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Consumidor que teve nome negativado consegue majorar indenização de danos morais

Consumidor consegue majorar valor de indenização de R$ 5 mil para R$ 10 mil por negativação de nome indevida. Decisão é da 7ª câmara Cível do TJ/PR ao reconhecer a falha de prestação de serviços da empresa em manter o nome do autor negativado por mais de dois anos. 

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O autor alegou que teve seu nome negativado por contrato com empresa de telefonia, mesmo tendo quitados os débitos mais de dois anos após a dívida. Em 1º grau, o juiz procedeu aos pedidos de baixa da negativação e condenou a empresa a indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil.

Apesar da sentença favorável, o autor interpôs recurso requerendo a majoração dos danos morais para R$ 15 mil, por entender que a verba fixada não condiz com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

A relatora, desembargadora Joeci Machado Camargo, constatou que o valor arbitrado em sentença se revelou desarrazoado às peculiaridades do caso e que a manutenção da indenização serviria para impedir que a empresa continuasse com as práticas ilegais.

“Atentando para as particularidades das partes envolvidas, principalmente quando se observa que a inscrição do nome do autor permaneceu indevida por mais de dois anos desde o pagamento (incontroverso) da dívida, sem a necessária baixa pela ré, tenho que a manutenção de indenizações ínfimas não servirá para impedir a continuidade de práticas ilegais, descumprindo justamente seu relevante papel socioeducativo de desestímulo ao ilícito.”

Sendo assim, os magistrados deram provimento, por unanimidade, ao recurso para majorar o valor dos danos morais para R$ 10 mil por entender ser mais justo e efetivo.

“Se configura como mais equilibrado e necessário para que a resposta do Poder Judiciário seja efetiva e justa, em consonância com a premissa de que o montante da condenação, nas reparações por dano moral, deve corresponder a dois elementos: compensação para a vítima e sanção para o infrator.”

O escritório Engel Advogados atuou em defesa do consumidor.

  • Processo: 0001256-13.2018.8.16.0038

Confira a decisão.

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Opinião: Vírus do autoritarismo na pandemia do coronavírus

O presente texto não vem questionar os critérios técnicos científicos do isolamento horizontal para fins de evitar a propagação do vírus e o debate econômico que defende o isolamento vertical. Também não deseja ingressar nas razões ideológicas que cercam o debate. Mesmo porque as posições contrapostas estão misturadas e invertidas. O que se deseja abordar são os limites dos poderes do Estado na limitação do direito de ir e vir e na livres iniciativa econômica — sob a premissa de que se o isolamento é a estratégia correta, deve ser voluntário.

Importante artigo de Raúl Zibechi veio tratar da militarização da crise do Corona vírus. O autor denuncia que “É necessário voltar aos períodos do nazismo e do estalinismo, há quase um século, para encontrar exemplos de controle de população tão extenso e intenso como os que acontecem na China, nesses dias, com a desculpa do coronavírus. Um gigantesco panóptico militar e sanitário, que limita a população”. Continua revelando que as cidades parecem “campo de concentração a céu aberto pela imposição de quarentena a todos os seus habitantes (…) Cidades desertas, onde transita apenas gente da segurança e da saúde.”[1]

Nesse contexto, foi realizada pesquisa, divulgada em 6 de abril, demonstrando que 76% da população aprova o isolamento[2], denotando o apoio popular às medidas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Acompanhando esse sentimento popular, em 8 de abril, o Supremo Tribunal Federal, por meio do ministro Alexandre de Moraes, decidiu que o governo federal não pode derrubar decisões de estados e municípios sobre restrições na atividade econômica e circulação de pessoas que correspondam a formas de combate ao avanço da atual pandemia[3].

O pedido formulado pela OAB na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 672 à corte constitucional visava impedir a presidência do governo federal de interferir no trabalho técnico do Ministério da Saúde e nas decisões dos governadores. Na decisão o Min. Alexandre de Moraes afirmou ser grave a divergência de posicionamentos entre autoridades dos diversos níveis federativos, concluindo que não compete ao poder executivo afastar decisões de governos estaduais que adotaram medidas “reconhecidamente eficazes para a redução de número de infectados e de óbitos”, posicionamento que faz coro com a opinião majoritária da população, mas diverge do presidente da república — este defende a “voltar à normalidade” e o fim do “confinamento em massa” resultante de “pavor” que os meio de comunicação teriam espalhado[4].

Com efeito, o medo move o sentimento da população que apoia massivamente essa espécie de controle populacional, ocorre que esse medo pode se voltar contra o cidadão – vale recordar a máxima: o preço da liberdade é a eterna vigilância.

Temos um novo “inimigo interno”, invisível, o coronavírus. No imaginário vem cair como uma luva em terra que já foi fértil a doutrina de segurança nacional, que se fundamentou contra os “inimigos da pátria”. Esses inimigos vão mudando de tempos em tempos; os comunistas, os subversivos, depois traficantes e hoje a questão da saúde pública toma o lugar.

A política higienista não é inédita no Brasil, já vivemos as consequências dela no início do século XIX, e fomos o primeiro país do mundo a ter carteira de identidade, controle sob hotéis e transformamos cidades com as destruições dos cortiços sob a justificativa da higiene. Mesmo assim, hoje nos deparamos, em pleno século XXI, com enormes favelas sem água ou sabão. Antes do positivismo a ideologia higienista contra o pobre, o negro, o estrangeiro e as atitudes de “mendigos e ébrios”, “vadios e capoeiras” e “prostitutas e cáftens”, que serão criminalizados pelo Código Penal de 1890 e suas alterações, a fim de limpar a cidade do que era considerado “fezes sociais” e suas atitudes “viciosas” e propagadoras de “doenças[5]”.

A carta fundante da democracia brasileira de 1988 tem no seu artigo como fundamento da República brasileira a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Estão presentes no texto constitucionais garantias das liberdades individuais no artigo 5º, assim como a proteção à livre iniciativa econômica, no artigo 170. De outro lado, a Constituição prevê a possibilidade de suspensão de garantias, em seu artigo 137[6], com a possibilidade do presidente da República solicitar a decretação de estado de sítio em caso de “comoção grave” ou a “ineficácia de medida durante estado de defesa” ou “declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada”, com limitação de 30 dias, e somente nesses casos medidas para “obrigação de permanência em determinadas localidades” “detenção em edifícios” “restrições relativas a inviolabilidade de correspondência” e mesmo a “suspensão de liberdades de reunião” a “intervenção nas empresas de serviços públicos”. Veja, não estamos vivendo os pré-requisitos para estado de sítio, mesmo sendo a saúde um dos fundamentos do artigo sexto da constituição.

A aprovação da Lei 13.979 de 2020, que dispõe sobre o enfrentamento de emergência do coronavírus concede uma série de poderes às “autoridades”, sem a exata definição de competências, possibilitando medidas de isolamento e quarentena. Possibilita a “restrição excepcional e temporária de rodovias, portos ou aeroportos”. Possibilita a requisição de bens e serviços de pessoas físicas ou jurídicas, com indenização posterior. Garante a autorização do Ministério da Saúde, excepcional e temporária de produtos mesmo sem registro da Anvisa. e determinação compulsória de determinados atos, assim como de estudos ou investigação epidemiológica, exumação, necropsia, cremação e de manejo de cadáveres.

Ocorre que o isolamento é exclusivo para “separação de pessoas doentes ou contaminadas”, além de objetos. Portanto, a lei cria uma condição ao exercício do poder de isolamento da autoridade, qual seja, a existência de teste conclusivo de que o destinatário da ordem de isolamento esteja contaminado.

A quarentena de igual forma somente pode ser direcionada a atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação que não estejam doentes de “maneira a evitar a propagação de coronavírus”. Esses poderes, portanto, são limitados e não suspende a garantia de ir e vir de pessoas. Mesmo a “excepcional e temporária” restrição de rodovias, portos e aeroportos precisa de prévia recomendação técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

A emergência sanitária e a necessidade de proteção da vida e a edição de norma nova sem regulamentação acabou por gerar, mesmo que de boa-fé, ações que extrapolam a norma, as competências Federais, Estaduais e Municipais. Isso em especial em um país em que não são cumpridos os objetivos das fundamentais da República, especialmente aquele determinado pelo artigo 3º da Carta Magna, que é erradicar a pobreza e garantir o bem estar de todos. Como resultado, temos enorme parcela da população sob fragilidade, que agora se vê diante de situação ainda mais complicada.

É preciso encontrar equilíbrio na manutenção das garantias constitucionais da liberdade de ir e vir, da livre manifestação do pensamento, vedando por evidente divulgação de informações que coloquem em risco a população. Mas acima de tudo entender que, exceto nos casos de evidente contaminação comprovada, o Direito Penal não é o caminho para lidar com a situação de pandemia.

Bem por isso, os ‘Crimes contra a Saúde Pública” previstos no Código Penal “causar epidemia” (artigo 267), e “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa” (artigo 268), não se aplicam as pessoas não contaminadas que decidam negar o isolamento ou a quarentena.

De modo que o caminho democrático é a conscientização da população, se é quarentena e isolamento que poderão auxiliar a controlar a pandemia, deve a imposição à liberdade ser voluntária e motivada pelo ideal de contribuir com a saúde pública. As liberdades individuais de quem não coloca em risco a saúde pública não podem ser sacrificadas com justificativa da crise causada pelo coronavírus, sob pena de no futuro as autoridades encontrarem novos pretextos para tolher a liberdade do cidadão.


1 ZIBECH, Raúl. Coronavírus: a militarização das crises. In: Coronavírus e a luta de classes. São Paulo: Terra Amos, 2020, P. 37.

2 https://exame.abril.com.br/brasil/76-dizem-que-isolamento-social-e-o-mais-importe-agora-aponta-datafolha/

3 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441075

4 https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/03/24/bolsonaro-pede-na-tv-volta-a-normalidade-e-fim-do-confinamento-em-massa.ghtml

5 FERNANDES, Fernando Augusto. Voz Humana: a defesa perante os tribunais da república. Rio de Janeiro: Revan, 2004.

6 Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

 é sócio do Fernando Fernandes Advogados, advogado criminalista e doutor em Ciência Política.

 é sócio do Fernando Fernandes Advogados e criminalista especializado em compliance.

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Estrela: STF e a relativização dos direitos dos trabalhadores

Não é de hoje que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem assumido um papel de relativização dos preceitos fundamentais que edificam a ontologia do Direito do Trabalho enquanto sistema específico dentro do ordenamento jurídico nacional. Na sua história recente, a Corte Maior tem contribuído e até se antecipado ao Poder Legislativo no processo de flexibilização dos direitos trabalhistas ao formalizar práticas extracontratuais ilegais e socialmente ilegítimas, especialmente em tempos de crise econômica.

Esse protagonismo precarizante pode ser constatado na longa lista de apreciação da (in)constitucionalidade de atos normativos e/ou julgamentos em sede de repercussão geral em matéria trabalhista. De forma ilustrativa, podem-se destacar:

— ­A declaração de inconstitucionalidade das normas que previam a prescrição trintenária para as ações relativas aos valores não depositados do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) (RE 522897); 

— A permissão para que Organizações Sociais (Oss) possam prestar serviços públicos nas áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, meio ambiente, saúde e cultura, aprofundando a terceirização na administração pública (ADI 1923);

— ­A validade de cláusula que concede quitação ampla e irrestrita para todas as parcelas decorrentes do contrato de emprego em casos de adesão do empregado ao Plano de Demissão Voluntária (PDV) (RE 590415); 

— A prevalência do negociado sobre o legislado quanto à supressão do pagamento das horas extraordinárias pelo percurso até o trabalho (horas in itinere) previsto em instrumento negocial coletivo; (RE 895.759); 

— A declaração de constitucionalidade da jornada 12 x 36 para os bombeiros civis (RE 590.415);

­A suspensão dos efeitos da lista suja do trabalho escravo (ADI 5209); 

— A fixação do entendimento de que a utilização de equipamentos individuais de proteção (EPIs) afasta a possibilidade de o trabalhador pleitear a aposentadoria especial (ARE 664.335);

— ­A suspensão dos efeitos das decisões da Justiça do Trabalho sobre a ultratividade dos acordos e das convenções coletivas com base na Súmula 277/TST (ADPF 323);

— ­A declaração de constitucionalidade da terceirização em todas as etapas do processo produtivo, não importando se atividade meio ou fim (ADPF 324);

— ­A confirmação do entendimento da ADC 16 que veda a responsabilização automática da Administração Pública nas situações de inadimplência das verbas trabalhistas nos casos de terceirização, só cabendo sua condenação se houver prova inequívoca de sua conduta omissiva ou comissiva na fiscalização dos contratos (RE 760931);

­A declaração de inconstitucionalidade da desaposentação e da reaposentação, vedando a possibilidade de os aposentados pedirem a revisão dos valores do benefício com base no recálculo adicional de novo período de contribuição ou em renúncia aos benefícios anteriores por outro mais vantajoso (REs 381.367, 661256 e 827.833).

A última investida da Suprema Corte no campo trabalhista se deu no julgamento liminar das sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 6.342, 6.344, 6.345, 6.348, 6.349, 6.352 e 6.354) movidas contra a Medida Provisória 927/2020. A norma, editada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 22 de março deste ano, institui medidas para a preservação do emprego durante o estado de calamidade pública em decorrência da pandemia do novo coronavírus.

De maneira sucinta, o conjunto das ADIs requer a concessão de medida cautelar para suspender os efeitos até o julgamento final sobre a declaração de inconstitucionalidade de todos os dispositivos da MP 927. Os principais pontos atacados são:

— Estado de calamidade pública reconhecido como força maior (artigo 1°);

— ­Acordo individual para preservação do emprego prevalecendo sobre instrumentos normativos legais e negociais durante o estado de calamidade pública (artigo 2°);

— ­Não caracterização de tempo à disposição em home office (artigo 4°, §5°);

— Antecipação de férias e do prazo para o pagamento do adicional (artigos 6º, 8º e 9º); 

— ­Antecipação de feriados (artigo 13); 

— ­Interrupção das atividades pelo empregador e constituição de regime especial de compensação (banco de horas), por acordo coletivo ou individual, para compensação em até 18 meses após o encerramento do estado de calamidade pública, estabelecendo que a determinação de compensação pelo empregador prevalecerá inclusive sobre acordo individual ou coletivo (artigo 14);

 Adiamento de exames médicos ocupacionais (clínicos e complementares, exceto demissionais) (artigo 15);

— ­Adiamento dos treinamentos periódicos e eventuais ou sua realização pela modalidade EaD (art. 16);

­— Suspensão do contrato de trabalho para qualificação profissional (artigo 18) (Obs.: por ter sido revogado pela MP 928/2020, a inconstitucionalidade arguida em relação a esse dispositivo da MP não foi analisada);

— ­Permissão de adoção pelos estabelecimentos de saúde de jornada 12 x 36, inclusive escalas complementares posteriores à 12ª, com compensação em até 18 meses (artigos 26 e 27);

— ­Suspensão dos prazos de defesa e recurso administrativos (artigo 28);

— ­Covid-19 não caracterizada como doença do trabalho (exceto se provado nexo causal) (artigo 29); 

— ­Prorrogação a critério do empregador de instrumentos coletivos de trabalho (artigo 30);

— ­Fiscalização do trabalho orientador durante a calamidade pública (artigo 31);

­Convalidação de medidas trabalhistas adotadas anteriormente pelas empresas (se ajustadas ao previsto na MP) (artigo 36).

As ADIs apontam a inconstitucionalidade formal ante a disciplina, por medida provisória, de matéria reservada a lei complementar (artigo 7º, I, CF/88), bem a violação do princípio da separação dos poderes por ato usurpatório do Poder Executivo federal (artigo 2º, CF/88). As ações trazem a noção de bloco de constitucionalidade, reivindicando o conjunto de normas que funciona como esquadro para a realização do controle de constitucionalidade (artigo 5º, §2º, CF/88), ao apontar ofensa manifesta à dignidade humana, à cidadania e aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, fundamentos do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, II, III IV, CF/88).

Do ponto de vista material, os vícios dizem respeito à previsão de redução salarial e de jornada sem a interveniência sindical, ofendendo o que dispõe o artigo 7º, VIII, da Carta Constitucional, que reconhece a validade e a necessidade dos acordos e convenções coletivas para tratativas dessa natureza (artigo 7º, VIII, CF/88), além das Convenções 98 e 154 da OIT, das quais o Brasil é signatário. São apresentadas ainda violações ao direito de férias anuais remuneradas (artigo 7º, XVII, CF/88), à garantia das normas de saúde e segurança no trabalho (artigo 7º, XXII) e a violação de direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos (artigo 5º, XXXVI).

Sinalizam o risco tanto à subsistência dos trabalhadores, diante da possibilidade de suspensão do contrato de emprego por até quatro meses, sem o pagamento de salário (artigo 18 da MP 927/2020 revogado pela MP 928/2020), quanto à deterioração do mercado interno (artigo 219, CF/88) pela redução da capacidade de consumo das famílias. Defendem que a edição da norma pelo Governo Federal desvirtua a necessidade de adequação da ordem econômica à proteção do emprego (artigo 170, VIII, CF/88).

As decisões de indeferimento das liminares foram proferidas monocraticamente pelo ministro relator Marco Aurélio Mello, em função do recesso judicial decorrente do estado declarado de calamidade pública. No dia 26 de março deste ano, o ministro negou o pedido liminar da ADI 6.342 e manteve a eficácia integral da MP 927/2020. Com base nessa decisão, o relator indeferiu novamente duas novas liminares, no dia 30 de março, requeridas nas ADIs 6.344 e 6.346. No dia 3 de abril, mais quatro liminares foram indeferidas, agora nas ADIs 6.348, 6.349, 6.352 e 6.354. De forma extremamente genérica, sem atentar para a complexidade dos impactos da MP na desestruturação do mercado de trabalho, o ministro Marco Aurélio recorre à crise pandêmica como justificativa para as excepcionalidades normativas da MP 927 para fins de manutenção do emprego.

Num verdadeiro juízo de exceção, o relator afirma que em tempos de crise “não se pode presumir ofensa à cidadania, à dignidade humana e ao Estado de Democrático de Direito por serem esses meros institutos abstratos”. Para relativizar a necessidade da negociação coletiva, o ministro opta por reforçar o individualismo da liberdade aparente do trabalhador, acuado pelo horizonte iminente do desemprego e que de maneira objetiva não possui condições de igualdade para negociação com seu empregador.

As normas de saúde e segurança são vistas como “burocratização” que precisa ser afastada, cuja exigência acaba por “gerar clima de tensão entre as partes”. As decisões convalidam a postergação tanto do pagamento das verbas trabalhistas quanto da adoção de medidas sanitárias indispensáveis à salubridade física, social e econômica dos trabalhadores. O relator se mostra insensível às heterocronias que marcam a condição de empregados e empregadores na satisfação das suas necessidades básicas, bem como na absorção dos riscos e danos econômicos decorrentes da crise pandêmica. Proteger a subsistência dos trabalhadores é tarefa mais que urgente, tendo em vista sua baixa capacidade de sobrevivência ante a suspensão ou projeção do recebimento das parcelas remuneratórias que lhes são constitucionalmente devidas. Não há nada de abstrato nisso.

O recurso hermenêutico da ponderação de valores tem sido utilizado excessivamente para imposição de interpretações restritivas de direitos, especialmente para os trabalhadores. Noções de bom senso, razoabilidade e proporcionalidade são reivindicadas para legitimar medidas que acentuam as precariedades estruturais do mercado de trabalho brasileiro. Os princípios da dúvida e da norma mais favorável desmancham-se nas decisões proferidas, ante a possibilidade de aplicação em benefício do conjunto dos trabalhadores, expostos aos riscos da carestia e da desassistência. As razões do relator configuram um desvirtuamento absurdo do princípio da proteção, base do sistema de regulação pública do Direito do Trabalho e de interpretação das normas trabalhistas.

De fato, como expõe o ministro Marco Aurélio Mello, o exercício do controle concentrado de constitucionalidade deve ser feito de forma cautelosa, porém não pode converter-se em um controle de excepcionalidade capaz de justificar a suspensão da observância das regras basilares do Direito Constitucional do Trabalho. A limitação das normas de proteção social do trabalho implementadas pela MP 927 e convalidadas pelo STF buscou “não perturbar, além do necessário, a vida empresarial”, como anunciou o relator. Convenhamos, um argumento sincero. É como diz o ditado adaptado: aos empregadores, os favores do rei; aos empregados, os rigores da lei.

 é presidente da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia e Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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Juíza do CE obriga Caixa a seguir medidas contra coronavírus

É perfeitamente razoável que, como serviço essencial que é, que um banco público adote as medidas sugeridas pela Organização Mundial da Saúde para conter a propagação do coronavírus. Com esse entendimento, a juíza Karla de Almeida Miranda Maia, da 7ª Vara Federal do Ceará, deferiu tutela de urgência para a Caixa Econômica Federal assim proceda.

Agências da Caixa podem ter aglomeração da população que vai receber benefício
Divulgação

A ação civil pública foi ajuizada pelo município de Caucaia (CE), sob a alegação de que os bancos que têm funcionamento permitido pelo Decreto Estadual 33.519/2020 não estão tomando as devidas precauções. No caso da Caixa, a situação se agrava pois é o banco que permitirá o saque dos R$ 600 disponibilizados pelo governo como medida de emergência, o que deve gerar filas e aglomeração. A petição inicial incluiu fotos de longas filas na agência local.

Embora a ação cite uma agência específica no município cearense, a decisão não discriminou localidade.

“Mostra-se perfeitamente razoável que a Caixa Econômica Federal adote as recomendações da OMS para contenção da pandemia do Coronavírus, visando reduzir a transmissão da Covid-19”, entendeu a magistrada, que identificou perigo de dano na falta de cuidados na prevenção à transmissão viral.

Assim, concedeu tutela de urgência para obrigar a Caixa a organizar o atendimento de forma a evitar aglomeração, preservando a recomendação de manter distância mínima de 1,5m entre as pessoas, com demarcação no chão.

E também para disponibilizar nas agências álcool em gel 70% e frequente desinfecção de objetos e superfícies como corrimão, maçanetas, canetas, cadeiras, teclados e artigos utilizados pelos clientes e funcionários no decorrer do atendimento.

Além disso, a Caixa terá de disponibilizar horário diferenciado para atendimento aos idosos, que configuram grupo de risco para a doença, reduzir o tempo de espera no atendimento, evitando assim a aglomeração de pessoas e orientar os funcionários e clientes a cobrir o nariz e a boca com lenço de papel ao espirrar ou tossir e jogá-lo no lixo.

Clique aqui para ler a decisão

0804574-06.2020.4.05.8100

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Ter casa e carro não impede Justiça gratuita, decide TJ-RS

Ação de cobrança

Ter casa e carro não impede Justiça gratuita, decide TJ-RS

Por 

O benefício da gratuidade judiciária pode ser concedido, sem maiores indagações, aos que tiverem renda mensal bruta comprovada de até cinco salários mínimos, diz o Enunciado 49 do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, aprovado em agosto de 2017.

Por isso, a 16ª Câmara Cível do TJ-RS não teve dúvidas em reformar despacho que negou a concessão de assistência judiciária gratuita solicitada pela inventariante de um espólio na Comarca de Gravataí, na Região Metropolitana. Ela está sendo executada pela Irmandade da Santa de Misericórdia de Porto Alegre que, por sua vez, por se constituir em entidade filantrópica, teve o benefício deferido.

O juízo de origem negou o benefício à parte ré por entender que os bens arrolados no curso da ação de cobrança — uma casa e um automóvel — ‘‘não são de ínfimo valor’’. Em combate ao despacho, a inventariante alegou que os bens carecem de liquidez e que subsiste apenas com o valor de sua aposentadoria.

A relatora do agravo de instrumento, desembargadora Vivian Cristina Angonese Spengler, constatou que a inventariante tem como renda mensal, de fato, um montante que não ultrapassa cinco salários mínimos. Logo, não vai vai além do patamar estabelecido no Enunciado 49 do TJ-RS.

‘‘Neste sentido, é fático que o imóvel está sendo utilizado como residência própria, bem como o veículo também é de uso pessoal, não sendo plausível a venda destes bens para o custeamento das custas processuais. Destarte, medida que se impõe é a reforma da decisão hostilizada’’, registrou no voto, dando provimento ao recurso.

Clique aqui para ler o acórdão

Processo 015/1.18.0011152-7 (Comarca de Gravataí)

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Revista Consultor Jurídico, 11 de abril de 2020, 16h25

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Mantoan: Reconversão industrial é uma medida urgente

O enfrentamento à pandemia da Covid-19 trouxe à tona inúmeras discussões sobre as diferentes estratégias necessárias à superação da crise e os instrumentos à disposição das autoridades e da iniciativa privada para tanto. A amplitude do desafio tem suscitado debates sobre as alternativas de adaptação da sociedade e a concentração de esforços no combate à pandemia.

Em escala global, a preocupação com a dependência da importação de equipamentos e insumos hospitalares acendeu um alerta e despertou questionamentos acerca da capacidade de, rapidamente, alterar as plantas industriais existentes para fabricar tais produtos agora demandados e não mais disponíveis em nível suficiente no mercado externo, tanto pelo aumento expressivo da demanda quanto pela queda da oferta, visto que redirecionados para a demanda local. Assistiu-se, por exemplo, ao presidente dos EUA convocando as montadoras de automóveis de seu país à produção de ventiladores pulmonares. No Brasil, em artigo recente, nove ex-ministros da saúde pediram pelo estabelecimento de uma indústria de guerra à Covid-19.

Insere-se nesse debate o conceito de reconversão industrial. O conceito se refere à adaptação e à reorientação da indústria local às exigências sociais e econômicas de um novo período, alterando-se o conteúdo de determinada indústria. No momento atual, de enfrentamento da pandemia, observam-se iniciativas espontâneas da iniciativa privada nesse sentido. Verificou-se, por exemplo, a doação de álcool em gel ao SUS por usinas do setor sucroalcooleiro e fabricantes de cervejas. O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), por sua vez, tem procurado capacitar empresas para a manutenção de respiradores e colaborar com a confecção de máscaras para doação.

Extremamente louváveis as iniciativas espontâneas. Entretanto, está ausente a liderança do único ente capaz de coordenar tal processo em meio a uma crise de tamanha proporção: o Estado. A reconversão industrial é o meio pelo qual o poder público poderá inclusive atacar de forma simultânea as duas crises que se impõem, provendo equipamentos médicos e EPIs para o setor de saúde e garantindo a sobrevivência das empresas e a manutenção dos empregos. De tal forma, fica afastada a falsa dicotomia entre salvar vidas ou empregos, CPFs ou CNPJs.

Quais obstáculos, então, colocam-se à reconversão industrial no presente momento? Constatado o interesse e a disposição da iniciativa privada em colaborar, observam-se empecilhos de ordem econômica e regulatória. Do ponto de vista econômico, o maior receio enfrentado pelos empresários se refere aos custos necessários à adaptação do parque industrial e à efetiva possibilidade de comercializar a produção. Na seara regulatória, há insegurança acerca dos entraves para a aprovação de registro de tais produtos, tendo em vista, sobretudo, tratarem-se de equipamento médico, sobre os quais as falhas têm impacto sobre a saúde e a vida não pode haver falha em um ventilador pulmonar.

Os obstáculos econômicos precisam ser enfrentados por meio da liberação imediata de crédito subsidiado em volume suficiente para suportar os custos necessários de adaptação das plantas industriais. Deve-se assegurar, ainda, a compra da produção pelo sistema público de saúde, dispensada a licitação nos termos da calamidade pública (artigo 24, IV, da Lei 8.666/93).

Do ponto de vista regulatório, impõem-se restrições à certificação dos itens a serem produzidos por fabricantes não especializados. A Anvisa tem empreendido alguns esforços no sentido de facilitar a aprovação de equipamentos médicos, como se observa nas Resoluções de Diretoria Colegiada nº 349 e nº 350/2020. Na resolução 349, é estabelecido pela agência que, para EPIs, ventiladores pulmonares e outros dispositivos médicos identificados como estratégicos para enfrentamento da pandemia, serão aceitas, excepcionalmente, outras certificações médicas e de gestão de qualidade (artigo 4º).

Durante o enfrentamento da pandemia, a resolução 350 permite de forma temporária e emergencial que, sem prévia autorização da Anvisa, as empresas fabricantes de medicamentos, saneantes e cosméticos atuem na fabricação e comercialização de álcool em gel, álcool etílico 70% e álcool etílico glicerinado 80% (artigo 3º), desde que estritamente observados o Formulário Nacional de Farmacopeia Brasileira (artigo 5º), o uso de insumos com padrão de qualidade para uso humano (artigo 6º) e outros critérios técnicos estabelecidos pela agência (artigo 9º).

As resoluções da Anvisa indicam medidas louváveis, mas ainda tímidas. Fica pendente o estabelecimento de uma força-tarefa para agilizar a apreciação de novos pedidos de registro, por exemplo. A resolução 349 não apresenta ainda alternativas para os fabricantes de outras máquinas e equipamentos. A resolução 350 fica restrita aos fabricantes de cosméticos e medicamentos e exige que as empresas sejam detentoras da autorização de funcionamento da agência. Deixa também de disciplinar procedimentos e normas de aprovação emergencial para outros setores capazes de colaborar e que se encontram com capacidade ociosa no momento, como os setores cervejeiro e sucroalcooleiro, que já demonstraram disponibilidade para tal reconversão em suas plantas industriais.

A manipulação de determinados produtos químicos fica dependente ainda da aprovação por Exército, Polícia Federal ou Civil Estadual, tratando-se de produtos controlados, nos termos das Leis nº 10.357/2001 e nº 10.834/2003 e regulamentação infralegal. A liberação de todos os registros e as aprovações necessários tende a sair em tempo de uma próxima pandemia apenas. A sociedade tem pressa para a pandemia atual.

A reconversão industrial mostra-se uma medida urgente para o enfrentamento da Covid-19 e a preservação de empregos. A despeito do gradativo e precoce processo de desindustrialização sofrido pelo Brasil, ainda contamos com relevante capacidade produtiva. A engenharia brasileira possui a expertise necessária à concretização desse processo, a exemplo dos protótipos recentemente divulgados pela Universidade de São Paulo e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro para a produção de ventiladores pulmonares de baixo custo. Resta ao Estado cumprir seu papel, organizar os fatores produtivos, acelerar testes e certificações dos itens urgentes e absorver os riscos necessários para uma conjuntura excepcional de crise profunda.

 é advogado, mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP.

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Juíza reconhece legítima defesa e absolve acusado de agredir mulher

Por entender que houve legítima defesa, a juíza Raphaella Benetti da Cunha Rios, da 1ª Vara Criminal de Arapongas (PR), absolveu um homem denunciado por lesão corporal contra mulher após agredir sua companheira, com quem tem uma filha.

Segundo a denúncia, o homem teria desferido diversos socos contra ela após uma discussão entre eles. Após representação da vítima, ele chegou a ser preso em flagrante. Depois foi denunciado pelo crime previsto no artigo 129, parágrafo 9ª, do Código Penal.

Em sua defesa, o homem afirmou agiu em legítima defesa. De acordo com sua versão, após começarem a discutir, a mulher começou a agredi-lo e o atacou com uma faca. Ao se defender de forma mais brusca, ele acabou agredindo ela.

Mesmo com a relevância especial do depoimento da vítima, a juíza Raphaella Benetti Rios concluiu que o réu deveria ser absolvido. Segundo a juíza, a ficha médica mostra que o homem possuía uma série de escoriações ocasionadas por uma faca de cozinha.

“Logo, é crível acreditar se que este agiu usando moderadamente dos meios necessários para repelir a agressão exercida sobre sua pessoa, preenchendo os requisitos necessários para a incidência do instituto da legítima defesa, legalmente previsto no artigo 25 do Código Penal”, afirmou.

Além disso, a juíza destacou que as agressões foram mútuas, conforme o afirmado pela vítima que disse que arremessou uma série de objetos no réu. “A jurisprudência atual determina para que seja imposta a absolvição em casos como o presente, em que a situação se mostra dúbia”, concluiu. Atuou no caso, como defensor dativo, o advogado Jessé Conrado da Silva Góes.

0005713-04.2017.8.16.0045

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TJ-RJ derruba liminar que permitia corte de luz durante pandemia

O Poder Legislativo estadual é competente para legislar sobre proteção ao consumidor em meio à situação atípica como uma pandemia. Com esse entendimento, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Claudio de Mello Tavares, derrubou liminar que permitia o corte de energia no estado, em contradição à Lei 8.769/2020.

Lei fluminense proíbe corte de serviços essenciais como energia elétrica durante pandemia do coronavírus 
CREA-RO

Aprovada como providência contra os efeitos do coronavírus, a lei impede, em seu artigo 2º, o corte de serviços essenciais: fornecimento de água e tratamento de esgoto, gás e energia elétrica. Define ainda que sobre eventuais débitos não incidirão juros e multas e que, após o fim das restrições decorrentes do Plano de Contingência, as concessionárias poderão fazer a cobrança, possibilitando o parcelamento antes de efetuar o corte.

Ao decidir, o presidente do TJ-RJ acentuou a constitucionalidade formal da lei, tendo em vista a competência do Poder Legislativo estadual para legislar sobre a matéria. E citou precedente do Supremo Tribunal Federal, que na ADI 5.961 manteve a constitucionalidade de dispositivos da Lei 14.040/2003, do Paraná, que trata da proibição de suspensão do fornecimento de serviços públicos por inadimplemento durante determinados períodos. O caso foi julgado em 2018.

“Embora a interrupção do serviço de energia constitua, em princípio, exercício regular de direito, o corte do fornecimento de serviços essenciais deve ser evitado durante o prazo de 90 dias, assinalado tanto na Resolução da Aneel quanto na Lei Estadual 8.769 de 2020, em homenagem aos princípios constitucionais da intangibilidade da dignidade da pessoa humana e da garantia à saúde e à vida”, decidiu o magistrado.

Inadimplemento generalizado

A liminar contestada foi concedida pelo desembargador José Carlos Paes, que atendeu ao pedido de concessionária de energia sob entendimento de que o inadimplemento generalizado autorizado pela lei poderia causar maiores prejuízos à coletividade, com a interrupção total do serviço inclusive para hospitais e postos de saúde, de suma necessidade por conta do coronavírus.

Assim, as concessionárias se baseariam na Resolução 878 da Agência Nacional de Eenergia Elétrica (Aneel), que em seu artigo 2º ordena os casos específicos em que a suspensão de fornecimento por inadimplemento pode ocorrer. Dentre eles estão locais onde haja uso de equipamentos vitais à preservação da vida humana e dependentes de energia, além de localidades que não estejam recebendo fatura ou não houver postos para efetuar pagamento.

Para o presidente do TJ-RJ, no entanto, a implementação da resolução seria difícil especialmente em relação aos mais humildes, diante da dificuldade de identificar e comprovar quem atende aos requisitos elencados. Ainda mais em tempos de crise econômica e circulação social reduzida por causa da pandemia.

“Não se pretende, aqui, estimular a inadimplência dos usuários, até porque sabemos a necessidade de a concessionária arrecadar recursos para prestar à comunidade um serviço adequado, seguro e eficiente. Contudo, cuida-se de uma situação excepcionalíssima que, dada a sua própria natureza, precisa ser tratada de forma distinta”, afirmou o desembargador Claudio de Mello Tavares. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RJ.

0022076-18-2020.8.19.0000 

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MPT destina R$ 4,6 milhões para combate à pandemia no RS

O Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) reverteu, desde o dia 21 de março, R$ 4,6 milhões para ações coordenadas de prevenção ao novo coronavírus, beneficiando, basicamente, hospitais e instituições de saúde em vários municípios. Nesta semana, foram R$ 179,3 mil.

Em todo Brasil, os procuradores do MPT já destinaram mais de R$ 160 milhões. O dinheiro das reversões é fruto de indenizações por danos morais coletivos ou multas trabalhistas, que têm por finalidade a reparação da sociedade pelos prejuízos causados por empregadores, com violações trabalhistas que afetam inclusive o sistema de saúde.

Segundo a direção do MPT gaúcho, este redirecionamento de recursos atende orientação publicada em 20 de março pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Ela sinaliza que, quando possível, os recursos de processos judiciais e extrajudiciais devem ser utilizados para a aquisição de equipamentos de proteção individual (EPIs) a profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate à doença; para compra de respiradores, ventiladores pulmonares e kits de testagem, para saber se a pessoa contraiu o vírus; e para pesquisas, necessários ao combate do Covid-19.

Balanço de denúncias

Desde o início da pandemia, o MPT-RS recebeu 527 denúncias de irregularidades trabalhistas relativas à Covid-19, sendo que em 59 foram instaurados inquéritos civis. Em todo país, foram 5,8 mil denúncias. Além disso, também a respeito de denúncias envolvendo o coronavírus, os procuradores do MPT-RS já fizeram 581 despachos e emitiram 1,8 mil notificações, ofícios e requisições. No Brasil, são mais de 6,2 mil despachos e mais de 10,7 mil notificações, ofícios e requisições.

No RS, o MPT instaurou 63 procedimentos promocionais (480 no Brasil), com objetivo de promover o diálogo social e conscientizar os empregadores acerca das medidas a serem adotadas para garantir a proteção à saúde e à segurança dos trabalhadores e das trabalhadoras, diante dos riscos de contágio. Os procedimentos promocionais geraram 213 recomendações no RS (mais de ,3, mil no Brasil), dirigidas a diferentes setores da economia.

Mediações

Para solucionar os conflitos trabalhistas decorrentes da crise provocada pelo novo coronavírus, o MPT tem privilegiado os acordos e mediações, em consonância com a vocação conciliatória que possui. Até o momento, existem 86 procedimentos de mediação ativos no país, sendo dois no RS, somente com este tema. As mediações remotas têm sido utilizadas para reduzir impactos sociais e econômicos da Covid-19. Por meio de videoconferências, procuradores do MPT realizam audiências com representantes de empresas e sindicatos.

A experiência tem permitido inclusive a assinatura de termos de ajuste de conduta (TACs), que já alcançaram mais de 200 mil profissionais de diferentes categorias, em três semanas. Quando não é possível a solução extrajudicial dos conflitos, o MPT também tem ajuizado ações. Mesmo com as atividades presenciais suspensas, o MPT continua atuando por meio de trabalho remoto e está à disposição da sociedade para a apuração de denúncias e o enfrentamento às violações dos direitos coletivos trabalhistas. Com informações da Assessoria de Imprensa do MPT-RS

Clique aqui para conhecer as entidades beneficiadas no RS

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Cattani e Rangel: Frustrar direito trabalhista pode ser crime

Um advogado trabalhista consulta um advogado criminalista questionando se haveria crime por parte de um empresário específico que, utilizando-se da situação do coronavírus, está tomando decisões com impactos nos direitos de seus funcionários. Frisa o advogado trabalhista que se trata de empresa estável e com capacidade financeira, além de estar parcialmente funcionando.

É um tema de grande complexidade. A capacidade financeira de uma empresa depende, e muito, de prognósticos e projeções de curto, médio e longo prazos. A situação vivida em virtude da pandemia ainda não permite dizer como será afetado o empresariado, nem sequer quais setores serão os mais prejudicados. No entanto, a situação de quarentena e de medidas que restringem o funcionamento de determinados setores pode atingir o empresário em todos os cenários econômicos (curto, médio e longo prazos). Essa é uma ressalva necessária, pois que torna difícil dizer se aquilo que se entende por estável e por capacidade financeira em tempos de mercado normal seguirá da mesma forma, ainda que com certo abalo, neste novo cenário financeiro global impactado por essa pandemia.

Vencido esse debate, surgem duas situações: a primeira, se o empresário realmente estaria tomando medidas drásticas necessárias para a sobrevivência do negócio. E a segunda, se realmente se tratava de uma situação de oportunismo (no seu sentido pejorativo). A partir desse momento, surge um segundo questionamento: se houve o oportunismo, este se deu mediante simples descumprimento da legislação trabalhista (o que ficaria somente na esfera da Justiça do Trabalho) ou, para alcançar o objetivo, fez-se uso de um meio ardil, engenhoso e artificial pelo qual se induziu a erro o trabalhador — momento em que poderá se começar a falar na Justiça Penal.

O Código Penal brasileiro regulamenta, em título próprio, os crimes contra a organização do trabalho, e aborda diversas formas típicas, entre elas o ilícito penal de frustração de direito assegurado por lei trabalhista.

Art. 203  Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho. Pena detenção de um ano a dois anos e multa, além da pena correspondente à violência.

Trata-se de matéria penal complexa, em que a aplicação não é automática pela simples demissão sem recolhimento de verbas rescisórias, ou imposição vertical da redução do salário. Isso, pois, inexistindo vestígios de emprego de fraude ou violência contra os trabalhadores para frustrar direito assegurado pelas leis trabalhistas, não há de se falar em cometimento do crime tipificado no artigo 203 do Código Penal (APELAÇÃO CRIMINAL N. 0000268-91.2012.4.01.3905/PA, TRF1, Relator Desembargador Federal Ney Bello, D.O. 30/01/2020).

O ato de frustrar um direito assegurado pela legislação trabalhista, por si só, é matéria corrente nas cortes especializadas, sendo, infelizmente, uma realidade presente (e muitas vezes tida como normal) nas relações trabalhistas. O termo é facilmente compreendido, pois se refere ao não corresponder à expectativa, que se traduz no impedimento da realização de um direito que era garantido ao trabalhador.

Contudo, o interesse penal somente nasce quando há subsunção ao núcleo do tipo penal, que não está somente na frustração do direito assegurado pela legislação do trabalho, mas que esta se dê mediante fraude ou violência.

A competência para o julgamento poderá se dar pela Justiça Federal ou pela Estadual, a depender do caso. Cumpre à Justiça Federal processar e julgar “os crimes contra a organização do trabalho” (CR, artigo 109, inciso VI) quando “houver ofensa ao sistema de órgãos e institutos destinados a preservar, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores” (EDcl no AgRg no CC 129.181/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 25/02/2015; Súmula 115/TFR).

O Ministério Público Federal recentemente tornou público o Enunciado 83, da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do órgão em matéria criminal, nesse mesmo sentido:

“Não é de atribuição do Ministério Público Federal a persecução penal do crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, previsto no artigo 203 do Código Penal, se, após diligências, restar demonstrado apenas lesão a um restrito número de trabalhadores. Aprovado na 176ª Sessão de Coordenação, de 10/02/2020”.

Com isso, não será de competência da Justiça Federal processar e julgar causa decorrente de relação de trabalho relacionada à violação de direitos individuais, ainda que pertencentes a um grupo determinado de pessoas, cabendo, subsidiariamente, à Justiça Estadual.

Em conclusão sobre o questionamento: haveria crime, por parte de um empresário específico que, utilizando-se da situação do coronavírus, está tomando decisões com impactos nos direitos de seus funcionários? A resposta é que é possível, sim, haver crime, desde que o argumento da pandemia seja um meio ardiloso, uma fraude que não corresponda à realidade, isto é, um oportunismo com a finalidade de induzir a erro o funcionário para frustrar direitos trabalhistas que seriam imediatos.

Por fim, cabe sempre advertir que o tipo penal exige a consciência e a vontade, isto é, o dolo, não sendo perpetrado na forma culposa, ainda que não se exija elemento subjetivo específico. Para além, no caso da pandemia do coronavírus deve ser verificada a conduta específica, pois que a inexigibilidade de conduta diversa é realidade para muitos empresários, inclusive amparada pela edição de Medidas Provisórias, ao exemplo da de número 927, que previa a suspensão de contratos de trabalho por até quatro meses, mas não indicava como trabalhadores afetados seriam compensados, o que resultou na revogação desse trecho. E, atualmente, da MP nº 936, que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.

 é advogado, professor de Direito Processual Penal, mestre em Ciências Criminais pela PUCRS e especialista em Direito Empresarial.

Caio Rangel é advogado e professor de Direito Penal.