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STJ confirma domiciliar para presos do aberto e semiaberto de MG

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça confirmou a liminar que, por causa da pandemia da Covid-19, permitiu a transferência para prisão domiciliar de presos que cumprem pena nos regimes aberto e semiaberto em presídios de Uberlândia (MG). A decisão tomada no julgamento do mérito de Habeas Corpus foi unânime.

O ministro Sebastião Reis Júnior foi o relator do julgamento do Habeas Corpus
STJ

Os efeitos da decisão foram estendidos a todos os presos na mesma situação no sistema prisional de Minas Gerais — a liminar em análise havia beneficiado somente dois apenados. No mesmo julgamento, porém, a 6ª Turma não conheceu do pedido de extensão da medida para o sistema prisional do Distrito Federal.

O ministro relator do Habeas Corpus, Sebastião Reis Júnior, argumentou que a situação vivida pelos condenados dos regimes aberto e semiaberto estava em clara ilegalidade, já que eles trabalham e estão se reintegrando à sociedade. O benefício havia sido suspenso por causa da pandemia. 

“A revogação dos benefícios concedidos aos reeducandos elencados na petição inicial configura flagrante ilegalidade, sobretudo diante do recrudescimento da situação em que estavam na execução da pena, todos em regime semiaberto, evoluídos à condição menos rigorosa, trabalhando e já em contato com a sociedade”, afirmou o relator.

Reis Júnior alegou ainda que a lei brasileira determina que o recrudescimento da situação prisional só pode ocorrer em caso de punição por mau comportamento, o que não era o caso.

Quanto ao pedido de extensão dos efeitos da decisão para o Distrito Federal, feito pela Defensoria Pública do DF, a maioria dos ministros entendeu que ele não deveria ser conhecido porque esse tipo de solicitação não cabe em Habeas Corpus coletivo.

“Não podemos fazer esse exame, se (a situação dos presos do Distrito Federal) é igual ou não, em uma simples extensão. Que entrem com um Habeas Corpus para cada situação”, afirmou o ministro Nefi Cordeiro. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

HC 575.495

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Anderson Almeida: O direito ao silêncio do réu

O famigerado direito ao silêncio, positivado no artigo 5º, LXIII, da Carta Maior [1] apresenta-se como uma das decorrências do princípio nemo tenetur se detegere. Nas palavras de Maria Elizabeth Queijo [2], o aludido princípio “tem sido considerado direito fundamental do cidadão e, mais especificamente, do acusado. Cuida-se do direito à não auto-incriminação, que assegura esfera de liberdade ao indivíduo, oponível ao Estado, que não se resume ao direito ao silêncio”.

Superada a breve elucidação contextual do princípio preconizado pelo artigo 8º, II, “g”, da Convenção Americana de Direitos Humanos [3], surge o seguinte questionamento: a conduta do réu de opor-se fornecer ao juízo seus dados bancários existentes no exterior constitui crime de desobediência?

Aury Lopes Jr., diga-se, de maneira pontualíssima, leciona que o “direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, esculpida no princípio nemo tenetur se detegere, segundo a qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando interrogado” [4] (grifo do autor).

Na mesma esteira, Alberto Zacharias Toron [5], de modo clínico, realça que a guarita contra a autoincriminação significa, num todo, “a afirmação de que a pessoa não está obrigada a produzir prova contra si mesma”.

Em suma, o direito à não autoincriminação é um direito individual, humano e fundamental, de observância inescusável no processo penal. Não é exequível compelir o ser humano a agir contra sua própria vontade, o que, caso acontecesse na prática, violaria por completo a integridade mental e moral do réu.

Na hipótese, a negativa do réu em fornecer ao juízo seus dados bancários estabelecidos no exterior, não constitui a conduta típica insculpida no artigo 330 do Código Penal, haja vista que, se assim fosse, estar-se-ia transgredindo a natureza humana e, portanto, a dignidade do acusado, transferindo-o o ônus que compete integralmente ao Estado-acusação, subvertendo a lógica do processo penal acusatório.

Ora, forçar o acusado a propiciar ao juízo seus dados sigilosos abre indiscutível margem para que se origine múltiplas consequências negativas, haja vista que, nesta etapa, o polo passivo da ação penal pode optar por manter-se em silêncio, confessar, autoincriminar-se ou não e, por fim, até mesmo mentir, com fundamento no princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.

Simplificando, ao preferir permanecer em silêncio e não se autoincriminar, o réu estará agindo no exercício regular de um cristalino direito constitucional, logo, não poderá o magistrado imputar ao acusado a prática do delito de desobediência, com fundamento no artigo 23, inciso III, do Código Penal [6].

Ademais, a Lei Processual também efetiva o direito ao silêncio em seu artigo 186 [7], tonificando que este não será manipulado juridicamente em desfavor do réu. No mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a exemplo dos seguintes precedentes: HC 79.589/DF [8], HC 73.035/DF [9], HC 79.244/DF [10], HC 101.909/MG [11] e HC 79.812/SP [11].

Sem mais delongas, é cristalino que o direito ao silêncio denota-se elemento inexorável que compõe a autodefesa do réu, decorrente do supracitado princípio nemo tenetur se detegere, que possui esteio legal tanto na Convenção Americana de Direitos Humanos (OEA) como no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ONU).

Por derradeiro, é cediço que ao atribuir ao réu a prática do delito capitulado no artigo 330 do Código Penal, na hipótese de opor-se apresentar seus dados bancários estabelecidos no exterior, o magistrado estaria barganhando sua competência de autoridade no procedimento criminal, trocando-a, lamentavelmente, pela conveniência cinzelada no ranço inculcado por aquilo que mais se teme no cenário processual penal contemporâneo, isto é, o autoritarismo.

 


[2] QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo (o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal). São Paulo: Saraiva, 2003.

[3] 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: g. direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm

[4] LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 446.

[5] TORON, Alberto Zacharias. Habeas Corpus e o Controle do Devido Processo Legal: Questões Controvertidas e de Processamento do Writ. 2ª ed., revista atualizada e ampliada. Revista dos Tribunais, 2018, p. 64.

[7] Artigo 186  Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm