Categorias
Notícias

Vivien Lys: A importância da mediação e da onciliação

É fato notório que a crise social e econômica iniciada pela declaração do Estado de Emergência da Saúde Pública pela Lei Federal nº 13.979/2020, decorrente do surto causado pela Covid-19, ainda vai trazer à sociedade inúmeros reflexos e danos inimagináveis. Não há precedentes históricos de uma crise semelhante que atingiu, abruptamente, o princípio da segurança jurídica todos os setores da economia e desnaturou o paradigma de relações sociais vivenciadas anteriormente ao atual colapso.

A ideia de submeter todos os conflitos ao Estado-juiz esbarra no conceito binário de ganhador e perdedor e as novas jurisprudências podem abrir abismos que exigem uma nova visão do advogado.

Por exemplo, as decisões judiciais nas ações de despejo por falta de pagamento apresentam critérios subjetivos variados que vão desde a ponderação que ainda não é possível auferir se o avanço do vírus causará recessão econômica [1] até a decisão de suspensão da liminar de despejo para a inquilina que estiver grávida e não pagar os aluguéis [2]. Nessa conjuntura, como deve ser a análise das chances de êxito de um processo pelo advogado?

O advogado já tem como dever de informar o cliente de forma clara e inequívoca sobre os riscos decorrentes das suas pretensões e dos possíveis resultados da respectiva ação, como previsto no artigo 8º do Código de Ética e Disciplina da OAB. Isso não é novidade!

O atual desafio do advogado é desenhar para seu cliente a matriz de risco no descumprimento dos contratos e na causa raiz do surgimento de determinado conflito, em paralelo com a escolha do método de solução de conflitos: I) negociação; II) conciliação, III) mediação; IV) Poder Judiciário; e V) arbitragem.

Essa matriz de risco engloba elementos fáticos e legais, bem como o estudo da efetividade do cumprimento da decisão judicial ou arbitral favorável ao seu cliente. A análise jurídica do advogado deverá passar pela construção de novos balizadores, como por exemplo a apresentação ao seu cliente das consequências da escolha da arbitragem ou do Estado-juiz na satisfação do seu interesse, que será postergada até o final do processo com o elemento prejudicial da tendência do aumento das ações.

A matriz de risco engloba elementos como: I) análise jurídica; II) disponibilidade do cliente para suportar o desgaste de todo o processo; III) previsão de perdas, mesmo com a prolação de uma sentença totalmente procedente;  IV) estimativa de probabilidades; e V) gerenciamento do valor do litigio dentro da necessidade de contingenciamento do mesmo, desembolso de custas e o risco da sucumbência.

A matriz de risco está vinculada à ausência de segurança jurídica nas decisões que suscitam a abertura de novos caminhos a serem trilhados pela busca da satisfação dos interesses do cliente e do advogado.

Para que o advogado seja um agente transformador dos reflexos da pandemia, é necessária a valorização do dever do advogado de promover novos caminhos ao litígio, evitando o ajuizamento das ações [3].

Com a subsunção da matriz de risco ao caso concreto, e averiguação da existência de partes vulneráveis ao seu cliente e riscos jurídicos e fáticos, caberá ao advogado indicar ao seu cliente o uso da mediação ou da conciliação, como previsto no artigo 3º, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil de 2015, para que haja a ampliação das possibilidades de resolver as consequências negativas da atual crise, pois a necessidade dos litigantes de obter a solução de seus problemas será medida de ordem!

 é advogada, mediadora, mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização lato sensu em Contratos pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização em Arbitragem e Mediação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e professora de mediação no Centro Mediar.

Categorias
Notícias

Deives Cruzeiro: A Covid–19 e as conciliações trabalhistas

A pandemia da Covid–19 não somente atingiu o sistema de saúde, seus prejuízos irradiaram-se para diversos setores, como a economia, e, inevitavelmente, alcançaram as relações de trabalho. Originariamente, o debate jurídico sobre as consequências trabalhistas da pandemia convergiu para eventual caracterização de “fato do príncipe” ou de força maior, na medida em que referidos institutos relacionam-se com os contratos de emprego potencialmente atingidos pelas medidas de quarentena.

Entretanto, as consequências trabalhistas da Covid–19 afetaram as relações jurídico-processuais. As implicações da pandemia no âmbito processual não se limitaram à suspensão dos prazos processuais ou das audiências trabalhistas (Resolução nº 313/CNJ e Ato Conjunto CSJT.GP.VP e CGJT. nº 001/2020), haja vista que as obrigações ajustadas pelas partes no âmbito da relação processual também passaram a ser objeto de questionamentos, por exemplo, as conciliações pendentes de cumprimento.

Formularam-se requerimentos no bojo dos processos trabalhistas a fim de que os vencimentos das parcelas de conciliação fossem postergados, de que os termos da conciliação fossem redefinidos ou de que a cláusula penal deixasse de ser aplicada. Evidentemente que o juiz do Trabalho, lidando diuturnamente com a seara eminentemente social do Direito, não pode ser alheio à situação excepcional causada pela Covid-19, mas toda deliberação jurisdicional deve respeitar os institutos jurídicos e, em especial, as normas constitucionais.

A decisão jurisdicional que homologa conciliação trabalhista é imbuída de irrecorribilidade pelas partes (artigo 831, parágrafo único/CLT). Em razão dessa qualidade, a decisão homologatória de conciliação transita em julgado no momento da homologação (Súmula nº 100, V/TST).

Logo, a formação da coisa julgada (artigo 5º, XXXVI/CF) impede que os termos da conciliação sejam alterados autônoma e unilateralmente pelo juiz do Trabalho.

Ademais, ainda que o TST (Súmula nº 259/TST) entenda que a ação rescisória corresponde à via processual adequada para desconstituição do termo de conciliação, o corte rescisório pressupõe existência de vício na decisão rescindenda (artigo 966/CPC). Porém, eventual pretensão de alteração dos termos da decisão homologatória de conciliação por força da Covid–19 ampara-se nas consequências advindas da pandemia e, por isso, não se refere a qualquer vício do ato jurisdicional suscetível do corte rescisório.

Amparando-se no trânsito em julgado da decisão homologatória de conciliação, poder-se-ia argumentar que os termos ajustados na conciliação poderiam ser objeto de revisão (artigo 505, I/CPC). A previsibilidade processual da revisão enseja alteração das circunstâncias de fato ou de direito existentes à época do proferimento da decisão jurisdicional.

Contudo, as circunstâncias de fato ou de direito suscetíveis de revisão correspondem àquelas que foram objeto de definição na sentença. A sentença homologatória de conciliação não implica análise do mérito pelo juízo trabalhista e, por isso, não existe definição de situação de fato ou direito. Portanto, entende-se que o instituto da revisão (artigo 505, I/CPC) é inaplicável à hipótese de alteração dos termos da conciliação trabalhista.

Com efeito, a conciliação trabalhista trata-se de solução protagonizada pelas partes e advogados, haja vista que o juiz do Trabalho atua unicamente fazendo ponderações acerca dos riscos processuais e das possibilidades conciliatórias. Nesse contexto, a repactuação das condições da conciliação depende de deliberação conjunta dos litigantes por força do instituto da novação (artigo 360, I/CC).

Relativamente à eventual cláusula penal estabelecida por ocasião da conciliação trabalhista homologada, sua incidência também tem sido objeto de debates. Inclusive há afirmação de que a situação de força maior (artigo 1º, parágrafo único da Medida Provisória nº 927) autorizaria a exclusão da multa pelo inadimplemento do pacto trabalhista (artigo 537, §1º/CPC). Todavia, o instituto trabalhista da força maior previsto legalmente (artigo 501/CLT) não implica isenção de pagamento de títulos, mas unicamente redução da parcela devida (artigo 502/CLT).

Além disso, o dispositivo processual que prevê exclusão da medida pecuniária (artigo 537, §1º/CPC) está inserto no capítulo relativo ao cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer. Portanto, o conteúdo ali tratado corresponde a meio coercitivo de cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, logo, consiste em astreintes.

As astreintes possuem natureza eminentemente processual e, por isso, esse regramento do Código de Processo Civil (artigo 537, §1º/CPC) não se confunde com a cláusula penal fixada na conciliação trabalhista de natureza material em razão de corresponder a obrigação acessória que visa a garantir o adimplemento da obrigação principal e a definir antecipadamente as perdas e danos advindos do descumprimento da avença (artigo 411/CC). Além disso, em se tratando de cláusula penal, o ordenamento jurídico não prevê a possibilidade de sua exclusão nas hipóteses de descumprimento da obrigação por culpa do devedor, mas somente de sua flexibilização a depender da natureza e finalidade do negócio jurídico entabulado (artigo 413/CC).

A exclusão da cláusula penal é prevista nas ocasiões em que o descumprimento da obrigação não derive de culpa do devedor (artigo 408/CC). Esse dispositivo civilista decorre da pressuposta isonomia entre os contratantes nas relações civis e é preciso ser reanalisado a partir do prisma trabalhista que trata da disparidade entre as partes e da assunção dos riscos do negócio pelo empregador (artigo 2º/CLT).

Em verdade, a pandemia da Covid–19 corresponde à situação imprevista e excepcional. Contudo, o ordenamento jurídico é construído prevendo a normalidade e, também, prevendo a excepcionalidade, por exemplo, ao tratar do estado de defesa (artigo 136/CF) e do estado de sítio (artigo 137/CF).

No âmbito trabalhista, as situações excepcionais e de crise são igualmente reguladas, por exemplo, redução salarial mediante negociação coletiva (artigo 7º, VI/CF) ou suspensão contratual para qualificação profissional (artigo 476-A/CLT). Logo, argumentos de que a situação de exceção possibilitaria medidas de Direito e processuais excepcionais são contrários às cláusulas pétreas de proteção à legalidade (artigo 5º, I/CF), ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (artigo 5º, XXXV/CF) e igualmente contrários aos propósitos do constituinte originário que procurou garantir a estrutura jurídico-constitucional inclusive em momentos de crise.

Referência bibliográfica

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2012.

 é juiz do Trabalho substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, pós-graduado em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes (Ucam).