Categorias
Notícias

Damiani e Pupo: Um limite para publicidade dos acordos de leniência

Desde que os primeiros acordos de leniência e de colaboração premiada ganharam visibilidade, a opinião pública parece ter se tornado uma audiência obrigatória do conteúdo desses novos mecanismos de combate à corrupção. É como se toda a sociedade precisasse validar se as revelações resultantes desse processo estavam condizentes às sanções aplicadas em cada caso. Diante disso, cabe uma indagação primordial: a publicidade indiscriminada desses pactos é benéfica aos fins que eles se propõem?

A resposta a essa questão começa pelo entendimento sobre o contexto em que esse tipo de acordo ganhou força no Brasil. Trata-se de uma evolução da estratégia investigativa, à medida que os instrumentos clássicos para apurar eventuais práticas ilegais nas empresas — por exemplo, a perícia contábil criminal — se mostravam ineficientes para a repressão da criminalidade econômica, a qual, rotineiramente, permeiam negociações escusas — por exemplo,  a formação de cartel —, movimentações de capital à margem do sistema financeiro regular — como é o caso do “dólar-cabo” —, entre outras.

Diante disso, surgiram institutos para premiar, com imunidade ou diminuição de pena, os agentes que confessam às autoridades públicas os delitos que perpetraram, denunciando os seus comparsas e o modus operandi da empreitada criminosa. A concessão de tais benefícios, ressalte-se, é totalmente legítima; afinal, pressupõe o rompimento empresarial com práticas ilícitas e a necessária retomada das atividades de forma ética e sustentável, em cumprimento à sua função social. Ademais, há relevante economia ao erário, na medida em que se abreviam investigações e processos.  

A grande diferença entre os dois institutos reside no fato de que a leniência é celebrada entre as autoridades públicas e as pessoas jurídicas, sendo possível a adesão de pessoas físicas nesses acordos, enquanto os acordos de colaboração premiada são firmados diretamente com as pessoas físicas infratoras. 

Por se tratar de um instrumento voltado para pessoas jurídicas, a grande maioria das contrapartidas oferecidas às empresas lenientes consiste na mitigação das multas, bem como das sanções administrativas cabíveis como, por exemplo, proibição de contratar com a administração pública. No entanto, em alguns casos específicos, a legislação prevê, inclusive, a concessão da extinção da punibilidade das pessoas físicas aderentes ao acordo de leniência (vide artigo 87 da Lei nº 12.529/11 leniências firmadas no Cade).  

De volta à discussão sobre os limites para o sigilo dos acordos de leniência, é importante salientar que o sistema jurídico brasileiro se baseia na ideia de ampla publicidade dos atos processuais (artigo 5º, LX, da Constituição Federal). Existe, inclusive, uma súmula vinculante franqueando acesso irrestrito aos defensores de todos os “elementos de prova que já (estejam) documentados em procedimento investigatório” (Súmula Vinculante nº 14 do STF).

Há também, nesse cenário, os princípios do interesse público e controle social, dado que a sociedade exige a concreta fiscalização dos pactos mencionados, especialmente porque as infrações perpetradas pelas pessoas jurídicas lenientes causam, via de regra, prejuízos difusos ou coletivos.

Outro aspecto a ser considerado é o crescente interesse da Ordem dos Advogados do Brasil  — como se depreende dos ofícios n°193/20, 194/20 e 195/20 encaminhados, respectivamente, a PGR, AGU e CGU — e demais órgãos da sociedade civil na fiscalização do cumprimento de tais acordos; afinal, os profissionais responsáveis pela persecução penal são passíveis de erros e, até mesmo, da prática de ilícitos.  Exemplo disso configurou a perigosa e audaciosa tentativa de se criar, à margem da lei, a bilionária “Fundação Lava Jato”.

Contudo, a despeito dos fortes argumentos explicitados anteriormente, a publicidade indiscriminada desses pactos não é benéfica à sociedade e está longe de colaborar para o sucesso desse mecanismo no combate à corrupção.

Explica-se: nos acordos de leniência, as empresas são obrigadas, além de confessar as práticas de ilícitos, a compartilhar segredos e mecanismos internos, como, por exemplo, abrir sua contabilidade, apresentar contratos, indicar bens móveis e imóveis, descrever operações comerciais, detalhar parcerias, dentre outras narrativas. Além disso, habitualmente a leniência está calcada em declarações prestadas por pessoas físicas, confessando-se condutas ilícitas e se delatando condutas de potenciais comparsas.

Ora, a concessão de ampla publicidade aos referidos acordos certamente trará desestímulo e pouca aderênciana medida em que pessoas físicas e jurídicas sentirão maior temor da potencial reação de terceiros delatadosdo que do julgamento de seus atos ilícitos. Sob outro prisma, a divulgação de certas informações estratégicas — indicação de preços comercialmente praticados, margem de lucro, fornecedores etc. — pode significar o colapso concorrencial.

Por conta disso, é necessário haver contornos bem delimitados para a publicidade dos acordos de leniência. As evidências produzidas se confundem com a própria essência dos processos (conteúdo dos acordos de leniência) e, por isso, devem ganhar publicidade. Quanto aos termos do acordo, apenas as obrigações assumidas pelos lenientes — valor do pagamento das multas, obrigações de prestação de serviço à comunidade etc. — merecem publicidade no sentido de se garantir a necessária fiscalização de sua destinação pela sociedade. Todo o restante deve ser mantido no mais absoluto sigilo.   

 é sócio-fundador do escritório Damiani Sociedade de Advogados e especialista em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (GV-LAW).

 é sócio do escritório Damiani Sociedade de Advogados e especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pelo IDPEE da Universidade de Coimbra, em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM)

Categorias
Notícias

TJ-SP nega pedido para suspender repasses a instituto de previdência

A alocação de recursos é tarefa primordial dos poderes políticos e não do Judiciário. Esse foi o entendimento da 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo ao negar um pedido da Câmara Municipal de Itu para suspender os repasses mensais de R$ 65 mil ao Instituto de Previdência dos servidores municipais. A Câmara alegou que esses recursos seriam imprescindíveis para o combate à epidemia da Covid-19.

Reprodução/FacebookSede da Câmara Municipal de Itu

Porém, segundo o relator, desembargador Vicente de Abreu Amadei, o pedido envolve uma questão eminentemente política, a qual não cabe, em princípio, ao Judiciário, mas aos poderes Legislativo e Executivo. “A agravante pretende que o Judiciário faça alocação de recursos escassos, recursos esses, por lei, direcionados ao agravado, de responsabilidade da agravante, e que esta alega que devem ser aplicados na contenção da epidemia”, disse.

Amadei afirmou que os poderes políticos têm seus próprios meios para agir, como por exemplo, a promulgação de leis, aptas a solucionar esse impasse. “Não pode o Judiciário ser acionado, então, para inovar na ordem jurídica, ocupando função essencialmente política e típica dos outros poderes do Estado”, completou. Segundo ele, não existe, no caso em questão, sequer alegação de violação de direito, de lei, ou de dever jurídico.

Assim, o relator afirmou ser inviável a concessão da tutela provisória. “Não só porque a questão demandaria formação do contraditório e, porque, reflexamente, há consequências para verbas alimentares de caráter previdenciário, mas também porque tudo exigiria comprovação que, decerto, escapam aos limites do processo: a saúde financeira do agravado, o montante total de gastos do agravante, as dificuldades financeiras atuais, o efetivo direcionamento destes recursos ao combate à epidemia”, concluiu.

2085736-54.2020.8.26.0000

Categorias
Notícias

Havan põe arroz e feijão à venda, mas juiz nega pedido

Prato feito

Havan põe arroz e feijão à venda, mas juiz em MT nega horário de hipermercado

Por 

Havan passou a vender arroz e feijão para funcionar no horário de hipermercados
Divulgação

Embora a atividade empresarial seja garantida pela Constituição, neste momento excepcional causado pela pandemia de Covid-19, devem ser observados os protocolos médico-científicos propostos para contenção da disseminação da doença, pelo que na ponderação dos direitos em colisão, deve ser prestigiado o direito à saúde, por seu caráter primordial e coletivo e, por força do princípio da precaução, as normas restritivas impostas pelo município de Cuiabá devem ser observadas.

Com base nesse entendimento, o juiz João Thiago de França Guerra, da 3ª Vara Especializada de Fazenda Pública capital de Mato Grosso, negou o pedido do empresário Luciano Hang para que a loja local da Havan funcione em horário estendido.

O horário pretendido pelo empresário no pedido é das 6h às 21h, conforme o critério estabelecido pelo prefeito de Cuiabá Emanuel Pinheiro (MDB) para supermercados e hipermercados, em decreto que lista medidas de combate e prevenção da Covid-19.

Para se enquadrar na faixa de horário de serviços essenciais, a rede de lojas passou a incluir alimentos como arroz, feijão, macarrão e óleo em suas prateleiras.

Na decisão, o magistrado pontua que “não se pode ignorar o fato de que a venda de gêneros alimentícios essenciais para a subsistência humana não é, tradicionalmente, o foco de sua atividade comercial”.

Esta não é a primeira derrota da rede de lojas na Justiça durante a pandemia no país. Em São Paulo, o desembargador Marcelo Semer, da 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, deu provimento a um recurso do município de Lorena e suspendeu uma liminar que permitia que a Havan retomasse suas atividades na cidade.

Clique aqui para ler a decisão
1021177-96.2020.8.11.0041

Topo da página

 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 1 de junho de 2020, 20h15