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Fabrício Queiroz é preso em investigação sobre “rachadinha” na Alerj

Casa caiu

Ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Queiroz é preso em investigação sobre “rachadinha”

Por determinação da Justiça do Rio de Janeiro, o ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz foi preso no interior de São Paulo nesta quinta-feira (18/6). Queiroz era assessor de Flávio Bolsonaro quando este era deputado estadual.

Segundo o Estadão, ele estava na casa de Frederick Wassef, advogado de Flávio no caso Queiroz e do presidente Jair Bolsonaro no caso Adélio Bispo. O advogado participou na quarta-feira, 17, da cerimônia de posse do ministro das Comunicações, Fábio Faria, em Brasília. 

Foram decretadas medidas cautelares também contra outros suspeitos, investigados em um esquema de “rachadinha”, em que servidores da Alerj devolviam parte de seus salários ao então deputado estadual Flávio Bolsonaro.

Os outros alvos da operação são o servidor da Alerj Matheus Azeredo Coutinho; os ex-funcionários da casa legislativa Luiza Paes Souza e Alessandra Esteve Marins; e o advogado Luis Gustavo Botto Maia. As cautelares incluem busca e apreensão, afastamento da função pública, comparecimento mensal em juízo e proibição de contato com testemunhas.

As prisões foram efetuadas em uma operação conjunta entre o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), por meio do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (GAECC/MPRJ) e da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI/MP-RJ), e o Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do (GAECO/MPSP).

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Revista Consultor Jurídico, 18 de junho de 2020, 8h22

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É possível reexame da sanção administrativa em processo disciplinar

É vedada a reformatio in pejus quando se tratar de revisão administrativa, que pode ocorrer após o término do processo, ou seja, quando não se trata de fase recursal. Há, inclusive, previsão nesse sentido no artigo 316 da Lei Estadual 10.261/1968, que dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado.

123RFTJ-SP diz que é possível reexame da sanção administrativa em processo disciplinar

Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a demissão de um escrevente de cartório, acusado de praticar atos ordinatórios em um processo do qual era autor, contrariando determinações expressas de superiores hierárquicos para não fazê-lo. Com base no artigo 241, XIV, e no artigo 243, XI, da Lei Estadual 10.261/68, o juiz corregedor permanente aplicou ao servidor a pena de suspensão de 90 dias.

Ele entrou com recurso administrativo e, acolhendo parecer da Corregedoria-Geral de Justiça, a presidência do TJ-SP aumentou a sanção, determinando a demissão do cargo, com base no artigo 256, II, da Lei 10.261/68. Para o escrevente, ficou configurada a reformatio in pejus. Por isso, ele entrou com mandado de segurança contra o ato da presidência do tribunal, o que foi negado por maioria de votos.

“Em hipóteses como a presente, em que se trata de procedimento disciplinar administrativo dentro do quadro de servidores do Poder Judiciário Estadual, não cabe falar em vedação da reformatio in pejus somente em razão de ter sido imposta pena mais gravosa em fase recursal quando for interposto recurso pelo servidor punido. Isso porque inexiste autoridade um órgão da própria administração que possa recorrer da decisão de primeira instância”, disse o relator, desembargador Alvaro Passos.

Ele destacou que só poderia se falar em nulidade pelo agravamento da pena se não fossem asseguradas a ampla defesa e o contraditório, o que “não ocorreu nesta hipótese, em que a possibilidade da demissão era de ciência do interessado desde o início”, tendo ocorrido todas as oportunidades de defesa cabíveis, incluindo a interposição de recurso. Passos afirmou ainda que a decisão da presidência está devidamente motivada e não possui ilegalidades.

Além disso, o desembargador afirmou que o Corregedor-Geral pode opinar pelo aumento da pena, ainda que o recurso tenha sido interposto apenas pelo servidor (“até mesmo porque, como como já mencionado, inexiste autoridade competente para também interpor recurso contra a decisão inicial do corregedor permanente local”), tanto que detém o poder e o dever de julgar os recursos interpostos contra decisões dos juízes corregedores permanentes. Assim, para Passos, também não há ilegalidade no parecer do Corregedor-Geral pela demissão do servidor.

Em declaração de voto convergente, o vice-presidente do TJ-SP, desembargador Luís Soares de Mello, lembrou que o Corregedor-Geral, conforme artigo 28, XIII, XIV e XVI, do Regimento Interno da Corte, tem, a qualquer tempo, durante o procedimento administrativo, a competência para atuar em sua função de correição. “Há possibilidade de reexame da sanção administrativa em processo disciplinar”, disse.

Divergência

Os desembargadores Xavier de Aquino e Marcio Bartoli ficaram vencidos no julgamento. O entendimento deles foi no sentido de conceder a segurança em razão da reformatio in pejus.

Mandado de Segurança Cível 2285056-22.2019.8.26.0000

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Indeferidos os embargos de declaração do dr Bolsonaro!

Os fogos de artifício não são por acaso.

Leio, nas manchetes, que o Sr. Presidente, Jair Messias Bolsonaro, comenta que militares são “os verdadeiros responsáveis pela democracia” no Brasil e que “jamais aceitariam um julgamento político para destituir um presidente democraticamente eleito”.

Como o histórico do Presidente não parece indicar que ele goste muito de medidas como o habeas corpus — até que um Bolsonaro precise de um, HC é coisa de comunista (ou algo do gênero) —, parece que o Sr. Presidente resolveu opor “embargos de declaração preventivos”. É uma nova categoria: ataca-se a decisão que ainda nem existe.

Parece que estou brincando, mas tudo isso é muito sério. E vejam: é o resultado de anos de relativismo semântico, de humpty-dumptyismo institucional. Jabuti não sobre em árvore. Agimos como se as palavras não importassem. Negacionismo epistêmico. Anos e anos. O resultado: o chefe do Poder Executivo ameaça dia sim dia também a Suprema Corte na imprensa reivindicando a democracia. É a democracia sendo utilizada para atacar a democracia. Contradição performático-jurídica.

Isso tudo deve servir como um chamado à comunidade jurídica. Os fogos de artifício não são por acaso. Os ataques constantes do Presidente ao STF não são por acaso. A avacalhação hermenêutica do artigo 142 não é por acaso. Por trás de tudo isso está aquilo que venho afirmando há anos, desde o início, quando fundei a Crítica Hermenêutica do Direito há mais de duas décadas:

Senhoras e Senhores: é o Direito que segura a democracia. Não nos descuidemos disso

Esse é o grande ponto e é isso que tem sido ignorado já de há muito. É por isso que os fogos de artifício não são por acaso.

Recupero o que dizia Lord Bingham, da Suprema Corte do Reino Unido. Já falei dele aqui. Dizia ele: Você pode até discordar dos juízes. Você pode até achar que advogados são todos uns picaretas. Agora, imagine um país sem o Estado de Direito para segurar e dar conta da institucionalidade. É a barbárie. Não há democracia legítima sem Direito. Não há democracia plena sem um Judiciário forte, livre e independente.

Esse é o grande busílis, o grande meio que nunca foi reconhecido; ora tratamos o Direito como mero instrumento, ora como uma mera superestrutura, jogo de poder. Resultado: “tudo isso daí que tá aí, talquei?”

Sou um otimista metodológico. Que tudo isso sirva para que nos demos conta da importância do Direito. Que o Supremo perceba que tem um papel institucional — e falo aqui invocando S. Issacharoff — do qual nossa jovem e frágil democracia depende.

De minha parte, se o Presidente opõe “embargos preventivos”, coloco-me eu aqui, preventiva e humildemente, como um amicus curiae. Sou um amigo da Corte. Inimigos, esses ela já tem demais. Precisamos de mais amici. É a hora de a comunidade jurídica, uníssona, dizer que as palavras importam, que a democracia não pode ser usada para atacar o Supremo, que o Direito é condição de possibilidade para a democracia. John Austin escreveu um livro chamado “Como fazer coisas com palavras”. Por aqui, o Presidente e seus apoiadores escreveram um volume dois — a antítese: “Como destruir coisas com palavras”.

Não é por nada que o Direito está sendo atacado. Os embargos preventivos não são coincidência.

Os fogos de artifício não são por acaso. Mas são só fogos de artifício. Não serão mais do que isso se a comunidade jurídica não deixar.

Amici curiae, uni-vos. Não temos nada a perder. A não ser a democracia

 é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados:
www.streckadvogados.com.br.

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Direitos instituídos na nova lei trabalhista e o PLC 15/2020

O presente artigo tem por escopo rápida e objetiva abordagem dos principais trechos do Projeto de Lei de Conversão 15 de 2020 (fruto da MP 936), após a aprovação pelo Congresso, a fim de oferecer visão trabalhista panorâmica e estratégica aos gestores de empresas e operadores do direito, assim como dar conhecimento aos trabalhadores de direitos instituídos.

A Medida Provisória 936, do último dia 1º de abril, teve por objeto a instituição do Programa Emergencial do Emprego e da Renda e dispôs acerca de medidas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública, nomeadamente instituição do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, combinada com a redução proporcional de jornada e de salários e/ou a suspensão temporária do contrato de trabalho. 

Durante o trâmite legislativo, já convertida no Projeto de Lei de Conversão 15 de 2020, passou a tratar em seu art. 32, de matérias abarcadas pela MP 905[3]. Tais temas, no entanto, foram impugnados ao argumento de tratar-se de assuntos estranhos ao escopo da MP 936, ficando rejeitados por maioria.

Acabou por abarcar, no entanto, a Lei 10.101 de 2000, que cuida da participação nos lucros e resultados, especialmente para autorizar a instituição de programa de resultados para entidades do terceiro setor, tal como já defendíamos dado o direito constitucional do empregado de tais entidades.[4]

O principal ponto do PLC 15, contudo, diz respeito à possibilidade de ampliação do prazo das medidas emergenciais previstas na MP 936, consoante se passa a abordar.

Possível ampliação do período das medidas
A MP 936, consoante redação dos arts. 7º e 8º, prevê a redução de jornada e salário proporcionais por até 90 (noventa) dias e a suspensão dos contratos de trabalho por até 60 (sessenta) dias, respectivamente. Tais medidas podem ser combinadas, desde que respeitado o prazo máximo de 90 (noventa) dias.

A novidade do aprovado PLC 15 está nos artigos 7º, §3º; 8º, §6º; 16; 16, parágrafo único; e 18, parágrafo único, que outorgam ao Executivo a faculdade de prorrogar o prazo máximo de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário e/ou suspensão de contratos inicialmente previstos, o que espera-se seja levado a efeito já nos próximos dias[5], após a sanção da lei pelo Presidente da República.

Aplicação setorial das medidas
O texto final aprovado pelo Congresso espanca qualquer dúvida quanto à possibilidade de uso das medidas de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário e/ou suspensão de contratos, de forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho, tal como previsto em seus arts. 7º e 8º, o que confere ao empregador a possibilidade de gerir o negócio por área ou setor, de acordo com as necessidades do mercado, tomando-se o cuidado com práticas que possam ter conotação discriminatória ou não isonômica.  

Contribuição do segurado
O art. 7º, § 2º do PLC 15 permite a complementação dos valores de recolhimento pelo segurado do INSS durante a redução da jornada de trabalho e de salário, ou mesmo o recolhimento como segurado facultativo nos casos de suspensão de contrato de trabalho.

Dedução de IR no pagamento da ajuda compensatória
A exemplo da previsão constante do texto original da MP 936, voltada à empresa que recolhe imposto de renda com base no lucro real, os valores da ajuda compensatória podem também ser deduzidos para efeito de apuração de IR quando se trata de rendimentos do trabalho não assalariado da pessoa física,[6] empregador doméstico e o resultado da atividade rural.[7]

Gestante
O art. 22, a exemplo do art. 10 do texto aprovado, deixa indene de dúvidas a possibilidade de a empregada gestante, inclusive a doméstica, participar do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, observadas as condições estabelecidas no PLC 15.

Na forma dos §§ seguintes, e por evidente, se ocorrido o evento caracterizador do início do benefício de salário-maternidade, o empregador deverá comunicar ao Ministério da Economia, e a empregada ingressará em auxílio maternidade, pago com base no salário de contribuição, considerado para tanto o valor relativo ao período anterior à redução de jornada e salário e/ou suspensão de contrato, valendo a mesma regra, na forma do art. 22, para a adoção de criança.

Garantia de emprego gestante
A garantia de emprego prevista pela MP 936, relativa ao período de aplicação das medidas de redução de jornada e salário e/ou suspensão de contratos, deve ser computada para a gestante, na forma do art. 10, inciso III, a partir do término da garantia legal de emprego já existente nesta condição, ou seja 5 meses após o parto, consoante alínea b do inciso II do caput do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Impossibilidade de negociação individual
Empresas com faturamento superior a R$ 4.800.000
Em sua redação original, a MP 936 previa que o acordo poderia ser firmado com qualquer empregado, desde que limitada a 25% de redução de jornada e salário, ou sem essa limitação, desde que o empregado percebesse menos do que três salários mínimos (R$ 3.145) ou detivesse a condição de autossuficiente (salários superiores a dois valores do RGPS e portador de diploma de nível superior).

Há importante modificação no texto final aprovado. Com efeito, consoante art. 12, fica vedado o acordo individual para empregado com salário igual ou inferior a R$ 2.090, na hipótese de o empregador ter auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000, observada a ressalva do §1º do mesmo artigo.

Com efeito, ainda que não enquadrado nas condições admissíveis para o acordo individual, este pode ser firmado quando do acordo não resultar diminuição do valor total recebido mensalmente pelo empregado, incluídos neste valor o Benefício Emergencial, a ajuda compensatória mensal e, em caso de redução da jornada, o salário pago pelo empregador.

Aposentados
Considerada a regra de vedação de percepção do BEm (Benefício Emergencial) pelos aposentados, e conforme art. 12, § 2º, a redução de jornada e salários e/ou suspensão de contratos só será admitida para empregados em gozo de aposentadoria quando, além do enquadramento em alguma das hipóteses de autorização do acordo individual de trabalho, o empregador pagar ajuda compensatória mensal, equivalente no mínimo ao benefício que o empregado receberia se não houvesse a vedação ao percebimento, tomando o seguro desemprego como base de cálculo.

Já se a empresa teve faturamento superior a R$ 4.800.000 em 2019, a ajuda compensatória mensal deverá ser no mínimo igual aos 30% que o empregador já deveria arcar, somado ao valor da ajuda compensatória equivalente ao seguro desemprego que caberia não fosse a vedação.

Digitalização
Observado o cenário de digitalização, inaugurado mais fortemente com a Lei da Liberdade Econômica, e na forma do Decreto 10.278, somado ao isolamento social, o art. 12, § 3º, expressamente prevê que os acordos individuais escritos poderão ser realizados por quaisquer meios físicos ou eletrônicos eficazes.

Conflito de conteúdo entre normas coletivas e acordos individuais
O art. 12, §5º, do PLC 15, expressamente prevê que o acordo individual produz seus efeitos até que sobrevenha norma coletiva, passando a partir de então a se observar o teor do acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, salvo se o acordo individual for mais benéfico, quando este prevalecerá.

Ultratividade da norma coletiva
Consoante art. 17 do texto aprovado, as cláusulas das convenções coletivas ou dos acordos coletivos de trabalho vencidos ou vincendos[8] no período do estado de calamidade pública, permanecerão sendo aplicados aos contratos individuais de trabalho, salvo se sobrevier novo instrumento coletivo.

Vedação da dispensa de pessoa com deficiência
Como norma de proteção, o art. 17, inciso V, expressamente veda a dispensa sem justa causa do empregado pessoa com deficiência. Antes da MP 936, a dispensa já poderia ser objeto de discussões judiciais, especialmente quando implicasse em descumprimento de cota. Com a medida, gera-se uma obrigação inescusável para o empregador em prol do social.

Opção pelo melhor benefício

Como se sabe, é vedada a cumulação do BEm (Benefício Emergencial para Manutenção do Emprego e da Renda) com auxílio emergencial. Disciplina, no entanto, o art. 18, § 5º, a garantia do direito ao melhor benefício.

Cancelamento do aviso prévio
Nem precisaria, pois já albergado pela autonomia da vontade,  mas o art. 23 do PLC 15 expressamente prevê que empregador e empregado podem, em comum acordo, optar pelo cancelamento de aviso prévio em curso.

Repactuação de operações bancária
Visando preservar a dignidade dos trabalhadores atingidos por medidas de redução de jornada e salário e/ou suspensão de contratos de trabalho, ou mesmo contaminado pela Covid-19,[9] o art. 25 do PLC 15 prevê durante a vigência do estado de calamidade pública, a opção pela repactuação das operações de empréstimos, de financiamentos, de cartões de crédito e de arrendamento mercantil contraídas com o desconto em folha ou remuneração, de que trata a Lei nº 10.820.

E ainda, se repactuado, garantido o direito à redução das prestações na mesma proporção da redução salarial, com carência de até 90 (noventa) dias, e mantidas as condições financeiras de juros e encargos, ou mesmo diminuídas se a instituição assim entender.

Empregados dispensados até 31 de dezembro de 2020, a seu turno, terão direito à novação das operações para um contrato de empréstimo pessoal, com o mesmo saldo devedor anterior e as mesmas condições de taxa de juros, encargos e garantias originalmente pactuadas, acrescida de carência de até 120 dias.

Garantia de mínimo existencial
Na forma do art. 28 do PLC 15, o empregado, inclusive o doméstico, dispensado sem justa causa durante o estado de calamidade pública, perceberá o valor de R$ 600 durante três meses, se não preencher os requisitos de habilitação ao seguro-desemprego.[10]

Na mesma esteira de garantia de um mínimo existencial, o beneficiário que tenha direito à última parcela do seguro-desemprego, nas competências de março ou abril do ano de 2020, fará jus ao recebimento do benefício emergencial, no valor de R$ 600 mensais, pelo período de três meses a contar da competência de recebimento da última parcela.

Fato do Príncipe — Inaplicabilidade
Lembram da manifestação do Presidente da República de que “se o governador ou prefeito mandarem fechar o comércio … tem um artigo lá na CLT que diz que eles pagam a conta!”

Referia-se o Presidente ao art. 486 da CLT, que cuida do fato do príncipe, utilizado por várias empresas que demitiram trabalhadores sequer observando o pagamento das verbas rescisórias previstas no diploma que trata da matéria.

Pois bem, o art. 30 do texto aprovado deixa claro que o art. 486 da CLT não se aplica na hipótese de paralisação ou suspensão de atividades empresariais determinada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, para o enfrentamento do estado de calamidade pública.

Benefícios fiscais
O PLC 15 trata ainda da prorrogação dos benefícios fiscais de 17 setores, dentre os quais tecnologia e construção civil, o que servirá, espera-se para auxiliar as empresas na manutenção de empregos e da atividade econômica, e na retomada do crescimento.

Considerações finais
Em rápidas pinceladas, sem a menor ousadia de esgotar a matéria, julga-se cumprida a missão de oferecer um panorama geral sob o viés trabalhista quanto ao texto aprovado no Projeto de Lei de Conversão 15, de 2020.

[3] Que foi retirada de pauta pelo Governo ante o anúncio do Senado de que não a votaria dentro do prazo legal. Dentre as medidas, alteração da jornada dos bancários, compensação dos valores pagos a título de gratificação de função para bancários, na hipótese de deferimento de horas extras, regras de negociação coletiva para os bancários; além de alteração do art. 457 e outros dispositivos da CLT a fim de deixar clara a natureza não salarial da alimentação; assim como fixação da correção monetária dos débitos trabalhistas para após a sentença; previsão expressa de uso do depósito recursal para diminuição de valores de condenação trabalhista e substituição do depósito recursal a qualquer tempo por fiança bancária ou seguro judicial, sem exigência de acréscimo no valor do depósito, dentre outros.

[8] salvo as que dispuserem sobre reajuste salarial e sua repercussão nas demais cláusulas de natureza econômica,

[10] Já o intermitente, diante das regras próprias do art. 18, não perceberá o benefício emergencial na hipótese de extinção de contrato de trabalho.

Célio Pereira Oliveira Neto é doutor, mestre e especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor em cursos de pós-graduação, membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ), da Comunidad para la Investigación y el Estudio Laboral y Ocupacional, coordenador do Conselho de Relações do Trabalho da Associação Comercial do Paraná, do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Paraná, diretor jurídico da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades, vice-presidente da Comissão da Agenda 2030 do IAB, presidente do Instituto Mundo do Trabalho (IMT) e sócio fundador da Célio Neto Advogados.

 é mestre em Direito pela PUC-SP; professor de Direito do Trabalho da FMU; especialista nas Relações Trabalhistas e Sindicais; organizador do e-book digital “Coronavírus e os Impactos Trabalhista” (Editora JH Mizuno); coordenador do e-book “Nova Reforma Trabalhista” (Editora ESA OAB/SP, 2020); organizador das obras coletivas “Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista” (Editora LTr, 2019) e “Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada” (Editora JH Mizuno, 2019); coordenador do livro digital “Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões” (Editora Eduepb, 2018); palestrante e instrutor de eventos corporativos “in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe.

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Processo administrativo tributário em perspectiva

A Justiça Tributária, no ambiente econômico nacional, pressupõe, de um lado, a elaboração de sistema intrinsecamente justo, que onere cada sujeito compativelmente à sua respectiva capacidade contributiva; e, de outro, a simplificação dos procedimentos e obrigações acessórias, a serem cumpridos pelos contribuintes. A redução da litigiosidade tributária junto ao Poder Judiciário, que se vê às voltas com milhões de ações tributárias e execuções fiscais, relaciona-se com ambas as perspectivas; e impõe o desenvolvimento e utilização de meios não judiciários, também conhecidos como alternativos, de resolução das questões tributárias. Esse caminho foi trilhado pela Lei 13.988/2020, que fixou requisitos e condições para a realização de transações no âmbito da cobrança de créditos tributários e não tributários da União e suas autarquias e fundações.

Inobstante, a relevância dessa possibilidade, o contencioso administrativo continua a ser o principal método não judiciário de resolução de conflitos tributários no Brasil. Impugnações e recursos apresentados pelos contribuintes e julgados por colegiados no âmbito da administração dos entes tributantes, dentre os quais se destaca o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), responsável pelos julgamentos administrativos na esfera federal.

Várias são as vantagens dos tribunais administrativos: (i) composição formada por julgadores com elevada capacidade técnica na área tributária, garantindo profundidade na análise dos casos; (ii) baixo custo para o contribuinte, tendo em vista a inexistência de exigência de depósitos ou garantias para a realização da defesa; (iii) automática suspensão da exigibilidade dos tributos, por força do art. 151, III, do CTN[1];  (iv) procedimento mais simples e célere que o processo judicial; e (v) o contribuinte ainda possui a via judicial, sem prejuízo de outros meios alternativos, caso a impugnação seja julgada improcedente.

O contencioso administrativo vem sofrendo modificações relevantes, com o intuito de aperfeiçoá-lo, dentre as quais: (i) a implementação de uma nova sistemática de resolver os empates, por meio do art. 19-E, recém inserido na Lei 10.522/2020; e (ii) a nova sistemática de julgamentos virtuais.

Os julgamentos no Carf são regidos pelas regras estabelecidas no Decreto 70.235/1972, ato normativo com natureza jurídica de lei ordinária. Seus colegiados são compostos paritariamente. Dos oito julgadores, metade representa os contribuintes; e metade a Fazenda Nacional. Até o advento da Lei 10.522/2020, a presidência cabia a representante da Fazenda, que em caso de empate resolveria o litígio com voto de qualidade, nos termos do art. 25, § 9º, do citado decreto: “Os cargos de Presidente das Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das câmaras, das suas turmas e das turmas especiais serão ocupados por conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que, em caso de empate, terão o  voto de qualidade, e os cargos de Vice-Presidente, por representantes dos contribuintes.” (não há grifo no original)

O novel artigo 19-E da Lei 10.522/2020, mudou tal sistemática, ao estabelecer, verbis:

Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte. (não há grifo no original)

Conforme a regra revogada, o presidente da turma possuía competência para, consoante sua convicção, decidir sobre empates, quer favorável, quer desfavoravelmente ao contribuinte [2]. Após a alteração legislativa, passou a viger a regra que, em caso de empate, deve prevalecer o entendimento pró-contribuinte.

A mudança legislativa suscitou controvérsias, tendo sido, inclusive, contestada sua constitucionalidade formal e material. Em razão de as ADI 6.399 (PGR), ADI 6.403 (PSD) e ADI 6.415 (Anfip) terem seguido o rito sumário (art. 12 da Lei 9.868/1999)[3], sem medida liminar suspensiva de seus efeitos, seu dispositivo foi aplicado pelo Carf, em julgamentos recentes.

Prévia às questões tratadas nas ADIs, discute-se a pertinência ou não da medida. Será que ao invés de se modificar sistemática nonagenária do procedimento administrativo federal — que adota o voto de qualidade — , poder-se-ia incrementar a imparcialidade do órgão por outras medidas pontuais, menos radicais?[4]

As ADIs trazem questionamentos de ordem formal a ser analisadas pelo Supremo Tribunal Federal: (i)  a incongruência entre a versão original da Emenda 09, de autoria do deputado Heitor Freire (PSL/CE), e a versão aglutinada, ao final, no PLV 02/2020 (decorrente da conversão da MP 899/2019), aprovada pelo Congresso Nacional, com substancial alteração em seu conteúdo (que inicialmente se referia somente à exclusão das multas); e (ii) a acusação de ocorrência de contrabando legislativo, devido à suposta falta de pertinência temática desse dispositivo com o conteúdo original da MP 899/2019, que versara sobre a regulação do artigo 171 do CTN, que prevê a transação tributária.

Questionam-se, ademais, aspectos materiais, oriundos da contrariedade em relação à presunção de legitimidade dos atos administrativos (que opera em sentido contrário à presunção de inocência dos réus e acusados), ao se exigir julgamento majoritário para a manutenção da exação, em sentido contrário ao que o Poder Judiciário aplica no caso de empates no julgamento de mandados de segurança.

Há debates também sobre a dinâmica de utilização da nova regra: (i) sobre o alcance, ou seja, a que tipo de casos e de processos administrativos a nova regra se aplica?; e (ii) retroatividade ou não do art. 19-E, aos casos já julgados administrativamente.

Relativamente ao primeiro ponto, há diversas opiniões: a) o dispositivo deve ter uma interpretação literal ou restritiva, aplicando-se apenas “ao processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário”; b) o artigo deve ser interpretado ampliativamente ou por analogia, por razões de coerência procedimental e de igualdade, para abranger todos os processos julgados no Carf; e c) o dispositivo teria um alcance mediato mais abrangente, pela apropriação do rito do Decreto 70.235/1972 por meio de regras de remissão, dilatando também o alcance do novo regime[5].

No tocante à retroatividade do art. 19-E, discute-se se a regra possui natureza de direito material ou processual; debatendo-se sequentemente a possibilidade ou não de sua retroação, assim como se a retroatividade abrangeria apenas as multas ou também os tributos.

Encerrando o bosquejo sobre a nova sistemática de resolver os empates, relembre-se que um dos pilares da definitividade dos julgamentos administrativos prendia-se ao fato de, historicamente, o voto de qualidade ser competência do conselheiro representante da Fazenda Nacional. Face à mudança havida, à luz dessa nova regra, seria possível a Procuradoria da Fazenda Nacional levar os casos julgados favoravelmente aos contribuintes para apreciação do Judiciário?

Tema de particular relevância, nestes tempos de pandemia, diz respeito à implementação de sessões virtuais de julgamento, nos tribunais administrativos, que se tem dado de forma díspar entre os diversos entes tributantes.

Há de haver certa uniformidade procedimental, para evitar prejuízos à defesa dos contribuintes, resguardando o direito de as partes realizarem sustentações orais e de influir por meio destas, efetivamente, no julgamento. Além disso, deve-se franquear ao advogado a oposição ao julgamento virtual, quando este entenda que o procedimento adotado implica em risco ao contraditório. Em nenhuma hipótese o julgamento virtual pode ser pretexto para julgamentos açodados ou com prejuízo aos debates técnicos; precisando ser ao contrário instrumento de acesso à justiça pela viabilização de meios tecnológicos hábeis a replicar a dinâmica dos julgamentos presenciais.

Como foi visto acima, há muito o que se deslindar. Assim, devem ser encorajadas pesquisas e debates sobre o fim do voto de qualidade no Carf, o alcance e retroatividade da nova regra de desempate e a implantação e a prática dos julgamentos virtuais. Dessa forma, estar-se-á contribuindo à evolução e ao aperfeiçoamento do contencioso tributário, relevante instrumento de redução dos conflitos nessa área.

 é sócio do Grandino Rodas Advogados, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), professor titular da Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

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Defensoria pode atuar como custos vulnerabilis em ação reivindicatória

Cabe à Defensoria Pública a tutela de qualquer interesse individual homogêneo, coletivo stricto sensu ou difuso, sobretudo aqueles associados aos direitos fundamentais, pois sua legitimidade ad causam não se guia, no essencial, pelas características ou perfil do objeto de tutela, mas pela natureza ou status dos sujeitos protegidos, concreta ou abstratamente defendidos, os necessitados.

Reprodução/FacebookDefensoria Pública pode atuar como custos vulnerabilis em ação reivindicatória

Com esse entendimento, a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo admitiu a atuação da Defensoria Pública como custos vulnerabilis em uma ação reivindicatória que envolve um terreno com pelo menos dez lotes ocupados por famílias de baixa renda. O cenário, segundo o relator, desembargador Claudio Godoy, é típico de intervenção da Defensoria como custos vulnerabilis, principalmente porque o órgão foi procurado pelos próprios moradores.

Em primeira instância, o pedido da Defensoria Pública havia sido indeferido com o argumento de que o polo passivo não é formado por um grande número de pessoas. No recurso, a Defensoria afirmou que a impossibilidade de distinção das áreas ocupadas gera a necessidade de se tratar a questão de forma coletiva, o que autoriza sua atuação em defesa das famílias hipossuficientes.

Ao acolher o recurso, Godoy disse que a atuação da Defensoria é um instrumento da expressão e consecução do regime democrático e da promoção dos direitos humanos. “Ainda mais, a ela se atribuiu a defesa não apenas dos direitos individuais, mas também dos direitos coletivos dos grupos vulneráveis, dos direitos sociais e econômicos desta população”, disse o relator.

Ele citou a Lei Complementar 80/94, atualizada depois pela Lei Complementar 132/2009, que alçou a Defensoria ao patamar de órgão institucional de colaboração ao aperfeiçoamento e distribuição da tutela efetiva a pessoas ou grupos vulneráveis, promovendo seus direitos em concepção mais ampla, não apenas em questões financeiras, mas também de ordem social, cultural e ambiental.

O desembargador também citou precedentes do STF e do STJ relacionados à atuação da Defensoria Pública e que ampliaram o conceito de “pessoas vulneráveis” para além de questões econômicas. “Ainda aqui, robora-se a extensão de sua atuação para abarcar espectro mais institucional e amplo do que a representação concreta dos necessitados”, disse Godoy ao lembrar da Lei 11.448/07, que permitiu aos defensores a propositura de ações civis públicas.

“A atuação da Defensoria, em casos como presente, abrangendo questão de grupo de pessoais vulneráveis que vê discutido seu direito à moradia e ao trabalho, não se pode deliberar de modo mais estrito, como se se tratasse apenas da defesa processual de quem não tivesse advogado constituído a fazê-lo. Sua integração ao processo se dá justamente na promoção dos direitos essenciais deste grupo, colaborando com subsídios à deliberação judicial”, completou. A decisão foi por unanimidade.

Processo 2007066-02.2020.8.26.0000

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Recuperanda pode participar de licitação sem certidões negativas

A exigência de que empresa em recuperação judicial apresente certidões negativas de débito para participar de licitação desconsidera o interesse público na preservação da atividade econômica e dos empregos.

Empresa em recuperação não deve apresentar certidões negativas para participar de licitação

Com esse entendimento, a 1ª Vara de Falência e Recuperação Judiciais de São Paulo desobrigou a empresa Eit Engenharia, em recuperação judicial, de apresentar certidões negativas de débito para participação em licitação e contratação com o poder público. A decisão é de 9 de junho.

O juiz Tiago Henriques Papaterra Limongi afirmou que a limitação da participação de empresas em recuperação judicial em concorrências públicas desconsidera o interesse público na preservação da atividade da companhia e dos postos de trabalho.

Para o juiz, a exigência das certidões negativas dificulta ainda mais a recuperação da empresa, contrariando o instituto criado pela Lei de Falências (Lei 11.101/2005).

Segundo Limongi, o poder público não pode exigir apresentação de certidão negativa de recuperação judicial para empresa participar de licitações. Isso porque o requisito do artigo 31, II, da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993), fala em certidão negativa de falência ou concordata. Porém, a figura da concordata foi extinta, e não é certo afirmar que a recuperação judicial a substituiu, apontou o julgador, ressaltando que a Lei de Falências autoriza a companhia em reabilitação a contratar com a administração pública.

Quanto à exigência da apresentação de certidão negativa fiscal, Limongi ressaltou que o Superior Tribunal de Justiça entende que recuperações judiciais podem ser concedidas mesmo sem o documento. Isso devido à realidade de endividamento fiscal das empresas em crise e da ausência de programa adequado para parcelamento de dívidas para companhias em reestruturação. Como não se pode exigir certidão negativa fiscal para recuperação judicial, também não é possível cobrar o documento para contratação com o poder público, avaliou.

Com relação à exigência de certidões negativas de débitos trabalhistas e FGTS, Tiago Limongi destacou que dívidas desse tipo não poderiam ser pagas, sob pena de a companhia violar a paridade com os outros credores.

Interesses sociais

O advogado da empresa Roberto Keppler, sócio da banca Keppler Advogados, afirmou que a decisão é importante por gerar uma discussão a respeito da prevalência dos interesses sociais sobre a legislação.

Conforme Keppler, é “anacrônico” proibir a participação de companhia em recuperação judicial em licitação pela falta de certidões negativas. A seu ver, isso “joga contra o desenvolvimento e retorno do ambiente empresarial”.

Clique aqui para ler a decisão

Processo 0035171-19.2017.8.26.0100

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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Aldem Aráujo: Um exemplo de usurpação de competência

Sem alarde, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) expediu, no último dia 20, a Resolução nº 337/2020, que “dispõe sobre a aplicação de multa às instituições que não implementarem as medidas necessárias para a prevenção do contágio do coronavírus Covid-19 e dá outras providências”.

A grosso modo, a norma infralegal pretende impor às pessoas jurídicas registradas nos assentamentos do Cremesp, sob pena de aplicação de multa correspondente ao valor de uma a dez anuidades, o dever de disponibilizar: 1) infraestrutura para higienização das mãos, com sabão para lavagem das mãos e antisséptico de mãos à base de álcool gel 70% (setenta por cento), lenços e toalhas descartáveis para uso do público e dos profissionais da saúde; 2) máscara cirúrgica, avental, luvas descartáveis e protetor facial ou óculos aos médicos; 3) máscara N95 ou PFF2, aos médicos expostos a procedimentos ou exames que podem gerar aerossol, a exemplo de coleta de swab nasal, broncoscopia e aspiração de paciente entubado, e aos médicos que atuem em unidades de terapia intensiva; 4) material de limpeza, intensificando a higienização das suas instalações e 5) equipamentos de proteção aos médicos (EPI) recomendados pelos órgãos e autoridades competentes.

Em que pese a intenção sempre louvável de incrementar medidas necessárias para a prevenção do contágio do coronavírus, a Administração Pública deve mesmo diante da situação extraordinária provocada pela pandemia e do regime jurídico excepcional de emergência sanitária dela decorrente sempre cuidar de observar os limites constitucionais e legais sob pena de ter seus atos anulados por usurpação de competência e excesso de poder.

Infelizmente, nesse particular, a Resolução nº 337/2020 do Cremesp enquadra-se como um exemplo de usurpação de competência e excesso de poder.

Analisando a matriz constitucional e legal da atuação dos conselhos de fiscalização profissional, estabelecida pelo artigo 5º, XIII, da CF/88, pelo artigo 1º da Lei nº 6.839/1980 e pelo artigo 4º da Lei nº 12.214/2011, verifica-se muito claramente, até pelo tratamento lacônico conferido pelas normas, que a competência dos conselhos em sede de direito administrativo sancionador está adstrita às infrações ético-profissionais.

Registre-se, em reforço, que o STJ possui como tese consolidada a de que “os conselhos profissionais têm poder de polícia para fiscalizar as profissões regulamentadas, inclusive no que concerne à cobrança de anuidades e à aplicação de sanções”.

Especificamente quanto ao Conselho de Medicina, os artigos 2º, 15 e 21 da Lei no 3.268, de 30 de setembro de 1957, deixam bastante evidente que os Conselhos Regionais de Medicina têm competência para fiscalizar o exercício da profissão do médico e para apurar e aplicar as devidas penalidades em razão da prática de eventuais infrações ético-profissionais.

Ora, analisando as imposições que a Resolução nº 337/2020 faz às pessoas jurídicas registradas nos assentamentos do Cremesp, resta muito claro que elas têm conteúdo sanitário e não ético-profissional.

Analisando o artigo 200, inciso II, da CF/88 e, sobretudo, o §1º, I e II, do artigo 6º da Lei 8.080/1990, que caracteriza a vigilância sanitária como um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, relacionem-se com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo e o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde, verifica-se com facilidade que as normas exigidas pela Resolução nº 337/2020 do Cremesp se inserem na seara do direito sanitário e, portanto, são normas de competência dos órgãos e entidades do SUS que exercem as ações de vigilância sanitária.

Da inteligência das discussões que antecederam a aprovação da Súmula 561 do STJ (que definiu as competências do Conselho de Farmácia e, por exclusão, da Vigilância Sanitária acerca da fiscalização da presença do farmacêutico durante todo o período de funcionamento do estabelecimento), extrai-se que aquela corte entendeu que os órgãos e entidades de vigilância sanitária possuem competência para conceder o licenciamento do estabelecimento e para fiscalizar as farmácias e drogarias nos aspectos relacionados com o cumprimento das exigências sanitárias, não incluindo a fiscalização da atuação ou não do farmacêutico, já que este é um aspecto ligado ao exercício da profissão, razão pela qual é tarefa do respectivo conselho profissional.

Sendo as exigências impostas pela Resolução nº 337/2020 do Cremesp às pessoas jurídicas dotadas de um conteúdo evidentemente sanitário, e não ligado ao exercício da profissão médica, a presença dos vícios nulificantes da usurpação de competência e do excesso de poder na aludida norma infralegal brotam de forma incontestável à luz do artigo 200, inciso II da CF/88, do §1º, I e II, do artigo 6º da Lei 8.080/1990, do artigo 1º da Lei nº 6.839/1980, do artigo 4º da Lei nº 12.214/2011, dos artigos 2º, 15 e 21 da Lei no 3.268/1957 e da Súmula 561/STJ.

Destarte, à luz do artigo 2º da Lei de Ação Popular o claríssimo vício de competência que macula a Resolução nº 337/2020 do Cremesp implica sua necessária anulação.

Ignorar os vícios de competência que tornam nula a Resolução nº 337/2020 do Cremesp em prol de promover o incremento das medidas de combate ao coronavírus é permitir o risco de um perigoso efeito multiplicador, vez que outros Conselhos Regionais de Medicina podem seguir o exemplo de São Paulo e também avançarem sobre competências dos órgãos e entidades que integram o SUS.

Num país com um tradicional pouco apreço à autocontenção, impedir a usurpação de competências e o excesso de poder é uma medida obrigatória para evitar situações que, quando passam a ocorrer de forma reiterada, são de demorada correção.

 é advogado no escritório Mello Pimentel Advocacia, membro da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB-PE e especialista em Direito Público.

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Mauro Silva: Ajustes da reforma da Previdência nas mãos do STF

A promulgação da Emenda Constitucional nº 103/2019 trouxe ao ordenamento jurídico pátrio uma série de alterações extremamente lesivas à população brasileira, seja para os trabalhadores da inciativa privada, seja para os servidores públicos.

Entre as principais alterações, podemos destacar majoração e progressividade das alíquotas previdenciárias, supressão das regras de transição para aposentadoria até então asseguradas pelas emendas constitucionais anteriores, alterações nas regras de pensão por morte, entre outras.

Ao longo de toda a tramitação da PEC 06/2019, o governo federal fez ampla campanha publicitária no sentido de que a reforma da Previdência era indispensável para o futuro de nosso país, porém em nenhum momento apresentou estudo atuarial consistente/válido, embasado em critérios científicos, que demonstrasse a adequação e necessidade das alterações constitucionais, bem como que estavam sendo adotadas as medidas menos gravosas para a coletividade, em amplo desrespeito ao princípio jurídico da proporcionalidade.

Uma análise detalhada por profissionais especializados indica claramente que os critérios e as regras estabelecidos pela EC 103/2019 não promovem qualquer equilíbrio econômico-financeiro e atuarial ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS).

Passamos a sucintamente abordar uma das falhas latentes dos argumentos apresentados pelo governo federal. Para apresentar um suposto cenário de déficit, o governo considera como receita apenas aquela decorrente da geração atual de servidores ativos, desconsiderando tanto a geração passada como a futura. Já no tocante a despesas o governo federal computa tanto o pagamento de aposentadorias e pensões da geração atual como da passada.

Assim, o Executivo federal promove uma distorção de resultados, considerando uma geração para efeito de receita e duas para efeito de despesa. Cumpre destacar que nosso regime é de caráter solidário e contributivo, de modo que são as contribuições da geração futura que pagarão as aposentadorias e pensões da geração atual.

De extrema importância destacar que o artigo 40, §20, da Constituição Federal exige que o RPPS seja administrado por uma Unidade Gestora Única, que nunca foi criada pelo governo federal, o que prejudica a avaliação do equilíbrio financeiro e atuarial e impede a participação dos trabalhadores, nos termos do artigo 10 da Constituição Federal. Além disso, cristalino a afronta ao princípio da transparência (artigo 40, §22, Constituição Federal), esvaziando ainda mais a credibilidade dos argumentos trazidos pelo Executivo.

Em relação à majoração e progressividade das alíquotas previdenciárias, podemos destacar que o ordenamento jurídico foi violado por diversos aspectos: 

a) Nítido o caráter confiscatório de tal alteração constitucional, o que é vedado pelo artigo 150, IV, da Constituição Federal. O caráter confiscatório decorre da soma da alíquota previdenciária (com a reforma pode chegar a 22%) com a maior alíquota do Imposto de Renda (27,5%). Se somarmos ainda os tributos diretos, como IPVA e IPTU e indiretos, temos, conforme estudos realizados, um acréscimo médio de 15,9% na carga tributária, o que totaliza 65,4% da renda;

b) Clara violação ao princípio da contrapartida, tendo em vista que deve existir referibilidade entre a contribuição paga e o benefício recebido, dado o caráter contributivo e solidário do Regime RPPS; e

c) Violação do princípio da irredutibilidade de vencimentos e da proibição do excesso.

Outro tema de bastante relevo constante da EC 103/2019 foi a significativa alteração das regras de transição dos servidores públicos para aposentadoria.

A reforma da Previdência suprimiu as regras de transição até então vigentes (Emendas Constitucionais 20/1998, 41/2003 e 47/2005) e estabeleceu novas regras de transição extremamente lesivas aos servidores públicos, em nítido desrespeito ao princípio da proporcionalidade, na medida em que estes tiveram um acréscimo exorbitante e irrazoável para que possam se aposentar.

Cumpre destacar que a alteração constitucional supramencionada viola frontalmente o direito a um regime de transição proporcional, o qual decorre do princípio da segurança jurídica e da confiança legítima que os servidores públicos depositam no ordenamento jurídico.

No quadro associativo da Unafisco Nacional, temos casos concretos de auditores fiscais da Receita Federal do Brasil que com as novas regras de transição terão que cumprir um período muito superior para atingirem a aposentadoria do que os períodos previstos nas regras de transição decorrentes das emendas constitucionais anteriores. Como exemplo citamos o caso do servidor que se aposentadoria no dia 24/2/2020 104 dias após a publicação da EC 103/2019  e agora terá que aguardar até 24/2/2022 835 dias após a publicação da EC 103/2019, o que representa um acréscimo de 603% no tempo para se aposentar.

Não podemos deixar de abordar também as alterações no que tange às regras de pensão por morte que acarretaram drástica redução no valor do benefício previdenciário, violando frontalmente o princípio da vedação do retrocesso e da dignidade da pessoa humana.

O artigo 23 da EC 103/2019 estabelece que a pensão será equivalente a uma cota familiar de 50% do valor recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de dez pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100%.

Citamos como exemplo um servidor na ativa com 20 anos de contribuição. Com a entrada em vigor da EC 103/2019, considerando que a média das remunerações permaneça igual à última remuneração, a aplicação do novo cálculo (60% da média artigo 26, §2º e cota de 60% — artigo23, caput) irá resultar numa pensão de com redução de 64% em relação ao vencimento básico do instituidor.

Ante o cenário em tela, a Unafisco Nacional, bem como outras entidades de classe, propuseram ações diretas de inconstitucionalidade, objetivando que o Supremo Tribunal Federal reconheça as inúmeras inconstitucionalidades eivadas nas EC 103/2019.

A ADI 6367, proposta pela Unafisco Nacional, está instruída com pareceres de dois renomados juristas, professores Ingo Sarlet (doutor em direito pela Universidade de Munique-Alemanha) e Elival da Silva Ramos (livre-docente pela Universidade de São Paulo), os quais em seus pareceres esmiúçam a total ausência de consonância da EC 103/2019 com os princípios que regem nossa Constituição Federal.

Além disso, a ADI 6367 ainda está instruída com o parecer do professor livre-docente pela Unicamp Pedro Paulo Zahlut Bastos, que demonstra cabalmente a inconsistência das argumentações do governo federal no sentido de que há desequilíbrio econômico-financeiro prévio à edição da EC103/2019, a justificar a reforma da Previdência.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Roberto Barroso é o relator das ADIs que tratam da reforma da previdência e determinou que a apreciação da medida cautelar, no que tange ao tema das alíquotas previdenciárias, seja submetida ao plenário virtual nesta sexta-feira (19/6).

Em que pese a urgência para o deferimento da medida cautelar, tendo em vista que os inconstitucionais efeitos da EC 103/19 já estão produzidos, a Unafisco Nacional, dada a complexidade e relevância da matéria, entende que o tema não está suficientemente maduro para ser apreciado pelo STF, mesmo em sede de medida cautelar, ainda mais sob a égide do plenário virtual, motivo pelo qual apresentou pedido de destaque.

Entendemos que uma discussão dessa magnitude demanda a realização de audiências públicas, bem como a constituição de uma comissão de peritos, para que fique ainda mais cristalino a ausência de cálculo atuarial válido/consistente por parte do Executivo que tenha instruído a edição da EC 103/19.

Cumpre destacar que o STF, ao apreciar o RE 346.197, cujo relator foi o ministro Dias Toffoli, posicionou-se no sentido da existência de ofensa ao princípio do não confisco a instituição de alíquotas previdenciárias progressivas. Pela impossibilidade de instituição de alíquota progressiva também se manifestou o STF no julgamento do RE 365.318, cuja relatora foi a ministra Carmen Lucia.

Importante mencionar que o ministro Luiz Roberto Barroso reconheceu a existência de repercussão geral, por meio do ARE 875.958, destacando a necessidade de se avaliar legislação que majora alíquota previdenciária à luz do caráter contributivo do regime previdenciário e dos princípios do equilíbrio financeiro e atuarial, vedação ao confisco e razoabilidade.

Isso posto, é de suma importância que o Supremo Tribunal Federal faça uma análise minuciosa sobre os aspectos jurídicos da EC 103/2019, ao julgar as ações diretas de inconstitucionalidade em trâmite, a fim de que possamos salvaguardar a população brasileira das inúmeras inconstitucionalidades ali contidas.

 é auditor fiscal, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) nacional e doutor em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco.