Categorias
Notícias

Vivien Lys: A importância da mediação e da onciliação

É fato notório que a crise social e econômica iniciada pela declaração do Estado de Emergência da Saúde Pública pela Lei Federal nº 13.979/2020, decorrente do surto causado pela Covid-19, ainda vai trazer à sociedade inúmeros reflexos e danos inimagináveis. Não há precedentes históricos de uma crise semelhante que atingiu, abruptamente, o princípio da segurança jurídica todos os setores da economia e desnaturou o paradigma de relações sociais vivenciadas anteriormente ao atual colapso.

A ideia de submeter todos os conflitos ao Estado-juiz esbarra no conceito binário de ganhador e perdedor e as novas jurisprudências podem abrir abismos que exigem uma nova visão do advogado.

Por exemplo, as decisões judiciais nas ações de despejo por falta de pagamento apresentam critérios subjetivos variados que vão desde a ponderação que ainda não é possível auferir se o avanço do vírus causará recessão econômica [1] até a decisão de suspensão da liminar de despejo para a inquilina que estiver grávida e não pagar os aluguéis [2]. Nessa conjuntura, como deve ser a análise das chances de êxito de um processo pelo advogado?

O advogado já tem como dever de informar o cliente de forma clara e inequívoca sobre os riscos decorrentes das suas pretensões e dos possíveis resultados da respectiva ação, como previsto no artigo 8º do Código de Ética e Disciplina da OAB. Isso não é novidade!

O atual desafio do advogado é desenhar para seu cliente a matriz de risco no descumprimento dos contratos e na causa raiz do surgimento de determinado conflito, em paralelo com a escolha do método de solução de conflitos: I) negociação; II) conciliação, III) mediação; IV) Poder Judiciário; e V) arbitragem.

Essa matriz de risco engloba elementos fáticos e legais, bem como o estudo da efetividade do cumprimento da decisão judicial ou arbitral favorável ao seu cliente. A análise jurídica do advogado deverá passar pela construção de novos balizadores, como por exemplo a apresentação ao seu cliente das consequências da escolha da arbitragem ou do Estado-juiz na satisfação do seu interesse, que será postergada até o final do processo com o elemento prejudicial da tendência do aumento das ações.

A matriz de risco engloba elementos como: I) análise jurídica; II) disponibilidade do cliente para suportar o desgaste de todo o processo; III) previsão de perdas, mesmo com a prolação de uma sentença totalmente procedente;  IV) estimativa de probabilidades; e V) gerenciamento do valor do litigio dentro da necessidade de contingenciamento do mesmo, desembolso de custas e o risco da sucumbência.

A matriz de risco está vinculada à ausência de segurança jurídica nas decisões que suscitam a abertura de novos caminhos a serem trilhados pela busca da satisfação dos interesses do cliente e do advogado.

Para que o advogado seja um agente transformador dos reflexos da pandemia, é necessária a valorização do dever do advogado de promover novos caminhos ao litígio, evitando o ajuizamento das ações [3].

Com a subsunção da matriz de risco ao caso concreto, e averiguação da existência de partes vulneráveis ao seu cliente e riscos jurídicos e fáticos, caberá ao advogado indicar ao seu cliente o uso da mediação ou da conciliação, como previsto no artigo 3º, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil de 2015, para que haja a ampliação das possibilidades de resolver as consequências negativas da atual crise, pois a necessidade dos litigantes de obter a solução de seus problemas será medida de ordem!

 é advogada, mediadora, mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização lato sensu em Contratos pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização em Arbitragem e Mediação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e professora de mediação no Centro Mediar.

Categorias
Notícias

Atheniense e Secco: Jabutis e fake news não sobem em árvores

Há muitas ideias mais ou menos simples para acabar com problemas muito complexos circulando na forma de projetos de lei em Brasília. Esse parece o caso do PL 2.630/2020, do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que pretende lançar as bases legais para o combate às fake news. O problema é que, geralmente, questões difíceis exigem soluções engenhosas e, quando se trata de uma democracia, o debate amplo é fundamental para chegar até elas. Por essas e outras razões, foi acertado o adiamento da votação do projeto. Vencer as fake news vai exigir mais do que boas intenções. Voltaremos a esse tema em outro artigo. Por hora, o primeiro passo é compreender melhor do que estamos falando quando falamos de fake news.

Na era romântica da internet, circulavam “notícias” sobre hambúrgueres feitos de minhoca, tubarões que engoliam helicópteros e jabutis que escalavam árvores. Mentiras cabeludas para assustar ou ludibriar sempre houve — inclusive muito antes da internet —, bem como sempre há quem goste de acreditar nelas. O fato é que essas famílias ancestrais de fake news, ainda muito populares, têm um poder de destruição relativamente baixo, costumam ficar restritas aos crédulos e podem ser desmentidas com alguma facilidade.

Conhecemos as fake news em seu esplendor nas eleições americanas de 2016. Uma nova espécie, modificada em laboratórios de Big Data, evoluída, dissimulada, agressiva, tecnológica, difícil de matar. Muitas vezes com disparos realizados a partir de nações estrangeiras do alvo que se pretende atacar. Tão poderosa que se mostrou capaz de influenciar o rumo de grandes nações democráticas. Fake news tiveram papel relevante no voto dos ingleses pela saída da Comunidade Europeia, na eleição do presidente americano Donald Trump e em tantas outras em que deixaram pegadas, como aqui mesmo, no Brasil. O inquérito das fake news em andamento no Supremo Tribunal Federal investiga suspeitas de que elas também operaram em favor da eleição do presidente Jair Bolsonaro. As investigações contra as atividades de empresas que potencializaram os efeitos das fake News viraram pauta mundial, tendo como seus principais atingidos as empresas Cambridge Analytica e Facebook.

A primeira encerrou suas atividades e a segunda foi multada pelo Federal Trade Comission norte americano em US$ 5 bilhões por enganar os seus usuários sobre a capacidade de controlar as atividades de suas informações pessoais. Tal fato concorreu diretamente para que tornassem estes usuários mais vulneráveis aos ataques de fake news.

A regulamentação das fake news devido à pandemia disparou mundialmente. Ao todo foram 17 países que tinham alguma forma de regulação sobre o tema.

Uma fake news de geração atual é fruto de uma máquina de operação cara e complexa. Notícias falsas são criadas e divulgadas em portais que imitam até o layout de veículos sérios, tudo feito na medida para confundir. Em vez da sorte, hoje são usados algoritmos para identificar os crédulos, os perfis suscetíveis a acreditar nessa ou naquela versão de um fato, a partir métodos falsos e táticas enganosas para coletar informações pessoais de milhões de usuários. Robôs entram em campo para multiplicar as notícias fake no Twitter, no Facebook e nos sites. Conseguem levar uma “boa” fake news ao conhecimento de dezenas de milhões de pessoas. Para que circulem ainda mais rapidamente, elas são impulsionadas nas redes sociais. Com R$ 10 mil é possível conseguir mais de 100 mil visualizações no Facebook, quase que instantaneamente. Fake news também são distribuídas para ativistas, contratados e pagos para esse fim. No fim da linha, são validadas e compartilhadas em grupos fechados, como os de WhatsApp, em que são tratadas como verdades absolutas, “verdadeiras verdades”, “aquilo que a Rede Globo não mostra” etc. Chegam até nós compartilhadas por um familiar, ou um amigo. O estrago está feito. Se não conseguem nos convencer, roubam nosso tempo, desviam a atenção, tumultuam o debate.

É assim que muita gente inteligente acaba acreditando em jabutis alpinistas, ou se envolvem na discussão de teorias criadas com propósito oculto de confundir, ou de levantar suspeitas, como as várias teses conspiratórias sobre a facada no então candidato Jair Bolsonaro. Diga-se que o crime foi profundamente investigado e absolutamente nada se comprovou além da ação individual, conduzida por uma mente perturbada.

Em se tratando especificamente de legislação eleitoral para combater as fake news na propaganda eleitoral no Brasil, já temos norma que veda a veiculação de conteúdos de cunho eleitoral mediante cadastro de usuário de aplicativos com a intenção de falsear identidade (artigo 57-B, parágrafo segundo da Lei 9504/97). Porém, os mecanismos de controle não são eficientes, razão pela qual a norma não consegue atingir o êxito imaginado no combate aos perfis e conteúdos falsos.

O tempo da ingenuidade já foi. Hoje, essas espécies mais evoluídas de fake news estão em busca de poder e dinheiro e atacam em quadrilhas, não raras vezes financiadas com dinheiro público, especialmente aquele desviado de propaganda oficial. Agem para fraudar eleições e desviar dinheiro. Os debates sobre o tema precisam levar em conta essa dimensão e mecanismos de controle mais efetivos.

 é advogado especialista em Direito Digital, sócio-fundador do escritório Alexandre Atheniense Advogados e coordenador do Comitê de Direito Digital do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados.

Categorias
Notícias

Thiago Rufino: A retrovenda na crise econômica

A legislação brasileira permite às pessoas físicas ou jurídicas a celebração de contratos dispostos expressamente em lei (típicos) e atípicos, desde que não contrariem os bons costumes, a boa-fé dos contratantes e as normas legais.

Em regra, para celebração de qualquer contrato deve ser observada a regra geral dos negócios jurídicos, prevista no Código Civil: a) agente capaz: maior de 18 anos, se menor deverá ser assistido ou representado; b) objeto lícito, como por exemplo, apartamento, casa, fazenda ou bem móvel, entre outros; c) expressa previsão em lei ou forma não proibida; e d) livre manifestação de vontade: a pessoa física ou jurídica não pode sofrer qualquer vício de manifestação de vontade para formalização do negócio jurídico.

Alguns contratos exigem, para sua validade, a formalização por escritura pública, como por exemplo negócios envolvendo a compra e venda de imóveis com valor superior a 30 salários mínimos do país.

Preenchidas as formalidades legais, o contrato pode ter qualquer forma, como assinatura digital ou eletrônica, livre formatação, letra, disposição e negociação de cláusulas contratuais ou estipulação de nome do instrumento contratual mesmo sem qualquer previsão em lei.

Entre inúmeras cláusulas contratuais possíveis na formalização de contrato, uma é aplicável exclusivamente para contratos de compra e venda de imóveis, que é a retrovenda, prevista no artigo 505 do Código Civil.

A retrovenda dá ao vendedor de um imóvel residencial ou comercial o direito de recobrá-lo do comprador, dentro de um prazo máximo de três anos, devendo restituir o valor pago e reembolsando as despesas do adquirente.

A cláusula pode ser uma alternativa para o momento atual que vivemos na nossa economia, tanto para pessoas jurídicas como físicas não realizar empréstimos bancários com altas taxas de juros e oferecimento do imóvel como garantia em alienação fiduciária ou hipoteca.

O contrato com cláusula de retrovenda por ser uma alternativa para obtenção de crédito por pessoas físicas ou jurídicas, mediante auxílio de parceiros, ou familiares, na obtenção de um “empréstimo”, tendo a certeza de que pode ter maior flexibilidade na devolução do valor emprestado durante o período de três anos.

A cláusula incluída no contrato pode ser entendida como um acordo entre as partes, no qual o vendedor se reserva o direito de efetuar uma recompra do seu imóvel, mediante o pagamento do dinheiro recebido e de despesas pactuadas em contrato, recuperando a propriedade do imóvel.

Destacamos que o vendedor, inclusive, tem o direito de requerer judicialmente a devolução do imóvel mediante o preço estipulado em contrato dentro do prazo de três anos, na hipótese de o comprador ter repassado o imóvel a terceiros.

Categorias
Notícias

TJ-SP prorroga licença-maternidade de mãe de bebê prematuro

É possível prorrogar a licença-maternidade, bem como considerar como termo inicial do benefício e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou da mãe, o que ocorrer por último, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no artigo 392, § 2º, da CLT, e no artigo 93, § 3º, do Decreto 3.048/99.

123RFTJ-SP prorroga licença-maternidade de servidora do estado que teve bebê prematuro

Com esse entendimento, a 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu o pedido de uma servidora pública estadual para prorrogar sua licença-maternidade por 61 dias — período em que seu filho, prematuro, permaneceu internado em UTI neonatal. O bebê possui uma série de complicações, incluindo doenças respiratórias, que exigem cuidado maior durante a epidemia de Covid-19, segundo a autora da ação.

O relator, desembargador Carlos Von Adamek, destacou que o caso em questão se enquadra exatamente no precedente do Supremo Tribunal Federal, que conferiu especial proteção a casos de maior gravidade, em que a internação da criança ou da mãe se estende por mais de duas semanas. Na hipótese dos autos, o bebê permaneceu internado por mais de dois meses.

“Não é despiciendo anotar que, independentemente da irreversibilidade dos efeitos da decisão (CPC, artigo 300, § 3º) reconhece-se, no presente momento, os interesses e a proteção do infante se colocam em primeiro lugar, nos exatos termos do artigo 6º, e sobretudo do artigo 227 da CF, o que também se encontra expresso no artigo 4º do ECA, motivo pelo qual não se sustenta a recusa do pleito com fundamento no artigo 2º-B da Lei 9.494/1997, sob pena de afronta à igualdade (CF, artigo 5º, caput)”, disse o relator ao reformar decisão de primeiro grau.

2070571-64.2020.8.26.0000

Categorias
Notícias

Especialistas debatem sobre Covid-19 e seguros na TV ConJur

Segurança na crise

Especialistas analisam impacto da Covid-19 sobre os seguros na TV ConJur

A epidemia da Covid-19 e seus efeitos econômicos têm afetado de forma específica o setor de seguros. Fatores como o volume de sinistros, a inadimplência, novas contratações e o aumento das demandas judiciais exigem uma análise aprofundada sobre a forma como o momento atual tem impactado a atividade securitária.

Por isso, a TV ConJur promove, nesta quinta-feira (21/5) o debate “Segurança na crise: seguros e Covid-19”, com transmissão ao vivo pelo YouTube a partir das 11h.

Participam da conversa a superintendente da Susep Solange Vieira; o advogado e doutor pela Uerj Ilan Goldberg; o 3º vice-presidente do TJ-RS Ney Wiedemann Neto; e o vice-presidente da seguradora Chubb Leandro Martinez. A mediação fica a cargo de Thiago Junqueira, advogado e doutor pela Uerj.

Os convidados devem elucidar questões sobre o funcionamento do mercado de seguros durante a epidemia, as adaptações feitas para se adequar às novas demandas, as mudanças que essa experiência devem acarretar no futuro e os impactos dessas alterações no sistema judiciário brasileiro.

Clique aqui ou acompanhe a transmissão ao vivo, a partir das 11h:

Revista Consultor Jurídico, 20 de maio de 2020, 9h48

Categorias
Notícias

Associação questiona no STF contribuição sobre exportação de carne

Lei de MT

Associação questiona normas de contribuição sobre exportação de carne bovina

A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade contra leis e decretos estaduais de Mato Grosso que exigem a contribuição ao Fundo Estadual de Transporte e Habitação (FETHAB) sobre as exportações de carne bovina.

ReproduçãoAssociação questiona normas de contribuição sobre exportação de carne 

Segundo a associação, a contribuição ao fundo seria, na verdade, uma parcela do ICMS exigida como condição para o gozo da sua não incidência nas exportações, contrariando o artigo 155, parágrafo 2º, inciso X, da Constituição Federal, que veda a cobrança do tributo sobre produtos a serem exportados.

A Abiec alega que as regras impugnadas sujeitam o contribuinte que não paga a contribuição ao FETHAB nas exportações diretas ou indiretas de carne bovina à incidência e ao cálculo do ICMS a cada operação, e não pelo regime mensal de débito e crédito, nas saídas interestaduais que realizar.

De acordo com a associação, a contribuição ao FETHAB equivale hoje a R$ 43,93 por tonelada de carne bovina exportada, e, desde fevereiro de 2019 (quando as normas passaram a vigorar), seus associados exportaram mais de 450 mil toneladas do produto a partir de Mato Grosso. O relator da ADI 6.420 é o ministro Gilmar Mendes. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

ADI 6.420

Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2020, 8h25

Categorias
Notícias

Carvalho e Aguiar: Responsabilidade na omissão de socorro

Entendemos perfeitamente ao que estamos sendo expostos e vamos trabalhar todos os dias conscientes desse risco, mas queremos trabalhar com uma contrapartida de o hospital de garantir a nossa segurança”, diz Luciana (médica no Rio de Janeiro).

1. A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) trouxe ao debate público inúmeras questões que exigem reflexão no campo da ciência do direito penal. Dentre os temas relevantes, os relativos aos direitos e deveres de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, auxiliares, administradores etc.) e de pacientes infectados, para além da dimensão ética do comportamento geral da sociedade durante o período e em situações de contágio. No caso particular de médicos e pacientes, diversas notícias apresentam cenários bastante delicados que começam a atingir o cotidiano do sistema de saúde e que, em efeito, suscitam questões relativas à responsabilidade jurídico-criminal.

Importante salientar que entendemos que a intervenção penal na área da saúde pública geralmente traz mais danos do que resultados positivos (p. ex., criminalização do aborto, consumo de drogas etc.), notadamente porque é ilusório o discurso da prevenção através da punição. Em geral, são as normas de caráter administrativo as mais adequadas para regular este tipo de relação, como a própria experiência da pandemia tem demonstrado. No entanto, o direito penal brasileiro apresenta uma série de hipóteses que espelha casos reais que vêm sendo noticiados e, por esse motivo, fundamental uma reflexão mais aprofundada (científica), imunizada das paixões próprias da esfera política.

Assim, pretendemos apresentar ao público não especialista, de forma bastante objetiva, mas seguindo critérios técnico-jurídicos, algumas situações problemáticas que envolvem a possibilidade de responsabilização criminal dos profissionais da saúde e dos pacientes sob os seus cuidados. O primeiro tema a ser enfrentado diz respeito aos limites da omissão de socorro punível de médicos e demais profissionais da saúde no atendimento às vítimas da Covid-19.

2. Em matéria publicada em 27/03/20, repórteres da BBC Brasil narraram o drama de médicos que se encontram na linha de frente no atendimento ao Coronavírus: “estamos apavorados”, é o título da reportagem. O pavor dizia respeito ao exponencial aumento do número de casos e, em consequência, do volume de pessoas que buscavam atendimento: “(…) faltam equipamentos de proteção adequados, e o risco de serem infectados aumenta ainda mais o estresse e o medo em sua rotina diária.”[1] Em algumas situações, médicos e enfermeiros estariam comprando equipamentos de proteção individual (EPI) por conta própria, em decorrência da falta de material ou porque o que está sendo disponibilizado nas unidades hospitalares seria inadequado para atender às necessidades do pronto-socorro e da terapia intensiva (UTI).

No caso da médica carioca, a situação chegou ao limite, pois apesar de ter comprado para uso pessoal uma máscara N95, em razão da ausência de material na unidade, “foi proibida de usá-la, porque, nas palavras da diretoria do hospital, deixaria outros profissionais que não tinham como fazer o mesmo preocupados. ‘Disseram que iria gerar um motim (entre funcionários)’, diz Luciana.”[2]

A questão que surge em relação aos deveres de médicos e dos demais profissionais da saúde diz respeito à possibilidade de não socorrer pessoas infectadas pelo novo coronavírus diante do risco de contaminação. A pergunta seria se, nesses casos em que o médico não dispõe de equipamento minimamente adequado, o não atendimento configuraria omissão de socorro, isto é, se haveria o dever jurídico de esses profissionais agirem mesmo em situações de risco real.

A omissão de socorro é um delito de periclitação da vida ou da saúde, que se caracteriza por uma inação (deixar de agir) materializada na colocação de alguém a uma situação de risco. Dentre os delitos de periclitação da vida e da saúde, encontramos, p. ex., o perigo de contágio venéreo, a exposição à moléstia grave, o risco à vida ou à saúde. Segundo o art. 135 do Código Penal, configura omissão de socorro “deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública.” A mera abstenção da ação de cuidado é suficiente para caracterização do delito, sendo a pena majorada (causa especial de aumento) nos casos em que a omissão resulta em lesão corporal de natureza grave ou morte. Diferente do delito do art. 269 — “deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória” —, p. ex., a omissão de socorro não é um crime próprio do médico, ou seja, a conduta pode ser praticada por qualquer pessoa, também pelos profissionais de saúde. Basta que alguém esteja no lugar e no momento em que alguém necessita de assistência.

Na omissão de socorro a vontade do sujeito ativo engloba apenas a situação de risco, ou seja, há a intenção de omitir-se e há a consciência do perigo derivado da inação. Distingue-se, portanto, de outros casos de ações realizadas por profissionais de saúde e que resultam dano, como, p. ex., o homicídio (ou lesão corporal) por omissão ou por negligência. Isso porque se o agente quiser (dolo) a morte ou a lesão, responderá pelos crimes do art. 121 (homicídio) ou do art. 129 (lesão corporal). No caso do homicídio por omissão, o profissional da saúde, na posição de garantidor (dever de agir decorrente do art. 13, § 2º, Código Penal) e em condições de atuar, deixa deliberadamente de exercer o ofício com a intensão de provocar a morte. Na hipótese da negligência (art. 121, § 3º, Código Penal), o médico, no exercício profissional, infringe um dever de cuidado objetivo, viola uma regra técnica que deveria observar e provoca um dano não desejado.

Os Tribunais têm reconhecido a omissão de socorro nas atividades que envolvem a área da saúde quando o profissional recusa o atendimento a pacientes em estado grave ou, tendo iniciado, deixa de prosseguir com o cuidado devido.[3] A recusa ao atendimento, por si só, não configura o delito, pois é necessária a demonstração de que a pessoa a ser socorrida estava em situação de perigo real.

3. Os dados públicos acerca da capacidade de expansão e, sobretudo, da letalidade da Covid-19, permitem afirmar que há efetivamente uma situação de risco que exige cuidado médico-hospitalar quando pacientes sintomáticos, com testagem positiva, aportam nas unidades de pronto-atendimento (UPAs) e nos hospitais.

O cenário de análise, portanto, é o da configuração (ou não) do delito de omissão de socorro quando o médico, motivado pela ausência real de equipamento adequado de proteção, nega assistência ou recusa mantê-la a pacientes infectados pelo Coronavírus.

O art. 135 do Código Penal possui um elemento normativo que permite excluir a tipicidade do delito nos casos em que a conduta exigida cria risco ao omitente. O Código refere um dever de assistência “quando possível fazê-lo sem risco pessoal”, ou seja, o risco integra o tipo penal como uma elementar que, se presente na situação real, exclui o injusto. A indagação complementar seria: a possibilidade de os profissionais da saúde contraírem o vírus em decorrência da insuficiência de equipamentos de proteção individual (“EPI”) configuraria risco pessoal? A resposta parece ser, à evidência, positiva.

Diversas notícias dão conta do insustentável cenário em que se encontram as unidades de saúde, ambientes nos quais os profissionais estão diante de pacientes infectados em estado grave sem contar com condições e equipamentos minimamente adequados. A propósito, o próprio Código de Ética Médica estabelece, como direito do médico, “recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais” (Capítulo II, IV, Resolução 2.217, Conselho Federal de Medicina, 27/09/2018).

Assim, a falta de estrutura hospitalar e a ausência de materiais mínimos de proteção, como máscaras, luvas, óculos, aventais, capotes e demais, fundamentam a negativa de atendimento a pacientes infectados (ou até mesmo com suspeita de infecção) por Covid-19, sem que isso configure o crime de omissão de socorro.

4. No entanto, a questão fica mais delicada quando há fornecimento de material de proteção individual pela administração, mas o equipamento é menos eficaz para Covid-19, como, p. ex., máscaras sem filtro PFF2 (adequadas para conter a transmissão) que não impedem a dispersão de aerossóis.

O caso do Hospital Salgado Filho, no Rio de Janeiro, é exemplar. Em reportagem publicada pelo O Globo, em 19/03/20, médicos do hospital do Méier, na Zona Norte do Rio de Janeiro, denunciavam estar trabalhando com máscaras convencionais, visto que as N95, recomendadas pelo Ministério da Saúde para o contato direto com pacientes infectados, não estavam sendo fornecidas pela Secretaria Municipal da Saúde.[4] Em Mato Grosso, o Conselho Regional de Enfermagem (Coren) notificou três hospitais por disponibilização de máscaras inadequadas aos profissionais do atendimento ao novo Coronavírus. No Hospital de Acidentados Traumatologia e Ortopedia, Só Trauma, enfermeiros foram flagrados com máscaras do tipo TNT, contraindicadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para utilização no combate ao Coronavírus – “o TNT só possui uma camada de tecido e, por isso, é inadequado ao uso dos profissionais, já que não barra nem filtra fluidos biológicos, o que expõe profissionais à contaminação.”[5] A situação é comum em vários outros estados da federação.[6]

Se é possível dizer que mesmo inadequadas, as máscaras TNT protegem o profissional de saúde de forma mais efetiva do que a ausência de qualquer EPI, igualmente é correto afirmar que mesmo o uso do EPI indicado pelas autoridades competentes não elimina completamente o risco de transmissão do vírus. Em razão desta, resta trabalhar com as situações em que o perigo possa ser reduzido a níveis toleráveis.

A conclusão possível, em termos abstratos, é que a falta de EPI adequado, isto é, em total conformidade com as normas técnicas, gera uma presunção de risco real. Eventualmente algum outro tipo de material pode apresentar nível de segurança similar, mas não entendemos que seja o caso das máscaras de TNT, p. ex. Tais casos devem ser analisados isoladamente, pois não é possível verificar, a priori e genericamente, todas as variáveis que envolvem a atestação da satisfação das condições sanitárias.

Assim, em face dos materiais disponíveis no momento do atendimento, os profissionais da saúde devem identificar sua suficiência e, verificando que o EPI não apresenta um grau satisfatório (mínimo) de segurança, devem comunicar a seu supervisor ou responsável, decidindo se podem fornecer o suporte requerido pelo paciente. Cientes, porém, de que o delito de omissão de socorro não está configurado quando o profissional estiver em risco pessoal de contágio, seja pela insuficiência do material de proteção, seja pelas más condições sanitárias do ambiente hospitalar.

Os limites do dever de agir estão elencados, de forma geral, na regulação jurídica da omissão imprópria. Segundo o art. 13, § 2º do Código Penal, a abstenção da conduta devida só é penalmente relevante quando o omitente podia agir. A possibilidade do agir não refere abstratamente uma capacidade física, mas uma condição pessoal real nos limites do risco aceitável.[7] E estar suscetível à contaminação pelo Coronavírus por ausência de equipamento de proteção individual minimamente adequado configura cenário que extrapola o que entendemos por risco aceitável.

Embora na grande mídia os médicos sejam saudados como “heróis” — e em certo sentido realmente o são em vista do notório empenho em salvar vidas na crise pandêmica que estamos vivendo —, o direito penal não exige atos de heroísmo e muito menos pune a omissão da ação devida quando implica risco pessoal. Eventual obrigação moral não se traduz em obrigação jurídica e é legítimo que os profissionais da saúde, nos casos em que o poder público não fornece as condições adequadas de trabalho e os coloca em perigo, deixem de prestar o cuidado esperado.

No caso, as lições de Nélson Hungria ganham especial relevo: “a lei não obriga ninguém a ser herói ou santo, isto é, a sacrificar-se por amor ao próximo (…). Mesmo aquele a quem incumbe, especialmente, o dever de assistência ao periclitante, não cometerá o crime, se se abstém para evitar risco pessoal. O texto da lei é incondicional quando se refere a risco pessoal (…).”[8]

5. Estabelecidos os limites do agir dos profissionais da área médica, fundamental referir, ainda, que é dever da administração, através das secretarias de saúde competentes (âmbitos federal, estadual e municipal), o fornecimento de equipamentos adequados para proteger a saúde dos servidores, sobretudo na esfera pública. Se por um lado o médico, o enfermeiro e todos os demais profissionais da cadeia de atendimento não são heróis, não sendo obrigados a ações de risco, por outro também necessitam cuidados. Cuidados que se materializam no fornecimento, pela administração pública, de condições mínimas para o atendimento às vítimas da Covid-19.

Assim, em caso de eventual contaminação dos profissionais de saúde pelo Coronavírus, em decorrência da não disponibilização de material de atendimento adequado, e demonstrada a relação de causalidade entre o não-fornecimento possível do equipamento e o contágio, seria cabível inclusive a responsabilização dos gestores pelos danos, nas esferas administrativa e cível e, eventualmente, no campo criminal.

Fundamental, portanto, nestes casos, uma atuação forte das associações, conselhos, sindicados e demais entidades representativas dos profissionais da área da saúde para que se cumpram, pelos poderes públicos e instituições privadas, as diretrizes que garantam minimamente a atuação no cuidado às vítimas.

 é mestre (UFSC) e doutor (UFPR) em direito; professor de Direito Penal da UFRJ e da Unilasalle/RS e sócio do Davi Tangerino & Salo de Carvalho Advogados.

Lucas Albuquerque Aguiar é advogado do escritório “Davi Tangerino e Salo de Carvalho Advogados Associados”; LL.M. em direito penal internacional (Universidade de Leiden/Holanda); bacharel em direito (UniCEUB) e relações internacionais (UnB).

Categorias
Notícias

PDT questiona alteração de divisas na Chapada dos Guimarães

Ação no STF

PDT questiona no Supremo alteração de divisas na Chapada dos Guimarães

O PDT ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade para suspender duas leis estaduais de Mato Grosso que alteram divisas de diversos municípios, entre eles da Chapada dos Guimarães. Segundo a legenda, as alterações foram feitas “sem qualquer consulta prévia às sociedades locais”, com a justificativa de “adequação territorial”.

Parque Nacional da Chapada dos Guimarães
Reprodução

O objeto de questionamento são as Leis estaduais 10.403/2016 e 10.500/2017. O PDT sustenta violação dispositivos da Constituição Federal que exigem, para o desmembramento de municípios, a realização de plebiscito com a população envolvida e a edição de lei complementar federal.

Outro argumento é que as leis estaduais violam a identidade de comunidades, alteram dados históricos e geográficos sem qualquer consulta aos principais interessados e causam insegurança jurídica e comoção entre moradores e gestores públicos.

De acordo com o partido, as autoridades municipais foram pegas de surpresa com as normas e não tiveram tempo hábil para promover as adequações administrativas necessárias para suportar as alterações territoriais. Municípios históricos como Santo Antônio de Leverger e Chapada dos Guimarães, conforme a argumentação, tiveram parte do seu patrimônio histórico-cultural apossado por outros entes federativos que jamais fizeram qualquer investimento público na localidade.

A ação foi distribuída por prevenção ao ministro Edson Fachin, relator da ADI 6.213, ajuizada com o mesmo propósito pelo PTB. Com informações da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal.

ADI 6.408

Revista Consultor Jurídico, 6 de maio de 2020, 19h18