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Juiz suspende portaria que autoriza aumento de compra de munições

O juiz federal Djalma Moreira Gomes, da 25ª Vara Cível Federal de São Paulo, suspendeu nesta quarta-feira (10/6) a Portaria Interministerial nº 1.634, de 22 de abril de 2020, editada pelos Ministérios da Defesa e da Justiça e Segurança Pública, que atualizou os quantitativos máximos de munições passíveis de aquisição por pessoas físicas autorizadas e demais agentes habilitados a portar arma de fogo.

A decisão, liminar, foi proferida em ação popular proposta pelo deputado federal Ivan Valente (PSOL/SP), sob o argumento de que o ato administrativo aumentou exorbitantemente o limite de compra de munições no Brasil para quem tem arma de fogo registrada, permitindo que a compra de munições por civis com direito ao porte e posse de arma passasse de 200 por ano para 550 por mês.

A União, em sua manifestação, defendeu a legalidade do ato normativo e pediu o indeferimento do pleito antecipatório, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil, e que a lesividade ao patrimônio público constitui um pressuposto ou requisito específico da ação popular que também deve satisfazer os requisitos e pressupostos gerais.

No entanto, o magistrado entende que a ação popular é meio processual adequado para a defesa não apenas do patrimônio strito senso, mas também da moralidade administrativa. Além disso, a Lei 10.826/2003 que dispõe sobre o registro, a posse e a comercialização de armas de fogo e munição, criou uma estrutura muito regrada, rígida para a aquisição de armas de fogo e munição, dando competências a órgãos da Polícia Federal e do Exército Brasileiro para a fiscalização e controle desse material.

O juiz também ressaltou o Decreto 9.847/2019, que regulamentou o Estatuto do Desarmamento e que dispõe sobre a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, destacando que o parágrafo 3º confere ao Comando do Exército atribuições de controle e fiscalização de armas e munições.

Moreira Gomes contextualiza as circunstâncias que ensejaram a edição da norma ora questionada. “A certa altura da notória reunião ministerial de 22 de abril de 2020, o corréu Jair Messias Bolsonaro, defendendo a necessidade de que o povo se arme, assim se expressou: ‘peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assinem essa portaria hoje que eu quero dar um puta recado para esses bostas'”.

Neste mesmo dia foi editada a referida portaria assinada pelos ministros da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e da Justiça e Segurança Pública, Sergio Fernando Moro.

Na opinião do juiz, a portaria, apesar de editada pelas autoridades legalmente autorizadas a fazê-lo, padece de vício de legalidade. “Aproveitando-se de procedimento já existente para atender a determinado objetivo (inclusão dos membros da magistratura nas regras de aquisição de munição previstas na Portaria 412), deu-se alteração diversa, qual seja, a ampliação da quantidade de munição a ser adquirida pelos órgãos e pessoas legalmente habilitadas”, configurando desvio de finalidade na edição da norma.

Não é só isso. Segundo Djalma Moreira Gomes, o ato também é formalmente viciado, porquanto deixou de colher parecer do Comando do Exército por meio de seu órgão técnico de controle e fiscalização de armas e demais produtos controlados. “Sim, deixou de colher a opinião técnica do órgão responsável porquanto a pessoa consultada já não mais pertencia àquele órgão e nem mesmo ao serviço ativo do Exército.”

Na manifestação da União, a oitiva desse órgão seria desnecessária porquanto a edição da Portaria Interministerial não carece de motivação. “De fato, não carece, mas sua produção demanda a observância de procedimento que foi invalidamente superado […]. O órgão técnico do Comando do Exército, a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Comando do Exército, não foi consultado, mas fora informalmente ouvido o ex-chefe daquela organização militar que, na ocasião, já não mais pertencia ao serviço ativo da Força”, afirma o juiz.

Moreira Gomes conclui sua decisão afirmando que a edição da Portaria Interministerial 1.634/GM-MD padece de vício que a nulifica, tornando inválido o processo de sua formação, tanto por falta de competência do emissor do “parecer’ produzido para subsidiar a sua edição, quanto por ausência de motivação.

5009686-41.2020.4.03.6100

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Partido pede suspensão de MP que extinguiu fundo PIS-Pasep

ADI no Supremo

PIS-Pasep: PSB pede suspensão de medida provisória que extinguiu fundo

O PSB ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade para questionar dispositivos da MP 946, que extingue o Fundo PIS-Pasep e transfere seu patrimônio para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A relatora é a ministra Cármen Lúcia.

Divulgação

O partido argumenta que os fundos não poderiam ser extintos por medida provisória, apenas por meio de lei complementar. Também sustenta que a mudança confisca o patrimônio dos trabalhadores, pois o fundo PIS-Pasep é formado por cotas individuais, passíveis de serem retiradas por seus titulares.

De acordo com o PSB, a atual pandemia e o elevado número de casos de Covid-19 no Brasil justificam medidas emergenciais. No entanto, a edição da MP, sob o pretexto de intervir para reverter a situação de calamidade pública, prejudica o BNDES e as políticas públicas de proteção ao trabalho, pois, enquanto as cotas não são resgatadas, os recursos são aplicados pela instituição.

O partido pede que, caso não seja reconhecida a inconstitucionalidade integral da MP, seja determinada, subsidiariamente, a manutenção de pelo menos 28% dos recursos do fundo sob a gestão do BNDES. Ao pedir a concessão de medida cautelar, afirma que a extinção dos fundos e a transferência de patrimônio ocorrerá em 31/5 e, caso não seja interrompida antes, será irreversível. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

ADI 6.416

Revista Consultor Jurídico, 13 de maio de 2020, 7h47

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Suzane Prado: Abuso de autoridade e a Lei 13869/19

Com a edição da Lei 13.869/2019, houve a expressa revogação da antiga Lei de Abuso de Autoridade (Lei 4.898/65), conforme dispõe o artigo 44 daquela. Num breve retrospecto, sabe-se que a Lei 4898/65 [1] penalizava em três searas civil, administrativa e criminal condutas de autoridades consideradas abusivas. Autoridade para o fim dessa Lei era “quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração” (artigo 5º).

E as condutas passíveis de enquadramento como abusiva estavam nos artigos 3º e 4º da 4898/65. No primeiro deles, dizia constituir abuso de autoridade qualquer atentado (essa expressão é muito importante; quer dizer que não precisava a ocorrência efetiva de algum dano, não admitindo tentativa) às liberdades de locomoção, de consciência, de crença, de culto religioso, de associação, mais à inviolabilidade de domicílio, ao sigilo de correspondência, aos direitos e garantias assegurados ao exercício do voto, ao direito de reunião e aqueles assegurados ao exercício profissional e, por fim, mas não menos importante, à incolumidade física do indivíduo.

No artigo 4º, mais dez hipóteses de abuso de autoridade descrevendo condutas tanto comissivas quando omissivas. A saber:

a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;

c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa;

d) deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;

e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;

f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;

g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;

h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;

i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade.

Sempre que constatada a prática de alguma destas condutas, a ação penal era pública incondicionada (Lei 5249/67, excluindo necessidade de representação mencionada no artigo 1º da Lei 4898/65), e a pena de detenção, de dez dias a seis meses (artigo 6º, § 3º, “b”).

Ainda, em havendo resultado penalmente relevante quando da prática de alguma das condutas incriminadas, dava-se o concurso material. Isso porque, para além do  bem jurídico protegido pela Lei Especial a regularidade da prestação do serviço público e o exercício dos direitos constitucionais o agente também viria a ofender, por exemplo, a integridade física do ofendido, atingindo bem jurídico diverso. A propósito, “a Lei nº 4.898/65, cuidando da questão referente ao abuso de autoridade, definiu, caso a caso, as sanções administrativa, civil e penal aplicáveis de acordo com a gravidade do abuso cometido. Desta forma, o abuso de autoridade passou a ser punido independentemente de responder o agente, em concurso material, por outros delitos que da sua ação resultar” [2].

Na nova lei encontramos como atos suscetíveis de configurar abuso de autoridade, em termos penais, aqueles previstos nos artigos 9º a 38, descritos de forma mais pormenorizada, se comparados com os tipos da lei anterior. Assim como o conceito de agente público, praticamente repetido no caput e parágrafo único, mas especificando carreiras de Estado, no artigo 2º.

O que motivou essa escrita foi o fato de encontrar-se em trâmite nos Juizados Especiais Criminais de nossa atribuição, termos nos quais se investiga o abuso de autoridade cometido quando da prisão do sujeito, de regra, pelo atentado à incolumidade física da pessoa (artigo 3º, “i”). A primeira indagação foi: houve continuidade normativo-típica?

Discorrendo sobre o princípio da continuidade normativo-típica, Luiz Flávio Gomes [3] começa falando da abolitio criminis pela revogação da lei que considerava típico um fato determinado, por outra lei. Esta, por ser mais benéfica deve ser aplicada de imediato e, de regra, leva à extinção da punibilidade (artigo 2º, parágrafo único, e 107, III, ambas do CP). Todavia, o autor faz a ressalva: “Essa revogação nem sempre culmina na abolitio criminis. Isso porque a conduta descrita na norma revogada pode continuar tipificada em outro diploma legal. E esse fenômeno é denominado pela doutrina como princípio da continuidade normativo-típica”.

Embora o enquadramento típico vá migrar da lei revogada para outra, na qual o tipo penal subsista (de regra, com alteração de pena ou inserção de qualificadora), é a lei do tempo do fato que determina a sanção penal a que está sujeito o agente e a forma de execução da mesma. A propósito, o HC 106155, julgado em 04/10/2011, relator para o acórdão ministro Luiz Fux, determinando a aplicação da pena prevista na lei anterior e a tipificação da conduta na lei que sucedeu [4].

No questionamento feito sobre os processos de abuso de autoridade por atentado à incolumidade física da pessoa, algumas questões devem ser postas, frente a redação do artigo 13 da nova lei.

“Artigo 13   Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:

I exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;

II submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;

III produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro:

(Promulgação partes vetadas)

Pena detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência”.

De regra, o conteúdo apurado nos termos circunstanciados em andamento é a violência usada quando da prisão, para além do necessário (quando foi necessário), sem as finalidades constantes do artigo 13 da nova Lei (o dito “corretivo” no jargão popular). Assim, se praticado o ato antes da vigência da Lei 13869/19, sem resultado material e sem qualquer das hipóteses previstas nos incisos do artigo 13, estando a conduta enquadrada tão somente na Lei 4898/65, salvo engano, é de se reconhecer a abolitio e, por consequência, aplicar o artigo 107, III, do CP. Ou, havendo resultado material, mas sem estar delineada qualquer das hipóteses acima, continua com o termo (seja na fase investigatória, instrutória ou executória), mas tão somente com relação ao crime conexo.

Por fim, se presente na conduta qualquer das finalidades do artigo 13 e incisos, continua com o termo, mas tendo por baliza o sancionamento anterior (detenção, de dez dias a seis meses, enquanto aqui se tem de um a quatro anos).

Doutra banda, encontram paralelo, sempre a depender da criteriosa análise do caso concreto, na Lei 13.869/19, as alíneas do artigo 3º, sendo de se prosseguir o feito, observadas as normas punitivas da legislação anterior as alíneas do artigo 3º da Lei 4898/65:

“a”  atentado à liberdade de locomoção nos artigos 9º, 10, 18, 19 e 37;

“b”  à inviolabilidade de domicílio no artigo 22;

“d”  à liberdade de consciência e de crença no artigo 15;

“i”  à incolumidade física do indivíduo no artigo 13.

Do artigo 4º, sem pretensão exauriente e lembrando da inafastável análise à vista do caso concreto, pode-se dizer da continuidade normativo-típica das alíneas:

“a”  ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder nos artigos 16 e 20;

“b”  submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei  nos artigos 13, 31 e 38;

“c”  deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa nos artigos 12 e 19;

“d”  deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada nos artigos 12, IV, e 19, parágrafo único;

“f”  cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor no artigo 33;

“h”  o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal no artigo 36;

“i”  prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade nos artigos 12 e 19.

Esses seriam, em tese, os tipos penais sobreviventes da Lei 4898/65, a serem considerados em cotejo com os trazidos pela Lei 13869/65. Superado esse exercício quanto aos procedimentos em curso (delitos praticados antes de 26 de março), e mantendo a vista na “incolumidade física do indivíduo”, como tratar, a partir dali, os abusos de autoridade (uso de violência, de regra) contra os detentos que não se encaixem nas hipóteses do artigo 13?

Pensamos que, havendo prova da materialidade do delito e indícios bastante de autoria, o socorro vai para o Código Penal (por exemplo, artigos 121, 129 e 132, observada a agravante genérica do artigo 61, II, “f”) ou, para a Lei de Tortura, se presente qualquer das hipóteses do artigo 1º [5] da Lei 9.455/97, que escape àquelas do artigo 13 da Lei 13869/19.

 é promotora de Justiça titular da 9ª PJ da comarca de Ponta Grossa (PR) e mestre em Direito Penal Econômico pela PUC–PR.

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Ferrari e Soares: Sobre posse de drogas para consumo pessoal

A Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) dispõe sobre as condutas passíveis da caracterização de falta grave durante a execução penal, conforme artigos 50 a 52. Entre elas insere-se a prática de fato previsto como crime doloso (artigo 52, primeira parte), consubstanciada pelas mais diversas condutas criminosas previstas no arcabouço jurídico nacional.

Nesse contexto, a preocupação do presente ensaio concentra-se especificamente no crime de posse de drogas para uso pessoal, disposto no artigo 28 da Lei 11.343/06, o qual, à primeira vista, encaixa-se perfeitamente no conceito de falta grave (crime doloso), conforme explicitado acima.

Em análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, colacionam-se reiteradas decisões pela configuração da falta grave, na forma do artigo 52 da LEP, quando a pessoa em cumprimento de pena é flagrada dentro da unidade prisional ou fora dela na posse de drogas para consumo próprio [1]. O entendimento encontra-se consolidado, tanto que foi inserido na Jurisprudência em Teses 144, dedicada às faltas disciplinares. Para além do posicionamento da Corte Cidadã, o entendimento do Supremo Tribunal Federal também está alinhado à posição que advogava a configuração da falta grave [2].

Com isso, deve-se elencar os diversos efeitos derivados da infração disciplinar: a regressão de regime (artigo 118, inciso I, da LEP), a interrupção da contagem do prazo para a progressão de regime (Súmula 534 do STJ) [3], a perda de até um terço dos dias remidos (artigo 127 da LEP) e a vedação à concessão de indulto e comutação de penas, medidas que contribuem para a manutenção do cidadão no cárcere, podendo “implicar um aumento extremamente longo no tempo de encarceramento” [4].

Superada a questão acima, vale dizer que tanto o Supremo Tribunal Federal [5] quanto o Superior Tribunal de Justiça [6] concluíram que a Lei 11.343/06 apenas despenalizou a conduta de posse de drogas para uso pessoal, mas sem descriminalizá-la. Diante disso, pode-se observar que a referida postura, por se tratar de figura criminosa de acordo com a atual Lei de Drogas, refletirá de forma extremamente gravosa caso praticada no curso da execução penal, com a incidência de todos os reflexos expostos acima.

Não se pode olvidar que a doutrina tem criticado de forma a contundente a manutenção da criminalização da conduta, porquanto “ao contrário do que muitos querem crer, a nova lei (…) não traz nenhum avanço nesse campo do consumo” [7].

De qualquer sorte, descabe utilizar a tutela do Direito Penal para criminalizar conduta que não lesa bem jurídico alheio, tanto que o Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Recurso Extraordinário 635.659, discute a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, à luz dos direitos e garantias fundamentais.

Na mesma linha de raciocínio, mas pensando especificamente no reflexo produzido na execução penal, soa desarrazoado que a posse de drogas para uso pessoal ainda represente falta grave, somente por ser vista como crime doloso, gerando sérios reflexos à liberdade individual de quem cumpre pena. Isso pode ser constatado a partir da lição doutrinária que assevera clara ofensa à igualdade a proporcionalidade, porque “se os usuários de drogas em meio livre não são sancionados com a privação da liberdade, usuários presos também não poderão ver a privação de sua liberdade agravada, seja de que forma for” [8].

No entanto, apesar do posicionamento até então consolidado das cortes superiores, chama a atenção decisão prolatada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça que atribuiu conotação distinta ao crime disposto no artigo 28, baseando-se especialmente na natureza jurídica da resposta fixada pelo Estado se comparada à sanção da contravenção penal, cuja observância pode representar eventual overruling dos tribunais em relação ao tema.

Com efeito, no julgamento do REsp 1.795.962/SP, sob a relatoria do ministro Ribeiro Dantas, conclui-se que o processo penal pelo crime de posse de drogas para consumo pessoal durante o período de prova representa uma causa de revogação facultativa da suspensão condicional do processo [9].

Durante a construção de seu voto, o ministro relator apontou crescente adesão à vertente que inadmite a reincidência gerada pela posse de drogas para consumo pessoal e que por tal motivo não pode impedir a aplicação da causa de diminuição depena prevista no §4º, artigo 33, da Lei de Drogas, ambos fundamentos lastreados na “comparação entre o delito do artigo 28 da Lei de Drogas e a contravenção penal”.

Da mesma forma, asseverou ser desproporcional admitir que a contravenção penal levaria a revogação facultativa (artigo 89, § 4º, da Lei 9.099/1995), enquanto o crime previsto no artigo 28 da Lei 11.343/2006 redundaria na revogação obrigatória (artigo 89, § 3º, da Lei 9.099/1995).

Ao transportar o entendimento acima para a execução penal, torna-se igualmente perceptível a falta de proporcionalidade em se considerar a posse de drogas para consumo próprio como falta grave, pois se tem defendido que a contravenção penal preceitua resultados mais gravosos quando comparada com o artigo 28 da Lei de Drogas. Aliás, a doutrina já se posicionou no sentido de que eventual prática de contravenção penal ou crime culposo poderá ensejar no máximo falta de natureza média, mas nunca grave, tendo em vista a falta de lei neste sentido [10].

Portanto, verifica-se que a prática de contravenção penal (punível com prisão simples) não é considerada falta grave de acordo com a LEP, apesar de possuir maior gravidade em termos de resposta penal se cotejada com a posse de drogas para consumo próprio (punível com advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo), devendo se estender o entendimento da Corte Cidadã para a seara das faltas disciplinares, extirpando-se a possibilidade de caracterização de falta grave no tocante ao crime previsto no artigo 28 da Lei 11.343/06.

 é assessor de juiz do Tribunal de Justiça do Paraná, bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, campus Londrina, e pós-graduando em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

 é advogado criminalista, professor de Direito Penal da PUC-PR e mestrando em Direito Penal pela PUC-SP.