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Covid-19 agrava a saúde mental dos advogados nos EUA

Advogados dos Estados Unidos não precisam do coronavírus para ter de lidar com problemas de saúde mental. Estudos recentes têm demonstrado que problemas de depressão, ansiedade, alcoolismo e pensamentos suicidas são prevalentes na profissão. Mas o isolamento social (ou a quarentena) vem agravando esses problemas, segundo o advogado e consultor James Robinson.

Sergio Monti

Em uma pesquisa com 15 mil advogados, feita por uma comissão da American Bar Association (ABA) e pela Fundação Hazelden Betty Ford, 21% dos advogados admitiram que sofrem depressão — 45%, que já sofreram depressão em algum ponto de suas carreiras. Quase sempre nos primeiros 10, 15 anos de prática.

Problemas de ansiedade afetam 19% dos advogados. E 21% lidam com alcoolismo e se consideram alcoólatras problemáticos. No geral, 36% lidam têm problemas de “abuso de bebidas alcoólicas”. E 12% relataram ter pensamentos suicidas por pelo menos uma vez, no exercício da profissão.

Muitos advogados também usam entorpecentes ou medicamentos controlados. Isso é o que se diz, mas não foi confirmado pela pesquisa, porque os advogados preferiram, de uma maneira geral, não responder perguntas sobre essa questão.

Os problemas de depressão, ansiedade e alcoolismo já são suficientemente preocupantes. No ano passado, o Tribunal Superior de Oregon emitiu uma ordem, sem precedentes, segundo o Jornal da ABA: todos os advogados do estado são obrigados a fazer um curso de saúde mental, de pelo menos uma hora, como parte do programa de educação continuada regulamentar.

Covid-19

Trabalhar de casa, por causa do coronavírus, não melhorou a situação. Ao contrário, piorou. Os advogados continuam trabalhando sob extrema pressão, sofrendo os estresses naturais da profissão, mas sem o apoio do convívio social com os colegas, sem interações pessoais com todos que compartilham seus cotidianos.

Despidos de sua túnica de sobriedade na profissão, os advogados também são sentimentalistas, diz o advogado James Robinson. Gostam de apertar mãos, de se abraçar ou de se tocar, como todo mundo. Afinal, são “animais sociais”, como todos os humanos.

Com o coronavírus rondando suas portas, os advogados são obrigados a ter como companhia seus computadores — e viver uma vida virtual. Isso vale para todo mundo. Mas os advogados (e em certa proporção os juízes e promotores) constituem uma classe de profissionais mais afetada pela vida sob pressão incessante, sob estresse, e têm de conviver com depressão, ansiedade e alcoolismo, mais do que outros profissionais.

A notícia que se tem é de que trabalhar de casa, por mais que isso pareça um sonho para muitos trabalhadores, agrava o problema de advogados que lutam contra o alcoolismo ou contra o uso de substâncias proibidas ou controladas. Fica mais fácil abusar.

 é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

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Covid-19 deixa sistema de justiça criminal dos EUA à beira do caos

Embora a pandemia de coronavírus esteja complicando o sistema de justiça criminal de praticamente todos os países, nos EUA o problema se torna ainda mais complexo, por causa dos direitos constitucionais do réu. O direito a um julgamento rápido é um deles. Em muitos estados, o julgamento tem de ser realizado em até 90 dias após a prisão.

Mas com as cortes fechadas ou com julgamentos protelados por tempo indeterminado, a Justiça dificilmente consegue cumprir o prazo. E os executores da lei não sabem bem o que fazer — a não ser que, se não houver julgamento dentro do prazo, terão de soltar o réu.

Esse direito faz parte da Declaração de Direitos Fundamentais do cidadão, previstos na Sexta Emenda da Constituição. Há outros que também complicam a situação em tempos de coronavírus. Por exemplo, o réu tem direito a um julgamento público. Isto é, o estado não pode manter o réu em uma cela na cadeia, enquanto o julga. O julgamento tem de ser aberto ao público.

Outros direitos constitucionais do réu são: ser julgado por um júri imparcial, na jurisdição em que o crime foi cometido; ver as testemunhas que o estão acusando de crime. E outros direitos comuns, como saber do que está sendo acusado, ter testemunhas de defesa e um advogado.

Se algum desses direitos for violado, por causa do coronavírus, a sentença condenatória pode ser anulada.

Algumas alternativas estão em discussão. Parte delas vêm das Promotorias, que pretendem não processar delitos de pequena monta, o que não é comum nos EUA, pedir aos juízes para serem mais razoáveis na definição de fianças — ou que deixem o réu responder ao processo em liberdade — e estimular acordos de admissão de culpa, para dispensar o julgamento.

Mas tais acordos só beneficiam as pessoas que realmente cometeram crimes. Os inocentes podem preferir se defender em um julgamento, mesmo que tenham que esperar por ele na cadeia. Isso é um risco porque o réu pode ser condenado e pegar uma pena maior por não topar o acordo — e pode contrair a Covid-19 na prisão.

No plano político, parlamentares estaduais e federais estão discutindo medidas legislativas, como a de dar ao presidente do tribunal superior de cada estado o poder de estender o prazo para realizar um julgamento, para além dos 90 dias padrão.

A presidente da Seção de Justiça Criminal da American Bar Association (ABA) disse ao Jornal da ABA que outro efeito do coronavírus será um acúmulo da processos nas cortes e nas Promotorias.

As audiências preliminares, bem como as de definição de fiança, poderão ser feitas por teleconferência ou videoconferência, de forma que, nesses casos, o coronavírus não será um impedimento. Isso também vale para as audiências de concessão de liberdade condicional.

A situação se complica no caso de crimes mais graves, em que responder processo em liberdade não é uma opção. Nesse caso, o réu vai para uma das cadeias superlotadas do país e pode ser executado, antes do tempo, pela Covid-19.

A situação também é mais grave nos EUA, porque o país tem cerca de 2,3 milhões de presos. Dessa população carcerária, cerca de 540 mil estão em cadeias, esperando julgamento — grande parte deles porque não têm dinheiro para pagar a fiança.

 é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

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800 ações já foram movidas nos EUA por conta da Covid-19

Um surto de ações judiciais começou a seguir as pegadas da epidemia de coronavírus nos Estados Unidos. Quase 800 processos já foram protocolados em tribunais federais e estaduais, pelos mais diferentes motivos. O número de ações foi levantado pelo escritório de advocacia Hunton Andrews Kurth, que criou um sistema que rastreia processos protocolados nas cortes, chamado “tracker data”.

Sergio Monti

A onda de ações relacionadas à pandemia de coronavírus começou nas cadeias e prisões do país. Mais de 230 delas reclamam das condições de segurança dos presos, diante da ameaça de contrair a Covid-19. De uma maneira geral, elas pedem a libertação de presos que não cometeram crimes graves e estão no grupo de risco.

Estão em alta as ações referentes a disputas com companhias de seguro, direitos civis (fora as relacionadas a presos), relações trabalhistas, mortes que geram responsabilidade civil (wrongful death), contratos e provisões relativas à “força maior” (force majeure).

Nos EUA, A cláusula da “força maior”, normalmente relacionada a contratos, permite às partes “suspender ou terminar o desempenho de suas obrigações, quando surgem certas circunstâncias, além de seu controle, tornando a execução desaconselhável, comercialmente impraticável, ilegal ou impossível”, segundo o site Contract Standards.

É possível que novos padrões, relacionados à “força maior” irão surgir durante esse período de pandemia e irão influenciar a gestão jurídica das empresas para sempre. Os departamentos jurídicos das empresas e escritórios de advocacia que as representam irão dar mais destaque à cláusula de “força maior”, especialmente no que se referem a pandemias e desastres provocados pela Natureza.

A pandemia do coronavírus também deverá modificar a legislação trabalhista, que hoje é bastante desfavorável ao trabalhador, especialmente no que se refere a demissões, segundo o jornal Washington Post. Também poderá afetar a legislação referente a mortes que geram responsabilidade civil.

Os réus mais frequentes nessas ações são os hospitais, abrigos de idosos ou clínicas de repouso, empresas aéreas, linhas de cruzeiro, academias de ginástica, empresas de entretenimento e órgãos de saúde e governos estaduais.

As ações contra hospitais não irão, provavelmente, favorecer os autores. Pelo menos 15 estados do país aprovaram leis ou decretos que protegem os hospitais (também os abrigos de idosos em muitos casos) contra ações civis de responsabilização ou indenização por danos – mesmo que a queixa alegue negligência.

Poderão ser bem sucedidas as ações movidas contra empresas de entretenimento, empresas aéreas, linhas de cruzeiro, academias de ginástica que cobram mensalidade e empresas que continuam abertas, por serem consideradas essenciais.

Entre as disputas mais frequentes, estão as movidas por consumidores contra empresas de entretenimento. Muitas ações foram movidas, por exemplo, contra a Ticketmaster, que vende ingressos online para diversos tipos de eventos.

Milhares de eventos foram cancelados e não podem ser reprogramados para um futuro previsível. A empresa alega que não tem culpa da falta de visão dos consumidores. E que seria impossível reembolsá-los, sem antes recuperar os recibos de compra dos organizadores de cada evento.

As empresas aéreas e as linhas de cruzeiros estão, mais ou menos, no mesmo barco. Com milhares de viagens canceladas, as empresas perderam receitas e agora, têm dificuldades para reembolsar os consumidores — apesar de que as empresas aéreas estejam recebendo ajuda do governo.

Um pastor processou o governo do estado de Washington, por ser proibido de reunir um grupo de estudo da Bíblia em sua casa. Alguns escritórios de advocacia estão preparando ações em favor de trabalhadores e contra empresas que prestam serviços essenciais. A alegação é a falta de equipamentos protetivos pessoais contra o coronavírus.

E algumas organizações estão pedindo à Justiça que garanta o voto por correio, nas eleições gerais em novembro deste ano, que incluem eleição para presidente.

 é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

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Suprema Corte dos EUA faz sua primeira transmissão ao vivo

A Suprema Corte dos EUA teve, nesta segunda-feira (4/5) um “dia histórico” — isto é, na opinião da mídia do país. Afinal, pela primeira vez em sua história de 231 anos, a corte transmitiu ao vivo, embora apenas por áudio, uma audiência. A transmissão por vídeo ainda está fora dos planos da corte.

A audiência, da qual participaram os nove ministros e as advogadas das partes, foi feita por teleconferência — a medida de prudência que a corte tomou diante da pandemia de coronavírus.

Um fato curioso transpirou: durante a teleconferência, a ministra Elena Kagan desligou o microfone, para não captar o barulho da cozinha, onde ela lavava pratos enquanto ouvia a transmissão e esperava sua vez de fazer perguntas aos advogados. Ponto para a teleconferência: em uma videoconferência, ela não poderia cuidar do caso e das louças ao mesmo tempo.

Houve mais fatos incomuns. Por exemplo, o ministro Clarence Thomas dificilmente faz perguntas aos advogados durante audiências normais. Geralmente, os ministros fazem perguntas aos advogados quando lhes dá na telha, sem qualquer ordem. Na teleconferência, que foi ordenada, o presidente da corte, ministro John Roberts, passou a palavra a Thomas e, desta vez, ele fez perguntas.

A ministra Sonia Sotomayor dormiu no ponto quando John Roberts a chamou. Ele teve de chamá-la mais uma vez, antes que ela respondesse. Na vez do ministro Stephen Breyer, o áudio se tornou uma sucessão de grasnidos indecifráveis por alguns segundos. Mas o defeito foi corrigido.

Roberts interrompeu os advogados quando suas respostas a perguntas foram mais prolongadas do que o programado — uma atitude que nunca tomou em audiências normais. E deu um prazo de um minuto para a advogada do governo, Eric Ross, finalizar sua sustentação oral.

O julgamento, por si só, não irá ficar na história — a não ser como referência à primeira audiência da corte realizada por teleconferência. O caso se refere a uma disputa entre o governo (Escritório de Patentes e Marcas Comerciais) e o site Booking.com, uma unidade da Booking Holdings Inc. O site quer registrar, exatamente, a marca Booking.com.

O governo alega, entre outras coisas, que “Booking” (reserva) é uma palavra genérica e que o acréscimo de “.com” não qualifica o nome do site para registro como marca. Alguns ministros expressaram a preocupação de que registrar o nome Booking.com pode dar poder de monopólio à empresa, o que prejudicaria as concorrentes e os consumidores.

A advogada da empresa alegou, entre outras coisas, que 74% dos consumidores, segundo uma pesquisa, já identificam Booking.com como um nome de marca. E os consumidores devem decidir o que é e o que não é uma marca. Além disso, o termo Booking.com é descritivo, como deve ser uma marca, não um termo genérico.

O áudio foi transmitido ao vivo pelo canal de TV e rádio C-SPAN e reproduzido por muitos órgãos de comunicação. A C-SPAN, que foi criada em 1979 pelo setor de TV a cabo como um serviços público sem fins lucrativos, tem três canais de televisão, que transmitem, por exemplo, as audiências do Senado e da Câmara dos Deputados, bem como outros atos oficiais do governo e de instituições — mas nada da Suprema Corte.

Escute o áudio, que foi apresentado pela C-SPAN em uma tela de vídeo. As estrelas na tela indicam a vez de cada um dos ministros falar. Um som um pouco estranho no início do áudio é normal: o início das sessões da Suprema Corte é anunciado com um “Oyez, Oyez, Oyez”(que soa como “oiei, oiei, oiei”).

 é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.