prazo será considerado suspenso na data do protocolo da petição com essa informação. (§ 3º do art. 3º, da Resolução CNJ nº 314)

No plano das audiências em que se colhem depoimento das partes e testemunhas a situação é ainda mais sensível. Na sistemática processual atual, são os advogados os responsáveis pelas comunicações das audiências às suas testemunhas por carta registrada ou pelo compromisso de conduzir as mesmas até as salas de audiências voluntariamente.

É o próprio advogado ou o seu cliente, salvo os casos de condução sob vara, o encarregado de orientar as testemunhas do dia e hora das audiências e os locais de suas realizações, mais das vezes transportando-as até os fóruns. Em período de pandemia não pode o advogado ser obrigado a deslocar-se de seu isolamento para postar cartas às testemunhas, bem como transportá-las de um local para outro, ou mesmo deslocar-se até as residências dessas pessoas para ensiná-las o uso da tecnologia base das audiências.

Daí porque as audiências somente poderem ser realizadas sempre que for possível ao advogado contatar as testemunhas pelos meios eletrônicos, bem como tenham as testemunhas recursos tecnológicos para acessarem as salas eletrônicas disponibilizadas pelos Tribunais. Quando não for possível que tal aconteça, a simples informação prestada pelo advogado é de ser considerada pelo Judiciário para sobrestamento do ato. Esse é a prescrição do CNJ:

(i) as audiências em primeiro grau de jurisdição por meio de videoconferência devem considerar as dificuldades de intimação de partes e testemunhas, realizando-se esses atos somente quando for possível a participação, vedada a atribuição de responsabilidade aos advogados e procuradores em providenciarem o comparecimento de partes e testemunhas a qualquer localidade fora de prédios oficiais do Poder Judiciário para participação em atos virtuais. (§ 3º do art. 6º da Resolução CNJ nº 314)

Deve-se ressaltar ainda que a responsabilidade pela estabilidade da rede e pelos eventuais problemas de conexão não pode ser imputada aos advogados ou às partes, sendo certo que os Tribunais são responsáveis pelo ato e pelos instrumentos necessários à sua realização, o que encontra fundamento no 453, §2º. do CPC, que estabelece a obrigação dos juízos manterem os equipamentos necessários à oitiva remota de testemunhas (“Art. 453, (…) §2º Os juízos deverão manter equipamento para a transmissão e recepção de sons e imagens a que se refere o § 1º.”).

Respeitando-se os limites legais e constitucionais, e agindo em colaboração com a advocacia, é possível aos Tribunais proporcionar o andamento regular dos processos judiciais. Sem atropelos, sem exageros e sem imposições ilegais. As cautelas determinadas pelo CNJ para a prática de atos processuais nesse período – especialmente no tocante à necessária suspensão de atos requerida por advogados fundada na impossibilidade de realização adequada pela via telepresencial – são imperativas para se evitar nulidades decorrentes de ofensa à ampla defesa e ao contraditório.

O atual regime de exceção impõe a todos os membros da sociedade o espírito colaborativo para que os novos e excepcionais instrumentos que propõem salvar vidas tenham eficácia. É tempo de compreender e de tolerar. Compreender que nem todos estão preparados para sustentações orais à distância e audiências por videoconferência. E tolerar os pedidos de sobrestamento dos atos. Assim, dosando a cloroquina judiciária, usando com moderação as novidades tecnológicas, todos terão direito à jurisdição, como manda a Constituição.

 é doutora em Direito Constitucional pela UFPE. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Graduada em Direito pela PUC-SP. Professora do Curso de Graduação e do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRN. Estágio pós-doutoral na Westifälische Wilhelms-Universität Münster (WWU). Membro da diretoria do IPPC. Membro da ABDPRO. Membro do IBDP. Membro do IBDFAM.

Alexandre Ogusuku é Conselheiro Federal OAB/SP e presidente da Comissão Nacional de Prerrogativas do CFOAB.

Categorias
Notícias

Trâmite de atualização da bula não exime laboratório de culpa

Embora a bula seja o mais importante documento sanitário de veiculação de informações sobre um medicamento, não se pode aproveitar da tramitação administrativa de pedido de atualização junto à Anvisa para se eximir do dever de informar o público sobre os riscos inerentes do uso.

Por remedio, autora adquiriu compulsão por jogo e frequentava bingos 
Reprodução

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve a responsabilização de um laboratório por conta de efeitos colaterais que causaram a uma consumidora a compulsão por jogo.

A paciente tomou a medicação para Mal de Parkinson, após aumento da dose, dilapidou o patrimônio pessoal de forma considerável ao participar compulsivamente de bingos por três anos.

O laboratório alegou que não houve falta de informação, pois seguiu as normas da Anvisa e inicialmente já incluiu na bula o aviso: “este produto é novo medicamento e, embora pesquisas realizadas tenham mostrado eficácia e segurança quando devidamente indicado, podem ocorrer reações adversas imprevisíveis ainda não descritas ou conhecidas. Em caso de suspeita de reação adversa, o médico deve ser notificado”.

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, o fato de uso de medicamento causar efeitos colaterais por si só não configura defeito do produto se usuário for previa e devidamente informado e advertido sobre tais riscos. Assim, pode inclusive decidir de forma livre e consciente sobre o tratamento que lhe é prescrito, além minimizar eventuais danos que já sabe que terá.

Não foi o que ocorreu no caso, no entanto. A ministra afirma que é fato incontroverso que jogo compulsivo — uma doença inclusive reconhecida pela Organização Mundial da Sáude — foi reconhecido como efeito colateral da medicação. Quando a paciente passou a fazer uso do produto, isso não constava na bula. Embora agora conste, isso não afasta a responsabilização do laboratório.

Comprovação dos danos e liquidez

Em recurso especial, o laboratório contestava a comprovação do valor dos danos, segundo cálculo aritmético simples — o montante dilapidado do patrimônio da paciente com a compulsão chegaria a R$ 1,1 milhão. Por outro lado, a autora da ação tentava comprovar lucros cessantes: o valor que ela deixou de ganhar por conta dos efeitos que essa compulsão causou.

A 3ª Turma aplicou a Súmula 7 e, por não poder analisar provas, manteve a decisão. Por outro lado, afastou a culpa concorrente da autora determinada pelo tribunal de origem. Considerou-se, a princípio, que o aumento da dose do medicamento e seu uso combinado com outro remédio piorou o quadro clínico. E para isso, a autora também teria parcela de culpa.

“Em nenhum momento é imputado à paciente o comportamento de ingerir dosagem superior à recomendada pelo laboratório ou prescrita pela médica. Não se sustenta o fundamento do acórdão para reconhecer culpa concorrente da paciente, no sentido de que a hipossuficiente técnica para valiar alteração medicamentosa não afasta o dever de cuidado com a própria saúde e consultar especialista médico”, apontou a ministra Nancy Andrighi. 

REsp 1.774.372