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Negociação pode ser resposta para recorde de recuperações judiciais

De acordo com algumas consultorias, a crise econômica gerada pela epidemia de Covid-19 pode levar a uma queda significativa do PIB brasileiro — estimada em 8% pelo Banco Mundial. Consequentemente, é provável que haja novo recorde de pedidos de recuperação judicial. O número mais alto havia sido registrado em 2016: 1.872 pedidos, em decorrência dos efeitos da operação “lava jato”.

Para Bryan Mariath  Lopes, recuperação extrajudicial é saída para a atual crise
Divulgação 

As projeções para este ano variam de 2 mil a 4 mil novos pedidos de recuperação judicial até dezembro. As negociações extrajudiciais, contudo, podem constituir uma medida eficaz  para credores e devedores, além de  ajudar a desafogar o Judiciário. Nesse sentido, o CNJ editou a Recomendação 63, com orientações aos juízos para adoção de medidas de mitigação no julgamento de recuperação empresarial e falência diante da realidade do novo coronavírus.

Para o advogado Bryan Mariath  Lopes, ainda não é possível divisar um  aumento exponencial nos pedidos de recuperação judicial  porque as dívidas  das empresas só vão se materializar depois de encerrada a epidemia, mas certamente será em grande número e é necessário saber o momento certo.

“Se a empresa entra em recuperação judicial agora, não vai conseguir incluir todo o prejuízo suportado durante a pandemia, uma vez que para que a dívida seja concursal, deve ter sido contraída até a data do pedido de recuperação judicial. Em contrapartida, se a empresa aguardar o término da pandemia para pedir a recuperação judicial, pode ser tarde demais, pois, para entrar em recuperação judicial, é importante ter caixa, mas a situação atual de paralisação das atividades tem sido um momento de queima do caixa”, afirma.

Para Bryan, a crise da Covid-19 trouxe um cenário novo de “pré-insolvência” para as empresas de todos os portes; a negociação extrajudicial pode ser um caminho para a solução para todos os envolvidos, inclusive o Judiciário.

Ele cita como positivo o dispositivo do PL 1.397/20, que estabelece medidas emergenciais para empresas em recuperação judicial durante o  estado de calamidade pública (20/3 a 31/12/20). O substituto do projeto, já aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado, cria o Sistema de Prevenção à Insolvência, pelo qual credores e devedores devem buscar extrajudicialmente renegociar suas obrigações.

“Sem dúvida é uma excelente alternativa para enfrentar a crise econômica. Esse instituto  da recuperação extrajudicial também está previsto no artigo 161, da Lei 11.101/05, mas ainda é pouco utilizado pelas empresas brasileiras, mas tem muito potencial  nesse momento de crise”, afirma Bryan.

O advogado cita como exemplo de sucesso na recuperação extrajudicial a reestruturação da empresa Tecis Tecnologia, uma das principais  fabricantes e fornecedoras de pás para o setor de energia eólica do mundo.

Na época, possuía uma dívida que ultrapassava o valor de R$ 770 milhões  e teve o seu plano de recuperação extrajudicial aprovado pelos credores, com a posterior homologação pelo juízo da 2ª Vara de Falência e Recuperações Judiciais de São Paulo. Ele também exemplifica o caso  da empresa Restoque (dona das marcas Le Lis Blanc, Dudalina e John John), que firmou acordo com seus credores através da recuperação extrajudicial, com valor renegociado na ordem de R$ 1,5 bilhão em dívidas.

Segundo Bryan, o caminho extrajudicial  no horizonte da recuperação judicial deve ser sempre levado em conta, pois envolve um procedimento mais ágil, mais flexível, com menos burocracia, o que evita a morosidade inerente à judicialização. “Permite também  maior celeridade na negociação das dívidas; baixos custos; quóruns simplificados, mantém o acesso da empresa ao mercado de crédito e permite que haja negociação apenas com uma determinada classe de credores, para a qual serão definidas novas condições de pagamento, ou seja, há a possibilidade de ser cirúrgico atuando apenas naquela classe de credores que foi afetada pela crise”, comenta.

Na avaliação do advogado, a recuperação extrajudicial representa ainda a possibilidade de os credores receberem os seus créditos através de uma renegociação, com novas condições de pagamentos, o que, no atual cenário, torna-se uma boa alternativa para o credor. E alerta que, ao conceder um novo fôlego para a empresa em dificuldade, o credor assegura o recebimento do seu crédito, pois se ocorrer a quebra da empresa, muito provavelmente não receberia o seu crédito”.

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Diante de dúvida razoável, licitação pode ser suspensa pela Justiça

O licitante a quem foi adjudicado um objeto de licitação não tem direito subjetivo à contratação, só a expectativa do direito, conforme disposto no artigo 49 da Lei 8.666/93. Com esse entendimento, a 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu liminar que suspende a assinatura de um contrato entre a Prefeitura de São José dos Campos e uma empresa de serviços de mobilidade urbana.

ReproduçãoDiante de dúvida razoável, licitação pode ser suspensa pelo Poder Judiciário

A licitação foi questionada na Justiça por outra empresa interessada no contrato, que sustentou que a vencedora do certame não preencheria os requisitos técnicos necessários para prestação de serviços ao município. O juízo de origem vislumbrou indícios de “provável desatendimento das exigências” por parte da empresa vencedora e suspendeu a assinatura do contrato até o julgamento do mérito.

O relator do recurso da empresa vencedora no TJ-SP, desembargador Carlos Von Adamek, afirmou que se mostra “razoável” o deferimento da liminar ao menos até a prolação da sentença, “visto que se funda em dúvida razoável acerca do atendimento, pela agravante, da habilitação técnica necessária ao adequado fornecimento do serviço licitado, conforme se depreende da documentação carreada aos autos”, o que deverá ser analisado em profundidade no julgamento do mérito da demanda.

“Observo também que a agravante não demonstrou, especificamente, a urgência na concretização da contratação, limitando-se a tratar genericamente do tema, o que, aliado à iminente prolação da r. sentença no mandado de segurança, recomenda a manutenção da r. decisão recorrida como lançada”, afirmou o desembargador.

Adamek afirmou ainda que não cabe ao TJ-SP, nos estritos limites desse recurso, decidir a respeito da matéria de fundo ou de questão que com ela se confunde, “como a alegação de ausência de interesse da impetrante, ainda mais porque, até então, ventilada exclusivamente em sede recursal, sob pena de supressão de instância, motivo pelo qual deixo de apreciá-las, reservando-as ao livre convencimento motivado do r. juízo a quo, a quem primeiro cabe delas conhecer”. A decisão foi por unanimidade.

Processo 2066921-09.2020.8.26.0000

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Opinião: Os contratos empresariais na Covid-19

A Covid-19, para além do caos na saúde, está afetando a economia nacional em todos os setores. Com a decretação das medidas de quarentena e distanciamento social, o adimplemento de toda forma de obrigações, a exemplo das trabalhistas, civis e empresariais, se tornou uma das pautas mais discutidas no cenário jurídico. É quase unânime o entendimento de que a pandemia interferirá, de algum modo, no exato cumprimento dos contratos. Deste modo, a provável saída para crise jurídica está na aplicação da teoria da imprevisão, considerando-a como caso fortuito ou força maior, ou até mesmo a aplicação de alguma legislação específica para transitoriedade do atual momento (PL n° 1.179/20).

De início, importa destacar que o cumprimento dos contratos é a regra. Quem contrata, tem que cumprir o avençado, isso porque o contrato faz lei entre as partes (pacta sun servanda). Inclusive, a legislação civil, que regula contratos civis e empresariais, estabelece as consequências para o inadimplemento contratual, considerado o teor do artigo 389 do Código Civil, no sentido de que o devedor que não solver sua obrigação arcará com perdas e danos, juros, atualização monetária e eventualmente honorários advocatícios.

Contudo, é fato que nem todo descumprimento contratual trará penalidades para o devedor, notadamente em situações específicas elencadas pela legislação. Com efeito, o artigo 393 do Código Civil estipula a hipótese de caso fortuito e força maior como excludentes de responsabilidades nas obrigações em geral, conceitos vinculados às características da imprevisibilidade, inoponibilidade e impossibilidade de conhecimento das consequências dos eventos que afetem a regular execução do contrato. Dispõe o referido dispositivo normativo que o devedor não responderá pelos prejuízos decorrentes do acontecimento caracterizado como caso fortuito ou da força maior.

No mesmo sentido é o princípio da onerosidade excessiva, atrelado à teoria da imprevisão e disposto no artigo 478 do Código Civil, segundo o qual se a prestação de uma das partes se torna excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra parte, o prejudicado poderá requerer a resolução do contrato. Existem outras disposições legais semelhantes para obrigações de entregar algo (obrigações de dar) e obrigações de fazer algo, as quais excluem a responsabilidade do devedor se a coisa perecer ou este ficar impossibilitado de cumprir a prestação de fazer, em ambas as hipóteses por situação alheia à sua vontade.

Pois bem, visto brevemente que os contratos fazem lei entre as partes, mas que, de outro lado, os contratantes se comprometem a cumprir suas obrigações se estas se mantiverem da forma em que originalmente contratadas (rebus sic stantibus), importa, neste momento, verificar a possibilidade de alocação da Covid-19 como caso fortuito ou força maior e, em caso positivo, a forma e o grau de aplicação.

De fato, é consenso que a Covid-19 configura hipótese de força maior ou caso fortuito, de modo que é excluída a responsabilidade pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento contratual. Dessa forma, a parte inadimplente não responde por perdas e danos, juros, atualização monetária, nos termos dos artigos 389 e 393, parágrafo único, do Código Civil.

Entretanto, não nos parece que a mera alegação de caso fortuito ou força maior possa se constituir como argumento universal para justificar a inexecução de toda e qualquer obrigação contratual. Em verdade, sustentamos que o inadimplemento contratual deva ter relação direta e imediata com a Covid-19 e que exista a concreta demonstração de que o devedor não tenha condições financeiras de arcar com a obrigação contratual. Além disso, não se mostra razoável que contratos já em curso, mas cujo inadimplemento ocorreu antes da Covid-19, por fato imputado ao devedor, possam ser resolvidos com base na crise sanitária atual.

Ante a gravidade da pandemia, possivelmente, todas as partes contratantes foram ou serão afetadas pelos seus efeitos econômicos e sociais. Assim, a questão reside em como resolver os conflitos jurídicos nesse cenário, sem atribuir todo ônus da relação contratual exclusivamente para uma das partes.

Por exemplo, imagine-se contrato de locação de ponto comercial em shopping center, considerando que o fechamento do estabelecimento decorre diretamente da quarentena decretada pelo Governo. Não há dúvidas de que tanto o locador quanto o locatário foram afetados pelos efeitos da pandemia da Covid-19. Igualmente como exemplo, podemos citar a cadeia de produção em geral (empresarial e consumerista), na qual os sujeitos sofrem os efeitos da pandemia ao se tornarem devedores e credores de obrigações recíprocas, o que levará a descumprimentos contratuais sucessivos.

Nesse caso, pode-se cogitar, ainda na esfera extrajudicial, a negociação entre as partes para a novação da dívida (criação de outra obrigação a ser adimplida posteriormente); adiar no pagamento dos aluguéis ou mesmo diminuir os aluguéis temporariamente. Observe-se que as soluções para crise jurídica devem buscar o reequilíbrio das obrigações entres partes, com sacrifícios mútuos. Inclusive, a ideia de concessões recíprocas, característica marcante da pandemia refletida nos contratos, pode sinalizar um caminho ao Poder Judiciário para interpretar e solucionar os conflitos decorrentes da pandemia.

Como exemplo concreto, veja-se o decidido no processo nº 2061905-74.2020.8.26.0000, no bojo do qual a devedora requereu o adiamento no pagamento de parcelas decorrentes de contrato de trato sucessivo (duração continuada), demonstrando: I) que o inadimplemento decorreu da Covid-19; e (II) que não possui mínimas condições de arcar com as parcelas, temporariamente. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ainda que em medida liminar, entendeu caracterizada a imprevisibilidade decorrente da Covid-19, concedendo o parcelamento do quanto devido, de modo a possibilitar a solvência da dívida. Dessa forma, a credora receberá a prestação e a devedora arcará com seu ônus, isto é, ambas as partes cederam mutuamente, ainda que por imposição judicial.

Nessa perspectiva, destaca-se o Projeto de Lei 1.179/2020, que dispõe sobre o “Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado RJET” e tem como principal objetivo a criação de regras transitórias para regular os contratos privados durante o período de pandemia, sem alterar leis vigentes.

Entre as diversas disposições do projeto, vale ressaltar o artigo 6º, o qual estabelece que os efeitos contratuais da pandemia não serão retroativos, bem como o artigo 9º, que proíbe a concessão de liminar judicial para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo até 31 de dezembro de 2020.

Também cabe mencionar a Medida Provisória nº 948, editada em 8 de abril, que dispõe sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura, em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março.

A MP 948 atribui expressamente a qualidade de caso fortuito e força maior à Covid-19, nos termos do artigo 5º, excluindo danos morais, aplicação de multa ou outras penalidades. Quanto ao reequilíbrio contratual, a MP determina que o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem: a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados; a disponibilização de crédito para uso ou para abatimento na compra de outro serviço pelo consumidor; ou mesmo a formalização de outro acordo com o consumidor.

Ressalte-se que as soluções para os casos concretos, considerando a complexidade da matéria, são variadas. Em regra geral, os efeitos da Covid-19 devem ser entendidos como caso fortuito ou força maior apto à aplicação da teoria da imprevisão, desde que demonstrado concretamente o nexo de causalidade entre a pandemia e o inadimplemento. Todavia, o reequilíbrio e manutenção da relação contratual devem ser o objetivo buscado.

Com efeito, a solução extrajudicial para eventuais conflitos possibilita que as partes equilibrem a relação jurídica consensualmente, através da mitigação do prejuízo. Nessa perspectiva, em recentíssimo debate promovido por esta ConJur, o ministro presidente do Superior Tribunal de Justiça, dr. João Otávio de Noronha, concluiu que a melhor forma de intermediar as crises entre as partes não é mediante imposição judicial, mas sim por meio da mediação [1].

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo criou o “Projeto-piloto de conciliação e mediação pré-processuais para disputas empresariais decorrentes dos efeitos da Covid-19” (Provimento CG 11/2020), por meio do qual o interessado pode enviar e-mail para o tribunal indicando qual o conflito e a qualificação das partes, a partir do que o juiz designado agendará audiência de conciliação a ser realizada online, por sistema eletrônico do tribunal. Se infrutífera a conciliação, será designada audiência mediação.  

Numa perspectiva futura, os efeitos da pandemia da Covid-19 afetarão a forma e interpretação dos negócios jurídicos. Desse modo, os novos instrumentos contratuais deverão considerar a existência do vírus e suas imprevisíveis consequências, de modo a antecipar riscos, alocar responsabilidades e estabelecer alternativas pré-processuais para solução de conflitos.

Janiclaiton Ferreira de Souza da Silva é advogado associado integrante do escritório Lemos Jorge Consultoria Jurídica.

Vinícius Guerbali é advogado associado integrante do escritório Lemos Jorge Consultoria Jurídica.