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Comarcas podem pedir suspensão de prazos mesmo sem lockdown

A suspensão dos prazos recursais de processos virtuais só se dará de forma automática se houver decreto de lockdown por parte dos estados ou do Distrito Federal. Ainda assim, comarcas e seções judiciárias que se virem profundamente afetadas pela epidemia do novo coronavírus poderão requerer a suspensão diretamente ao Conselho Nacional de Justiça.

CNJ republicou nesta sexta-feira a Resolução 318, com acréscimos pontuais 
Gil Ferreira/CNJ

É o que se infere da republicação da Resolução 318, feita pelo presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, nesta sexta-feira (8/5), no Diário da Justiça. A norma foi inicialmente publicada na quinta (7/5), mas gerou mais dúvidas do que soluções entre os advogados, segundo mostrou a ConJur.

Um dos pontos levantados é o fato de a resolução não determinar o que é unidade da federação. Na crítica feita pela advocacia, a regra determinava a suspensão de prazos nos estados com decreto de lockdown, algo que ainda não aconteceu no Brasil. O que há é municípios já com restrição total de circulação de pessoas e bens. A regra se aplica a eles?

A atualização mostra que não. Para acabar com a confusão, o CNJ incluiu entre parênteses a determinação de que o decreto de lockdown deve servir para estados e Distrito Federal, apenas. 

O artigo seguinte é o que aponta que em locais em que, ainda que não haja decreto, se verifique a impossibilidade de livre exercício das atividades forenses regulares, pode-se pedir a suspensão dos prazos ao CNJ. Isso pode ser feito, segundo a atualização, no âmbito de suas jurisdições (estados e Distrito Federal) ou de determinadas localidades (comarcas e seções judiciárias).

Ou seja, é possível, por exemplo, de forma prévia e fundamentada, pedir ao CNJ que suspenda os prazos referentes às determinadas comarcas que abranjam as cidades que já estão sob lockdown — como é o caso de algumas cidades do Pará. Ou os estados que, como o Amazonas, tenham a crise causada pela pandemia bastante acentuada.

Clique aqui para ver a versão atualizada

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Gustavo Favero Vaughn: Contra a jurisprudência defensiva

Piero Calamandrei, em seu clássico Elogio, ao tratar de tristezas e heroísmos da vida dos advogados, escreveu que certa vez um velho causídico lhe dizia que, em geral, os advogados trabalham sem se poupar até o último suspiro, para chegar à morte sem pensar nela.[1]

São inúmeras as questões profissionais que preocuparão nós, advogados, até o último suspiro. A jurisprudência defensiva é, sem dúvida, uma dessas questões de rotineira e incessável angústia.

A jurisprudência defensiva consiste, nos dizeres do ministro Humberto Gomes de Barros, em referência ao Superior Tribunal de Justiça, “na criação de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos.”[2] Muitos desses entraves e pretextos são ofensivos a garantias constitucionais basilares, tais como o acesso à justiça e o devido processo legal.

Se se pudesse resumi-la em uma única sentença, poder-se-ia dizer que a jurisprudência defensiva é o arquétipo do que Botelho de Mesquita chamou de processo incivil.[3][4]

O Código de Processo Civil de 2015 exerce papel relevante no combate à jurisprudência defensiva, especialmente porque prevê, como norma fundamental, o princípio da primazia do julgamento do mérito. Isso significa dizer que o legislador deixou claro aos quatro ventos que os intérpretes devem prestigiar a resolução da crise de direito material levada à apreciação do Poder Judiciário, e não se pautarem em filigranas processuais que, sem o enfrentamento da questão posta em juízo, fulminam a pretensão dos jurisdicionados, neles deixando aquele travo de insatisfação de que falou Barbosa Moreira.[5]

Dito protagonismo da lei processual civil surtiu efeitos. É salutar reconhecer que determinadas orientações dos tribunais superiores antes consideradas defensivas hoje não mais subsistem, pelo que parece lícito concluir que o advento do CPC/2015 proporcionou, em alguma medida, o enfraquecimento da jurisprudência defensiva.

Mas o atual Código não foi suficiente para exterminá-la. Essa prática perversa, para se valer aqui das palavras de José Rogério Cruz e Tucci, remanesce entre nós.[6] Há uma específica tendência do STJ que ainda preocupa: a tormentosa controvérsia em torno da comprovação do feriado local.

Inicialmente, o STJ considerava descabida a comprovação de feriado local após a interposição de recurso.[7] Ao final de 2012 tal orientação foi superada, passando a prevalecer a judiciosa tese de que seria cabível a comprovação posterior de feriado local.[8] Ao que consta, em 2017, fazendo uma leitura rigorosa do CPC vigente, sucedeu nova guinada jurisprudencial, tendo o STJ assentado o entendimento de que seria admissível que o recorrente comprovasse posteriormente a existência de feriado local.[9]

O STJ voltou a debruçar-se sobre o tema em 2019. Em julgamento paradigmático, a Corte Especial por maioria de votos decidiu, em suma, que a interpretação sistemática levaria a crer que o CPC/2015 atribuiu à intempestividade o epíteto de vício grave, pelo que não seria possível saná-lo após o manejo do recurso.[10] A transcrição do primeiro item da ementa do referenciado aresto é suficiente para compreender a posição vencedora:

“O novo Código de Processo Civil inovou ao estabelecer, de forma expressa, no § 6º do art. 1.003 que ‘o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso’. A interpretação sistemática do CPC/2015, notadamente do § 3º do art. 1.029 e do § 2º do art. 1.036, conduz à conclusão de que o novo diploma atribuiu à intempestividade o epíteto de vício grave, não havendo se falar, portanto, em possibilidade de saná-lo por meio da incidência do disposto no parágrafo único do art. 932 do mesmo Código.”

Nada obstante a insistência na tese defensiva, em prejuízo dos que postulam a prestação jurisdicional do Estado, a Corte Especial, firme no princípio da segurança jurídica, modulou os efeitos da aludida decisão, limitando sua aplicação aos recursos apresentados após a publicação do acórdão respectivo.

Esse cenário piorou com o julgamento de questão de ordem suscitada após o trânsito em julgado do acórdão. Tendo em conta uma alegada contradição entre as notas taquigráficas e o voto elaborado pelo relator, decidiu-se, por maioria de 7 votos a 3, que a modulação de efeitos abrangeria especificamente o feriado da segunda-feira de Carnaval, não se aplicando aos demais feriados, inclusive os feriados locais, pois essa seria a tese que refletiria a convicção manifestada pelo órgão colegiado que apreciou o recurso.[11]

Com efeito, de acordo com o mais recente entendimento do STJ, a comprovação posterior de causa suspensiva ou interruptiva do prazo recursal é admissível apenas no que diz respeito ao feriado da segunda-feira de Carnaval e relativamente aos recursos interpostos até a publicação do acórdão do REsp 1.813.684-SP, acima citado.

Mesmo que o direito seja um fenômeno interpretativo-argumentativo, não se pode conceber a atribuição da severa pena de intempestividade a recurso manejado no prazo legal, mas que não tenha sido instruído com a comprovação do feriado local. De fato, o CPC/2015 determina ao recorrente a comprovação documental de feriado quando da interposição do recurso. Mas nada, absolutamente nada, condiciona a comprovação somente ao ato de interposição. E a ausência de tal advérbio — ou outro equivalente — tem relevância na exegese da regra legal.

A leitura sistemática do CPC/2015 à luz do modelo constitucional de processo, como é de rigor, naturalmente se opõe à jurisprudência defensiva, desautorizando a declaração imediata de intempestividade de recurso não acompanhado da comprovação do feriado local. O que se defende, por ser lógico e plausível, é que ao recorrente seja dada a oportunidade de, após o protocolo do recurso, se for o caso, comprovar a ocorrência de feriado local.

Espera-se que, numa realidade não tão distante, prevaleça essa tese em prol da efetividade processual.

 é advogado do Cesar Asfor Rocha Advogados, mestrando em Processo Civil pela Universidade de São Paulo e membro da Comissão de Mediação da OAB-SP, do IBDP, do Ceapro e do CBAr.

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STF extingue processo contra nomeação de Ramagem à PF

Recurso prejudicado

STF extingue processo contra nomeação de Ramagem à Polícia Federal

O Supremo Tribunal Federal extinguiu o mandado de segurança coletivo impetrado pelo Partido Socialista Brasileiro contra a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal. Relator, o ministro Alexandre de Moraes considerou o pedido prejudicado porque o presidente Jair Bolsonaro escolheu outro para o cargo.

Alexandre julgou o recurso prejudicado 
Isaac Amorim/MJC

A nomeação já havia sido suspensa em 29 de abril pelo ministro, que considerou viável a ocorrência de desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do diretor da Polícia Federal, em inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público.

O caso gerou críticas abertas de Bolsonaro ao membro do STF e consequente reação no mundo jurídico. Inicialmente, a Advocacia-Geral da União afirmou que não recorreria da decisão, mas Jair desatorizou-a publicamente, na intensão de brigar pela nomeação de Ramagem. 

Na segunda-feira, dia 4, no entanto, Bolsonaro publicou decreto nomeando Rolando Alexandre de Souza para o cargo na Polícia Federal.

MS 37.097

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Revista Consultor Jurídico, 8 de maio de 2020, 19h18

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OAB pede que abertura de novos cursos de Direito seja suspensa

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ingressou nesta sexta-feira (8/5) com arguição de descumprimento de preceito fundamental solicitando liminarmente que o MEC suspenda a abertura de novos cursos de Direito em instituições privadas enquanto persistir o estado de calamidade pública.

Segundo OAB, foram criados 22 novos cursos de Direito em abril

A entidade também pede que sejam anuladas as autorizações já concedidas, caso os cursos ainda não estejam em funcionamento, e a suspensão de abertura de novas vagas em graduações já existentes. 

Segundo a entidade, apenas entre 2 e 29 de abril foram autorizados 22 novos cursos de Direito, com oferta de 2.975 vagas. “A autorização de quantitativo tão expressivo, quando tanto a oferta regular dos cursos presenciais quanto as condições para avaliação dos processos de autorização estão prejudicadas, apenas reforça a já descrita ‘senha autorizadora’, repetidamente comprovada ao longo desse período”, afirma o documento. 

Ainda segundo a ADPF, as autorizações representam “frontal descumprimento à exigência constitucional que condiciona a prestação de serviços educacionais pela iniciativa privada à garantia de qualidade, a ser aferida pelo Poder Público […] Também resta configurada violação do dever do Estado, em especial do Ministério da Educação, de regular, avaliar e supervisionar a educação superior, conforme determinado pela Constituição e detalhado pela legislação de regência”. 

Estado de coisas inconstitucional

A OAB solicita, ainda, que seja declarado estado de coisas inconstitucional (ECI), de modo a possibilitar a adoção de medidas estruturais de reforma do ensino jurídico. 

“Está plenamente caracterizada a ocorrência de violações sistemáticas à garantia de qualidade dos cursos superiores em Direito. Como a peça demonstrou a exaustão, a proliferação de cursos jurídicos tem ocorrido em detrimento da qualidade, o que se confirma pelo baixíssimo desempenho discente no Enade e no Exame da OAB.” 

O documento é assinado por Felipe Santa Cruz, presidente nacional da OAB; Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais; José Alberto Simonetti, secretário-geral e coordenador das Comissões da OAB; Marisvaldo Cortez Amado, presidente da Comissão Nacional de Educação Jurídica; Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave, da Comissão Nacional de Educação Jurídica; e pelos advogados Guilherme Del Negro Barroso Freitas e Claudia Paiva Carvalho

A ADPF já foi distribuída. O relator do caso será o ministro Ricardo Lewandowski. 

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ADPF 682

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Ajuda de custo do MP-MT viola proporcionalidade, diz CNMP

Gasto na crise

Ajuda de custo do MP-MT viola proporcionalidade e eficiência, diz CNMP

Por 

A instituição de ajuda de custo para membros e servidores do Ministério Público de Mato Grosso durante a pandemia do novo coronavírus, no momento em que o país já sofre graves consequências da crise econômica e sanitária, viola os princípios da proporcionalidade e da eficiência administrativa. 

Plenário do CNMP ainda vai analisar legalidade do benefício instituído 
Reprodução

Com esse entendimento, Sebastião Vieira Caixeta, membro do Conselho Nacional do Ministério Público, deferiu pedido liminar para suspender o pagamento do benefício até análise pelo Plenário. 

O benefício contestado foi instituído pelo Ato Administrativo 924/20. Procuradores e promotores do MP do estado receberiam R$ 1 mil por mês, enquanto demais servidores poderão solicitar vale de R$ 500 mensal. Embora seja estritamente legal, a bonificação feriu dois princípios constitucionais, segundo o conselheiro.

Em sua análise, os princípios da proporcionalidade e da eficiência administrativa exigem que quem chefie instituição pública considere não apenas letra fria da lei, mas também o contexto social e econômico do país. Ou seja, “a viabilidade e as consequências financeiras e orçamentárias da implementação de determinados benefícios remuneratórios em meio a uma crise vivenciada em nível global”.

“Ademais, em hipóteses como a dos autos é sabido que, uma vez recebidos os valores pelos membros e servidores, caso o pagamento seja posteriormente reconhecido como indevido pelo Plenário do CNMP, será dificultoso — quiçá inviável — o ressarcimento ao erário, diante da boa-fé no recebimento dessas verbas, hipótese em que a jurisprudência tem rejeitado a repetição do indébito”, acrescentou Sebastião Vieira Caixeta.

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1.00301/2020-76

 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 8 de maio de 2020, 18h25

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Crise é oportunidade para equacionar tributação e federalismo

Se o mundo vai sair diferente da pandemia do coronavírus, então a crise é uma excelente oportunidade para equacionar o sistema tributário e sua relação com o federalismo no Brasil, baseando-se no Direito Financeiro. É a opinião dos especialistas que participaram, nesta sexta-feira (8/5), de debate promovido pela TV ConJur.

ConJur

O seminário virtual Saída de Emergência teve como tema Tributação e federalismo em tempos de crise e foi mediado por Otavio Rodrigues, do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e da USP.

Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Reynaldo Soares da Fonseca analisou como compatibilizar os limites do Estado na tributação sofre a esfera dos cidadãos no momento de crise, e sugeriu a adoção da perspectiva de tributação a serviço da humanidade. Ou seja, a necessidade de olhar ético por parte dos formuladores da política fiscal e das normas jurídicas. Principalmente diante da necessária reforma tributária.

“Não vamos resolver esse problema apenas com a reforma tributária. Ela vai ser uma gota no oceano. Estamos falando de gastos, de transferência de crédito, de devolução, de contas. Isso faz com que a gente reflita efetivamente que a contribuição do Direito Financeiro vai ser extraordinária na saída da crise. Precisamos de controles”, opinou o ministro.

Esse viés foi também ressaltado pelo professor Heleno Taveira Torres, da USP, que vê na crise uma oportunidade para uma reforma tributária “saudável e eficaz”. Ele clama construir proposta que leve a simplificação e segurança jurídica, especialmente quanto à trava de créditos de tributos, além de acabar com a figura do insumo, discutido juridicamente em precedentes judiciais e, depois, na interpretação desses próprios precedentes.

“As medidas tributárias no mundo são todas as mesmas: prorrogação de prazo e esses burocracias de emergência. Não estamos a ver as leis tributárias para recuperação da crise. Essas ainda virão, mas temos que começar a fazer esse exercício”, disse. Ele foi outro a destacar a importância do Direito Financeiro: “é aquele que tem a visão do conjunto e que realiza a Constituição”. “Os direitos são todos gastos públicos.”

“A reforma tributária dentro da crise é uma forma de continuidade para a recuperação das empresas e das gerações futuras”, destacou Luciana Mattar Vilela Nemer, conselheira fiscal da OAB. “A gente deve instituir mecanismos voltados para a operabilidade do sistema. E tem que ser feito agora, porque o momento chama mais a atenção para a visão técnica para benefício comum da sociedade, com foco na segurança jurídica”, opinou.

Federalismo

Recuperado da Covid-19, o tributarista Ives Gandra Martins destacou que essa discussão passa também pelo redimensionamento do federalismo brasileiro e na existência do que classifica como “falsas entidades federativas que não são sustentadas pela própria população, mas pela transferência de percentuais não razoáveis, mas excessivos”. 

O resultado ele vem afirmando desde 1991, no alvorecer da recente democracia brasileira: a federação não cabe no PIB. O custo do poder público se tornou, por falta de simplificação, excessivamente pesado. Por isso, defende que haja um sacrifício da sociedade brasileira para pensar em reforma tributária, mas que ela parta da necessidade de corte de gastos e passe por uma necessária simplificação. 

“Se não conseguirmos reduzir o custo da federação brasileira fazendo com que, ante à pandemia, não se toquem em todos os privilégios que existem em todas as entidades federativas; e se acharmos que o custo vai ser suportado por uma sociedade exaurida, transformando os detentores do poder em senhores feudais e os que sofrem com isso como escravos do século 21, evidentemente não sairemos de crise. Estamos no mundo inteiro na busca de outras soluções”, disse.

Segundo o advogado Luiz Gustavo Bichara, conselheiro federal da OAB, a longo prazo não há como escapar da reforma tributária, então é melhor encará-la de frente. Inclusive diante de um sistema federativo que, aponta, não se sustenta, já que a maior parte dos municípios vive de repasse de verbas.

“Sei que boa parte da doutrina é contrária à proposta hoje apresentada [de reforma tributária] por alegada violação ao federalismo. Confesso que não vejo essa violação porque federalismo é evitar que prefeitos e governadores fiquem com pires no bolso. Se o IBS [Imposto sobre Bens e Serviços] vai trazer o benefício de garantir arrecadação, então federalismo é dinheiro no bolso, com governadores e prefeitos fazendo política pública e garantindo arrecadação. Se reforma garante arrecadação, é uma boa ideia e deve prosseguir”, explicou.

Assista abaixo ao seminário:

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Sessão Telepresencial SDC

Sessão Telepresencial SDC 11/05/2020 às 13h30

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TJ-SP nega pedido contra julgamento por videoconferência

O julgamento por videoconferência, inclusive com possibilidade de sustentação oral, preserva os direitos das partes e, portanto, não há que se falar em cerceamento de defesa. Com esse entendimento, Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido de um advogado contrário ao julgamento por videoconferência de um mandado de segurança criminal impetrado por ele.

ReproduçãoEvaristo dos Santos participa da primeira sessão por videoconferência do Órgão Especial

O advogado queria o julgamento presencial. Porém, o Órgão Especial adotou o sistema de sessões por videoconferência durante a epidemia de Covid-19. A primeira sessão ocorreu nesta quarta-feira (6/5), quando foi julgado o processo em questão. De acordo com o relator, desembargador Evaristo dos Santos, em inúmeras oportunidades, o impetrante se insurgiu quanto ao julgamento virtual.

Ele alegou, dentre outras razões, um possível cerceamento de defesa por não dispor “de suporte digital jurídico para assumir responsabilidade por conexão estável à internet e pelo acesso à plataforma para a sessão”. Assim, pleitou o julgamento presencial, o que foi negado pelo colegiado.

O relator destacou que o julgamento por videoconferência foi a forma encontrada pelo tribunal para “dar andamento aos processos nesse momento singular em que o mundo se encontra, amparado, inclusive, no princípio da eficiência”. “Ressalte-se que no julgamento por videoconferência os advogados e defensores públicos poderão se valer, até mesmo, da sustentação oral”, completou.

Segundo Evaristo dos Santos, a ausência de suporte digital para participar da sessão “não se presta para afastar essa forma de julgamento, isto porque, poderia o impetrante recorrer a OAB para obter o auxílio necessário para tanto”. Assim, não se pode falar em cerceamento de defesa, na visão do relator. 

O voto foi acompanhado e até elogiado pelos demais integrantes do Órgão Especial. “É muito significativa essa primeira decisão em defesa das sessões por videoconferência”, disse o vice-presidente do TJ-SP, desembargador Luís Soares de Mello. O desembargador Jacob Valente afirmou que a OAB se manifestou de forma favorável aos julgamentos por videoconferência. 

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Arichiello: Revisão de parcelas em acordos de colaboração premiada

A ordem mundial repousa e amanhece sob o manto de um preceito em comum: a pandemia provocada pelo novo coronavírus (Covid-19). Partilhamos da mesma — e necessária, sim — política de isolamento social como forma de buscar amenizar a propagação da poderosa infecção proporcionada pela ameaça viral.

Além dos nocivos impactos da Covid-19, responsável por ceifar milhares de vidas pelo mundo, a pandemia também arrebatou a economia global e, com ela, toda a dinâmica de organização da vida social. Não seria diferente, então, com relação às dinâmicas processuais e de resolução de conflitos, que requerem, ainda mais nesse momento, medidas urgentes de redução dos danos já ocasionados pelo coronavírus.

Em meio a diversos exemplos, é preciso tratar dos acordos de colaboração premiada, esses que muito se difundiram com o advento da cognominada operação “lava jato”. Para se ter uma ideia, de acordo com dados da Procuradoria da República no Paraná, em dezembro de 2019, só em relação à força-tarefa em Curitiba, o montante total fixado em colaborações premiadas, em acordos de leniência, em Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) e em renúncias voluntárias, o valor alcançava o marco de R$ 14,3 bilhões, dos quais R$ 4,069 bilhões já haviam sido recuperados aos cofres públicos[1].

Com cifras cada vez maiores — só o acordo de leniência da Odebrecht, por exemplo, foi firmado em R$ 8,5 bilhões —, é impossível que as multas impostas sejam quitadas de uma só vez. A prova disso é que dos R$ 14,3 bilhões previstos pela força-tarefa paranaense, apenas a quantia de R$ 4 bilhões foi restituída nos últimos cinco anos.

Fato é que muitos acordos — e aqui falando especificamente dos de colaboração premiada — contêm uma cláusula de rescisão em caso de não pagamento dos valores ora cominados. E como estamos falando de um instituto ainda sem segurança jurídica, em que cada órgão — Polícia Federal, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Procuradoria-Geral da República, entre outros — atua de uma maneira e tem seus próprios métodos, certo é que não encontramos unificação nem mesmo na cláusula de que trata da rescisão do acordo pelo não pagamento.

Veja-se, por exemplo, que os acordos dos irmãos Joesley e Wesley Batista, da JBS, firmados com a Procuradoria-Geral da República, preveem R$ 110 milhões em multa para cada um (cláusula 6ª) e indicam em sua cláusula 26, alínea j, responsável por elencar as hipóteses de rescisão do acordo, que essa ocorrerá “se o colaborador, podendo, não quitar nos prazos estabelecidos nesse acordo as multas nele previstas” (grifos nossos).

Dentro do escopo analisado, vislumbrou-se que o mesmo se deu com os acordos de colaboração firmados por ex-executivos da Odebrecht com a Procuradoria-Geral da República, nos quais foi previsto, no rol de hipóteses que detém o condão de colocar termo ao acordo, que haverá rescisão quando, havendo a possibilidade, o colaborador não quitar as multas nos prazos então estabelecidos. Em similar sentido, o acordo firmado por Alberto Youssef com o Ministério Público Federal no Paraná expressamente frisou, em sede do parágrafo primeiro, de sua cláusula 19 (Parte X – Rescisão), que “não ocasionará rescisão do presente acordo de colaboração a impossibilidade de pagamento pelo COLABORADOR da multa penal prevista na cláusula 5ª, inciso VI” (grifos nossos).

A Polícia Federal, a seu turno, ao firmar acordo de colaboração premiada com Antonio Palocci, nada consignou sobre a impossibilidade de pagamento da indenização de R$ 37.500.000,00, dado que a cláusula 18, alínea j, é expressa ao afirmar que o acordo será rescindido “se o colaborador não efetuar o pagamento da indenização”.

No caso da colaboração de Palocci há uma particularidade: a indenização seria deduzida do valor já constrito, ou seja, não há risco de não pagamento. Essas diferenças, contudo, confluem para um mesmo questionamento: a pandemia de coronavírus é motivo suficiente para se alegar a impossibilidade de não pagamento das multas avençadas? Quais os efeitos da pandemia nos acordos que são categóricos ao afirmar que o não pagamento é causa de rescisão, independente do motivo? Essa alegação seria aceita pelos Tribunais?

De início, é importante apontar que um acordo de colaboração premiada nada mais é do que um “negócio jurídico personalíssimo”, que possui “caráter bilateral e sinalagmático[2], ou seja, a prestação de uma das partes é causa da prestação da outra. É dizer: se o colaborador cumpre com as cláusulas previstas, fornecendo informações relevantes e assegurando a efetividade das investigações, fará jus aos benefícios pactuados.

Sendo, portanto, um negócio jurídico, é natural que esteja sujeito aos princípios e regras do Direito Civil e Processual Civil. E, exatamente por isso, as hipóteses rescisórias devem levar em conta a boa-fé, a razoabilidade e a ocorrência de caso fortuito ou força maior, ainda que que não haja previsão expressa. Nas palavras de André Pinto da Rocha Osório Gondinho: “a atuação da autonomia da vontade não pode mais ser considerada irrestrita, devendo respeitar o ordenamento e seus princípios tutelares[3].

Cumpre dizer que escapa aos intuitos do presente artigo elencar todas as razões pelas quais, ainda que inexistente motivo de caso fortuito ou de força maior, considera-se desproporcional e irrazoável rescindir um acordo de colaboração premiada pelo não pagamento ou pagamento parcial dos valores acordados, especialmente se o colaborador cumprir com grande parte das obrigações assumidas, garantindo a efetividade da colaboração[4].

Assim sendo, tem-se nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira que caso fortuito “é o acontecimento natural, ou o evento derivado da força da natureza, ou o fato das coisas, como o raio do céu, a inundação, o terremoto”. Por seu turno, “conceitua-se a força maior como o damnum que é originado do fato de outrem, como a invasão do território, a guerra, a revolução, o ato emanado da autoridade (factum principis), a desapropriação, o furto etc[5].

Dessa forma, em sendo tanto o caso fortuito como a força maior causas provenientes de fatores externos, alheios à esfera de alcance e vontade da parte, resta inegável que a pandemia do novo coronavírus deve ser assim compreendida.

Bem por isso, parece-nos evidente que aos acordos já firmados, que, ao que se tem notícia, não possuem cláusulas específicas versando sobre as hipóteses de caso fortuito ou de força maior, deve ser a causa de rescisão pelo não pagamento dos valores acordados afastada, tendo em vista que a pandemia que assola o globo consiste motivo idôneo para tanto.

Não se pode olvidar que o Código Civil é expresso ao apontar, em seu artigo 393, que se o devedor não se responsabilizou expressamente pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, ele não responderá por eles. Ou seja, ao se interromper o nexo de causalidade entre o inadimplemento dos valores acordados e a ação voluntária da parte, não há que se cogitar a viabilidade de adimplir ao pagamento das referidas quantias.

Tal argumentação vai ao encontro do que alguns acordos expressamente preveem, isto é, que a rescisão só se dará se o colaborador, podendo, não quitar as cifras nos prazos estabelecidos. Portanto, a este termo restará imperioso aferir a real viabilidade de pagamento dos valores ou das parcelas em tempos de pandemia pelo colaborador, levando-se em conta, como fatores relevantes de análise, o seu setor de atuação, a sua caracterização como serviço essencial ou não, assim como os prejuízos concretamente por ele suportados.

Ademais, o Conselho Nacional de Justiça aprovou uma recomendação[6] sugerindo cautela na punição de empresas em recuperação judicial, seja flexibilizando o pagamento de parcelas, seja permitindo a apresentação de plano modificativo ou avaliando com cautela o deferimento de medidas como despejo por falta de pagamento[7].

Com isso, o que se apresenta é que, em tendo a pandemia da COVID-19 proporcionado efeitos econômicos de extensão incerta e por indeterminado prazo, é evidente que a capacidade econômica de muitos colaboradores restou afetada, de modo que não se pode puni-los de modo tão radical ante a ocorrência de um caso fortuito ou de força maio. Não se pode, tendo sido sua colaboração efetiva, rescindir o acordo ante a incapacidade momentânea de pagamento.

Não se está a sustentar que os valores em questão devam ser perdoados, pelo contrário. A restituição aos cofres públicos segue sendo medida de rigor, razão pela qual faz-se mister pensar em repactuações quanto ao prazo e a forma de pagamento em observância à atual capacidade econômica de cada um dos colaboradores.

Ora, se as autoridades responsáveis pela pactuação do acordo de colaboração premiada podem — e devem — chamar os colaboradores para prestarem esclarecimentos adicionais sobre fatos já deduzidos ou, ainda, auxiliarem com informações relacionadas a fatos novos provenientes da investigação, também podem promover um chamamento com o intuito de repactuar o pagamento dos valores cominados.

Isso posto, tem-se a resposta para os dois primeiros questionamentos formulados: (i) a pandemia de coronavírus é motivo proficiente para ocasionar a impossibilidade do pagamento das multas avençadas, quadro esse que (ii) se aplica, inclusive, aos acordos que não aceitam justificativas para o não pagamento.

Passa-se, assim, ao terceiro e último questionamento: a alegação de caso fortuito ou força maior, causado pela pandemia, será aceita pelos Tribunais? A resposta, por evidente, ainda é incerta. Não há, de partida — e notadamente por se tratar de uma situação excepcional — como dizer qual será o entendimento dos julgadores nos casos em que for requerida a rescisão com fundamento no não pagamento dos valores acordados.

O que se pode fazer, contudo, é esperar que os Tribunais pátrios, com a chancela do Conselho Nacional de Justiça, ajam com cautela, buscando prevenir danos econômicos consideráveis aos colaboradores, cujos efeitos podem, consequentemente, prejudicar também a recuperação de ativos. Em síntese, melhor repactuar do que não receber.

O momento é delicado e exige redobrado cuidado. Ao que nos parece, a única saída viável apresenta-se pela racionalidade da aplicação das normas jurídicas por parte dos operadores do Direito que serão chamados a responder tais questionamentos. Os órgãos investigatórios, referendados pelo Poder Judiciário e em conjunto com os colaboradores, têm que acordar uma alternativa viável de execução. É a única saída para se garantir lampejos de segurança jurídica a um cenário cuja fragilidade irrompe as tradicionais fronteiras normativas e convoca o intérprete ao penoso desafio de pensar o Direito em hipóteses de pandemia.


[2] MARQUES, Lúcio Guimarães. Aspectos e problemas da rescisão do acordo de delação premiada. In: CALLEGARI, André Luís (coord.). Colaboração premiada: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. Pp. 184-185.

[3] MAURO, Roberta. Direitos reais e autonomia da vontade (O princípio da tipicidade dos direitos reais). Resenha do livro de André Pinto da Rocha Osório Gondinho. Rio de Janeiro: Renovar. Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, Rio de Janeiro: PADMA, jul. – set. 2001. P. 242.

[4] VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters, 2018. Pp. 288-289.

Victor Ferreira Arichiello é advogado no Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados e graduado em Direito pela PUC-SP

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Saydelles: Estratégias da UE para combater a pandemia

A pandemia da Covid-19 colocou um desafio sem precedentes para grande parte dos países. A paralisação econômica e afetou as cadeias globais de produção, distribuição e circulação. Os impactos estão sendo sentidos tanto pelo lado da oferta quando pelo lado da demanda, a partir do adiamento de despesas de consumo e investimento, causado pelo quadro de elevada incerteza, que vem se refletindo em um aumento da aversão ao risco por parte dos agentes econômicos. Mesmo sem vislumbrar a data final da crise de saúde pública e na iminência de uma crise econômica que promete ser tão ou mais devastadora do que a de 2008 ou a de 1929 —, já se sabe, de antemão, que a tempestade é violenta e necessitará que se cresça à altura do desafio. Nesse sentido, é fundamental pensar em políticas para mitigar o impacto dos danos.

É nesse espírito que se vem fazer breves considerações acerca de alguns dos aspectos econômicos e financeiros trazidos pela Resolução de 17 de abril, aprovada pela União Europeia [1], que visa a estabelecer uma ação coordenada para combater a pandemia e suas consequência. Por certo, a realidade brasileira é bastante diversa da europeia, entretanto, não se pode desprezar o que outros países estão fazendo para enfrentar a crise. Já que nem a ciência jurídica e nem a ciência econômica estão sujeitas a testes laboratoriais, a história e a comparação de sistemas são duas ferramentas que não podem ser ignoradas. Considerando que a presente crise não encontra precedente histórico, mais importância ainda ganha a comparação com modelos estrangeiros, e seu uso como ponto de partida para o debate e para pensar alternativas aderentes à realidade nacional. 

A resolução veio dar resposta à constatação fática de que, inicialmente, as respostas à Covid-19 ocorreram primordialmente à nível doméstico. Dessa forma, procurou-se estabelecer linhas gerais para cooperação e coordenação entre os Estados-membros diante da crise de saúde pública e crise financeira. A resolução está lastreada no princípio da solidariedade entre países membros (artigo 3, TUE), visando a promover a coesão econômica e social e o bem-estar dos povos. Em termos econômicos e financeiros, é possível perceber na resolução quatro grandes grupos de preocupações: I) a cooperação para a saída da crise; II) a manutenção do trabalho e renda; III) as formas de financiamento da retomada; e II) os setores estratégicos para a economia pós-coronavírus.

A um, a cooperação para a saída da crise. A resolução destacou a necessidade de esforços unidos para garantir que nenhum país seja deixado sozinho para combater o vírus e as suas consequências, dentro do espírito de solidariedade subjacente à UE. Nessa linha, um aspecto especialmente destacado é a necessidade de desenvolver políticas que garantam o abastecimento contínuo de alimentos. Esse ponto toca fundamentalmente o setor primário da economia e a indústria alimentar, havendo preocupação de se assegurar a continua produção e circulação, sem obstáculos dentro do mercado único, a fim de evitar que se some uma crise alimentar à crise econômica e de saúde pública. O mercado único é considerado uma fonte de prosperidade e de bem-estar coletivos, constituindo um elemento indispensável para a resposta ao surto da Covid-19. Vale ressaltar que, ainda em termos de cooperação econômica, o Banco Europeu já havia anunciado, em 12 de abril, uma série de medidas. Uma crise internacional exige respostas internacionais. Nesse intuito, a resolução é enfática em apontar a cooperação como alicerce para a superação do desafio posto. 

A dois, manutenção do trabalho e da renda. A resolução manifestou solidariedade em relação àqueles que perderam o emprego e que tiveram as vidas profissionais afetadas pela pandemia. Nessa linha, defende que a Comissão Europeia e que os Estados-membros tomem medidas para manter o maior número possível de postos de trabalho, assegurando que a recuperação seja lastrada na convergência socioeconômica ascendente, no diálogo social e na melhoria dos direitos sociais e das condições de trabalho. Ainda, considera que os Estados-membros devem adotar medidas para assegurar que os trabalhadores sejam protegidos contra a perda de rendimentos. Para salvaguardar o emprego, sugeriu-se a adoção de iniciativas como a redução do tempo de trabalho e compensação de rendimentos. Ademais, incentiva que as autoridades europeias prudenciais e de supervisão explorem opções para reduzir os encargos das pequenas e médias empresas, apelando para a criação de uma estratégia horizontal europeia para a recuperação dessas empresas, lastrada na redução da burocracia e dos custos de acesso ao financiamento. Por fim, manifesta a convicção de que o dever de diligência das empresas, em matéria de direitos humanos e de ambiente, é condição necessária para prevenir e atenuar crises futuras e assegurar cadeias de valor sustentáveis. Em tempos de turbulência econômica e social, é mister assegurar o patamar de direitos conquistados e criar uma rede de proteção social como forma de mitigar o impacto vindouro.

A três, em termos de financiamento da recuperação, a resolução demonstrou um conjunto de preocupações com o papel a ser desempenhado pela União Europeia, pelos Estados-membros e pelos bancos. Em primeiro lugar, apoio à proatividade dos Estados. Há insistência para que as instituições da UE e para que os Estados-membros assegurem a concessão de apoio financeiro para combater os efeitos econômicos da Covid-19. Aponta-se a necessidade de se condicionar esse financiamento à utilização em benefício dos trabalhadores, devendo as empresas beneficiadas se absterem de pagar bônus à administração, praticar atos de evasão fiscal, pagar dividendos ou disponibilizar resgate de ações enquanto receberem esse apoio. Em segundo, reconhece a necessidade de flexibilidade orçamentária. A resolução insiste na adoção de um quadro financeiro plurianual (QFP) ambicioso, que preveja um orçamento reforçado e em consonância com os objetivos da UE, assegurando margem de manobra orçamental suficiente para garantir melhor previsibilidade e maior capacidade de ação, assegurando uma exposição reduzia aos riscos nacionais. Ainda, a resolução reconhece a necessidade de mobilizar fundos adicionais de forma rápida e não burocrática para ajudar os Estados-membros na luta contra a Covid-19 e suas consequências. Em terceiro, apoia a medidas de investimento e de liquidez. A resolução insta a Comissão Europeia a propor um pacote de medidas de recuperação e reconstrução em grande escala para investir na economia no pós-crise. Aponta que o investimento necessário deve ser financiado pelo incremento do QFP e pelos fundos e instrumentos financeiros existentes na UE. Ademais, aponta que esse pacote não deve implicar na mutualização da dívida existente, devendo ser orientado para investimentos futuros. Em quarto, propõe a criação de um Fundo de Solidariedade da UE para a Covid-19. Esse fundo teria por objetivo o apoio aos esforços financeiros empreendidos pelos setores da saúde dos Estados-membros, bem como os investimentos no setor dos cuidados de saúde no pós-crise. Em quinto, insiste no papel ativo do setor bancário. A resolução aponta para a necessidade de o setor bancário permitir às empresas e aos cidadãos com problemas financeiros associados à Covid-19 reduzir ou suspender temporariamente o pagamento de dívidas ou de hipotecas, dando flexibilidade no tratamento de créditos não produtivos. Ainda, sugere a suspensão temporária de pagamento de dividendos e redução das taxas de juros aplicáveis às contas a descoberto. Em especial, aponta para a necessidade das pequenas e médias empresas se beneficiarem da liquidez financeira necessária. Por certo que a construção de uma rede de proteção social pressupõe custos, portanto, é necessário pensar em meios de financiar a retomada da economia. O cenário que se desenha, de quarentenas intermitentes, impede que se pense em uma retomada linear. Urge equacionar a atuação dos Estados em termos econômicos, especialmente diante da perspectiva de enfraquecimento do setor privado e da estagnação atualmente vivenciada.

A quatro, a necessidade de se pensar uma “nova economia” para a retomada. Nesse aspecto, em primeiro, a resolução aponta para a necessidade de se desenvolver uma nova estratégia industrial. A indústria deve ser mais competitiva e resiliente face aos choques globais. Nesse ponto, apoia a reintegração das cadeiras de abastecimento no interior da UE e o aumento da fabricação interna de produtos essenciais (medicamentos, princípios farmacêuticos, equipamentos e materiais médicos, dentre outros). Em segundo, incentiva a área da saúde. A resolução considera que pesquisadores, empresas inovadoras e a indústria europeia devem receber apoio financeiro para que encontrem uma cura para a Covid-19, instando os Estados-membros a aumentarem o apoio a programas de investigação, desenvolvimento e inovação destinados a compreensão da doença, aceleração do diagnósticos e testes e desenvolvimento de uma vacina. Nessa linha, sugere aproveitar a oportunidade e se propor um plano de ação para a autonomia da saúde em domínios estratégicos como os princípios ativos farmacêuticos , reduzindo a dependência em relação a outros países. Em terceiro, aponta para a indústria verde e da tecnologia como pilares da retomada. A resolução aponta que o pacote de recuperação deve ter no seu cerne o Pacto Ecológico Europeu e a transformação digital como impulsionadores iniciais à economia, melhorando a resiliência e criando emprego contribuindo simultaneamente para a transição ecológica e para a promoção do desenvolvimento econômico e social sustentável. Destaca-se que as respostas devem estar alinhadas com o objetivo da UE de neutralidade climática. Melhor do que pensar em um “retorno à normalidade” é pensar em uma “nova normalidade” e, na retomada da economia, novos setores podem ser incentivados.

Assim, depreende-se da resolução que a cooperação e a solidariedade serão fundamentais para o reerguimento da economia no período pós-pandemia. Deve-se apostar nas relações multilaterais como ferramenta de retomada. Por hora, deve-se assegurar o emprego e a renda, inclusive como forma de mitigar o impacto social advindo da pandemia. Em termos de financiamento, deve-se adotar estratégias multiníveis, envolvendo a UE e os Estados-membros, dando-se destaque ao papel a ser desempenhado pelos bancos. Por fim, deve-se repensar a estratégia industrial, dando importância à área da saúde, de tecnologia e da indústria verde como pilares fundamentais da economia, promovendo uma retomada econômica e social que seja sustentável.

Essa breve análise da resolução de 17 de abril visou a demonstrar, em linhas gerais, algumas das estratégias pensadas na União Europeia para combater a pandemia e suas consequência. É certo que a realidade enfrentada é distinta da brasileira, mas, diante do ineditismo da crise, deve-se valorizar o que é pensado alhures como forma de fomentar e de inspirar o desenvolvimento de estratégias para superação dos desafios vindouros. Certamente, a cegueira deliberada em relação ao estrangeiro não é o melhor caminho para o enfrentamento de uma crise de tal magnitude. Acima de tudo, deve-se crescer à altura das desafiadoras circunstâncias.

 é membro associado do Instituto de Estudos Culturalistas (IEC) e da Associação Brasileira dos Estudantes de Arbitragem (ABEArb).