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Opinião: Uma proposta de transação tributária para o futebol

O futebol é um bom retrato da sociedade e até mesmo da economia brasileira. O desestímulo ao adimplemento tributário é um problema crônico do Brasil. Não à toa, é comum a alegação de que é mais barato dever ao Fisco do que pegar empréstimo sugerindo que a dívida tributária seria a melhor forma de subsidiar investimentos.

Não é diferente com os clubes de futebol: nos últimos 20 anos, o Brasil teve mais de 30 programas especiais de renegociação de dívidas. No primeiro Refis, em 2000, 129 mil empresas foram beneficiadas. Em 2009, no Refis da Crise, saltou para 536,6 mil contribuintes. A própria Receita Federal tem estudo que aponta o efeito negativo desses parcelamentos sobre a arrecadação [1], porque estimulam a inadimplência dos contribuintes, que deixam de pagar seus tributos em dia esperando pelo próximo programa de descontos e vantagens.

A simples estratégia de aplicação de recursos que serviriam ao pagamento de tributos em títulos públicos remunerados pela taxa Selic, mesmo índice utilizado para o cálculo dos juros regularmente cobrados sobre a inadimplência tributária, acaba sendo rentável à luz dos programas de parcelamento com descontos nos juros e multas de mora.

Em relação aos clubes, é importante destacar que muitos programas gerais tiveram condições melhores que aqueles voltados especificamente para o futebol: Timemania e Profut. Por exemplo, o Botafogo de Ribeirão Preto, com dívida tributária em torno de R$ 11 milhões, saiu em 2017 da Timemania para aderir ao chamado Refis do Temer (Lei 13.496/17). Como resultado, teve economia de R$ 6 milhões e dividiu seu saldo devedor em 145 meses, em parcelas com montantes inferiores às pagas anteriormente.

E, nesse contexto, a pandemia pode estar ofuscando uma mudança institucional de grande importância para a economia brasileira, promovida no início da calamidade, que não foi voltada especificamente para o futebol, mas que abre enorme oportunidade para reestruturação dos clubes.

O governo federal abriu mais uma possibilidade para equacionamento de passivos fiscais com a edição da Medida Provisória nº 899/2019, mais conhecida como MP do Contribuinte Legal, que foi convertida pelo Congresso Nacional na Lei nº 13.988, em 14 de abril de 202, que finalmente regulamenta a figura da transação tributária, prevista no artigo 171 do Código Tributário Nacional há mais de meio século e que permitirá uma regularização definitiva e diferenciada de débitos fiscais.

Um dos objetivos da nova lei foi acabar com a tradição deletéria de parcelamentos especiais periódicos, que beneficiavam maus pagadores com o refinanciamento das suas dívidas fiscais, em condições desarrazoadamente vantajosas, e que desestimulava o pontual cumprimento das obrigações tributárias.

Além dos problemas inerentes à ineficiência intrínseca decorrente da anomalia do exercício de atividade empresarial por associação sem fins lucrativos, inclusive pela insegurança jurídica que permeia sua tributação, há várias outras razões que contribuem decisivamente para que muitos clubes tenham saído dos programas de refinanciamento pior do que entraram.

Em 2006, na Timemania (Lei nº 11.345/2006), por exemplo, clubes confessaram dívidas que ainda não tinham sido confirmadas, com a promessa de que a loteria arrecadaria R$ 520 milhões por ano, o que seria suficiente para pagar a parcela que todos os clubes assumiram no financiamento.  

No primeiro ano, a arrecadação lotérica da Timemania não passou de R$ 100 milhões e até hoje não chegou à estimativa de R$ 520 milhões apresentada pela Caixa Econômica Federal na justificativa do programa.  

Assim, os clubes acabaram, na prática, pagando o pato pela diferença entre a expectativa e a realidade da arrecadação da loteria, mesmo não sendo responsáveis pela operação do produto.

Esse péssimo histórico valoriza ainda mais a janela de oportunidade da transação tributária regulada na Lei 13.988/2020, que prevê descontos de até 70% do valor total dos créditos transacionados (desde que o valor principal permaneça inalterado) e prazo de pagamento de até 145 meses (exceto com relação aos débitos previdenciários, que devem ser pagos em até 60 meses, nos termos do artigo 195, § 11, da Constituição Federal).

Da perspectiva dos clubes (na qualidade de contribuintes), é importante agir rapidamente, pois o Congresso Nacional ainda não aprovou a definição legal para devedor contumaz, conforme prescreve a vedação inscrita no artigo 5º, inciso III, da Lei do Contribuinte Legal o que deve limitar significativamente a transação, quando aplicável.

Destaque-se, ainda, que a lei prevê a realização de transação por proposta individual ou por adesão aos editais governamentais. No momento, por exemplo, encontra-se aberto o Edital PGFN nº 1/2019, com prazo de adesão prorrogado pelo Edital nº 3/2020, até 30 de junho. A adesão ao instrumento pode ser uma alternativa para clubes com débito de até R$ 15 milhões.

Para os clubes que tiverem dívida fiscal superior a esse valor, permanece válida a alternativa de aguardar oportunidade, em edital futuro, ou elaborar sua estratégia de recuperação fiscal, para convencer as autoridades fazendárias de que a transação de seus débitos atende ao interesse público e é capaz de viabilizar a superação de sua crise econômico-financeira, de modo a render a aprovação de proposta individual.

Para além dos caminhos recomendados aos clubes, contudo, fica a sugestão (e a torcida) para que o fisco lance olhar sensível e atento para o futebol, que, segundo a FGV, gera 371 mil empregos diretos, indiretos e induzidos e poderia gerar mais de dois milhões se os clubes fossem melhor estruturados.

Com a crise da Covid-19 e a consequente paralisação das atividades em 2020, mais do que nunca o futebol precisa de singular auxílio para retomar (e, porque não?, ampliar) seu importante papel na economia brasileira. 

Enfim, em meio à pandemia, o futebol brasileiro pode aproveitar essa oportunidade para um acerto de contas com seu passado de poucas glórias, abrindo caminho para modernizar e profissionalizar sua gestão, com a consequente atração de novos investimentos e o aumento da geração de emprego e renda no país.

P.S.: Entre outros temas do esporte, a proposta será discutida no webinar “O Futebol Além da Pandemia”, no Canal IDP do YouTube, nesta sexta-feira, às 10h, a ser aberto pelo ministro Gilmar Mendes e tendo por expositores o deputado Pedro Paulo Carvalho, Eduardo Bandeira de Mello, Luiz Roberto Ayoub e Pedro Trengrouse. O acesso é gratuito.

Clique aqui para assistir ao webinar.

 


[4] O mesmo jornal Gazeta do Povo, em 14/11/2019, também com base em dados respondidos pela PGFN via Lei de Acesso à Informação, divulgou outra lista: de 500 devedores da União, dos quais 489 eram empresas e 11 pessoas físicas. A Petrobras lidera com dívida de R$ 41 bilhões e o o Corinthians surge em 233º, com dívida de R$ 706 milhões. Ver em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/500-maiores-devedores-uniao-2019/

Pedro Trengrouse é advogado, sócio do escritório Trengrouse & Gonçalves Advogados, FIFA Master e coordenador acadêmico do Programa FGV/FIFA/CIES em Gestão de Esporte.

 é economista e contabilista, professor do IDP, investigador do CAPP da Universidade de Lisboa, doutor em Economia pela UNICAMP e mestre pela UFRJ.

 é advogada no escritório Mudrovitsch Advogados, professora do IDP, pós-graduada em Direito Tributário e Finanças Públicas, mestra e Doutoranda em Direito Constitucional.

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Opinião: Os contratos empresariais na Covid-19

A Covid-19, para além do caos na saúde, está afetando a economia nacional em todos os setores. Com a decretação das medidas de quarentena e distanciamento social, o adimplemento de toda forma de obrigações, a exemplo das trabalhistas, civis e empresariais, se tornou uma das pautas mais discutidas no cenário jurídico. É quase unânime o entendimento de que a pandemia interferirá, de algum modo, no exato cumprimento dos contratos. Deste modo, a provável saída para crise jurídica está na aplicação da teoria da imprevisão, considerando-a como caso fortuito ou força maior, ou até mesmo a aplicação de alguma legislação específica para transitoriedade do atual momento (PL n° 1.179/20).

De início, importa destacar que o cumprimento dos contratos é a regra. Quem contrata, tem que cumprir o avençado, isso porque o contrato faz lei entre as partes (pacta sun servanda). Inclusive, a legislação civil, que regula contratos civis e empresariais, estabelece as consequências para o inadimplemento contratual, considerado o teor do artigo 389 do Código Civil, no sentido de que o devedor que não solver sua obrigação arcará com perdas e danos, juros, atualização monetária e eventualmente honorários advocatícios.

Contudo, é fato que nem todo descumprimento contratual trará penalidades para o devedor, notadamente em situações específicas elencadas pela legislação. Com efeito, o artigo 393 do Código Civil estipula a hipótese de caso fortuito e força maior como excludentes de responsabilidades nas obrigações em geral, conceitos vinculados às características da imprevisibilidade, inoponibilidade e impossibilidade de conhecimento das consequências dos eventos que afetem a regular execução do contrato. Dispõe o referido dispositivo normativo que o devedor não responderá pelos prejuízos decorrentes do acontecimento caracterizado como caso fortuito ou da força maior.

No mesmo sentido é o princípio da onerosidade excessiva, atrelado à teoria da imprevisão e disposto no artigo 478 do Código Civil, segundo o qual se a prestação de uma das partes se torna excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra parte, o prejudicado poderá requerer a resolução do contrato. Existem outras disposições legais semelhantes para obrigações de entregar algo (obrigações de dar) e obrigações de fazer algo, as quais excluem a responsabilidade do devedor se a coisa perecer ou este ficar impossibilitado de cumprir a prestação de fazer, em ambas as hipóteses por situação alheia à sua vontade.

Pois bem, visto brevemente que os contratos fazem lei entre as partes, mas que, de outro lado, os contratantes se comprometem a cumprir suas obrigações se estas se mantiverem da forma em que originalmente contratadas (rebus sic stantibus), importa, neste momento, verificar a possibilidade de alocação da Covid-19 como caso fortuito ou força maior e, em caso positivo, a forma e o grau de aplicação.

De fato, é consenso que a Covid-19 configura hipótese de força maior ou caso fortuito, de modo que é excluída a responsabilidade pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento contratual. Dessa forma, a parte inadimplente não responde por perdas e danos, juros, atualização monetária, nos termos dos artigos 389 e 393, parágrafo único, do Código Civil.

Entretanto, não nos parece que a mera alegação de caso fortuito ou força maior possa se constituir como argumento universal para justificar a inexecução de toda e qualquer obrigação contratual. Em verdade, sustentamos que o inadimplemento contratual deva ter relação direta e imediata com a Covid-19 e que exista a concreta demonstração de que o devedor não tenha condições financeiras de arcar com a obrigação contratual. Além disso, não se mostra razoável que contratos já em curso, mas cujo inadimplemento ocorreu antes da Covid-19, por fato imputado ao devedor, possam ser resolvidos com base na crise sanitária atual.

Ante a gravidade da pandemia, possivelmente, todas as partes contratantes foram ou serão afetadas pelos seus efeitos econômicos e sociais. Assim, a questão reside em como resolver os conflitos jurídicos nesse cenário, sem atribuir todo ônus da relação contratual exclusivamente para uma das partes.

Por exemplo, imagine-se contrato de locação de ponto comercial em shopping center, considerando que o fechamento do estabelecimento decorre diretamente da quarentena decretada pelo Governo. Não há dúvidas de que tanto o locador quanto o locatário foram afetados pelos efeitos da pandemia da Covid-19. Igualmente como exemplo, podemos citar a cadeia de produção em geral (empresarial e consumerista), na qual os sujeitos sofrem os efeitos da pandemia ao se tornarem devedores e credores de obrigações recíprocas, o que levará a descumprimentos contratuais sucessivos.

Nesse caso, pode-se cogitar, ainda na esfera extrajudicial, a negociação entre as partes para a novação da dívida (criação de outra obrigação a ser adimplida posteriormente); adiar no pagamento dos aluguéis ou mesmo diminuir os aluguéis temporariamente. Observe-se que as soluções para crise jurídica devem buscar o reequilíbrio das obrigações entres partes, com sacrifícios mútuos. Inclusive, a ideia de concessões recíprocas, característica marcante da pandemia refletida nos contratos, pode sinalizar um caminho ao Poder Judiciário para interpretar e solucionar os conflitos decorrentes da pandemia.

Como exemplo concreto, veja-se o decidido no processo nº 2061905-74.2020.8.26.0000, no bojo do qual a devedora requereu o adiamento no pagamento de parcelas decorrentes de contrato de trato sucessivo (duração continuada), demonstrando: I) que o inadimplemento decorreu da Covid-19; e (II) que não possui mínimas condições de arcar com as parcelas, temporariamente. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ainda que em medida liminar, entendeu caracterizada a imprevisibilidade decorrente da Covid-19, concedendo o parcelamento do quanto devido, de modo a possibilitar a solvência da dívida. Dessa forma, a credora receberá a prestação e a devedora arcará com seu ônus, isto é, ambas as partes cederam mutuamente, ainda que por imposição judicial.

Nessa perspectiva, destaca-se o Projeto de Lei 1.179/2020, que dispõe sobre o “Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado RJET” e tem como principal objetivo a criação de regras transitórias para regular os contratos privados durante o período de pandemia, sem alterar leis vigentes.

Entre as diversas disposições do projeto, vale ressaltar o artigo 6º, o qual estabelece que os efeitos contratuais da pandemia não serão retroativos, bem como o artigo 9º, que proíbe a concessão de liminar judicial para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo até 31 de dezembro de 2020.

Também cabe mencionar a Medida Provisória nº 948, editada em 8 de abril, que dispõe sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura, em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março.

A MP 948 atribui expressamente a qualidade de caso fortuito e força maior à Covid-19, nos termos do artigo 5º, excluindo danos morais, aplicação de multa ou outras penalidades. Quanto ao reequilíbrio contratual, a MP determina que o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem: a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados; a disponibilização de crédito para uso ou para abatimento na compra de outro serviço pelo consumidor; ou mesmo a formalização de outro acordo com o consumidor.

Ressalte-se que as soluções para os casos concretos, considerando a complexidade da matéria, são variadas. Em regra geral, os efeitos da Covid-19 devem ser entendidos como caso fortuito ou força maior apto à aplicação da teoria da imprevisão, desde que demonstrado concretamente o nexo de causalidade entre a pandemia e o inadimplemento. Todavia, o reequilíbrio e manutenção da relação contratual devem ser o objetivo buscado.

Com efeito, a solução extrajudicial para eventuais conflitos possibilita que as partes equilibrem a relação jurídica consensualmente, através da mitigação do prejuízo. Nessa perspectiva, em recentíssimo debate promovido por esta ConJur, o ministro presidente do Superior Tribunal de Justiça, dr. João Otávio de Noronha, concluiu que a melhor forma de intermediar as crises entre as partes não é mediante imposição judicial, mas sim por meio da mediação [1].

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo criou o “Projeto-piloto de conciliação e mediação pré-processuais para disputas empresariais decorrentes dos efeitos da Covid-19” (Provimento CG 11/2020), por meio do qual o interessado pode enviar e-mail para o tribunal indicando qual o conflito e a qualificação das partes, a partir do que o juiz designado agendará audiência de conciliação a ser realizada online, por sistema eletrônico do tribunal. Se infrutífera a conciliação, será designada audiência mediação.  

Numa perspectiva futura, os efeitos da pandemia da Covid-19 afetarão a forma e interpretação dos negócios jurídicos. Desse modo, os novos instrumentos contratuais deverão considerar a existência do vírus e suas imprevisíveis consequências, de modo a antecipar riscos, alocar responsabilidades e estabelecer alternativas pré-processuais para solução de conflitos.

Janiclaiton Ferreira de Souza da Silva é advogado associado integrante do escritório Lemos Jorge Consultoria Jurídica.

Vinícius Guerbali é advogado associado integrante do escritório Lemos Jorge Consultoria Jurídica.

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Cerqueira e Schmidt: Mediação e recuperação extrajudicial na crise

Um novo cenário foi instalado em nosso cotidiano. O novo coronavírus ultrapassou as barreiras territoriais, assim como seus efeitos hoje atingem todas as esferas da nossa sociedade, sem exceção. Infelizmente, a capacidade de adimplir com os compromissos tem sido desafiada constantemente e, por enquanto, não há prazo para acabar.

Como se não bastasse toda a enfermidade vivida pela saúde pública, a paralisação da economia vem causando sérias dificuldades para algumas empresas garantir o adimplemento. O cenário futuro se mostra desesperador se levarmos em consideração uma pesquisa realizada pelo Banco Central, a qual prevê uma redução do PIB brasileiro em 3,34% [1].

Nessas circunstâncias, os mecanismos legais de recuperação de empresas ganham destaque frente às necessidades de reestruturação e renegociação de dívidas. Da mesma sorte, a mediação deve servir de grande valia para conduzir e retomar a negociação e o diálogo.

Sabe-se que, junto com a crise financeira e a onda de inadimplemento, a insolvência de pequenos e grandes agentes econômicos se torna corriqueira. A incapacidade de satisfazer os compromissos assumidos passa de uma impontualidade extraordinária para representar uma regra perante os credores. Os bens do devedor já não são mais suficientes para responder por todas as dívidas contraídas, restando como única alternativa recorrer aos procedimentos da Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência nº 11.101/2005.

Frente a estagnação da economia, faz-se necessária a adoção de mecanismos aptos a contingenciar danos a reduzir impactos. Assim como a mediação atua no favorecimento da negociação entre as partes, a Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência se apresenta como ferramenta essencial à manutenção da atividade econômica e reestruturação daqueles em situação de insolvência.

Os instrumentos previstos possibilitam às empresas em pré-falência renegociar suas dívidas, no intuito de saldar seus débitos e ao mesmo tempo manter a atividade econômica e os vínculos empregatícios. O procedimento recuperacional tem como princípio e objetivo a manutenção da empresa. O mencionado instituto encontra fundamento na Função Social da Empresa, observando a preservação do emprego, o fomento econômico e a proteção do crédito.

Em tempos de pandemia, ou ainda, pós-Covid-19, destaca-se a possibilidade de adesão à recuperação extrajudicial, prevista pelo artigo 161 e seguintes da Lei 11.101/2005. A alternativa ganha relevância levando em conta sua celeridade e o baixo custo comparado à provocação jurisdicional. Para fazer jus à recuperação, o empresário não pode ter se beneficiado do instrumento nos últimos cinco anos e deve exercer atividade regular há mais de dois anos, conforme exigências do artigo 48 da Lei 11.101/2005.

A lei permite que o empresário em crise econômico-financeira possa propor e negociar um plano de recuperação diretamente com os credores. Nessa oportunidade, novos prazos e valores poderão ser estabelecidos a fim de verificar viabilidade ao contínuo da atividade empresarial.

O acordo firmado em sede de recuperação extrajudicial representa uma novação das dívidas, sendo a homologação facultativa, nos termos do artigo 162, IV, da Lei 11.101/2005. As tratativas poderão versar sobre a parcialidade da dívida, no sentido de eleger apenas alguns credores para negociação.

A recuperação extrajudicial proporciona um real favorecimento dos interesses das partes, uma vez que diminui as interferências externas ao dispensar o envolvimento do Ministério Público e a nomeação de Administrador Judicial. Entretanto, não há exatamente um facilitador para mediar o regime concorrencial, a fim de preservar a isonomia e a busca por uma composição menos onerosa.

Em contrapartida, uma forma rápida e bastante eficaz para a realização da recuperação extrajudicial é através da mediação, pois a oralidade e informalidade da mediação conversam de forma excepcional com as demandas negociais e interesses da recuperação extrajudicial, garantindo a sobrevivência da cadeia econômica de uma forma isonômica entre todos os envolvidos, de uma maneira informal e pautada pela confidencialidade. A modernização em técnicas e equipamentos se contrapõe à tradicional morosidade do modelo de judicialização combativa.

A mediação é um método de resolução consensual de conflitos que visa à busca do consenso das partes de uma maneira amigável, atendendo à necessidade e aos interesses de todos. Ela é conduzida pelo mediador, um terceiro imparcial escolhido pelas partes com conhecimento no assunto e que tem como objetivo facilitar a negociação, não interferindo e nem tomando quaisquer decisões.

Introduzida pelo artigo 3° do Código de Processo Civil, a mediação tem sua regulamentação através da Lei 13.140/2015, que dispõe sobre os seus princípios e procedimentos. No âmbito da recuperação extrajudicial, foi declarada a sua compatibilidade com a mediação, através da aprovação do Enunciado 45 da Jornada Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, realizada em 2016.

O Conselho Nacional de Justiça também já se manifestou sobre o tema editando a Recomendação Nº 58/2019, a qual estimula a utilização de sessões de mediação em processos de recuperação judicial e extrajudicial, “considerando que o objetivo da recuperação judicial nos termos do artigo 47 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, preservando a empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Além de evitar uma judicialização, a mediação é mais rápida e vem ao encontro da recuperação extrajudicial, uma vez que oportuniza ao empresário devedor negociar diretamente com os seu credores, de uma forma em que todos sejam ouvidos e tenham seus interesses atendidos, estabelecendo critérios e formas de pagamento que possam sustentar tanto a sobrevida da empresa devedora quanto de seus credores.

Em um momento de mudanças, repleto de incertezas e questionamentos, o diálogo se mostra a maneira mais humana, eficaz e coerente de resolver os problemas e evitar desgastes futuros.

 é assessora jurídica no escritório Portugal de Lara Advogados Associados e membro do Grupo de Pesquisa em Mediação e Negociação da FAE Centro Universitário.

 é consultor tributário na Ernst & Young e membro do Grupo de Pesquisa em Mediação e Negociação da FAE Centro Universitário.