Categorias
Notícias

RJ pagará R$ 1 milhão a família de menina morta por bala perdida

O Estado responde objetivamente por morte de inocente causada por confronto iniciado por policiais. Com esse entendimento, a 16ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro condenou o governo fluminense a pagar indenização por danos morais de R$ 1 milhão à família da menina Maria Eduarda.

Estado do RJ responde por operação policial que gerou danos previsíveis
Fernando Frazão/ Agência Brasil 

A estudante morreu aos 13 anos, no dia 30 de março de 2017, após ser atingida por uma bala perdida durante uma ação da Polícia Militar, quando estava dentro da Escola Municipal Jornalista Escritor Daniel Piza, em Acari, na zona norte do Rio.

O juiz André Pinto apontou que o Estado responde objetivamente por seus danos. Assim, só pode ser isentado do dever de indenizar se provar que o evento ocorreu por caso fortuito, força maior ou fato exclusivo de terceiro ou da vítima.

Segundo o artigo 144, inciso V, da Constituição, a segurança pública é dever do Estado e direito de todos e deve ser exercida para a preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas através da Polícia Militar, destacou o julgador.

Na preservação da segurança pública, o Estado deve ser guiado pelo princípio da eficiência, ressaltou Pinto. Isso quer dizer que a administração pública deve “agir com cautela, responsabilidade e destreza, e em caso contrário, que promova a correção de tantas falhas e omissões”.

O que não ocorreu quando a PM do Rio resolveu fazer operação, em horário escolar, em uma comunidade notoriamente violenta, opinou o juiz. Nesse caso, sustentou, o Estado deve indenizar, mesmo que não fique provado se o tiro que atingiu a vítima saiu da arma de um policial.

“Basta a prova do confronto, só se eximindo o Estado do dever de indenizar se provar caso fortuito, culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro, desde que esse tenha sido imprevisível e inevitável, o que não é a hipótese dos autos, eis que de acordo com o Registro de Ocorrência policial, o fato ocorreu às 14h15. Ora, é totalmente previsível que uma incursão policial em uma comunidade extremamente violenta implicará em confronto e troca de tiros, fato que também é evitável. E considerando que esse confronto se deu às 14h, quando as ruas estão repletas de transeuntes, é totalmente previsível que terceiros inocentes serão alvejados”, avaliou o juiz.

Cada um dos pais de Maria Eduarda receberá R$ 280 mil, e os cinco irmãos, R$ 90 mil cada, acrescidos de juros e correção monetária. O estado do Rio terá ainda de ressarcir o pagamento das despesas com o funeral, no valor de R$ 2 mil, e manter o tratamento médico psicológico e psiquiátrico que vem sendo prestado à família. O juiz, no entanto, negou os pedidos de indenização para um casal de tios e dois primos da adolescente.

Clique aqui para ler a decisão

Processo 0085626-86.2017.8.19.0001

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Categorias
Notícias

Vivien Lys: A importância da mediação e da onciliação

É fato notório que a crise social e econômica iniciada pela declaração do Estado de Emergência da Saúde Pública pela Lei Federal nº 13.979/2020, decorrente do surto causado pela Covid-19, ainda vai trazer à sociedade inúmeros reflexos e danos inimagináveis. Não há precedentes históricos de uma crise semelhante que atingiu, abruptamente, o princípio da segurança jurídica todos os setores da economia e desnaturou o paradigma de relações sociais vivenciadas anteriormente ao atual colapso.

A ideia de submeter todos os conflitos ao Estado-juiz esbarra no conceito binário de ganhador e perdedor e as novas jurisprudências podem abrir abismos que exigem uma nova visão do advogado.

Por exemplo, as decisões judiciais nas ações de despejo por falta de pagamento apresentam critérios subjetivos variados que vão desde a ponderação que ainda não é possível auferir se o avanço do vírus causará recessão econômica [1] até a decisão de suspensão da liminar de despejo para a inquilina que estiver grávida e não pagar os aluguéis [2]. Nessa conjuntura, como deve ser a análise das chances de êxito de um processo pelo advogado?

O advogado já tem como dever de informar o cliente de forma clara e inequívoca sobre os riscos decorrentes das suas pretensões e dos possíveis resultados da respectiva ação, como previsto no artigo 8º do Código de Ética e Disciplina da OAB. Isso não é novidade!

O atual desafio do advogado é desenhar para seu cliente a matriz de risco no descumprimento dos contratos e na causa raiz do surgimento de determinado conflito, em paralelo com a escolha do método de solução de conflitos: I) negociação; II) conciliação, III) mediação; IV) Poder Judiciário; e V) arbitragem.

Essa matriz de risco engloba elementos fáticos e legais, bem como o estudo da efetividade do cumprimento da decisão judicial ou arbitral favorável ao seu cliente. A análise jurídica do advogado deverá passar pela construção de novos balizadores, como por exemplo a apresentação ao seu cliente das consequências da escolha da arbitragem ou do Estado-juiz na satisfação do seu interesse, que será postergada até o final do processo com o elemento prejudicial da tendência do aumento das ações.

A matriz de risco engloba elementos como: I) análise jurídica; II) disponibilidade do cliente para suportar o desgaste de todo o processo; III) previsão de perdas, mesmo com a prolação de uma sentença totalmente procedente;  IV) estimativa de probabilidades; e V) gerenciamento do valor do litigio dentro da necessidade de contingenciamento do mesmo, desembolso de custas e o risco da sucumbência.

A matriz de risco está vinculada à ausência de segurança jurídica nas decisões que suscitam a abertura de novos caminhos a serem trilhados pela busca da satisfação dos interesses do cliente e do advogado.

Para que o advogado seja um agente transformador dos reflexos da pandemia, é necessária a valorização do dever do advogado de promover novos caminhos ao litígio, evitando o ajuizamento das ações [3].

Com a subsunção da matriz de risco ao caso concreto, e averiguação da existência de partes vulneráveis ao seu cliente e riscos jurídicos e fáticos, caberá ao advogado indicar ao seu cliente o uso da mediação ou da conciliação, como previsto no artigo 3º, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil de 2015, para que haja a ampliação das possibilidades de resolver as consequências negativas da atual crise, pois a necessidade dos litigantes de obter a solução de seus problemas será medida de ordem!

 é advogada, mediadora, mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização lato sensu em Contratos pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização em Arbitragem e Mediação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e professora de mediação no Centro Mediar.

Categorias
Notícias

Sílvia Pérola: A fraude trabalhista em contrato de imagem de atleta

A Subseção de Dissídios Individuais 1 (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho julgará, pela primeira vez, na próxima quinta-feira (18/6), o primeiro caso de utilização do contrato de imagem como fraude à legislação trabalhista, tendo como pano de fundo a proteção à maternidade. O tema será discutido por ocasião do julgamento dos embargos da autora contra a decisão da 5ª Turma que deu provimento aos recursos do clube, modificando a decisão do Tribunal Regional da 3ª Região, que havia concluído pela ilicitude dessa forma de contratação de atletas.

O caso envolve uma renomada atleta do voleibol brasileiro, que mantinha com o clube um contrato de trabalho de R$ 812,05 (mensal) e, paralelamente, um contrato de imagem no valor de R$ 98.891,55, correspondente, portanto, a 99,5% do seu contrato de trabalho.

Quando a atleta ficou grávida, o clube resolveu não renovar o contrato de imagem, passando a atleta a receber, de um dia para o outro, apenas o valor anotado na carteira de trabalho, pouco mais de R$ 800 por mês.

O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região reconheceu a fraude trabalhista, nos termos do artigo 9º da CLT, [1], salientando não ser “crível se imaginar que uma atleta profissional com o curriculum da reclamante, com passagens por vários clubes de renome e até mesmo pela Seleção Brasileira, que conquistou vários títulos e medalhas na modalidade, seja remunerada com valores tão ínfimos, como aquele lançado em sua CTPS, ou seja, R$ 812,05 (oitocentos e doze reais e cinco centavos)”, considerando, ainda que, “é zombar do Judiciário a apresentação de um contrato de trabalho de uma jogadora de voleibol profissional, e de renome nacional, com o apontamento de um salário inferior àquele percebido por qualquer profissional não qualificado. Isso porque o direito de imagem é apenas acessório do contrato de trabalho (…), não pode suplantar o salário pago para a atividade principal”.

Na verdade, a permissão para a livre negociação entre atletas e clubes pavimentava a irregularidade. Foi esse cenário de práticas fraudulentas na contratação de atletas que deu ensejo à regulamentação do tema na Lei Pelé [2] com o acréscimo do artigo 87-A, que estabelece: “O valor correspondentemente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta)”.

No caso concreto, o tribunal de Minas, última instância competente para analisar fatos e provas, deixou muito clara a inexistência de qualquer vinculação da imagem da atleta a campanhas publicitárias, considerando emblemático que os valores por ela recebidos, a título de contrato de imagem, remuneravam, na verdade, sua atividade principal, que é jogar voleibol.

Além de revelar a prática de clubes desportivos de contratar de maneira fraudulenta seus atletas, mascarando a remuneração da sua atividade profissional, outra discussão que se coloca é a seguinte: por que o fato de estar grávida impediria a atleta de projetar a imagem do clube em tão sublime condição?

A mulher trabalhadora já encontra inúmeros desafios para transitar, ingressar e permanecer no mercado de trabalho. A atleta, que se submete a uma série de exigências previstas na legislação, que prevê um contrato por prazo determinado, tem, ainda, o desafio de ser considerada inapta pelo fato de estar grávida. Ao lado da previsão constitucional de proteção à maternidade, à lactância e à criança, práticas como essa, que aviltam a dignidade da mulher e da criança, não podem ser toleradas pelo Judiciário.

Eis o caso que será analisado pela SDI do TST: uma mulher trabalhadora, atleta exemplar, que projetou o clube e a nação com sua dedicação e talento, ao se descobrir grávida, viu-se privada de sua remuneração, com o salário reduzido para R$ 800, menos de 1% do que vinha recebendo. E se fosse um homem, esse contrato deixaria de ser renovado?

Novamente aqui é preciso renovar o debate da discriminação de gênero, associado à afronta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, princípios fundamentais sobre os quais se sustentam a República Federativa do Brasil [3].

Como fica a dignidade de uma trabalhadora que, de um dia para o outro grávida passa a receber menos de 1% do que recebia? O que responderá quando lhe perguntarem o que houve? “Desculpe, mas engravidei”? Como fica a dignidade dessa trabalhadora no momento em que devendo usufruir, não como benevolência, mas como cumprimento de mandamentos constitucionais, do apoio do seu clube e da nação que tão bem representa, é aviltada com tamanha coação moral, que olvida sua trajetória esportiva e abala sobremaneira a sua dimensão física e psicológica?

Vale dizer, como têm insistido o ministro Maurício Godinho e a professora Gabriela Delgado, em suas obras, que “o Direito do Trabalho consiste em instrumento jurídico de promoção da dignidade humana”, cabendo-lhe “normatizar a proteção do sujeito trabalhador, além de proibir a mercantilização do trabalho humano” [4]

Os mesmos autores afirmam que “sem o Direito do Trabalho, tem-se mostrado impossível, segundo reiterados exemplos históricos nos últimos 150 anos, obstar-se ou se restringir a conversão do trabalho e da própria pessoa humana em simples mercadoria, como qualquer outra existente na vida socioeconômica”. [5]

A proteção à mulher gestante e às mulheres-mães foi alçada ao status de obrigação internacional, recebendo proteção de diversos tratados internacionais. Com efeito, são inúmeros os instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil, pavimentados na exigência do trabalho digno e na proteção à mulher e à criança contra toda forma de discriminação de gênero, invocando-se, de início, a atuação da OIT (Organização Internacional do Trabalho), destacando-se suas Convenções de nºs 111 e 158. Começando pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e passando pela Declaração de Filadélfia (1944), pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979) e pela Convenção sobre os Direitos das Crianças (1989), chega-se, na esfera do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, à Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica (1969) que encerra perfeita proteção ao caso em questão; sua aplicação compete à Corte Interamericana de Direito Humanos (CIDH).

O recurso da empresa levado à apreciação do TST tem por objeto unicamente a discussão da configuração do contrato de imagem. Dessa forma, a alteração da decisão do tribunal mineiro, favorável à trabalhadora, demandaria necessariamente a subversão pelo tribunal superior de algumas premissas fixadas na decisão regional acerca da fraude trabalhista:

I) A gritante discrepância entre os valores auferidos a título de contrato de trabalho (R$ 812,05) e de contrato de imagem (R$ 98.891,55);

II) A percepção de valores mensais fixos independentemente do tempo de exposição de sua imagem em competições, transmissões e eventos de patrocinadores; e

III) Se a gravidez da atleta não a impediria de jogar, muito menos seria óbice a que pudesse projetar a imagem do clube nessa condição.

Como corte extraordinária, o TST só pode apreciar recurso que satisfaça alguns requisitos bem rigorosos. E o recurso de revista do clube teve seu seguimento negado no tribunal de Minas com base na Súmula nº 126 do TST, que impede esse tribunal superior de examinar provas. Dessa decisão, o clube interpôs agravo de instrumento [6] para o TST, que teve seu seguimento denegado, monocraticamente, pelo ministro relator, por considerar o recurso manifestamente inadmissível. E, de fato, o agravo de instrumento do clube não atendia aos requisitos legais para que fosse admitido.

Contudo, em juízo de reconsideração, em sessão, o agravo interno interposto pelo clube foi admitido para julgar o agravo de instrumento, que, também, restou provido, para julgar o recurso de revista, o qual acabou sendo conhecido e provido para declarar improcedente a reclamatória.

No entanto, o recurso de revista do clube veio deserto [7]. E quem alerta para a deserção é o próprio clube, que, nos autos, ao protocolar petição datada de 30/8/2016 (fls. 523) [8] propugnando pela juntada das guias pagas do depósito recursal (mais de um mês depois do prazo para a interposição do recurso). Contudo, o artigo 7º da Lei nº 5.584/70 dispõe que a comprovação do depósito tem que ser feita dentro do prazo recursal [9], exegese que ficou consagrada na Súmula nº 245 do TST [10].

 O TST já analisou a matéria à luz do novo CPC, modificando sua Instrução Normativa nº 39, que resultou na revogação do parágrafo único do seu artigo 10, que restringia a insuficiência no valor do preparo, para efeitos do §2º [11] do artigo 1.007 do CPC, apenas às custas processuais e não ao depósito recursal. É que o artigo 1.007, em seu parágrafo segundo, refere-se à insuficiência, como destacado na IN-39, e não à ausência de depósito, como é o caso dos autos. No ato da interposição do recurso de revista do clube não havia depósito algum. Somente após um mês do prazo recursal vieram aos autos as guias autenticadas do depósito; não se trata aqui de suprir insuficiência, mas de total ausência de satisfação de pressuposto recursal, qual seja, o preparo, encontrando-se a revista da reclamada fulminada pela deserção.

Da mesma forma, a revista do empregador, veiculada sob a égide da Lei nº 13.015/14, não observa nenhum dos incisos do §1º-A do artigo 896 da CLT, sendo certo que a tese sustentada no apelo extraordinário não foi prequestionada [12] na decisão regional que no diálogo de fontes pautou-se, na verdade, pela configuração da fraude trabalhista tendo como pano de fundo o sagrado princípio constitucional de proteção à maternidade e não discriminação de gênero.

Ultrapassar esse óbice é afrontar frontalmente o princípio do devido processo legal e do contraditório, uma vez que coloca em desvantagem a parte contrária que bem se houve na observância dos devidos trâmites processuais. Também aqui seria desrespeitado, mais uma vez, o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que a parte tem direito a um processo justo.

É importante ficar destacado então que a revista foi conhecida à revelia da Súmula 245 [13] do TST e da Orientação Jurisprudencial nº 140 da SDI-1 [14] e contrariando jurisprudência do próprio tribunal, que, em casos envolvendo o mesmo clube, na mesma situação de impressionante disparidade entre o contrato de trabalho e o de imagem, identificou a fraude nos termos do artigo 9º da CLT.

É um caso que invoca a aplicação pelo tribunal superior do princípio vigente no nosso ordenamento jurídico da vedação do retrocesso social. Não se espera, portanto, uma decisão que signifique retrocesso na observância da legislação trabalhista.

A decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho deverá representar censura ao clube que, ao invés de adequar sua prática à previsão regulamentada, ocupa o Judiciário com insurgência considerada contra legem.

Esperamos e confiamos que a justiça social, que é também uma Justiça constitucional, não permitirá que a dignidade da mulher, trabalhadora, na condição especial de atleta, seja aviltada.

 


[3] Artigo 1º — A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

[9] (artigo 7º) A comprovação do depósito da condenação (CLT, artigo 899, §§ 1º a 5º) terá que ser feita dentro do prazo para a interposição do recurso, sob pena de ser este considerado deserto.

[13] O depósito recursal deve ser feito e comprovado no prazo alusivo ao recurso. A interposição antecipada deste não prejudica a dilação legal.

 é advogada, professora e fundadora do Instituto Pérola de Treinamento e Capacitação para a Advocacia.

Categorias
Notícias

Leandro Facchin: A polêmica instrução normativa da Funai

A Instrução Normativa nº 9/2020, publicada no dia 22 de abril pela Fundação Nacional do Índio (Funai), tem causado controvérsia no país. A nova resolução disciplina o requerimento, a análise e a emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites em relação a imóveis privados, o que permite a exploração e a comercialização de terras indígenas que ainda não foram homologadas pelo presidente da República.

O Ministério Público Federal se manifestou contrário à medida e recomendou à presidência da Funai a anulação imediata do ato. Para o MPF, a norma é ilegal e inconstitucional, pois, segundo os procuradores federais, a instrução normativa contraria a natureza do direito dos indígenas às suas terras como direito originário e da demarcação como ato declaratório.

Na resolução, a Funai considerou a necessidade de estabelecer regras quanto à incidência e a confrontação de imóveis rurais em terras indígenas tradicionais homologadas, reservas indígenas e terras dominiais de comunidades indígenas, com fundamento na Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio), e no Decreto Nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996.

De acordo com a instrução normativa, as comunidades indígenas proprietárias de imóveis rurais ou urbanos deverão comunicar os limites desses imóveis para que a Funai possa contemplá-los na análise de emissão de Declaração de Reconhecimento de Limites, que se destina a fornecer aos proprietários ou possuidores privados a certificação de que os limites do seu imóvel respeitam os limites das terras indígenas plenamente regularizadas.

A meu ver, a nova resolução da Fundação Nacional do Índio traz segurança jurídica ao Estado Democrático brasileiro, pois o que não está definido por decisão judicial não pode gerar efeito no mundo jurídico prático. O fato de existir um estudo de área de expansão de terra indígena não significa que isso se caracteriza como futura área indígena.

Ou seja, a referida instrução normativa regulamenta o que a legislação já determina e que não estava sendo cumprido pelos órgãos federais. Portanto, enquanto não houver uma decisão judicial de expropriação dessas áreas, elas continuam no domínio do particular, pois esse direito é pleno e eficaz até que ocorra uma decisão judicial contrária.

 é advogado e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).