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Opinião: Súmula Vinculante nº 58 e a Zona Franca de Manaus

Em sessão virtual, o plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou por maioria a Súmula Vinculante nº 58, com o seguinte teor: Inexiste direito a crédito presumido de IPI relativamente à entrada de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero ou não tributáveis, o que não contraria o princípio da não cumulatividade”.

O referido enunciado decorre da Proposta de Súmula Vinculante nº 26, formalizada desde 14 de abril de 2009, tendo por objeto a ausência de direito ao crédito de IPI em relação à aquisição de insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero, em respeito ao princípio da não-cumulatividade (artigo 153, §3º, II, CF), cuja origem do debate remonta aos julgamentos dos Recursos Extraordinários 353.657/PR e 370.682/SC.

Destaca-se que o enunciado sugerido inicialmente não incluía no verbete os insumos isentos, o que ocorreu no curso da tramitação da Proposta de Súmula Vinculante 26. Adicionalmente, o ministro Marco Aurélio destacou que os recursos ensejadores da consolidação do entendimento do plenário do Supremo Tribunal Federal não levaram em consideração o advento do artigo 11 da Lei nº 9.779, de 1999, dispositivo normativo que teria o condão de inovar o ordenamento jurídico e prejudicar a produção de um enunciado sumular em potencial conflito com um texto legal superveniente. Assim, o ministro manifestou-se contrariamente à edição da súmula.

Após amplo debate, o ministro Teori Zavascki pediu vista, em sessão realizada em 11 de março de 2015. Finalmente, agora em 2020, com nova composição, o tema voltou a julgamento do plenário, com a apresentação do voto-vista do ministro Alexandre de Moraes, que acompanhou a maioria dos ministros e gerou a aprovação da edição da Súmula Vinculante nº 58.

Diante da superveniência e amplitude do enunciado sumular, seria razoável questionar se a referida súmula superou o entendimento consolidado na tese de repercussão geral (Tema 322), fixada em 25 de abril de 2019 pelo mesmo órgão julgador, no sentido de que: “Há direito ao creditamento de IPI na entrada de insumos, matéria-prima e material de embalagem adquiridos junto à Zona Franca de Manaus sob o regime de isenção, considerada a previsão de incentivos regionais constante do artigo 43, § 2º, III, da Constituição Federal, combinada com o comando do artigo 40 do ADCT”. Entendemos que não é razoável prevalecer tal entendimento.

Inicialmente, destaca-se que durante toda a tramitação da proposta de súmula vinculante não houve debate acerca da aquisição de insumos originários da Zona Franca de Manaus.

Em verdade, a única referência ao tema decorreu de um aparte do ministro Toffoli, ainda em 2015, ao votar pela inconveniência da aprovação da proposta, pois se encontrava pendente ‘de análise a questão dos insumos originários da Zona Franca de Manaus, cuja matéria teve sua repercussão geral reconhecida no RE nº 592.891/SP”. Mesmo diante do questionamento, o tema não foi aprofundado ou objeto de apreciação do plenário do Supremo Tribunal Federal.

Assim, a aquisição de insumos originários da Zona Franca de Manaus e o precedente formado no Recurso Extraordinário nº 592.891/SP não foram objeto de apreciação do plenário do Supremo Tribunal Federal e, portanto, não são abarcados pela Súmula Vinculante nº 58. Até porque, como alerta Luiz Guilherme Marinoni “se a súmula vinculante é um enunciado escrito a partir da ratio decidendi de precedentes ou, excepcionalmente, de precedente que versaram uma mesma questão constitucional, é indesculpável pensar em adotá-la, revisá-la ou cancelá-la como se fosse um enunciado geral e abstrato, ou mesmo tentar entendê-la considerando-se apenas as ementas ou a parte dispositiva dos acórdãos que lhe deram origem” [1].

A tese de repercussão geral (Tema 322) está fundamentada em preceitos constitucionais distintos dos debatidos na Súmula Vinculante nº 58, especialmente os artigos 43, § 2º, III, e o artigo 40 do ADCT, enunciados que consagram a tutela constitucional da Zona Franca de Manaus.

A instituição da Zona Franca de Manaus teve por objetivo promover o desenvolvimento econômico da região, conforme determinação da Constituição Federal, que consagrou em seu artigo 3º, III, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” como um dos objetivos fundamentais da República. Para tanto, a Constituição contemplou diversos meios para implementação do referido objetivo, dentre eles os incentivos regionais, que compreenderão “isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas” [2] (artigos 43, 151 e 170, todos da CF/88).

Portanto, os casos são distintos, “seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante no precedente, seja, porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente” [3].

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 592.891/SP prevaleceu a tese de que “o fato de os produtos serem oriundos da Zona Franca de Manaus reveste-se de particularidade suficiente a distinguir o presente feito dos anteriores julgados do Supremo Tribunal Federal sobre o creditamento do IPI quando em jogo medidas desonerativas” [4]. Adotou-se a técnica de distinção para estabelecer cláusula de exceção à orientação geral firmada pelo Supremo Tribunal Federal quanto à não cumulatividade do IPI, agora também refletida na Súmula Vinculante nº 58.

Ressalte-se, ainda, que a súmula vinculante pode versar sobre questão com repercussão geral reconhecida, conforme estabelece o artigo 354-E do RISTF: “A proposta de edição, revisão ou cancelamento de Súmula Vinculante poderá versar sobre questão com repercussão geral reconhecida, caso em que poderá ser apresentada por qualquer ministro logo após o julgamento de mérito do processo, para deliberação imediata do Tribunal Pleno na mesma sessão”. Todavia, apesar se ser posterior ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 592.891/SP, essa não foi a hipótese da edição da Súmula nº 58, que consolidou a orientação geral firmada pelo Supremo Tribunal Federal quanto à não cumulatividade do IPI em uma acepção lata, sem prejuízo da regra de exceção.

Assim, visando à unidade do Direito Constitucional, deve-se concluir que o conteúdo da Súmula Vinculante 58 convive harmonicamente com a tese de repercussão geral (Tema 322), fixada após julgamento do Recurso Extraordinário nº 592.891/SP, que trata especificamente da aquisição de insumos, matéria-prima e material de embalagem adquiridos junto à Zona Franca de Manaus, afastando questionamentos sobre o tema e a total insegurança jurídica.

Além dos efeitos jurídicos relacionados ao direito em vigor, o debate sobre o tema é relevante e atual, especialmente diante das propostas de emendas constitucionais que visam a simplificar a tributação do consumo. A PEC 45/2019 (Câmara dos Deputados) propõe a gradual redução dos incentivos da ZFM no prazo de transição de convivência do regime antigo com o novo regime simplificado a ser instituído. Por sua vez, a PEC 110/2019 (Senado Federal) anuncia a sua integral manutenção.

Eraldo Ramos Tavares Júnior é advogado em São Paulo e na Bahia, sócio do escritório Advocacia Tavares Novis.

 é advogado em São Paulo e na Bahia, aluno do Mestrado Profissional da FGV Direito SP, membro do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF/FGV), Núcleo de Direito Tributário Aplicado da mesma instituição.

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Improbidade em razão de atos anteriores praticados pelo presidente

Já tivemos a oportunidade de tratar neste espaço de temas caros ao estudo da improbidade, como foro por prerrogativa de função e dupla dimensão de responsabilização (improbidade/crimes de responsabilidade). Por isso, não é nenhuma novidade repisarmos que não ignoramos o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que inexiste o chamado foro privilegiado em ações de improbidade e de que os agentes políticos, à exceção do Presidente da República, estão sujeitos a duplo regime, podendo responder tanto por improbidade quanto por crimes de responsabilidade.

A questão que se põe é justamente a exceção, restrita ao Presidente da República. Que não pode ele ser alvo de improbidade por atos praticados no exercício do mandato, isso é certo, mas e por atos anteriores?

A pergunta não parece ser muito complexa: se a exceção diz respeito ao Presidente, que no exercício do mandato se submete aos crimes de responsabilidade (que derrogam o regime de responsabilização da improbidade), o agente, se Presidente ainda não era, pode sim ser alvo de ação de improbidade. O ponto, contudo, exige aprofundamento.

Sabido que a ação de improbidade admite afastamento cautelar do cargo; igualmente conhecida a divergência no âmbito da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça sobre se a sanção de perda da função pública se atrela ao cargo em que praticado o ilícito ou se ela se estende para o cargo atualmente desempenhado, ainda que posterior ao ilícito. Daí a reflexão: imagine-se a hipótese de um agente que seja réu em ação de improbidade e posteriormente se torne Presidente; ou a hipótese de alguém que se torne Presidente, mas passe a ser investigado por possível improbidade praticada anteriormente à assunção ao cargo.

Em ambas as hipóteses, questionamentos surgem: dada a inexistência de foro por prerrogativa de função em improbidade, seria possível ao membro do Ministério Público que oficia perante o primeiro grau empreender procedimento inquisitório tendo como alvo o Presidente? Ajuizada a demanda, seria possível afastamento cautelar do Presidente em razão de ato supostamente praticado anteriormente à posse? Tramitando a ação, a sanção de perda de função pública poderia atingir o cargo de Presidente?

Particularmente, entendemos que a resposta é negativa para as três questões. A Constituição, bem assim a lei dos crimes de responsabilidade, previu regime detalhado e excepcional de responsabilidade para o Presidente da República. As situações que admitem sua retirada forçada do cargo são absolutamente extremas e exigem grandes solenidades, enunciadas taxativamente no artigo 86, § 1º, da Constituição. A par desse dispositivo, merece destaque o § 4º do mesmo artigo, a rezar que “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

É dizer, a dinâmica sancionadora da ação de improbidade estaria bem mais próxima das condições de procedibilidade e da impossibilidade de responsabilização que norteiam a matriz de responsabilização dos crimes comuns e de responsabilidade e mais distante de uma mera ação cível comum, que admitiria tramitação livre em primeiro grau.

Assim, entendemos (de lege ferenda ou por uma aplicação analógica dos dispositivos acima) que o ajuizamento de ação de improbidade por ato anterior ao mandato potencialmente careceria de interesse processual ou de justa causa, seja pela falta de condição de procedibilidade, seja pela impossibilidade de ela resultar em responsabilização na constância do mandato. Seria o caso, pois, de se extinguir a ação, dada a impossibilidade de suspensão do processo por período prolongado. Por outro lado, o prazo prescricional poderia ser suspenso a partir da assunção do mandato, sendo retomado ao término dele (o paralelo aqui é com o prazo prescricional para exercício de pretensão sancionadora em razão de ato praticado por agente político no exercício do mandato, que somente se inicia ao fim do último período eletivo).


Rcl 2.138 e Pet 3.240.

https://www.conjur.com.br/2019-jul-05/mudrovitsch-pupe-improbidade-perda-funcao-publica

 é sócio-fundador do Mudrovitsch Advogados, professor de Direito Público, doutor em Direito Constitucional pela USP e mestre em Direito Constitucional pela UnB. Membro do grupo de trabalho instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça destinado à elaboração de estudos e indicação de políticas sobre eficiência judicial e melhoria da segurança pública.

 é sócio do Mudrovitsch Advogados, especialista em Direito Constitucional, mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, professor de Processo Civil do IDP e vice-presidente da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil.

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Opinião: Suspensão temporária do contrato e redução do salário

Prezado (a) Leitor (a) !

Vivemos tempos nunca imaginados. Isolamento social, inseguranças e incertezas são sentimentos que acompanham a sociedade e o mundo. Com tudo isso preocupações econômicas e sociais.

1. Breves digressões
O Decreto Legislativo n° 6/2020 estabeleceu estado de calamidade pública em razão da Covid-19. Com o fim de manter empregos e renda, medidas provisórias foram criadas.

Dentre elas, destaca-se a Medida Provisória (MP) 936/2020, a qual tratou das hipóteses de suspensão do contrato de trabalho, redução do salário proporcional à jornada e suspensão do contrato para curso.

Além disso, a MP 936/2020 expressamente estabelece os sujeitos que não estão abarcados nas suas determinações, e que estão abarcados no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: órgãos da administração pública direta e indireta, as empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive as suas subsidiárias, e aos organismos internacionais.

Em uma leitura atenta ao artigo 3°, parágrafo único, da MP 936/2020, percebe-se que a gestante não está incluída no rol taxativo. Sendo assim, o empregador pode acordar – de forma individual ou coletiva – com a empregada as medidas emergenciais disciplinadas pela MP 936/2020.

2. Suspensão do contrato de trabalho
A doutrina conceitua a suspensão do contrato de trabalho como o período em que o empregado não trabalha, não recebe e, igualmente, não há contagem do tempo de serviço.

Em no ponto, A MP 936/2020 aduz que a suspensão temporária do contrato deverá ser feita da seguinte forma:

  • Prazo: máximo de 60 dias, que poderá ser fracionado em até dois períodos de 30 dias.
  • Valor: empresas com receita bruta anual menor que R$4,8 milhões, o valor do Benefício Emergencial para Manutenção do Emprego e Renda (BEPER) será pago pelo governo federal integralmente e a base de cálculo é o seguro-desemprego; empresas com receita bruta anual acima de R$4,8 milhões deverão manter o pagamento de 30% da remuneração dos empregados (ajuda compensatória) e também receberão o BEPER do governo federal, no valor de 70% do benefício.
  • Ajuda compensatória: tem o valor definido no acordo individual pactuado ou em negociação coletiva; terá natureza indenizatória; não integrará a base de cálculo do imposto sobre a renda retido na fonte ou da declaração de ajuste anual do imposto sobre a renda da pessoa física do empregado; não integrará a base de cálculo da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários; não integrará a base de cálculo do valor devido ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, instituído pela Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, e pela Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015; e poderá ser excluída do lucro líquido para fins de determinação do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.
  • Requisitos: acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao funcionário com antecedência de, no mínimo, 2 dias corridos; informação no prazo de 10 dias ao Ministério da Economia; não manter as atividades (trabalho remoto, teletrabalho, trabalho à distância), com penalidades ao empregador, tais como: pagamento imediato da remuneração e dos encargos sociais referentes a todo o período; às penalidades previstas na legislação em vigor; e às sanções previstas em convenção ou em acordo coletivo. Acordos individuais celebrados deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até 10 dias corridos, contado da data de sua celebração.
  • Restabelecimento do contrato de trabalho: no prazo de 2 dias corridos, contado (i) da cessação do estado de calamidade pública; (ii) da data estabelecida no acordo individual como termo de encerramento do período e suspensão pactuado; ou (iii) da data de comunicação do empregador que informe ao empregado sobre a sua decisão de antecipar o fim do período de suspensão pactuado.

Fique de olho! O empregado fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados, e ficará autorizado a recolher para o Regime Geral de Previdência Social na qualidade de segurado facultativo. Quanto a este último requisito “qualidade de segurado facultativo”, é que residem discussões quando se trata de gestantes.

Antes de adentrar no tema propriamente dito, se fazem necessários alguns esclarecimentos.

3. Direitos das empregadas gestantes
São direitos trabalhistas e previdenciários das empregadas gestantes:

a) Estabilidade: momento da confirmação da gravidez até 5 meses após o parto (artigo 10, II, “b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

b) Licença–maternidade / Transferência de função: a empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário (Art. 392, CLT).[4]

c) Não trabalhar em locais insalubres (art. 394-A,CLT).

d) Salário- maternidade (benefício previdenciário para gestante ou adotante – art. 71 e seguintes, Lei 8.213/90).

O último direito sofre impactos com a MP 936/2020 e será objeto do próximo tópico.

4. Suspensão do contrato de trabalho da gestante e suas implicações no salário-maternidade
O salário-maternidade é um benefício previdenciário pago em virtude de gravidez, aborto ou adoção.

Para ter direito ao benefício alguns requisitos (tipo de segurada, carência e valor) devem ser preenchidos.

O que isso significa?

A suspensão do contrato de trabalho transforma a gestante em segurada facultativa. Ou seja, como não está trabalhando, não precisa mais contribuir com a previdência de forma obrigatória.

A obrigação que era do empregador passa a ser da empregada e de forma facultativa. Ressalte-se que o tempo de suspensão só será contado como tempo de serviço para fins de aposentadoria, se a empregada contribuir na modalidade de segurada facultativa (art.8°,§2°, II, MP 936/2020).

Ademais, a Lei 8.213/90 estipula os valores e a carência (quantidade de meses trabalhados) do benefício levando em consideração cada tipo de segurada. Destaca-se duas, objeto do presente post:

EMPREGADA: não há carência (exigência de meses trabalhados), mas precisa estar em atividade no momento do pedido, sendo o valor será sua remuneração integral equivalente a um mês de salário.

FACULTATIVA: exige carência de 10 contribuições e o valor do salário maternidade será um doze avos da soma dos doze últimos salários-de-contribuição, apurados em um período não superior a quinze meses.

Atente-se que há diferença de valores!

É válido ressaltar que os reflexos no salário-maternidade vão depender do tempo de gestação (quantidade de semanas da gravidez).

Se a gestante está no início da gravidez e tem o contrato suspenso, não terá prejuízos no benefício salário-maternidade, via de regra, a não ser que tenha parto prematuro. Para empregadas que estão no final da gestação, haverá prejuízos.

Para melhor compreensão, é necessário exemplificar:

Exemplo 1: uma empregada, há 10 meses trabalhando na empresa, com 36 semanas de gestação, tem seu contrato de trabalho suspenso por 60 dias, prazo máximo permitido pela MP 936/2020, estava contribuindo como segurada facultativa, e, durante este período, entra em trabalho de parto e ganha o bebê. Em virtude da suspensão do contrato de trabalho, o cálculo do benefício levará em consideração a soma dos 12 últimos salários-de-contribuição e, do total, ainda será aplicada a fração de 1/12 para se chegar ao valor do salário-de-benefício. Se o salário-de-contribuição da empregada é, por exemplo, de R$2.000,00 durante os últimos dez meses, certo é que o valor total de recebimento em um ano é igual a R$20.000,00. Aplicando-se a fração de 1/12 a este valor, totaliza R$1.666,67 e este será o salário-de-benefício a ser pago à segurada facultativa. Tal regra também é aplicável à desempregada que mantenha a qualidade de segurada.

Exemplo 2: uma empregada que trabalha em uma empresa também há 10 meses e com 36 semanas de gestação – com remuneração no valor de R$ 2.000,00 – não tem seu contrato de trabalho suspenso e continua trabalhando até o 28º dia antecedente ao parto. Informa ao empregador e este solicita e paga o salário-maternidade a esta empregada. Para concessão do benefício não é exigida carência, uma vez que a pessoa ainda estará em atividade e o valor do salário-de-benefício será igual ao da última remuneração paga pelo empregador. Portanto, o valor que a empregada receberá de salário-maternidade será igual a R$2.000.

Destarte, conclui-se que a suspensão do contrato de trabalho para as empregadas gestantes e, em particular, as que contam com 30 semanas ou mais de gestação, trará prejuízos financeiros importantes, principalmente no tocante à concessão do salário-maternidade.

Imperioso destacar que os prejuízos mais severos recairão para as mulheres que, durante o contrato de trabalho, não adquiriram a carência mínima de 10 meses exigida para os casos de segurada facultativa ou desempregada, pois, de acordo com a legislação previdenciária, o não preenchimento de um dos requisitos enseja o indeferimento do pedido, ou seja, não será concedido o salário-maternidade.

No entanto, para as gestantes que tiverem contribuído 12 meses ou mais, não haverá prejuízo caso tenha seu contrato de trabalho suspenso, tendo em vista que o seu salário-de-benefício não será alterado e a mulher receberá o salário-maternidade no mesmo valor da sua remuneração.

Entrementes, uma das alternativas para resolver este impasse seria a concessão de férias antecipadas às empregadas no final da gestação e, ao retornar das férias, que fosse concedido o salário-maternidade. Desta maneira, a empregada garantiria o valor do salário-de-benefício igual ao da última remuneração, sem perdas financeiras.

Outra medida que não acarretaria prejuízos significativos para gestante seria a prorrogação da licença-maternidade com a suspensão do contrato de trabalho, caso o País ainda esteja em estado de calamidade pública. Adotando esta medida, a segurada receberia o salário-maternidade igual ao valor da sua última remuneração, gozaria da licença de 120 dias e, ao invés de retornar para o trabalho no seu término, poderia acordar com o empregador a suspensão do contrato de trabalho por até 60 dias, recebendo durante este período, o BEPER.

Mas, se ao invés de suspender o contrato de trabalho, a empresa opte pela redução da jornada de trabalho e consequente redução do salário da empregada gestante, haverá algum prejuízo para a trabalhadora? Isto será abordado no próximo tópico.

5. Redução proporcional da jornada de trabalho e de salário e suas consequências no salário-maternidade
Antes de adentrar no cerne da questão, é importante esclarecer quais são os requisitos para medida de redução do salário proporcional à jornada, segundo a MP 936/2020.

A redução da jornada de trabalho e de salário pode ser acordada individualmente entre o empregado e o empregador, possuindo prazo máximo de 90 dias, devendo cumprir os seguintes requisitos: a) preservação do salário-hora; b) redução da jornada e do salário exclusivamente nos percentuais de 25%, 50% ou 70% (para acordo individual).

A redução poderá ser feita por acordo individual expresso, nos percentuais de 25%, para todos os trabalhadores, e de 50% e 70%, para os que recebem até três salários mínimos (R$3.135).

Para os que hoje já realizam acordos individuais na condição de “hipersuficientes”, quais sejam, percebem salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do RGPS (R$12.202,12) e com curso superior, os percentuais de redução serão pactuados entre as partes, com o direito a recebimento do Benefício Emergencial de Proteção ao Emprego e Renda (BEPER).

O BEPER pago pelo governo federal, nos casos de redução de jornada e salário, tem como base de cálculo o percentual da redução. Assim, se o empregador e o empregado optarem por uma redução de jornada de trabalho equivalente a 25%, o BEPER será calculado no montante de 25% da redução.

Atenção! O valor atribuído pelo BEPER não é calculado conforme a remuneração do empregado, mas sim conforme o valor do seguro-desemprego a que o empregado teria direito caso fosse demitido sem justa causa.

Em virtude da redução da renda do empregado, o salário-de-contribuição também é reduzido, uma vez que não foi definida nenhuma ressalva com relação a isto na MP 936/2020. Portanto, é permitida a redução da contribuição previdenciária proporcionalmente à redução do salário e da jornada, de acordo com os mesmos percentuais estipulados no art. 7°, III, da MP 936/2020.

Ainda que o empregador estipule uma ajuda compensatória, a qual possui natureza indenizatória, tal valor não será integrado à remuneração do empregado, muito menos servirá como base de cálculo para recolhimento previdenciário, conforme expressamente determinado no art. 9º, §1°, IV, da MP 936/2020.

A redução da contribuição previdenciária, de modo geral, acarreta prejuízos ao segurado, principalmente se a alíquota recair em um valor abaixo do salário-mínimo, na medida em que o recolhimento abaixo do salário-mínimo pode não servir para efeito de aposentadoria e carência para concessão de benefícios previdenciários.

De modo particular, com relação à empregada gestante, caso haja a redução da sua jornada de trabalho e de salário, ainda que em 25%, o recolhimento de sua contribuição previdenciária pelo empregador será abaixo de sua remuneração habitual e tal valor será considerado para efeito do cálculo do salário-de-benefício do salário-maternidade, uma vez que, para a segurada empregada, apesar de não ser exigida carência, o valor do benefício será igual ao da sua última remuneração.

Entretanto, se esta mesma empregada recebe somente um salário-mínimo, em razão da garantia constitucional de vedação de benefício inferior ao salário-mínimo, o valor do salário-maternidade deverá ser igual ao mínimo vigente, não ocasionando maiores prejuízos especificamente a este benefício. Porém, no futuro, o salário-de-contribuição recolhido a menor poderá interferir nos cálculos de outros benefícios previdenciários como o auxílio-doença e aposentadoria, por exemplo.

Uma solução válida para as seguradas gestantes que recebem acima de um salário-mínimo, e tiverem sua jornada de trabalho e salário reduzidos, é a complementação da contribuição previdenciária pessoalmente através de emissão de Darf obtida através do site da Receita. Tal medida já é utilizada pelo trabalhador intermitente e pode servir também para que as empregadas gestantes recebam o salário-maternidade no mesmo valor que receberiam caso estivessem sendo remuneradas com o seu salário real.

Após a análise de duas entre as três medidas emergenciais tratadas pela MP 936/2020, é de suma importância demonstrar que para ambas medidas foi prevista uma garantia provisória no emprego pelo recebimento do BEPER.

6. Garantia provisória no emprego em caso de suspensão temporária do contrato e redução do salário proporcional à jornada
A garantia provisória no emprego é uma flexibilização do poder potestativo do empregador. Em outras palavras, é uma limitação ao direito que o empregador tem de dispensar o empregado injustificadamente.

A MP 936/2020 dispõe que será concedida a garantia provisória no emprego durante o período acordado de redução da jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho; e após o restabelecimento da jornada de trabalho e de salário ou do encerramento da suspensão temporária do contrato de trabalho, por período equivalente ao acordado para a redução ou a suspensão. EX: empregador reduziu jornada e remuneração por um mês. O empregado fica com garantia provisória de dois meses (um mês do período + período equivalente).

No tópico “3” (Direitos das empregadas gestantes), consta que a gestante tem direito à estabilidade provisória no período da confirmação da gravidez até 5 meses após o parto.

É de bom alvitre demonstrar que, para não ferir a isonomia, a empregada gestante tem direito a estabilidade da gestante somada à garantia provisória no emprego.

Para melhor entendimento, exemplifica-se :

Exemplo 1: imagine um empregado que acordou suspensão temporária do contrato de trabalho por 30 dias. Este terá direto à garantia provisória no emprego por 30 dias (período do recebimento do BEPER) + 30 dias (pelo período equivalente).

Exemplo 2: agora imagine que uma empregada gestante acordou a suspensão temporária do seu contrato de trabalho por 30 dias. Em virtude da gravidez, possui estabilidade provisória no emprego. Entretanto, como teve o contrato temporariamente suspenso, quando findar sua estabilidade provisória no emprego, faz jus à garantia provisória de emprego pelo prazo de 30 dias (período do recebimento do BEPER) + 30 dias (período equivalente).

Fique de olho! Leite (2014)[5] leciona que a garantia de emprego é um direito fundamental conferido ao empregado, que protege sua relação empregatícia contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa apurada em processo administrativo ou em defesa do empregador em ação proposta pelo empregado. A garantia no emprego pode ser permanente ou provisória. Já a estabilidade no emprego também visa à manutenção da relação empregatícia, protegendo-a contra a vontade do empregador, salvo, nos casos da falta grave cometida pelo empregado e apurada em inquérito judicial ajuizada pelo empregador ou, ainda, na hipótese de força maior devidamente comprovada.

De mais a mais, é de suma relevância destacar que no mês de novembro de 2019, no julgamento do IAC 5639-31.2013.5.12.0051, o TST fixou a tese de que é inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. O mesmo entendimento é válido para a garantia provisória no emprego prevista no art.10 da MP 936/2020.

Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que as medidas emergenciais (suspensão temporária do contrato e redução do salário proporcional à jornada), previstas na MP 936/2020 e acordadas com a empregada gestante, têm impactos no salário-maternidade, e, em algumas situações, causando prejuízos severos, e, em outras, nem tanto. A estabilidade provisória no emprego em virtude da gravidez deve ser cumulada com a garantia provisória no emprego pelo recebimento do BEPER, salvo para empregada temporária, com o fim de cumprir a isonomia.

É importante que o empregador verifique, no caso concreto, as condições da empregada gestante na empresa e consulte qual melhor medida a ser tomada a fim de diminuir os prejuízos que, porventura, sua funcionária poderá sofrer em virtude das medidas emergenciais de proteção ao emprego e  renda.

Em todos os segmentos do Direito, mas principalmente nas áreas Trabalhista e Previdenciária, a melhor solução é a prevenção, afinal de contas, os efeitos da negligência cometida no presente geralmente surtirão seus efeitos somente no futuro e, na maioria das vezes, são são irreversíveis!

Clique aqui para ler o artigo na íntegra

Anita Duarte é advogada, professora, pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, colunista em sites jurídicos e coautora em obras jurídicas.

Luana Andrade é advogada, pós-graduada em Direito Previdenciário e Processo Previdenciário. Militante nas Áreas Previdenciária e Trabalhista.

 é mestre em Direito pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, especialista nas Relações Trabalhistas e Sindicais, organizador do e-book digital “Coronavírus e os Impactos Trabalhista” (Editora JH Mizuno), palestrante e instrutor de eventos corporativos “in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe.

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Incide IR sobre valores percebidos como incentivo à aposentadoria

Em sessão ordinária realizada no dia 12 de março, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) fixou a seguinte tese: “Os valores pagos, a título de ‘prêmio aposentadoria’, como retribuição pelo tempo que o empregado permaneceu vinculado ao empregador, têm natureza remuneratória e, portanto, estão sujeitos à incidência do Imposto de Renda” (Tema 227).

O Pedido de Interpretação de Uniformização de Lei foi interposto pela União contra acórdão da 5ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul, que reconheceu a natureza indenizatória da vantagem denominada “prêmio aposentadoria”, paga ao tempo da inativação, e, por conseguinte, a inexistência de relação jurídica que autorizasse a incidência do IRPF.

Segundo o requerente, essa decisão contraria o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu taxativamente a natureza remuneratória do “prêmio aposentadoria” porque paga por mera liberalidade do empregador, traço distintivo da rubrica paga em decorrência da adesão a plano de demissão voluntária (PDV).

Critérios

Em suas razões de decidir, o Relator do processo na TNU, Juiz Federal Ronaldo Castro Desterro e Silva, iniciou sua exposição de motivos pontuando que o benefício recebido pela autora, denominado “prêmio aposentadoria”, acha-se previsto no art. 79 do Regulamento do Pessoal do Banrisul.

“O primeiro dos traços distintivos da aposentadoria premiada em relação aos denominados ‘planos de demissão voluntária’ reside no fato de que, nestes, há um acordo de vontades no qual o empregador, à vista da ociosidade da mão de obra ou de seu preço, estimula o empregado, mediante o pagamento de certa quantia, a pedir dispensa. Com efeito, no prêmio aposentadoria inexiste o acordo de vontades, sendo a inativação e o prêmio por essa iniciativa direitos do empregado”, defendeu o juiz.

Dando prosseguimento ao voto, o magistrado afirmou que não há, ainda, na aposentadoria premiada o risco de desamparo provocado pelo mal empreender ou pelo desemprego, porquanto o aposentado tem seu sustento garantido. De resto, o incentivo é, antes, voltado para a permanência no emprego, pois, consoante se depreende da transcrição do regulamento, quanto maior o tempo de serviço, maior o prêmio. Seguindo essa linha de raciocínio, o Juiz Relator defendeu que não há identificação entre o prêmio aposentadoria e os programas de demissão voluntária, a autorizar a isenção do Imposto de Renda. Com informações da assessoria de imprensa do Conselho da Justiça Federal.

5063352-39.2017.4.04.7100